Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022
Sumário: Ónus da prova, dever de informação e nexo de causalidade do intermediário financeiro, no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)
Recorrentes – AA e BB
Recorrido – Banco BIC Português, SA
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das Secções Cíveis,
I – Relatório
1 – AA e BB intentaram ação declarativa contra Banco BIC Português, S. A. (anteriormente BPN – Banco Português de Negócios, S. A.), pedindo, a título principal, a condenação da Ré a pagar-lhes o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da entrada da petição inicial, perfaziam o montante de (euro)385 000,00, assim como os juros vincendos desde a citação até integral pagamento. Subsidiariamente, pedem a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato por adesão que a Ré invoque como fundamento da aplicação da quantia de (euro)300 000,00, que os Autores lhe entregaram, em obrigações subordinadas SLN 2006, assim como a declaração de ineficácia em relação aos Autores da aplicação que a Ré haja feito daquele montante e, ainda, a condenação da Ré na restituição do valor de (euro)385 000,00, que representa a soma da quantia entregue à Ré e dos juros vencidos à taxa acordada, acrescida de juros legais vincendos desde a data da citação até integral cumprimento. Requereram ainda, em qualquer caso, a condenação da Ré no pagamento do montante de (euro)10 000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegaram que:
– foram clientes do BPN, na sua agência de …, com uma conta de depósitos à ordem;
– em 10/04/2006, o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada;
– empregado do BPN sabia que o Autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro;
– o seu dinheiro, no montante de (euro)300 000,00 viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que os Autores soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa,
– sempre foi dito ao Autor que o capital era garantido pelo Banco, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;
– o Autor sempre esteve convencido numa aplicação segura da supra referida quantia e com as características de um depósito a prazo;
– caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não consentiria nem autorizaria;
– os juros foram sendo semestralmente pagos, até Nov/2015, o que transmitiu segurança aos Autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade;
– a partir da referida data, o BPN deixou de pagar os juros respetivos e, agora, atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que os Autores nem sabiam existir;
– os Autores não sabiam o que era a SLN, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que o BPN utilizava;
– foi completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os Autores nunca aceitariam se conhecessem os seus reais termos;
– o prazo de maturidade ocorreu em abril/2016 e o capital investido não foi restituído aos Autores, nem tem sido cumprido o pagamento dos juros acordados;
– os Autores, por efeito do incumprimento do BPN, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem;
– o BPN colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro e tem-lhes provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.
2 – A Ré contestou, invocando que, ao tempo da respetiva subscrição, o instrumento financeiro em apreço era um investimento seguro, tendo o Autor marido sido informado das suas condições e de que não se tratava de um depósito a prazo.
3 – Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.
4 – Os Autores, inconformados, interpuseram recurso de apelação.
5 – O Tribunal da Relação de … julgou a apelação parcialmente procedente, tendo sido alterada a decisão de facto e revogada a sentença, condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia de (euro)300 000,00, assim como a importância líquida dos juros remuneratórios desde maio de 2016 e os respetivos juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4 % ao ano. A Ré foi absolvida do restante pedido.
6 – Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista.
7 – Os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
8 – O Supremo Tribunal de Justiça, considerando inverificado o incumprimento do dever de informação e, complementarmente, indemonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o dano alegado pelos Autores, concedeu a revista, revogando o acórdão recorrido e absolvendo a Ré dos pedidos.
9 – Inconformados com a decisão contida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, os Autores – AA e BB interpuseram recurso extraordinário para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência e à revogação daquele Acórdão, nos termos dos artigos 688.º e ss do Código de Processo Civil, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Tribunal de 25 de outubro de 2018, proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1.
10 – Nas suas alegações, os Autores/Recorrentes formularam as seguintes (transcritas) conclusões:
“I.
1 – O acórdão recorrido relativamente à mesma questão fundamental de direito está em oposição com o acórdão do STJ de 25/10/2018, no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1.
2 – Do Acórdão recorrido e do acórdão fundamento resulta uma factualidade dada como provada, equivalente, tendo no entanto merecido interpretações antagónicas.
3 – São duas as questões fundamentais a saber e ambas no âmbito da responsabilidade civil, decorrente do facto de o R. ter tido intervenção na colocação das obrigações da SLN, enquanto intermediário financeiro. E em concreto dois dos seus pressupostos: a ilicitude e o nexo causal.
II. Da ilicitude
4 – Estabelecendo um paralelismo entre as situações relatadas, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, verifica-se que o primeiro desconsidera de forma vertiginosa a factua-lidade dada como provada em sentido idêntico (cf. artigos 7.º, 8.º, 9.º, 11.º, e 12.º), e, que quanto a nós, nos parece inequívoca quanto à flagrante violação do dever de informação a que o Banco Réu estava adstrito.
5 – Sendo certo que, o Acórdão recorrido dispõe ainda, de factualidade muito mais sólida e relevante (cf. artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º), que lhe permitiria decidir de forma diferente, e no sentido do Acórdão fundamento.
6 – Mesmo dando-se de barato que possa ter existido alguma explicação sobre o teor das aplicações ao Autor, como defendeu o Acórdão recorrido, a verdade é que esta foi insuficiente e mostrou-se eivada de falsidade, pelo que é inverosímil que o Autor tivesse compreendido verdadeiramente o produto que estava a subscrever
7 – Aliás, atenta a matéria dada como provada, conclui-se que os Autores aplicaram o seu dinheiro sem saber em quê. Ninguém lhes explicou o que eram obrigações e não sabiam, nem sabem, o que são. Também ninguém lhes explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar o dinheiro no BPN. Sendo certo que, o Banco Réu prestou informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido.
8 – E não se diga que se tratavam de investidores experientes, pois em ambos os casos estamos perante investidores não qualificados, e perfil conservador.
9 – Mas se é verdade, que os funcionários do Réu não prestaram informação completa e leal acerca do produto que venderam ao Autor, que estava muito longe de ter o retorno assegurado como se fosse um produto do Banco, também não é menos verdade, que ao terem dito ao Autor que “O BPN garantia o pagamento destas Obrigações SLN”, o Banco Réu assumiu de forma perentória uma dívida, perante os Autores.
10 – Para um declaratário normal, colocado na posição do Autor – que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, e que não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros, dizer-lhe que “o capital era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias”, e sobretudo, dizer que era o BPN que garantia o reembolso do capital, significa que o capital lhe seria restituído a 100 % pelo BPN e, que estava a colocar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente Banco (art. 236.º, n.º 1 do CC).
11 – Como tal, perante a assunção da dívida por parte do BPN, é indiferente se a SLN era ou não dona do Banco, pois, a verdade é que desde a nacionalização, que o não é.
12 – Temos, pois, que o banco Réu assumiu perante o Autor aquando da aquisição do produto financeiro (2006), o compromisso da garantia do capital que havia sido investido.
13 – Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante o autor o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.
14 – Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu.
15 – Além de que, sendo o dito banco BPN responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800, n.º 1 do Código Civil), conclui-se que aquele violou os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.
16 – Caso contrário, entraríamos naquilo a que podemos chamar de “vale tudo”, no âmbito das negociações efetuadas entre o Banco e os seus clientes, quando estivessem a promover os produtos financeiros, onde tudo era permitido aos Bancos, nomeadamente prestar as informações que lhe fossem mais convenientes, omitindo ou deturpando outras relevantes, sem que daí decorresse qualquer responsabilidade para os mesmos.
17 – Além de que, se seguíssemos a linha de pensamento do Acórdão recorrido, então de nenhuma validade tinham as disposições legais que regulam a dever de adequação e dever de informação a que estão adstritos os Bancos, sobretudo quando estamos a falar de clientes, com um perfil conservador, e que não têm qualificação nem conhecimentos para poder compreender os diversos tipos de produtos financeiros e os riscos que deles podem advir, como é o caso do Autor.
18 – Também o facto de o Autor ter já ter feito outros investimentos em aplicações financeiras, mostram qualquer aptidão em matéria financeira, pois como o próprio acórdão recorrido explica na matéria de direito, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiên-cia do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação, contrariando assim de modo evidente, a decisão do pleito.
19 – Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, como é o caso do Autor, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto.
20 – Assim, é evidente que o Acórdão recorrido desvirtuou a factualidade dada como provada, uma vez que o dever de adequação implica não só o conhecimento do cliente, o seu perfil, como também a capacidade de risco do investidor para aquele produto financeiro, elementos dos quais o Banco Réu era conhecedor, e que ignorou em absoluto.
21 – Outrossim, não bastava o Autor não saber o que eram obrigações, nem ninguém lhe ter explicado o que eram, como ainda, estavam em causa obrigações subordinadas, que têm como especificidade, o facto de o Autor, em caso de insolvência da sociedade SLN, só ser pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados – como resultava do disposto na alínea c) do art. 48.º do CIRE.
22 – O facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o Banco Réu ter omitido ao Autor marido o risco de insolvência da SLN, e a possibilidade de nunca mais vir a reaver o dinheiro investido, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.
23 – Não se pode esquecer também o prazo de 10 anos, prazo extremamente longo, pelo que, nunca ninguém poderia afirmar que no final desse mesmo prazo, o capital estava garantido, e por isso mesmo, a insolvência sempre seria de se admitir e considerar (mais uma vez o banco réu prestou informação falsa).
24 – E, não se pode dizer que não havia exemplo de insolvências de bancos (o que não é correto, pois já havia ocorrido com a Caixa Económica Faialense, no ano de 1986), quando a SLN nem sequer era o banco, mas sim uma empresa ou uma holding de empresas de vários ramos de negócio, com todos os riscos que isso envolve, designadamente de contágio entre elas.
25 – Todas estas informações eram necessárias à compreensão e formação da vontade do Autor no sentido de ter consciência suficiente da natureza e consequências do negócio que estava a realizar e de decidir realizá-lo, e que não foram transmitidas ao Autor.
26 – Mas repare-se que, esta necessidade de o Autor ser alertado para a possibilidade insolvência decorre de forma inequívoca da Nota Informativa.
27 – Ora, atendendo a que a Nota Informativa, é um documento superveniente (superveniência subjetiva), pois só agora chegou ao conhecimento dos AA. e adveio à sua posse e do seu mandatário, o que impossibilitou a sua apresentação anteriormente ao recurso, mas que se revela imprescindível, requer-se a junção de tal documento aos autos. Cfr. Nota Informativa
28 – A Nota Informativa do produto inicia logo com “advertência aos investidores”, donde consta designadamente o seguinte: “Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE”.
29 – Note-se que a as condições da emissão obrigacionista e a respetiva Nota Informativa em causa foram aprovados pelo Banco de Portugal, entidade competente para o efeito, uma vez que neste caso não estava sujeito às regras da CMVM. Isso pode-se ler logo no ponto 1.
30 – Em nenhum dos casos em presença (do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento) o Banco Réu provou ter fornecido cópia da Nota Informativa aos Autores, e muito menos provou ter-lhes dado as explicações que dela constam (ónus que lhe incumbia).
31 – O facto de não ter provado que entregou aos Autores qualquer Nota Informativa sobre o emitente das Obrigações, integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312.º-C e 312.º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação a prestar a investidor não qualificado, como era o caso do Autor.
