Portugal já foi um país credível, cujos documentos eram aceites sem reservas nos quatro cantos do Mundo.
A introdução do passaporte eletrónico e do cartão de cidadão vieram melhorar, de forma sensível, a credibilidade dos documentos portugueses.
Essa credibilidade foi seriamente abalada com alguns casos de falsificação de documentos da responsabilidade de funcionários do Estado e, sobretudo, pelo escândalo IRN/SEF.
As falsificações de documentos que afetam de forma mais gritante o sistema documental português são relativas ao registo civil e ao registo da nacionalidade portuguesa, por um lado, e à concessão de vistos e registo de estrangeiros, pelo outro.
A prestação de serviços nestas áreas movimenta muitos milhões de euros e gera um tráfico de influências tão intenso que impede, por exemplo, a devolução de identidade furtada aos seus legítimos titulares.
A segurança que era garantida por um registo central da nacionalidade e por uma politica pró-ativa de combate à procuradoria ilícita, ao tempo saudosa Direção Geral dos Registos e do Notariado, foi substituída uma politica imprudente de descentralização que favorece a procuradoria ilícita e o tráfico de influências.
Sem prejuízo do sagrado princípio da presunção de inocência não podemos ser tão ingénuos que não atribuamos importância politica à prisão do anterior presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, Dr. António de Figueiredo, do diretor geral do SEF, Dr. Jarmelo Paulos e da secretária geral do Ministério da Justiça Maria Antónia Anes bem como à acusação deduzida contra Miguel Macedo.
Também não pode desvalorizar-se o facto de Albertina Gonçalves, sócia de Miguel Macedo na sociedade de advogados Miguel Macedo & Albertina Gonçalves, continuar a ser a advogada do Institutos dos Registos e do Notariado.
Ainda hoje não se compreende por que razões o Ministério Público, por iniciativa da Conservatória dos Registos Centrais, se opõe à aquisição da nacionalidade por milhares de cônjuges de nacionais portugueses, alegando falta de ligação à comunidade nacional. Mas facilita a entrada na nossa comunidade, em termos mais do que duvidosos, de indivíduos perseguidos pela justiça de países amigos, como é o caso de George Wright.
Foi agora anunciado que em 2017, o Governo prevê que sejam abertas cerca de 40 novas Lojas do Cidadão e que se proceda à instalação de cerca de 400 novos Espaços do Cidadão em território nacional.
Corremos o sério risco de serem abertos mais 440 centros de corrupção, procuradoria ilícita e tráfico de influências, em vez de melhorar a qualidade e a genuinidade dos serviços públicos.
Não faltam repartições. O que falta são funcionários competentes e isso não se fabrica de um dia para o outro.
E falta sensibilidade para distinguir os cidadãos que acedem como indivíduos às repartições e os profissionais que exercem, de forma lícita, a procuradoria profissional e que podem dar um apport extraordinário à qualidade do serviço público.
Parece-nos óbvio que tem que haver dois canais que permitam uma separação inequívoca entre os processos introduzidos por mandatários, em qualquer repartição pública e os que são pedidos informais de cidadãos, nas mais das vezes sem qualquer ordenação ou instrução.
Os advogados e os solicitadores fazem, por dever de oficio, o essencial do trabalho de análise que, no outro quadro, compete aos funcionários, devendo requerer, de forma objetiva e ver os seus pedidos despachados nos prazos do procedimento administrativo.
Tudo com a vantagem de serem responsáveis pelo uso que fazem dos documentos, o que não acontece com os procuradores ilícitos, que nem sequer se identificam e são os maiores utilizadores e fabricantes de documentos falsos.
A aceitação de documentos entregues por pessoas não identificadas que gozam de facilidades nas repartições é uma das principais causas da perda de segurança do nosso sistema documental.
A descentralização é um erro se não houver um arquivo centralizado de documentos e se se abusar dos sistemas digitais, sem assegurar um rigoroso tratamento dos documentos originais.
O caso que mais me marcou, até porque ainda não está resolvido é o de Francisco Julião do Rego, um português de Goa que foi duplicado pelos serviços do Instituto dos Registos e do Notariado.
Casaram-no e divorciaram-no, falsamente, duas vezes. Fizeram-lhe filhos e deram o seu cartão de cidadão ao clone.
Espero que ele esteja vivo para pedir a António Costa, na visita deste a Goa, que lhe devolva a sua identidade, porque, pobre do homem, são tão fortes os interesses que protegem o clone que é impossível anulá-los.
A última novidade nesta área é a substituição de funcionários por empregados de empresas estrangeiras, que usam os “login” e “passwords” dos funcionários verdadeiros para praticar atos de registo civil e pedir cartões de cidadão e passaportes.
Estamos no domínio das falsificações da era digital, que contrastam, de forma grotesca com as instruções da senhora ministra da Justiça para contestar pretensões de advogados relativamente à implementação do sistema eletrónico de registo civil.
Isso mesmo.
Miguel Reis