Um texto de 2011 sobre a obrigatoriedade de legalização

A obrigatoriedade de legalização dos documentos nos processos de nacionalidade e os seus efeitos na determinação da nulidade dos registos processados sem ela

novembro 24th, 2011

O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa aprovado pelo Decreto-Lei  nº  237-A/2006, de  14 de Dezembro, determina, no  seu artº  8º que as certidões de atos de registo civil emitidas no estrangeiro são obrigatoriamente legalizadas nos termos do disposto no Código de Processo Civil, sem prejuízo do que se encontre estabelecido  em convenções internacionais ou em leis especiais.

Estão, assim, excluídas da necessidade de tal requisito apenas as certidões que  se mostrem apostilhadas, em conformidade com a Convenção de Haia de  5 de outubro de 1961 …

Todas as demais, para terem força probatória, carecem de ser legalizadas numa repartição consular portuguesa.

Dispõe  o artº Dispõe o artº 365º do Código Civil:

1 – Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respetiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.

2 – Se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalizada.

Dispõe, por outro lado,  o artº 540º do Código de Processo Civil:

1 – Os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respetivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respetivo.

2 – Se os documentos particulares lavrados fora de Portugal estiverem legalizados por funcionário público estrangeiro, a legalização carece de valor enquanto se não obtiverem os reconhecimentos exigidos no número anterior.

Nos termos da lei civil e da lei processual, a força probatória do documento só depende de legalização se houver dúvidas sobre a sua autenticidade.

No que se refere aos documentos estrangeiros usados nos processos de nacionalidade, a regra é, porém, a da legalização de todos eles.

Dispõe, com efeito, o artº  37º,8 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa que «sem prejuízo do que se encontre estabelecido em convenções internacionais e leis especiais, as certidões de atos de registo civil emitidas no estrangeiro são legalizadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.

Tanto a lei civil como a lei de processo consideram a legalização como um mecanismo constitutivo da força probatória do documento, na hipótese de alguém suscitar dúvidas sobre  mesma.

A lei estabelece, assim, uma presunção de que os documentos exarados em país estrangeiro têm a mesma força probatória que documentos idênticos  processados em Portugal, presunção essa ilidível pelas autoridades ou por qualquer interessado, mediante a simples apresentação de dúvidas sobre a autenticidade.

A norma especial do artº 37º,8  do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo Decreto-lei nº  237-A/2006, de 14 de Dezembro, veio estabelecer uma presunção, à l’envers, no sentido da falta de autenticidade de todas as certidões de registo civil emitidas no estrangeiro, apenas ilidível mediante a legalização, sem prejuízo do estabelecido nas convenções internacionais e em outras leis especiais.

A legalização de tais certidões (sem prejuízo dos meios alternativos previstos nas convenções) passou a ser, no quadro do  referido diploma, uma formalidade essencial – uma verdadeira formalidade ad substanciam – para a validade e eficácia das mesmas.

Ou seja: as certidões de registo civil emitidas no estrangeiro não podem ser usadas validamente em processos de nacionalidade ou em processos conexos se não forem previamente legalizadas ou sujeitas às formalidades das convenções pertinentes.

 

Nenhuma norma admite que os consulados possam processar quaisquer documentos sem os legalizar previamente, ou sem que eles seja apostilhados pelo Estado que os emite.

Pergunta pertinente é a de saber se também estão sujeitas a tal formalidade as certidões que sejam usadas nos registos processados nos consulados de Portugal, que são os competentes para proceder à legalização.

A resposta parece-nos inequívoca, no sentido de que também essas certidões carecem de legalização para poderem ter validade.

Em primeiro lugar, não há nenhuma norma que crie uma exceção relativamente às certidões de registo civil emitidas por autoridades estrangeiras, que sejam usadas pelos consulados de Portugal.

Em  segundo lugar porque a exigência de legalização das certidões utilizadas nos processos instruídos nos consulados tem a mesma pertinência que têm a legalização do mesmo tipo de documentos usados em qualquer outra repartição de registo civil.

Como se vê do disposto no artº 540º,1 do CPC, a legalização de um documento supõe o reconhecimento da assinatura do funcionário que o emitiu por um funcionário consular,  que o assinará e o selará com o selo consular.

Por regra, a legalização nunca é processada relativamente à assinatura do funcionário que assinou  o documento mas relativamente à última assinatura de uma cadeia de reconhecimentos, assinatura essa contida no ficheiro de assinaturas do consulado em causa.

Os consulados indicam, por regra, uma lista de notários de quem têm ficha de assinatura, incumbindo aos interessados a construção da cadeia, em termos que permitam colocar um desses notários no topo.

Por via de regra, os consulados não procedem à legalização direta da maioria dos documentos, exigindo que passem os mesmos, previamente, por um notário de permeio, precisamente porque não têm condições para a feitura das legalizações sem adotar essas cautelas.

Se outra razão não houvesse, esta seria suficiente para, numa lógica de seriedade e isenção, só serem processados os processos instruídos nos consulados de Portugal, desde que as respetivas certidões estejam  devidamente legalizadas.

Importa agora questionar quais as consequências do processamento de registos suportados em certidões de registo civil emitidas no estrangeiro e que não tenham sido devidamente legalizadas.

Impondo a lei que tais certidões sejam legalizadas parece-nos inequívoco que têm que ser considerados nulos os registos processados na base de certidões quer não respeitem esse requisito.

O facto de as certidões terem sido usadas no consulado não substitui nem elimina a obrigação formal imposta pelo referido artº 37º,8 do Regulamento da Nacionalidade, trocada por uma espécie de informalidade de tratamento.

A legalização de um documento é um ato solene, que envolve uma assinatura, necessariamente manuscrita e o selo consular, que é ainda um selo físico, responsabilizando o funcionário e envolvendo todo o peso da instituição consular e do próprio Estado.

Se o legislador tivesse pretendido dispensar de legalização as certidões utilizadas nos processos consulares tê-lo-ia afirmado de forma expressa, em derrogação do disposto o referido diploma.

Não o tendo feito, entendemos que todos os registos processados com certidões não legalizadas são nulos, por força do disposto no artº 220º do Código Civil.

Essa nulidade é, a nosso ver, insuprível, sem prejuízo da possibilidade do processamento de novo registo, devidamente instruído com certidões legalizadas, necessariamente por funcionário diferente do funcionário instrutor, que,  em nossa opinião, tem um dever de verificação que é incompatível com a qualidade de notário no ato de reconhecimento.

 

25/11/2011

Miguel Reis

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