32 – Portanto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, considerou factos não provados pela negativa, quando o ónus incumbia ao banco réu, demonstrando-se assim, incompreensível a sua posição.
33 – Ora, o Acórdão fundamento tem dos mesmos factos, até menos sólidos (face aos factos provados em 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º nestes autos), posição jurídica antagónica como se referiu.
34 – Considera que se mostra verificado o ilícito civil, por violação do dever de informação, visto que o produto que venderam ao Autor, estava muito longe de ter o retorno assegurado como se fosse um produto do Banco.
35 – Considerando mesmo que não foram fornecidas ao Autor informações de posse do Réu, para compreensão do risco do investimento proposto.
36 – É inequívoco que, a fundamentação seguida pelo Acórdão recorrido, não se coaduna com o quadro legal aplicável perante os factos que se mostram provados, que são idóneos a demonstrar que houve violação dos deveres de informação por parte do Banco Réu.
37 – No entanto, mais do que ter prestado informação insuficiente, e até mesmo falsa, o Banco Réu, assumiu perante o Autor a garantia do capital investido (assunção de dívida), estando por isso mesmo vinculado a esse compromisso contratual.
III. Do nexo de causalidade
38 – Defendeu o Acórdão recorrido, quanto ao nexo de causalidade que “É ao autor, enquanto cliente do BPN, que cabe provar que não teria realizado a subscrição da obrigação caso lhe tivesse sido prestada a informação alegadamente em falta. Pelo que não é possível estabelecer um nexo causal entre um putativo incumprimento dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro BPN, no âmbito de um contrato de receção e transmissão de ordens, e os danos que os clientes sofreram em virtude do incumprimento do dever primário de prestação, num outro contrato, celebrado entre estes clientes e a emitente da obrigação, a SLN – parecer citado, fls. 414 e 415”.
39 – Por sua vez, o Acórdão fundamento, decidiu de forma visivelmente oposta, desde logo, porque na sua perspetiva, no caso evidenciado nos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão, mas antes, o que está em causa é uma situação hipotética.
40 – Entende que, face à factualidade dada como provada, e das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do apelante, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido.
41 – Assim, como refere o acórdão fundamento “… impõe-se concluir que se os funcionários tivessem prestado a informação legal e contratualmente devida a A. muito provavelmente, com altíssima probabilidade, nunca teria subscrito aquela aplicação”.
42 – Mais refere “isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos AA. e a conduta ilícita e culposa dos R. traduzida na violação dos deveres de informação e de boa fé contratual, que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro”.
43 – Por fim, o Acórdão recorrido, não deixou de mencionar que o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente, o que constitui uma circunstância anómala e não previsível, e não pela violação de qualquer dever de informação do Banco R.
44 – Acontece que, relativamente à previsibilidade da insolvência e da necessidade da mesma ter sido transmitida ao Autor, já nos pronunciamos em cima aquando da análise ao pressuposto da ilicitude, pelo que, sem mais delongas, reproduzimos na íntegra o que aí foi dito, para todos os efeitos legais.
Isto posto, cumpre referir,
IV.
45 – Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da atuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não atuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo, o interesse do investidor, seu cliente, e que, naturalmente, confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido pelo BPN, e foi assim que foi razoavelmente entendido pelo Autor.
46 – A decisão recorrida, face à factualidade dada como assente, ao entender que não o Banco Réu não violou os deveres de informação, e ao desconsiderar em absoluto o compromisso do BPN como garante do capital, nega de forma insofismável a tutela dos direitos e interesses dos clientes, que obrigam as instituições bancárias a adotar uma orgânica própria e muito especializada, de forma a poder responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas.
47 – Com o devido respeito, o acórdão recorrido, tal como aqueles que o antecedem no mesmo sentido, não fazem jus ao regime jurídico instituído para as instituições de crédito e do intermediário financeiro, pois as regras construídas em face daquelas previsões legais, assentam claramente na obrigação de assistência e no dever de colaboração das instituições de crédito para com os seus clientes, tutelando os seus direitos e interesses.
48 – Ao contrário, a tese do acórdão fundamento, a nosso ver, bem, entende que o Banco Réu ao propor a aquisição de ativos financeiros com a informação de capital garantido, responsabiliza-o na qualidade de intermediário financeiro, pelo reembolso do capital investido, sendo certo que, o mesmo violou os deveres de informação que sobre si impendiam.
49 – A resposta do acórdão fundamento, é consentânea com os preceitos legais em que se estriba e não desrespeita, pelo menos de forma, aos nossos olhos, tão flagrante, a essência dos deveres de informação, e dos ditames da boa-fé, padrão de diligência, lealdade e transparência, como a resposta que se deu no acórdão recorrido, que com o devido respeito e salvo melhor opinião, nos parece desrespeitar por completo e não colher fundamento em texto legal expresso nem no comando de orientação fundamental para a colmatação de tal desresponsabilização do Banco Réu.
50 – Violou assim com o devido respeito, no nosso entendimento, o acórdão recorrido o disposto nos artigos 590.º, 615.º, n.º 1, alínea d) e 672.º todos do CPC; artigos 227.º, 236.º, 483.º, 496.º, 562.º, 762.º, 798.º, 799.º, 800.º, 805.º do Código Civil; 7.º, 290.º, 204.º, 312.º, 314.º do CVM, entre outros.
51 – Assim, deve ser uniformizada jurisprudência sobre a questão da ilicitude, no sentido que, a informação dada pelo Banco ao cliente, de que o capital é garantido, assumindo o compromisso desse mesmo reembolso, não só constitui violação dos deveres de informação e dos ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões da diligência, lealdade e transparência exigíveis, como ainda, constitui assunção de responsabilidade do Banco Réu, pelo compromisso contratual que assumiu.
52 – Também, deve ser uniformizada jurisprudência, no sentido que, para que se verifique o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, que consiste na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o Autor não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
53 – Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento e em consequência fixar-se jurisprudência no sentido propugnado e de acordo com o acórdão fundamento.
Termos em que deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso, fixando-se jurisprudência no sentido que:
– A informação dada pelo Banco ao cliente, de que o capital é garantido, assumindo o compromisso desse mesmo reembolso, não só constitui violação dos deveres de informação e dos ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões da diligência, lealdade e transparência exigíveis, como ainda, constitui assunção de responsabilidade do Banco Réu, pelo compromisso contratual que assumiu; e ainda
– Para que se verifique o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, que consiste na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que o factos permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o Autor não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
E, ainda subsidiariamente,
– Fixar-se jurisprudência Uniforme, de acordo com outros fundamentos que melhor se entendam,
Mas sempre, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue procedente a ação.
Assim se fazendo, inteira e sã.”
11 – Os Recorrentes/Autores juntaram o Acórdão fundamento, de 25 de outubro de 2018, proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1, assim como um documento (Nota Informativa respeitante à emissão de obrigações SLN 2006, aprovada pelo Banco de Portugal).
12 – A Recorrida/Ré apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação do aresto recorrido, sustentando, em suma, que entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido não existe uma total similitude dos factos considerados como provados, sendo, de resto, o Acórdão recorrido muito mais extenso na descrição da factualidade respeitante ao momento da contratação. No caso de ser admitido o Recurso de Uniformização de Jurisprudência a que responde, preconiza a uniformização de jurisprudência no sentido de que:
“a. O artigo 312., alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obriga, apenas à informação sobre os riscos endógenos, ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto; b. O nexo de causalidade está sujeito a prova nos termos gerais, não resultando abrangido pela presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil, recaindo o ónus da sua prova sobre quem dele beneficie.”
13 – Nas suas contra-alegações, a Recorrida apresentou as seguintes (transcritas) conclusões:
“1 – A oposição de julgados pressupõe necessariamente um quadro factual de base que seja ele próprio semelhante ou equivalente. Só uma tal identidade permitirá que se possa avaliar em concreto de uma verdadeira oposição de julgados!
2 – Entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido não há uma absoluta similitude de factos dados como provados, sendo aliás o Acórdão Recorrido bem mais extenso naquilo que é a descrição da factualidade relativa ao momento da contratação.
3 – Analisados os concretos factos e confrontado o seu teor, logo se verifica que não estamos perante o mesmo enquadramento factual, sendo que um ultrapassa em muito o outro.
4 – Por esta razão, não vemos como possa ser recebido o presente recurso por a questão de direito em discussão ser, apesar de próxima, completamente diversa!
5 – O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário com objecto estritamente jurídico.
6 – Por natureza, não há nem pode haver qualquer tipo de discussão sobre a matéria de facto.
7 – O documento cuja junção os Recorrentes fazem é não apenas processualmente inadequada como completamente inadmissível!
8 – Num recurso de uniformização a junção de meios probatórios, ainda que supervenientes é sempre inadmissível.
9 – Deve, pois, e desde já, ser mandado desentranhar este inusitado documento.
10 – Acresce que, litigando com o mesmo ilustre mandatário, já por dezenas de vezes foi este mesmo documento junto a processos em que este interveio!
11 – Nada justifica a junção do documento nestes específicos autos, além do mais, simplesmente por não ser, de todo, um documento superveniente.
12 – A junção do documento em questão deverá assim ser liminarmente indeferida quer porque o disposto no artigo 651.º do Código de Processo Civil não tem aplicação no Recurso Para Uniformização de Jurisprudência, quer, assim não se entendendo, porque a sua junção não obedece aos requisitos do referido artigo 651.º, bem como aos do artigo 425.º também do CPC.
13 – Não adianta o Recorrente qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…
14 – O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.
15 – Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!
16 – A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro… antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se… a todos, os contratos!
17 – Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!
18 – A SLN era titular de 100 % do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.
19 – O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.
20 – E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!
21 – A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.
22 – O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!
23 – A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.
24 – A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.
25 – A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…
26 – A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!
27 – A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.
28 – Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!
29 – O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo suas obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.
30 – A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artigo 236.º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.
31 – A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica necessariamente a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.
32 – O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
33 – O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.
34 – No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.
35 – Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.
36 – Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
37 – Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram – até praticamente ao momento do incumprimento – que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.
38 – Dispunha sobre esta matéria o artigo 304.º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
39 – E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312.º n.º 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.
40 – Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
41 – Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!
42 – A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312.º-E n.º 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
43 – O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do n.º 2 do art. 312.º-E.
44 – São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.
45 – A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.
46 – Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.
47 – O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.
48 – Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
49 – A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!
50 – Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.
51 – E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
52 – Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312.º-E n.º 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!
53 – O artigo 312.º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
54 – Do elenco de factos provados de qualquer dos acórdãos em confronto não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.
55 – A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.
56 – No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!
57 – Do texto do art. 799.º n.º 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.
58 – E, de resto, nos termos do disposto no artigo 344.º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
59 – Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.
60 – Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.
61 – Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.
62 – A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.
63 – Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.
64 – Estamos perante uma situação em que se configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!
65 – Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.
66 – O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.
67 – É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?
68 – O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!
69 – A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.
70 – No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
71 – O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação – e um concreto dano (que não hipotético)!
72 – Não basta afirmar-se genericamente, como os AA. parecem fazer, que eles não foram informados do risco de insolvência e que é essa causa do seu dano!
73 – Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
74 – Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.
75 – E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
76 – E nada disto foi feito!
77 – A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!
78 – A uniformizar-se jurisprudência sobre esta questão não poderá ela deixar de ser no sentido de que o nexo de causalidade está sujeito a prova nos termos gerais, não resultando abrangido pela presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil, recaindo o ónus da sua prova sobre quem dele beneficie.
79 – Prossegue o Recorrente alegando, ainda que de forma algo tímida, uma vez que apenas o refere de forma lateral – talvez por perceber que tal matéria dificilmente seria “uniformizável” – que o Banco-Réu terá uma obrigação própria de reembolso do valor investido pelos investidores fundada numa suposta garantia oferecida pelo Banco-Réu ao reembolso pela SLN – entidade emitente.
80 – Uma dita garantia tratar-se-ia inevitavelmente de uma fiança. Ora, tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628.º do C.C.
81 – No caso, vale o disposto no art. 327.º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.
82 – Da conjugação de ambas as disposições parece-nos manifesto que a garantia a, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição.
83 – Não constando, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220.º do C.C.
84 – Os subscritores de valores mobiliários estão numa situação de paridade entre si, não sendo possível a emissão dos mesmos com características ou garantias diferentes.
85 – Se o Banco-Réu tivesse prestado qualquer garantia, ela não poderia ser privativa dos AA.
86 – A declaração de uma garantia deve ser especifica e expressamente emitida, não sendo consentânea com declarações vagas e de sentido dúbio…
87 – A teoria de impressão do destinatário vale para a interpretação de declarações negociais, mas já não para avaliar, por si só, da efectiva existência de uma declaração negocial e concretamente de estarmos ou não perante uma expressão de uma vontade de vinculação pessoal.
88 – Mas não é esta susceptível de determinar se a declaração era negocial ou não, substituindo-se à vontade das partes de resto, a solução normativa do artigo 246.º do Código Civil parece vir exactamente de encontro.
89 – Se, e apenas se, a parte quiser vincular-se negocialmente, declarando algo nesse sentido, estaremos na presença de uma declaração negocial, seja para contratar ou previamente a um contrato.
90 – Será sempre essencial que seja criada uma aparência a um normal declaratário de que a parte está a emir uma declaração verdadeira tradutora da sua efectiva vontade negocial.
91 – Ou seja, a aparência em causa não se pode resumir à mera declaração, enquanto elemento externo, mas deve ser igual e paralelamente criada quanto à efectiva vontade da parte se vincular a efeitos práticos e jurídicos por aquela manifestação.
92 – Uma declaração negocial não resulta apenas da impressão do declaratário e do valor que lhe possa dar. Resulta antes de mais da vontade do declarante em se vincular negocialmente, o que não vislumbramos no caso!
93 – Em suma, a vinculação negocial não pode resultar da mera aplicação dos critérios do artigo 236.º do Código Civil, sendo que esta disposição serve apenas para interpretar as declarações de quem se quer efectivamente vincular.
94 – Nos presente autos falta a prova de que o Banco, ou o seu funcionário em seu nome, se queria vincular a uma obrigação jurídica.
95 – Sem uma tal prova, nem sequer fica demonstrado que a expressão transmitida aos clientes de que o produto teria capital garantido, correspondesse a uma declaração negocial. E com isso cai qualquer tipo de recurso à teoria da impressão do destinatário, apenas apta a determinar a interpretação de declarações negociais.
96 – Na falta de tal declaração negocial não haverá qualquer jurisprudência a fixar uma vez julgamos desnecessário fixar jurisprudência no sentido de que os contratos são para cumprir.”
14 – A Recorrida juntou dois pareceres jurídicos.
15 – O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência foi admitido, liminarmente, a 29 de março de 2019, por despacho de fls. 172/178 dos autos, por se reconhecer que o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação e se entender que ocorre, entre ambos, a invocada contradição quanto às mesmas questões fundamentais de direito.
16 – De acordo com o referido despacho, que reconheceu a existência de oposição de julgados e admitiu o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência:
“A violação do dever de informação/existência de ilicitude
[…]
Deste modo, conclui-se, no acórdão recorrido pela inexistência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada à ré.
[…]
No acórdão fundamento, com a aplicação das mesmas regras de direito julgou-se diversamente.
[…]
Não foi ilidida pelo réu a presunção de culpa que sobre si impende, como intermediário financeiro e banco – art. 314.º, n.º 2, do CVM – à data dos factos.
Concluiu, tal como se concluiu no aresto que seguiu, também aqui se verifica uma actuação culposa do Banco, que co-envolve a ilicitude da sua actuação.
O nexo de causalidade
No acórdão recorrido, foi decidido que a lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção (arts 563.º e 799.º, conjugados com os arts 342.º e ss, todos do CC). E ainda que o art. 799.º do Código Civil aplica-se apenas à culpa e não ao nexo de causalidade. Ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano não se podendo, em caso algum, presumir-se quer o nexo de causalidade quer o dano.
No acórdão fundamento, a questão do nexo de causalidade foi julgada de forma diversa. Ali se decidiu que a ilicitude na actuação do Banco não pode deixar de se reflectir no nexo de causalidade. E que a presunção de culpa do artigo 799.º envolve uma presunção de causalidade.
E ainda se conclui que, existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido, que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria, dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente do réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483.º, n.º 1, do Código Civil.
Mas ainda que se entenda que a causalidade não pode ser presumida a partir dos factos indiciadores da ilicitude e da culpa, sempre essa causalidade pode ser extraída dos factos que revelam a postura doa autores perante o risco, os seus objetivos nas operações bancárias ou seja o seu perfil de cliente.
Conclui o acórdão fundamento que, se os funcionários da ré tivessem prestado a informação legal e contratualmente devida, o autor, muito provavelmente, com altíssima probabilidade nunca teria subscrito aquela aplicação. Ora isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos autores e a conduta ilícita e culposa do réu, traduzida na violação dos deveres de informação e da boa-fé contratual, que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro.”
17 – O Digno Magistrado do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de Justiça, cumprido que foi o disposto no n.º 1 do artigo 687.º ex vi artigo 695.º, do Código de Processo Civil, emitiu parecer no sentido da inexistência de presunção legal da ilicitude da conduta do intermediário financeiro e do nexo de causalidade entre esta conduta e o dano sofrido pelo investidor. Em vista da resolução do conflito jurisprudencial, sugere a seguinte formulação para o acórdão uniformizador de jurisprudência:
“A presunção de culpa prevista no artigo 314.º do CVM não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um mínimo de correspondência na letra da lei (cf. artigo 9.º n.º 2, do Código Civil).”
18 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
As questões a que se deve dar resposta são as seguintes:
– Se se verifica a contradição jurisprudencial entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento;
– Os deveres de informação e responsabilidade civil do intermediário financeiro pela sua violação;
– Fixar, para efeitos de uniformização de jurisprudência:
a) se o intermediário financeiro que não informa investidores-clientes não profissionais sobre o risco em que, em abstrato, pode vir a incorrer, decorrente do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas), viola – ou não – os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM;
b) a quem compete a prova dos pressupostos de responsabilidade civil do intermediário financeiro.
– No caso de se confirmar a contradição jurisprudencial mencionada supra e de se fixar jurisprudência, se a Ré/Recorrida violou ilícita e culposamente os deveres de informação que sobre si impendiam e se estão demonstrados os restantes pressupostos da responsabilidade civil.
Como questão prévia: Se os Autores/Recorrentes podem requerer a junção, no âmbito do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, de um documento (Nota Informativa respeitante à emissão de obrigações SLN 2006, aprovada pelo Banco de Portugal).
III – Fundamentação
Questão prévia: a junção de um documento pelos Autores/Recorrentes:
Os Recorrentes vieram requerer, com as suas alegações de recurso, junção de um documento denominado “SLN 2006 NOTA INFORMATIVA” de maio de 2006 (fls. 53 a 68), pretendendo demonstrar que a Recorrida violou o dever de informação, referindo que o mesmo é superveniente, porquanto só agora chegou ao conhecimento dos Autores.
A parte contrária contra-alegou, referindo que, num recurso de uniformização de jurisprudência a junção de meios probatórios, ainda que supervenientes, é sempre inadmissível, devendo “ser mandado desentranhar este inusitado documento”.
Ora, não é admissível a junção desse documento, pois a matéria de facto já se encontra estabilizada nesta fase do litígio, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, importando apenas, para o caso, divergências sobre questões de direito.
Por outro lado, ainda que o documento seja superveniente, a sua junção no âmbito de um recurso para uniformização de jurisprudência não é a sede própria para o efeito, não se aplicando o n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil.
Trata-se de um recurso extraordinário, em que se reaprecia um acórdão já transitado em julgado, devendo o requerimento de interposição conter a alegação do recorrente e ser apenas instruído com cópia do acórdão fundamento, com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição – artigo 690.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Deste modo, não se admite a junção do documento apresentado nas alegações dos Autores, pelo que deve ser ordenado o seu desentranhamento e a sua entrega aos Recorrentes, devendo estes ser condenados em multa, nos termos do disposto no artigo 443.º do Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Judiciais.
1 – A confirmação da contradição jurisprudencial
Nos termos do artigo 688.º, do Código de Processo Civil:
“1 – As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
2 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.
3 – O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.”
Porque se trata de um recurso extraordinário cujo prazo de interposição é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido (artigo 689.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) que tem por finalidade apurar a alegada contradição jurisprudencial e, em caso afirmativo, decidir a questão controvertida, emitindo acórdão de uniformização sobre o conflito assim verificado, relevam os requisitos da indicada contradição, tal como tem sido entendida pela jurisprudência deste STJ, nomeadamente referida no Acórdão de 15 de novembro de 2018, processo n.º 529/15.6T8BGG.G1.S1-A, e da qual, em síntese se exige:
– Que a contradição alegada se revele frontal nas decisões em equação (não implícita ou pressuposta), ainda que não se exija a verificação de uma contradição absoluta;
– Que a contradição alegada resulte das decisões em confronto, não relevando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dicta);
– Que ocorra identidade da questão fundamental de direito;
– Que se apure existir identidade do regime normativo aplicável; e
– Que se verifique existir uma essencialidade da divergência decisória para a resolução de cada uma das causas.
Atendendo, assim, às decisões alegadamente em oposição identificadas pelos recorrentes, vejamos se estão reunidas as condições indicadas.
1.1 – As questões alegadamente em contradição que fundamentam a admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência
Os Autores/Recorrentes, no seu requerimento de interposição de recurso de fls. 2 e ss., elegem duas questões fundamentais de direito carecidas de uniformização:
– “a informação dada pelo Banco ao cliente, de que o capital é garantido, assumindo o compromisso desse mesmo reembolso, não só constitui violação dos deveres de informação e dos ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões da diligência, lealdade e transparência exigíveis, como ainda constitui assunção de responsabilidade do Banco Réu, pelo compromisso contratual que assumiu; e ainda”
– “para que se verifique o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, que consiste na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o Autor não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”.
A Ré/Recorrida, por seu turno, pugna pela uniformização de jurisprudência no seguinte sentido:
– “O artigo 312.º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
– o nexo de causalidade está sujeito a prova nos termos gerais, não resultando abrangido pela presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil, recaindo o ónus da sua prova sobre quem dele beneficie”.
1.2 – Análise dos termos em que a primeira questão foi apreciada nos acórdãos em confronto
No acórdão recorrido, a ação foi julgada improcedente por se considerar, perante a matéria de facto provada, que, nas circunstâncias concretas, não se verificou o incumprimento ilícito e culposo dos deveres de informação por parte da Ré/Recorrida.
Limitou-se a concluir – com base em factualidade materialmente idêntica – que a matéria de facto provada não permite depreender a falta ou deficiência de informação imputável à Ré/Recorrida e que, por isso, tenha incumprido os seus deveres – fls. 15 a 18.
No acórdão fundamento, perante matéria de facto muito semelhante, concluiu-se, muito diferentemente: pela violação ilícita e culposa dos deveres de informação por parte da Ré.
Das passagens relevantes do acórdão fundamento – pp. 36, 43, 50, 51 e 52 -, importa destacar as seguintes:
– “prestada uma informação deliberadamente incompleta, camuflando o risco do negócio com o intuito de convencer os clientes menos qualificados, como era o caso do A. de que a aplicação era tão segura como um depósito a prazo, com a vantagem de ter mais rendimento”;
– “os factos provados e em particular os que acima destacámos, demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard de actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com a diligência e transparência […] não respeitando, nem protegendo, o interesse do investidor, seu cliente, e que, naturalmente, confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um depósito a prazo junto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo”;
– “ora, adoptando o padrão do declaratário normal cliente bancário […] dado à segurança do seu aforro e, menos ou nada, ao risco de investimento, obter do banco, em que depositava confiança, a informação que a obrigação tinha “retorno garantido … como se fora um depósito a prazo no próprio banco”, sendo que até proporcionava remuneração superior, seria entendida tal declaração como informação que, em relação ao crucial aspecto do “retorno” incutia a confiança na ausência de risco como se fosse um depósito bancário”;
– “foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: a segurança não era semelhante à de um depósito bancário, nem o banco, ante a insolvência da SLN, reembolsou o Autor […] Não foram fornecidas ao Autor informações na posse do Réu, para adequação do risco do investimento proposto”.
A questão jurídica relevante em que se manifesta a oposição – que não a mera aplicação do Direito ao caso concreto, que foi feita de forma divergente – surge, nos acórdãos em confronto, nas seguintes passagens:
No acórdão recorrido, assume-se expressamente – p. 14 – que a presunção de culpa “não inclui presunções de ilicitude e de causalidade, desde logo, por tal amplitude não encontrar um “mínimo de correspondência” na letra da lei”.
No acórdão fundamento, por seu turno, refere-se – p. 52 – um “aresto que vimos seguindo, também aqui se verifica uma “actuação culposa do Banco, que co-envolve a ilicitude da sua actuação, […]”, reproduzindo-se, logo de seguida, até ao final da p. 53, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2018 (proc. 753/16.4TBLSB.L1.S1). Anteriormente – p. 37 – havia considerado que a situação subjacente ao último acórdão era muito semelhante à dos autos. Conclui-se, no acórdão fundamento – p. 54 – que: “Na senda desta doutrina pode concluir-se que existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido, que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria, dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente do Réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483.º, n.º 1, do Código Civil. Mas ainda que se entenda que a causalidade não pode ser presumida a partir dos factos indiciadores da ilicitude e da culpa, sempre essa causalidade pode ser extraída dos factos que revelam a postura dos AA. perante o risco, os seus objectivos nas operações bancárias ou seja o seu perfil de cliente.”
Como se confirma pelo exposto, o acórdão fundamento, diferentemente do acórdão recorrido, defendeu que a presunção de culpa coenvolve a de ilicitude.
1.3 – Análise dos moldes em que a segunda questão foi apreciada nos arestos em confronto
No acórdão recorrido, reputou-se, a título complementar, que a ação sempre improcederia em virtude de a matéria de facto não permitir concluir pela verificação do nexo de causalidade entre a conduta da Ré/Recorrida e a perda patrimonial sofrida pelos Autores/Recorrentes, na sequência da declaração de insolvência da sociedade emitente das obrigações subordinadas.
No acórdão fundamento, considerou-se que, no caso de não se admitir a inversão do ónus da prova, a matéria de facto consentia, em todo o caso, ao Supremo Tribunal de Justiça concluir pela verificação do nexo de causalidade entre a afirmada inobservância de deveres de informação pela Ré e a perda patrimonial sofrida pelos Autores.
1.4 – Confronto dos dois acórdãos
Confrontados os dois acórdãos impõe-se concluir que, perante factos análogos, se adotaram decisões diferentes:
– no que respeita à verificação/demonstração da ilicitude e à verificação/demonstração do nexo de causalidade;
– foram defendidas conceções diferentes sobre o conteúdo dos deveres de informação impostos ao intermediário financeiro perante investidores não profissionais, que se reportavam quer à intensidade quer à extensão;
Estando em causa o apuramento dos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, reportados à ilicitude e ao nexo de causalidade, as decisões em confronto adotaram caminhos diferentes e soluções opostas, ou tendencialmente opostas, que são de extrema relevância e devem ser objeto de uniformização jurisprudencial, admitindo-se o recurso.
1.5 – Factualidade apreciada nos dois acórdãos em confronto
Os quadros factuais considerados no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento revelam, por outro lado, que existe, entre aquelas decisões, e no essencial, a exigida identidade substancial do núcleo factual, conforme se conclui pela análise dos factos provados em cada um dos arestos (cf. infra).
Em síntese, estão reunidos os pressupostos de que depende a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência.
2 – Fundamentação de facto
A) Os factos do acórdão recorrido
Foi considerada demonstrada, no acórdão recorrido, a seguinte factualidade:
1.º Os autores foram clientes do réu (à data BPN – Banco Português de Negócios), na sua agência de …, com a conta à ordem n.º 384…01, onde movimentavam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.
2.º Em 10.4.2006, o autor subscreveu, junto dessa agência, seis “obrigações SLN 2006”, cada uma no valor de (euro) 50.000,00.
3.º Aquando do referido em 2.º, o autor assinou o boletim de subscrição respectivo, o que fez de forma deliberada e consciente.
4.º Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a “SLN 2006 Boletim de Subscrição”, datado de 10.4.2006, consta o seguinte:
«Natureza da Emissão
Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural com o valor nominal de (euro) 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» …
«Prazo e reembolso
O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, a partir do 5.º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
Remuneração Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:
Cupões Taxa anual nominal bruta
1.º semestres
4,5 %*
9 cupões seguintes Euribor a 6 meses + 1,15 %
Restantes 10 semestres
Euribor a 6 meses + 1,50 %
*Taxa anual efectiva líquida: 3,632 %
5.º As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, SA, que era, à data, titular de 100 % do capital social do Banco réu (então BPN), participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as acções integradoras do capital social daquele.
6.º A circunstância de a emitente do produto referido em 2.º ser a empresa que detinha o BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, aliada às características específicas das obrigações – que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente – levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco.
7.º As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco. Para tanto, era argumentado que a SLN Valor era a maior accionista da SLN SGPS, sendo que esta detinha 100 % do BPN, pelo que não era vista qualquer diferença entre o risco BPN e o risco daquelas aplicações SLN.
8.º A ré pretendia, à data, que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.
9.º Foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via de endosso.
10.º À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.
11.º O autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.
12.º O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada).
13.º Os autores fizeram, por intermédio da ré ou junto desta, outros investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, designadamente, em fundos de investimento.
14.º Os autores têm estado impedidos de usar o dinheiro aplicado nas obrigações referidas em 2.º
O acórdão da Relação aditou os seguintes factos:
15.º Os autores não sabiam o que são obrigações.
16.º O Banco réu não explicou aos autores o que eram obrigações.
17.º Os autores não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram, e ninguém lho explicou correctamente.
18.º Ninguém explicou aos autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.
19.º O BPN garantia o pagamento destas obrigações da SLN.
20.º Foram pagos os juros vencidos até Nov/2015, ficando por pagar os restantes juros até à maturidade (vencidos em Maio/2016).
B) Após a decisão do Tribunal da Relação, foi considerada como não provada a seguinte factualidade:
a) Que a gerente do Banco réu da agência de … tenha dito ao autor, em Abril/2006, que tinha uma aplicação que correspondia exactamente a – no sentido de ser, verdadeiramente – um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN.
b) Que o autor, ao subscrever as referidas obrigações SLN 2006, não soubesse em concreto “o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa”, estando convencido de estar a aplicar o seu dinheiro num depósito a prazo.
e) Que, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, cujo capital não era garantido pelo BPN, após explicação do mencionado em 1.6., não tivesse consentido e autorizado tal compra.
f) Que os autores nem soubessem que existia a SLN, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que era uma mera denominação de conta a prazo, que o banco réu utilizava.
g) Que os autores desconhecessem e nem pudessem conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo.
j) Quais as consequências advindas para os autores do facto de não poderem utilizar o dinheiro investido nas mencionadas obrigações.
C) Os factos do acórdão fundamento
O núcleo essencial dos factos provados no acórdão fundamento é constituído pelos seguintes factos:
2.º Em Outubro de 2004, o autor marido subscreveu, junto dessa agência, uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 50.000,00.
3.º Foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias.
5.º O autor marido não pretendeu aplicar o seu dinheiro em produto de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que contactavam com ele, sendo por eles perceptível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que, ao subscrever a obrigação mencionada em 2., fê-lo no convencimento de que obteria a liquidez do seu capital quando o solicitasse e que lhe seriam pagos os juros contratados.
9.º A circunstância de a emitente do produto referido em 2.º ser a empresa que detinha o BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, aliada às características específicas das obrigação – que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente – levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco (isto sem prejuízo da diferença advinda da existência e regime jurídico do Fundo de Garantia de Depósitos).
12.º Os autores fizeram outros investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários […].
15.º À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.
16.º Após o referido em 2.º foram sendo semestralmente pagos aos autores os juros devidos, o que lhes transmitiu segurança.
17.º Tal situação manteve-se até Maio de 2015, data em que cessou o pagamento dos juros e o Banco réu transmitiu que a responsabilidade pelo pagamento era da SLN.
3 – Fundamentação de Direito
3.1 – Enquadramento dos factos no regime dos valores mobiliários e bancário
Os investimentos referidos nos presentes autos ocorreram entre outubro de 2004 e 10 de abril de 2006, pelo que as normas aplicáveis são as constantes do Código de Valores Mobiliários, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro (Declaração de Retificação n.º 117-A/2007, de 28 de dezembro (cf. artigo 12.º do Código Civil).
3.1.1 – Da operação de intermediação financeira
Comecemos por afirmar que a natureza jurídica da operação entre o Autor e a Ré deve ser qualificada como uma atividade de intermediação financeira, sem prejuízo do facto de o Banco ser também uma instituição de crédito.
Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição – que lhe foram transmitidas pelo Autor – das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S. A. [artigos 289.º, n.º 1, 290.º, n.º 1, alínea b) e 293.º, n.º 1, alínea a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (José Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, pp. 281-282 e, ainda, Direito dos Contratos Comerciais, 2009, p. 573), até porque a intermediação financeira tem sido definida como o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento (José Engrácia Antunes, Deveres e Responsabilidade do Intermediário financeiro – Alguns aspetos – Cadernos do MVM, n.º 56, p. 31).
Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários […] dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.”
– José Luís Dias Gonçalves, in A Responsabilidade Civil dos Intermediários Financeiros – Breves Apontamentos, publicado na Revista de Direito da Responsabilidade – Ano 3, 2021, p. 856 –
Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.
Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.º, n.º 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alínea c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.
3.1.2 – Da operação bancária
Como se disse, os Bancos são também instituições de crédito que podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira – cf. artigos 3.º, alínea a) e 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos e artigo 293.º, n.º 1, alínea a) do CVM.
Como instituição de crédito qualquer banco fica sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos artigos 73.º, 74.º e 75.º, na redação então em vigor, incumbindo aos seus administradores e empregados proceder, nas relações com os clientes (e nas relações com outras instituições), com diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados, bem como informar com clareza os clientes sobre os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos.
Assim:
Artigo 73.º (Competência técnica)
As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.
Artigo 74.º (Relações com os clientes)
Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
Artigo 75.º (Dever de informação)
1 – As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles.
2 – O Banco de Portugal regulamentará, por aviso, os requisitos mínimos que as instituições de crédito devem satisfazer na divulgação ao público das condições em que prestam os seus serviços.
3.2 – Os deveres de informação do intermediário financeiro
3.2.1 – Qualidade da informação
A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7.º do CVM.
Tal norma estabelece:
1 – A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4 – À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.
O n.º 1 do referido artigo equipara, em termos gerais, a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
Concretizando o sentido destas expressões, a informação a prestar deve: (i) compreender todos os elementos suscetíveis de influir no preço dos valores mobiliários; (ii) representar fielmente a realidade que se destina a refletir, não induzindo em erro os seus destinatários; (iii) ser oportunamente fornecida e atualizada quanto aos factos supervenientes que afetem o seu conteúdo; (iv) ser percetível para os seus destinatários; (v) apoiar-se em factos suficientemente comprovados e (vi) conformar-se com a lei, a ordem pública e os bons costumes.
Está aqui consagrado um padrão elevado de qualidade informativa.
Estes elevados padrões de qualidade são aplicáveis a toda a informação suscetível de influenciar as decisões dos investidores e ainda àquela especificamente dirigida às entidades reguladoras do mercado, seja qual for o meio de divulgação utilizado e ainda que inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco (artigo 7.º, n.º 2, do CVM).
– (José João de Avillez Ogando, Os Deveres de Informação Permanente no Mercado de Capitais, in ROA, ano 64, novembro de 2004, p. 223) –
As exigências indicadas são explicadas nomeadamente pela necessidade de “compensação dos desequilíbrios e assimetrias entre as partes, com o fito de manter o equilíbrio equitativo da relação jurídica”, i.e., como uma decorrência do princípio da paridade jurídica. Assim, numa fase preliminar, o intermediário financeiro deve informar espontânea e detalhadamente o cliente sobre todas as características de cada instrumento financeiro cuja negociação seja equacionada, com vista a proporcionar uma decisão de investimento informada e esclarecida. Fala-se, sob esta perspectiva, de uma “transparência informativa” (Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Investimentos Mobiliários, Almedina, fevereiro, 2001, pp. 37 e ss).
3.2.2 – Dever de informação
O dever de informação do intermediário financeiro encontra previsão normativa em disposições legais do CVM, nomeadamente nas que se indicam e cuja interpretação conjugada é imposta para efeitos de apreensão do sentido do dever de informação.
O artigo 304.º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:
1 – Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 – Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 – Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
4 – […].
5 – […].
O artigo 309.º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:
1 – O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.
2 – Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.
3 – O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.
4 – […].
E o artigo 310.º, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no n.º 1 que “o intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efectuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente”.
Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2).
Assim, tendo presente o disposto no artigo 304.º do CVM, sobre os intermediários financeiros impendem um conjunto de deveres: proteção dos interesses do cliente; proteção da eficiência do mercado; boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência; do conhecimento do cliente (know your costumer) e até sigilo profissional.
No que concerne à informação é importante realçar que, num primeiro momento, o intermediário financeiro – antes de contratar – tem o dever de recolha de informações sobre o conhecimento e a experiência do cliente em matéria de investimento tendo em vista o tipo específico de produto ou serviço, de forma a saber se o produto que oferece ao cliente, ou o serviço que lhe é solicitado, é adequado ao perfil do cliente visado.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 10/04/2018 (processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1), “O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para ajuizar se certa transação é adequada ao cliente – suitability test – impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência muito mais acentuado, devendo atuar como “diligentissimus pater famílias” não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve …, a informação divulgada pelo intermediário financeiro deve ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio; e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes.”
Do exposto resulta que o intermediário financeiro:
– tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar;
– tem de ter a iniciativa para prestar a informação, não tendo o investidor não institucional dever de a solicitar.
– cf. Ac. do STJ, de 25 de outubro de 2018 (processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1) e Sofia Nascimento Rodrigues, obra citada –
Para além do cumprimento dos deveres de informação prévia (que antecede a celebração do negócio), o intermediário tem ainda o dever de informação sucessiva – dever de disponibilizar informação no decurso da execução contratual.
Quer no momento anterior à contratação, quer durante a execução do contrato, os deveres de informação devem sempre envolver a prestação de informação com clareza, lealdade e transparência, já que se destinam a fornecer aos clientes elementos fundamentais e caracterizadores dos produtos financeiros propostos.
“Deste modo, o intermediário financeiro deve prestar ao investidor toda a informação necessária para permitir uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada. A profundidade e a extensão das informações dependem do grau de conhecimento e experiência dos clientes que pretendam subscrever os instrumentos financeiros, devendo ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento do cliente (importando referir que o intermediário financeiro deverá informar-se dos conhecimentos e experiência do cliente, em matéria de investimentos, bem como dos objetivos por ele prosseguidos, devendo fazer compreender ao seu cliente (investidor) de forma clara e objetiva os riscos envolvidos nas operações propostas – artigo 304.º, n.º 3, do CVM), encontrando-se estabelecida uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente (falando-se em geometria variável no cumprimento do dever em causa, cf. Acórdão do STJ, de 4 de outubro de 2018)”.
– Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, pp. 42/46 –
É isto que resulta inequivocamente do disposto no artigo 312.º do CVM, que pretende que o intermediário financeiro obtenha a informação preliminar relevante em relação ao cliente de modo a assegurar que toda a informação prestada subsequentemente seja adequada, porque completa e objetiva, na perspetiva do esclarecimento do cliente em concreto.
Daí que:
Como refere Gonçalo André Castilho dos Santos, em “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente”, Almedina, 2008, a p. 135, “são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (…) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele”.
Como refere Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, pp. 42/46, “a dependência que os investidores não institucionais apresentam face aos intermediários financeiros para negociar valores mobiliários em mercado é não só um pressuposto legal mas uma verificação prática, com contornos expressivos. Com efeito, do estudo de mercado promovido pela CMVM relativamente ao «Perfil do investidor não qualificado português em valores mobiliários» resultou clara a influência que o gestor de conta exerce sobre esses investidores através da informação que presta. Tal permite afirmar que o comportamento dos intermediários financeiros tem um impacto directo muito significativo sobre as decisões dos investidores, pelo que representam um canal privilegiado por onde encetar a protecção destes. É também nesta perspectiva que deve entender-se o princípio geral consagrado no artigo 304.º, n.º 1, do Cód. VM segundo o qual os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes. Tal princípio caracteriza-se por impor ao intermediário financeiro não só o cumprimento das obrigações que assumiu para com os seus clientes mas também um especial dever de proteger os interesses destes, enquanto credores, nos contratos de intermediação financeira”.
3.2.3 – Ponto de síntese
Em conclusão, a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.
Quanto ao âmbito dessa informação, nas palavras de Sofia Nascimento Rodrigues, na obra citada, “[…] Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art. 312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º 12/2000).
A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º 12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária”.
3.2.4 – Sentido doutrinal e jurisprudencial
No sentido supra referido, podemos atentar o que referem alguns autores e bem assim várias decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça
3.2.4.1 – Na doutrina
António Pedro Azevedo Ferreira, em “A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura”, Quid Juris, 2005, a pp. 652 a 654, refere que o dever geral de informar que impende sobre o banco é “forçosamente enquadrado pelo âmbito da relação negocial estabelecida entre o banco e o seu cliente, não incidindo sobre o banco relativamente a matérias que não tenham a ver, directa ou indirectamente, com tal relação. Isto é, o banco não está obrigado a tomar a iniciativa de informar o seu cliente sobre matérias que não tenham a ver com o âmbito do contrato bancário geral desenhado entre as partes, nomeadamente o banco não está obrigado a informar o cliente sobre eventuais oportunidades de negócio. Se, no entanto, o banco prestar tal tipo de informações, “motu próprio”, fica naturalmente obrigado a agir com a correcção, a veracidade e a prudência que lhe são exigíveis por força da sua condição específica de profissional habilitado para o exercício da actividade, por força da confiança que tal facto inspira no cliente e por força de tal comportamento ser adoptado no âmbito de uma relação negocial de natureza vasta, complexa e diversificada. (…).
Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares: Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correcta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.
Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respectiva actuação, no âmbito daquela relação, pelos vectores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes”.
Menezes Cordeiro, em “Direito Bancário”, in Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997, p. 24, diz que o “Direito dos actos bancários é, fundamentalmente, um direito contratual: ele submete-se ao Direito das Obrigações, com os desvios ditados pela natureza comercial dos actos em causa e, ainda, com as especificidades propriamente bancárias, que tenham aplicação. Ao lado do Direito dos actos bancários, encontramos outras áreas normativas relevantes, (…) o que se poderá chamar de vinculações extra negociais, que incluem os deveres de informação e de lealdade pré contratuais e pós-eficazes (…) matéria que traduz o prolongamento dogmático dos deveres acessórios e pode ser considerada do tipo contratual”.
Paulo Câmara, no Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, pp. 685 e 691, também afirma que a informação constitui, por um lado, “um instrumento de protecção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento” e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados”
Salienta o mesmo autor que “um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes”.
3.2.4.2 – Na jurisprudência
Relativamente ao desenho do âmbito funcional do dever de informação, refere o Acórdão do STJ de 11.10.2018 (proc. n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1), in www.dgsi.pt, que:
“O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.
Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação (Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86).
Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa – em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento (cf., a propósito, Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs.).
Por outro lado, como adverte Paulo Câmara, “com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (…). Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (…)” (ob. cit pág. 684).
Também o Acórdão do STJ de 30.04.2019 (proc. n.º 2632/16.6T8LRA.L1.S1), in www.dgsi.pt se pronunciou sobre o tema do seguinte modo:
“O dever de informação que recai sobre o intermediário, e que se destina, do ponto de vista do investidor, a permitir uma decisão de investimento consciente e, do ponto de vista do mercado e por isso mesmo, a contribuir para o seu correcto e eficiente funcionamento (cf. n.º 1 do artigo 304.º do Código dos Valores Mobiliários, que impõe aos intermediários financeiros que orientem “a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”), é de intensidade inversamente proporcional aos conhecimentos específicos detidos pelo investidor, isto é, relativos ao produto em causa […].
Procura-se, assim, esbater o desequilíbrio de conhecimentos entre esse investidor não qualificado e a contraparte no contrato de intermediação; no caso, entre os autores e o Banco. O que naturalmente não significa que os investidores não devam usar de um grau de diligência, pelo menos, mediano, na obtenção dos elementos necessários à plena compreensão do produto que subscrevem; diligência essa que há-de ser avaliada em conjunto com a confiança que efectivamente depositem (ou não) no Banco a que recorrem e nos respectivos funcionários, a quem incumbirá avaliar (categorizar) o concreto cliente e a necessidade de informação a prestar-lhe, tendo também em conta a complexidade ou o risco do produto concreto. O dever de informação “não visa […] conformar a actuação do investidor”, como observa Gonçalo Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente”, Coimbra, 2008, pág. 116, “mas apenas disponibilizar-lhe a informação relevante” para a sua decisão.
Quer a jurisprudência, quer a doutrina salientam, do lado da instituição financeira, o dever de avaliar as características do investidor e de dosear proporcionalmente o grau de informação a prestar, sobre o concreto produto em negociação e, do lado do investidor, a exigência de diligenciar no sentido de obter as informações necessárias a uma tomada de decisão devidamente esclarecida […]; embora o sistema, assente no objectivo de protecção do investidor e, por essa via, do mercado, seja antes de mais exigente com a imposição ao intermediário financeiro da obrigação de informação do investidor, mesmo que o investidor não tome a iniciativa de se informar”.
4 – A responsabilidade civil do intermediário financeiro
4.1 – Enquadramento
4.1.1 – Disposições do CVM
O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”
E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.
No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (cf. Menezes Leitão, Atividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, AAVV, Direito dos Valores Mobiliários, vol. II, p. 147).
Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
4.1.2 – Disposições gerais do Código Civil
Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.
Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil:
– o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão;
– a ilicitude, desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.
O artigo 563.º do Código Civil prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento.
Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.
4.2 – Presunção de culpa e causalidade na violação de deveres de informação pelo Intermediário Financeiro no Código dos Valores Mobiliários.
Operando a aplicação das indicadas normas:
– podemos dizer que ocorre um facto ilícito quando a prestação de informação é errónea, por omissão, no quadro de relação negocial bancária;
– a culpa, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal;
– nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa presume-se (artigo 304.º, n.º 2, do CVM); presunção que também resulta do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.
– o dano: o prejuízo resultante do investimento nas obrigações;
– o nexo de causalidade: para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).
Isto significa que, mesmo que uma dada situação seja configurada como facto ilícito (por exemplo, a prestação, por omissão, de informação errónea, nomeadamente no que concerne à concreta identificação ou às características do produto e a natureza subordinada), essas circunstâncias poderiam não ser causais da subscrição efetuada e consequente dano.
Ora, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.
Quer isto dizer que incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.
E isto é assim porque não encontramos no regime do CVM norma aplicável à violação do dever de informação de indemnizar que consagre uma solução distinta da consagrada no Código Civil em sede da respetiva matéria já indicada.
No CVM apenas se estabelece uma presunção de culpa. E essa presunção de culpa não vem aí formulada em termos de se poder dela extrair uma ilação em termos de nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos.
Como refere o Acórdão do STJ, de 17/03/2016, “o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ele colocou para fazer o investimento”.
Deste modo, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido não se presume, devendo ser demonstrado através da matéria de facto.
– cf., neste sentido, Acórdãos do STJ, de 24/01/2019 (processo n.º 2406/16.4T8LRA.C1.S1, de 13/09/2018 (processo n.º 13809/16.4T8LSB.L1.S1) e de 6/11/2018 (processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1) –
Ora, sendo factos constitutivos do seu direito, compete ao Autor demonstrar a ilicitude, o dano e o nexo de causalidade (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que a culpa se presume, pelo que se pode concluir que a responsabilidade civil do intermediário financeiro pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos deveres legais ou contratuais bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido.
O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais.
Ao adotar-se a posição indicada não se desconhece a existência de defensores de orientação diversa, nomeadamente de que a prova da ilicitude seria suficiente para se poder dar por comprovada a causalidade, como que assumindo que existe uma causalidade presumida a partir da prova da ilicitude do dever de informação.
Ainda assim, não é essa a solução que o legislador consagrou neste tema específico, sem prejuízo de poderem existir lugares paralelos no ordenamento jurídico onde a solução é normativamente acolhida e jurisprudencialmente aceite, como sucede na responsabilidade médica, v.g. para indicar apenas um exemplo.
5 – Se o intermediário financeiro que não informa investidores-clientes não profissionais sobre o risco em que, em abstrato, pode vir a incorrer, decorrente do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas) viola – ou não – os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM.
Como atrás se referiu, o intermediário financeiro está vinculado a um conjunto de deveres de entre os quais se destaca o dever de informação, que é decorrente do princípio da conduta transparente e leal.
E esse dever de informação implica informar com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor, sendo certo que o intermediário financeiro tem o dever de prestar todas as informações de que tenha sobre um produto financeiro, tomando a iniciativa do esclarecimento das características do produto financeiro, e não de prestar somente os esclarecimentos solicitados pelo investidor.
Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam:
– As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente.
A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo.
As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário.
– Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 430/91, de 2 de novembro).
Como se refere no acórdão de 5/12/2019, no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.
– o Fundo de Garantia de Depósitos encontra-se regulado nos artigos 154.º e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito. A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 e foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 246/95, de 14 de setembro –
Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.
Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).
Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.
Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.
Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão – desmobilização do investimento – do produto.
Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.
Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.
Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) – atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.
Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação.
6 – A resposta uniformizadora
Nestes termos e pelos fundamentos invocados:
a) Uniformiza-se a Jurisprudência nos seguintes termos:
1 – No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2 – Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3 – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4 – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.
7 – A repercussão da resposta uniformizadora no Acórdão recorrido
Impõe-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostos ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação, como já anteriormente referido.
E, desde logo, se deve atender à influência que o gestor de conta exerce sobre o cliente (investidor) através da informação que presta, bem como compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações sobre o produto financeiro e não se colocar somente disponível para esclarecer e prestar as informações que o investidor (cliente) solicite.
7.1 – Vejamos a situação de facto ao nível do Acórdão recorrido, à luz do direito aplicável, tal como definido.
Em primeiro lugar importa afastar, desde já, no que se refere à matéria de facto, a hipótese de contradição entre os factos provados em 2.º, 3.º e 4.º e os factos provados em 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º aditados pelo Acórdão da Relação.
Assim, se é verdade que, quando subscreveu as obrigações, em 10/04/2006, o Autor assinou o respetivo boletim de subscrição de “forma deliberada e consciente” (facto 3.º), tal não significa que, ao ter assinado o boletim da referida forma, tivesse sido devidamente elucidado sobre a natureza do produto que subscreveu e estivesse consciente acerca de todo o seu conteúdo.
Por outro lado, mesmo que se defenda que existe uma confissão extrajudicial no boletim de subscrição (documento de fls. 21), a sua força probatória plena, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil, sempre seria limitada apenas aos factos 2.º, 3.º (até “respectivo”) e 4.º Daquela não se poderia concluir que, ao contrário dos factos provados de 15.º a 19.º, os Autores soubessem o que eram obrigações (v. 15.º), que o Banco tivesse explicado aos Autores o que eram obrigações (v. 16.º), que os Autores tivessem conhecimentos e experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram (v. 17.º), que alguém lho tivessem explicado corretamente (v. 17.º), que alguém tivesse explicado aos Autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN (v. 18.º) ou que o BPN não garantisse o pagamento das obrigações da SLN (v. 19.º).
Não existe, assim, contradição entre os factos provados em 2.º, 3.º e 4.º e os factos aditados pelo Acórdão da Relação nos pontos n.os 15.º a 19.º
Mais:
Dos factos provados resulta que:
– Os Autores foram clientes do BPN, na sua agência de …, com a conta à ordem n.º 384…01, onde movimentam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.
– Em 10/04/2006, o Autor subscreveu, junto dessa agência, seis “obrigações SLN 2006”, cada uma no valor de (euro)50 000,00, tendo assinado o boletim de subscrição respetivo, o que fez de forma deliberada e consciente.
– O Autor veio a subscrever seis obrigações subordinadas SLN, no valor de (euro)50 000,00 cada, tendo o Banco agido na sua qualidade de intermediário financeiro;
– As Obrigações SLN 2000 foram emitidas pela SLN, SGPS, S. A., que era, à data, titular de 100 % do capital social do “Banco réu (então BPN)”, participação que deteve de forma permanente até Nov/2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.
Deste modo, não só releva o perfil do cliente e o tipo de contratação que com ele foi estabelecida mas também o facto de o Banco BPN ter um claro interesse no resultado da operação de comercialização das obrigações emitidas pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S. A.
Encontra-se, também, provado que:
– “foi transmitida ao autor, por funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso.” (facto provado e atrás indicado sob o ponto 7.).
– Tendo o Autor subscrito as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.
– O Autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da Ré que com ele contactaram.
– O Autor não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, o que era do conhecimento do Banco.
– Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou aos Autores o que eram obrigações, bem como, ninguém explicou aos Autores que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.
Ora, destes factos provados, à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta, incompleta, inexata e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos.
7.2 – A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.
Também não foram explicadas “as condições de reembolso, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso”, isto é, nada foi dito em que consistia o endosso, apesar de se encontrar provado que “à data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta”.
A informação incompleta e inexata porque o reembolso do capital aplicado não era garantido.
Ao contrário da informação do Banco, porquanto se tratava de um empréstimo obrigacionista em que, em caso de falência ou liquidação do emitente, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da emitente: “apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns” (Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, p. 137).
A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.
Assim, as informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para os Autores, para além da rentabilidade, era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – constituem informações que não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto.
Como já se deixou dito, o intermediário financeiro deve prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artigo 312.º, n.º 1, do CVM). Além disso, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º, n.º 2, do CVM), o que significa que a “intensidade do dever de informação varia em função do tipo contratual e do perfil do cliente” (Acórdão STJ, de 11/10/2018), devendo o grau de conhecimentos e experiência reportar-se ao produto financeiro em causa. Por outro lado, não se deve ignorar que nas relações com os clientes “os intermediários devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” (artigo 304.º, n.º 2, do CVM).
7.3 – Para resolver a situação suscitada no Acórdão recorrido é premente ir mais longe na análise do caso concreto, nomeadamente considerando os factos alegados e a situação fáctica com que o Tribunal tem de decidir.
Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes alegaram:
– que o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada.
Analisando.
A ser prestada esta informação, estaríamos em presença de uma informação falsa, porquanto, no caso das obrigações subordinadas não existe a garantia dos depósitos bancários a prazo, isto é, se o Autor constituísse um depósito a prazo no mesmo valor, em caso de falência do Banco, o Autor teria o reembolso de (euro)25 000,00, garantido legalmente (artigos 164.º e 166.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 298/92 de 31.12, na redação do Decreto-Lei n.º 252/2003 de 17/10 – cf. Ac. STJ, de 23.3.2021, processo n.º 1209/19.9T8STR.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt); pelo contrário, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações, o que sucedeu, o Autor não tem garantia legal de reaver qualquer montante aplicado no produto (podendo, contudo, a final da liquidação, ser reembolsado).
Contudo, apesar da alegação dos Autores, esse facto não ficou provado no Acórdão recorrido.
Do ponto de vista da alegação dos Autores, estes também disseram:
– que foi dito pelo Banco ao Autor que o reembolso do capital era garantido pelo BPN, o que se traduziria numa informação falsa.
Analisando, também nesta parte os Autores não lograram fazer a prova do que alegaram.
– Estas alegações dos Autores e o resultado fáctico será reanalisado novamente, em sede de análise da causalidade –
Ponto de síntese:
Considerando-se, assim, que os factos provados permitem configurar a violação do dever de informação que impendia sobre o Banco, conclui-se pela existência da ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Banco.
Por outro lado, verifica-se a existência do dano e o Banco não demonstrou que não agiu com culpa, como se referiu esta presume-se nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil (sendo que estes pressupostos da responsabilidade civil não estavam colocados em crise no Acórdão recorrido).
7.5 – Importa agora verificar se está preenchido o requisito da existência, no Acórdão recorrido, do nexo de causalidade entre o facto ilícito – a prestação de informação incompleta, falsa e obscura – e o dano (a perda do capital investido na aquisição das obrigações).
7.5.1 – Como se referiu anteriormente, a prova da verificação do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano compete ao Autor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, encontrando-se afastada a presunção de causalidade, no caso presente.
Apesar de ocorrer a violação do dever de informação (ilicitude) e de a culpa se presumir (artigo 304.º n.º 2, do CVM – na redação em vigor aquando da ocorrência dos factos), a obrigação de indemnizar não prescinde, pois, do preenchimento dos demais pressupostos – o dano e nexo de causalidade -, o que significa que, no caso vertente, haveriam de estar provados factos que permitissem estabelecer uma cadeia factual, que incluísse o ato ilícito que o desencadeou (isto é, a falta de informação sobre o produto subscrito) e que, naturalística e juridicamente, conduzisse ao dano (artigo 563.º do Código Civil), sendo que era sobre os Autores que recaía o ónus dessa prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) – (cf. Ac. STJ, de 30/04/2019 (processo n.º 2632/16. 6T8LRA.L1.S1).
Com efeito, dispõe o artigo 563.º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano […], sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo n.º 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo n.º 3379/05.4TBVCT.G1.S1).
Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.
Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo n.º 409/09.4YFLSB).
7.5.2. atentemos nos factos provados e não provados.
No que respeita ao nexo de causalidade, os Autores alegaram:
– “… o que motivou a autorização, por parte do A. marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias (artigo 6.º da petição inicial);
– se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria” (artigo 8.º da petição inicial);
– pelo que os AA. desconheciam e nem podiam conhecer, que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido (artigo 17.º da petição inicial).
Todavia, os Autores não lograram provar qualquer destes factos; alguns foram expressamente dados como não provados (cf. alíneas a), e) e g) dos factos não provados).
Assim, não se verifica que qualquer facto dado como provado tenha operado, no plano meramente factual, como conditio sine qua non do dano, maxime, que as deficiências da informação do BPN tenham funcionado como condição desencadeadora do prejuízo do não reembolso do capital.
Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações.
Falece, assim, a relação de causalidade adequada entre a ilicitude por violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital.
Deste modo, embora com fundamentos não coincidentes, o recurso não pode proceder.
IV – Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos invocados, acorda-se no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:
A. Uniformizar a Jurisprudência nos seguintes termos:
1 – No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2 – Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3 – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4 – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.
B. Não admitir a junção do documento requerida pelos Recorrentes, com a alegações de recurso, ordenando-se o seu desentranhamento e condenando-se os Recorrentes na multa, que se fixa em 1 UC.
C. Negar provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique e, oportunamente, publique-se na 1.ª série do Diário da República.
Lisboa, 6 de dezembro de 2021. – Pedro de Lima Gonçalves (relator) – Maria Rosa Oliveira Tching – Maria do Rosário Morgado – Fátima Gomes – Acácio Luís Jesus das Neves – Oliveira Abreu – Fernando Augusto Samões – Raimundo Manuel da Silva Queirós – Ricardo Alberto dos Santos Costa – Maria dos Prazeres Pizarro Beleza – António Santos A. Geraldes – Fernando Pinto de Almeida – Manuel Tomé Soares Gomes – José Rainho – Olindo dos Santos Geraldes – Alexandre Reis – António José Moura de Magalhães (com declaração de voto) – Graça Amaral (vencida nos termos da declaração de voto da Ex.ª Conselheira Maria Olinda Garcia) – Maria Olinda Garcia (vencida nos termos da declaração anexa) – Nuno Manuel Pinto Oliveira (vencido, nos termos da declaração junta) – José Bernardo Domingos (vencido nos termos do voto junto) – Fernando Jorge Dias (subscrevo a declaração da Ex.ª Conselheira Olinda Garcia) – João LM Bernardo (vencido nos termos do voto que junto) – Ana Paula Boularot (vencida nos termos da declaração que junto) – Maria Clara Sottomayor (vencida parcialmente na alínea A) do dispositivo e totalmente vencida na alínea C), nos temos de declaração de voto que junto) – Maria da Graça Franco Frazão (votei parcialmente vencida conforme declaração junta) – Maria José Vaz Tomé (votei vencida, conforme declaração anexada.) – Ilídio Sacarrão Martins (voto a decisão, mas de acordo com a declaração de voto que junto) – Henrique Araújo – Presidente.
***
Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)
DECLARAÇÃO DE VOTO
1) Afirma-se no AUJ que “a informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.”
Sem prejuízo de concordar com a consideração de que a informação foi incompleta pelo facto de o Banco não ter explicado ao autor a posição de uma obrigação subordinada em caso de graduação de créditos num processo de insolvência da entidade emitente, não posso, no entanto, aceitar a invocação que o acórdão faz da matéria de facto provada nos factos 15.º e 16.º (“Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações) para fundamentar a incompletude da informação.” É que se deu como não provado que “o autor, ao subscrever as referidas obrigações SLN 2006, não soubesse concretamente o que era …” (facto não provado b)), o que, dada a contradição, inviabiliza uma decisão jurídica com base no facto de que o autor não sabia o que eram as obrigações SLN 2006 (cf. no sentido de que essa contradição pode funcionar entre factos provados e não provados, ver Ac. STJ de 6.2.2020, proc. n.º 2251/12.6TBVNG.P1.S1, no site do ECLI, e Ac. STJ de 20.5.2010, proc. n.º 2655/04.8TVLSB.L1.S1, no site do IGFEJ).
Afirma-se, também, que não foram explicadas “as condições de reembolso …, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via do endosso”, isto é, nada foi dito em que consistia o endosso, apesar de se encontrar provado que “à data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta”.
Todavia, não ficou clarificado que o autor não soubesse o que era o endosso e que essa informação se revelasse necessária para uma tomada de posição esclarecida do autor em relação ao investimento.
Refere, por outro lado, o AUJ que “a informação foi obscura porque, nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (o investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.”
Porém, os factos 15.º e 16.º (“Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações”), dada a contradição, atrás assinalada, com o facto não provado b, não se mostram relevantes para a demonstração da violação dos deveres de informação, e concretamente para a sua qualificação como “obscura”.
E o facto 18.º “(Ninguém explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”) também não. Com efeito, os autores não provaram que desconheciam que a SLN era uma empresa (artigo 5.º da petição – facto não provado alínea b)), que o autor actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente Banco (artigo 7.º da petição-facto não provado, apesar de eliminado dos não provados), que os AA. não sabiam o que era a SLN, pensando que era uma denominação de conta a prazo, que o Banco Réu utilizava (artigo 15.º da petição-facto não provado alínea f)). Além de que não provaram, também, que o autor não soubesse qual era a entidade emitente do produto que subscreveu ou que não lhe tivesse sido explicado que as obrigações tinham sido emitidas pela SLN, que era uma entidade distinta do BPN. Ora, só depois de provadas estas circunstâncias era possível avaliar se as informações que constam do facto 18.º se revelavam necessárias em ordem a desfazer alguma confusão que permanecesse no espírito do autor sobre a distinção entre o BPN e o SLN e sobre a diferença entre investir numa ou noutra entidade.
Como assim, e no projecto que apresentei como relator, circunscrevi a ilicitude nos seguintes termos: ao informar apenas o autor de que o reembolso do capital era garantido “porquanto não era produto de risco”, sem quaisquer esclarecimentos adicionais o funcionário do Banco, que sugeriu o produto ao autor, estava a prestar-lhe informação que o induzia a investir (pois, ao autor, que não pretendia investir em “produtos de riscos”, dizia, precisamente, que o produto não era “produto de risco”); desse modo, estava a prestar-lhe uma informação que não era completa, nem clara, nem objectiva, e que era susceptível de influenciar a decisão do autor, que não pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco”, que não estava em condições de avaliar, com precisão, os riscos do investimento, a não ser que lhos explicassem devidamente (facto 12.º) e que não possuía conhecimentos nem experiência suficientes para compreender o tipo de investimento que estava a fazer (facto 17.º). A informação só seria completa e esclarecedora se o intermediário tivesse informado o autor de que, sendo as obrigações subordinadas, apenas podia exercer o respectivo direito de crédito após a satisfação integral dos demais credores do emitente por dívida não subordinada, pelo que tais obrigações representavam um maior risco potencial pois, considerando o facto de, na graduação de créditos, cederem perante os credores privilegiados e sobre os créditos comuns, se podia dar como certa a inviabilidade de os obter em processo de insolvência o retorno do capital que a emitente se obrigou a realizar e os respectivos juros (cf. Ac. STJ de 7.2.2019, proc. n.º 31/17.1T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt).
Em consequência, sem prejuízo da ilicitude estar comprovada, para o que consta do ponto 2., teria preferido o seguinte:
“Se o Banco intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco)”, sem outras explicações, designadamente, sem lhe explicar a posição de uma obrigação subordinada em caso de graduação de créditos num processo de insolvência da entidade emitente, prestou, nesse caso, uma informação que não era completa, nem objectiva, nem clara, susceptível de influenciar a decisão desse investidor (art. 7.º, n.º 1 do CMV)”.
2) Também não acompanho o segmento de uniformização do ponto 3., que julgo ser inócuo para a averiguação do nexo de causalidade.
Quanto ao ponto 4., apesar de o sufragar, seria de acentuar que a decisão de investir (ou não) deverá estar primordialmente reportada à averiguação dos factos. Logo, teria ponderado neste ponto a integração, na parcela relevante, do segmento que antes se discutira nos projectos anteriores:
“Para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelo investidor, torna-se, também, necessário que este demonstre o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, importando que o nexo causal seja analisado através da demonstração que decorre da matéria de facto”.
António Magalhães.
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Proc. n. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A – Recurso para Uniformização de Jurisprudência
Declaração de voto
1 – Concordo com a existência de incumprimento dos deveres do réu, ou seja, com a existência de um comportamento ilícito, como bem se afirma no presente acórdão. Porém, já não acompanho a posição maioritária quanto ao entendimento de que o réu não teria demonstrado o requisito do nexo de causalidade. Atendendo ao que se encontra assente nos pontos 9.º, 11.º e 12.º da factualidade provada, seria de concluir que a omissão ilícita da informação devida privou o autor da possibilidade de expressamente rejeitar a subscrição de um produto de risco (pois encontra-se provado que não pretendia subscrever esse tipo de produto), sem a qual não teria sofrido o dano. Penso ainda que, no juízo de apuramento deste pressuposto, não se deve atender à factualidade não provada, pois o que não é provado não adquire relevo normativo (nem positivo, nem negativo). Assim, a meu ver, o acórdão recorrido devia ser revogado.
2 – No que respeita ao segmento de uniformização de jurisprudência, concordo com a sua formulação.
Maria Olinda Garcia.
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PROCESSO N.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, pelas razões seguintes:
1 – O acórdão e em especial o segmento uniformizador deveriam dizer algo sobre os critérios relevantes para averiguar se a violação de deveres de informação é condição sine qua non da decisão de investir – e, em consequência, do dano patrimonial do investidor.
Os termos em que está redigido o n.º 4 do segmento uniformizador causam ou podem causar a impressão de que deve exigir-se do investidor uma prova directa, e uma prova directa de um processo psíquico hipotético (daquilo que teria decidido, se tivesse sido devidamente informado) – e os termos em que está redigido o n.º 3 em nada contribuem para a desfazer.
Ora os deveres de esclarecimento ou de informação do intermediário financeiro destinam-se a dar ao investidor uma oportunidade de decidir de forma consciente, livre e responsável e, ainda que não se destinassem a dar ao investidor uma oportunidade de decidir, sempre a prova directa de que o investidor não teria tomado a decisão de investir, ou de que teria tomado uma decisão de investir de conteúdo distinto, é uma prova impossível.
Em termos práticos, a afirmação de que, ainda que haja violação de deveres de esclarecimento e informação, o cliente tem o ónus da prova de que a violação de deveres é condição sine qua non da decisão de investir, significaria que a violação de deveres de esclarecimento ou de informação, ainda que seja ilícita e que seja imputável ao intermediário financeiro por dolo ou por culpa grave, não seria nunca facto constitutivo de um dever de indemnizar.
2 – O problema da impossibilidade da prova poderia resolver-se em Portugal como se resolveu na Alemanha ou na Itália – através de uma presunção, fáctica (1) ou normativa (2), de que a decisão de investir foi condicionada pela violação dos deveres do intermediário financeiro (3).
O contra-argumento de que “não é essa a solução que o legislador consagrou neste tema específico” não pode ser razoavelmente sustentado: ainda que as disposições do direito alemão ou do direito italiano sejam semelhantes, sejam em tudo semelhantes, às disposições do direito português, o Supremo Tribunal Federal alemão e a Corte di cassazione italiana desenvolveram critérios sistemática e teleologicamente adequados de distribuição do risco da falta de prova.
O facto de terem sido violados deveres de esclarecimento ou de informação lesa o direito do investidor de decidir consciente e livremente, através de uma ponderação pessoal dos prós e dos contras – daí que, de acordo com o fim de protecção da disposição infringida ou violada, deva colocar-se a cargo do intermediário financeiro o ónus de provar que, “ainda que tivesse cumprido o seu dever de informação – que não tivesse incorrido no comportamento ilícito -, o [investidor] teria a mesma conduta” (4) (5).
Em todo o caso, mesmo que não quisesse chamar-se para aqui uma presunção, sempre o problema se poderia resolver como se resolveu em França – através da reconstrução do dano do investidor como dano da perda de uma chance ou de uma oportunidade de decidir sobre o investimento, não concluindo nenhum contrato, ou concluindo um contrato de conteúdo distinto (6).
3 – O raciocínio desenvolvido para confirmar a decisão do acórdão recorrido é elucidativo acerca do autêntico estado de necessidade em relação à prova em que se encontra o investidor.
Estando em concreto presentes todos os elementos potencialmente relevantes para a prova da condicionalidade (7), o acórdão concluiu que a presença de todos os elementos relevantes era insuficiente: ainda que o investidor não tivesse tido a possibilidade de identificar a categoria – obrigações – ou a espécie – obrigações subordinadas – do instrumento financeiro, ainda que não tivesse tido a possibilidade de conhecer as características do instrumento financeiro obrigações subordinadas, ainda que não tivesse tido a possibilidade de individualizar a entidade emitente e ainda que não tivesse tido a possibilidade de compreender, no contexto sócio-económico em que a operação foi realizada, o risco de perda do capital investido, o intermediário não foi condenado a indemnizá-lo.
O investidor não teria conseguido provar que a violação (ilícita) de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da decisão de investir (8).
O resultado é, na minha opinião, de todo em todo insustentável:
Independentemente da extensão da violação de deveres, independentemente da gravidade da ilicitude e independentemente da gravidade da culpa do intermediário (ou seja, ainda o intermediário tenha actuado com dolo, e com dolo de lesão!), o investidor confrontar-se-á sempre com um obstáculo, e o obstáculo é intransponível – exige-se-lhe que faça uma prova que o investidor não pode fazer; exige-se-lhe que faça a prova de que tomaria uma decisão que não tomou, e de que tomaria uma decisão que não tomou se tivesse uma informação que não teve!
4 – Interpretado o n.º 4 em termos de exigir ao investidor a prova directa de um processo causal hipótético, entendo que o alcance da uniformização de jurisprudência deverá limitar-se aos contratos concluídos até ao termo do prazo para a transposição da Directiva n.º 2004/39/CE, de 21 de Abril de 2004, ou seja, aos contratos concluídos até 31 de Janeiro de 2007 (9).
O facto de o contrato de intermediação financeira entre os Autores, agora Recorrentes, e o Banco BPN – Banco Português de Negócios, SA, ter sido concluido em 10 de Abril de 2006 explicará a ausência de um reenvio prejudicial; ainda que explique e, porventura, justifique a ausência de reenvio, determina que o alcance da uniformização deva restringir-se.
Entre os limites à autonomia dos Estados-membros na transposição das directivas está o princípio da efectividade (10)- e, de acordo com o princípio da efectividade, a prova da relação de condicionalidade entre a violação do dever e o dano do investidor não deve ser nem impossível, nem (tão-pouco) demasiado difícil (11). Ora o n.º 4 do segmento uniformizador, ao sustentar que, “[p]ara estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir […], incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”, faz com que a prova da relação de condicionalidade se torne de todo em todo impossível:
“… aí onde um dever de informação decorrente da directiva relativa aos mercados de instrumentos financeiros tenha sido violado, a regra básica deve ser a de que existe uma relação de condicionalidade entre a violação da regra e o dano, atendendo a que, de outro modo, a protecção dos investidores pretendida pela directiva pode revelar-se praticamente ilusória” (12).
Lisboa, 6 de Dezembro de 2021
Nuno Manuel Pinto Oliveira.
(1) Como sugere o acórdão do Supremo Tribunal Federal alemão de 11 de Fevereiro de 2014 – II ZR 273/12.
(2) Como sustentam os acórdãos do Supremo Tribunal Federal alemão de 3 de Dezembro de 2007 – II ZR 21/06 -, de 8 de Maio de 2012 – XI ZR 262/10 -, de 13 de Dezembro de 2012 – III ZR 70/12 -, de 23 de Abril de 2013 – XI ZR 318/10 – ou de 11 de Fevereiro de 2014 – II ZR 273/12 – e os acórdãos da Corte di cassazione italiana de 16 de Fevereiro de 2018 – n.º 3914 -, de 28 de Fevereiro de 2018 – n.º 4727 -, de 15 de Junho de 2020 – n.º 11549 – ou de 31 de Agosto de 2020 – n.º 18153.
(3) Como sustentam, p. ex., os acórdãos da Corte di cassazione italiana de 16 de Fevereiro de 2018 – n.º 3914 -, de 28 de Fevereiro de 2018 – n.º 4727 -, de 15 de Junho de 2020 – n.º 11549 – ou de 31 de Agosto de 2020 – n.º 18153 -, a inobservância dos deveres de informação dos intermediários financeiros faz com que a decisão do investidor deixe de ser, como deveria, uma consciente, livre e responsável.
(4) Cf. António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto, “Compra e venda de empresas. A venda de participações sociais como venda de empresa (share deal)”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 137.º (2007), págs. 76-102 (97 – nota n.º 112).
(5) Cf. designadamente Claus-Wilhelm Canaris, “Die Vermutung ‘aufklärungsrichtigen Verhaltens’ und ihre Grundlagen”, in: Claus-Wilhelm Canaris. Gesammelte Schriften, vol. III – Privatrecht, de Gruyter, Berlin/Boston, 2012, págs. 1085-1107; Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 1388-1389 e 1060-1064; António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto, “Compra e venda de empresas. A venda de participações sociais como venda de empresa (share deal)”, cit., pág. 97; ou Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424 (421-422).
(6) Vide, p. ex., os acórdãos da Chambre commerciale da Cour de cassation de 4 de Fevereiro de 2014 – n.º 13-10.630 -, de 17 de Março de 2015 – n.º 13-25.142 – ou de 3 de Maio de 2018 – n.º 16-16.809 – e o acórdão da Chambre civile de 20 de Maio de 2020 – n.º 18-25.440.
(7) Os factos provados sob os n.os 15, 16 e 17 demonstram que o investidor, em função do seu grau de conhecimento e experiência, não teve a possibilidade de identificar a categoria do instrumento financeiro – obrigações – ou a especíe – subordinadas; o facto provado sob o n.º 16 demonstra que o investidor não teve a possibilidade de conhecer as características do instrumento financeiro obrigações subordinadas; o facto provado sob o n.º 18, que não teve a possibilidade de individualizar a entidade emitente ou, ainda que não emitente, responsável pelo reembolso do capital investido; e os factos provados sob os n.os 9. 12 e 17, que o investidor não teve a possibilidade de compreender, no contexto sócio-económico em que a operação foi realizada, o risco de perda do capital ou dos rendimentos.
(8) Entre as razões por que o acórdão terá concluído que a presença de todos os elementos relevantes para a prova da condicionalidade era insuficiente está o facto de ter desvalorizado os factos provados e valorizado, porventura em excesso, os factos não provados – atendeu, p. ex., à circunstância de ter sido dado como não provado “[q]ue os autores desconhecessem e nem pudessem conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo” [alínea g)] ou “[q]ue, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, cujo capital não era garantido pelo BPN, […] não tivesse consentido e autorizado tal compra [alínea e]] e desatendeu ou, em todo o caso, desvalorizou a circunstância de ter sido dado como provado que “[o] autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido[,] e [de] que lhe seriam pagos os juros” (n.º 11), que “[o] autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco” (n.º 12) ou que “[o autor] tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em produtos de baixo risco e rentabilidade assegurada)” (n.º 12).
(9) Cf. art. 70.º da Directiva 2004/39/CE, de 21 de Abril de 2004).
(10) Cf. acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 30 de Maio de 2013 – processo C-604/11 (Genil 48 SL e Comercial Hostelera de Grandes Vinos SL contra Bankinter SA e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA) -, em cujo parágrafo 57 se diz: “embora o artigo 51.º da Directiva 2004/39 preveja a imposição de medidas ou de sanções administrativas contra as pessoas responsáveis por uma violação das disposições adoptadas em aplicação desta directiva, não precisa que os Estados-Membros devem prever consequências contratuais no caso da celebração de contratos que não respeitam obrigações que decorrem das disposições de direito nacional que transpõem o artigo 19.º, n.os 4 e 5, da Directiva 2004/39 nem quais poderiam ser essas consequências. Ora, na inexistência