Miguel Reis
Segundo uma sondagem publicada pelo Expresso (14/1/2017) a maioria dos portugueses (52,5%) prefere a nacionalização do Novo Banco à sua liquidação (28,5%).
Estamos, objetivamente, perante uma “sondagem manipuladora”, ou seja, perante uma sondagem que tem, como fim principal, criar condições para uma medida política, ao invés de obter um resultado sobre a verdadeira opinião dos auscultados.
Importa começar por esclarecer em que consiste a nacionalização de um banco em Portugal.
A resposta encontra-se na Lei n.º 62-A/2008, de 11 de novembro, que nacionalizou o Banco Português de Negócios e instituiu o “regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização.”
O art.º 1º dessa lei dispõe o seguinte: “Podem ser objeto de apropriação pública, por via de nacionalização, no todo ou em parte, participações sociais de pessoas coletivas privadas, quando, por motivos excecionais e especialmente fundamentados, tal se revele necessário para salvaguardar o interesse público.”
O artº 2º dispõe que “os atos de apropriação pública, por via de nacionalização, revestem a forma de decreto-lei”, devendo o mesmo evidenciar, sempre,” o reconhecimento do interesse público subjacente ao ato de nacionalização, com a observância dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência”.
O artº 4º determina o seguinte:
“1 – Aos titulares das participações sociais da pessoa coletiva, bem como aos eventuais titulares de ónus ou encargos constituídos sobre as mesmas, é reconhecido o direito a indemnização, quando devida, tendo por referência o valor dos respetivos direitos, avaliados à luz da situação patrimonial e financeira da pessoa coletiva à data da entrada em vigor do ato de nacionalização.
2 – No cálculo da indemnização a atribuir aos titulares das participações sociais nacionalizadas, o valor dos respetivos direitos é apurado tendo em conta o efetivo património líquido.”
Ao contrário do que foi induzido na opinião pública, especialmente pelo Banco de Portugal, o Novo Banco não é propriedade do sistema financeiro. O único acionista é o Fundo de Resolução, uma pessoa coletiva de direito público, controlada e dirigida pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças, sem nenhuma intervenção ou influência dos bancos.
A primeira observação que importa fazer é a de que a nacionalização não é legalmente admissível, pois que a totalidade do capital do Novo Banco já foi objeto de apropriação pública, aliás, no ato originário da constituição do mesmo.
A lei não fala em apropriação pública de participações sociais em pessoas coletivas privadas, mas em apropriação pública de participações sociais de pessoas coletivas privadas.
O objeto da nacionalização não pode ser constituído pelos títulos representativos do capital de pessoas coletivas privadas desde que eles sejam detidos por entidades públicas, o que, aliás foi observado como sendo impeditivo da nacionalização do BANIF.
O objeto da nacionalização tem que ser, necessariamente, a apropriação de participações sociais detidas por pessoas coletivas privadas.
Ora, não é manifestamente o caso, pois que, como já se disse, a totalidade do capital do Novo Banco é titulada por ações de que é proprietário o Fundo de Resolução, uma pessoa coletiva de direito público.
O novo regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização teve como escopo essencial o de tornear a proibição do confisco, tanto pelo direito interno como pelo direito comunitário.
A pedra de toque do regime está no art.º 4º, nos termos do qual “aos titulares das participações sociais da pessoa coletiva (in casu ao Fundo de Resolução), é reconhecido o direito a indemnização, (…) tendo por referência o valor dos respetivos direitos, avaliados à luz da situação patrimonial e financeira da pessoa coletiva à data da entrada em vigor do ato de nacionalização.”
O Fundo de Resolução investiu em capital do Novo Banco o montante de 4.900 milhões de euros. Uma operação de nacionalização, se fosse admissível, serviria apenas para branquear a falência dessa instituição e a impossibilidade de pagar o empréstimo contraído perante o Estado.
Ou seja: a nacionalização (se fosse legalmente admissível, e, com a lei atual não é) haveria de servir, apenas para transferir para o Estado os custos da desastrosa resolução do Banco Espírito Santo, desde logo por via de uma indemnização, que permitiria reduzir a dívida do Fundo de Resolução e calar o principal argumento que justifica a necessidade de aumentar a contribuição do sistema bancário para o dito Fundo.
Ou seja: o Estado pagaria alguma coisa pelas ações detidas pelo Fundo de Resolução, esse dinheiro amortizaria parte do empréstimo de 3.900 milhões de euros, reduzindo-se, por tal via, o calote do Fundo, em que assenta o cálculo das necessidades financeiras suportadas pela dita contribuição.
Ao contrário do que foi impingido ao País pelo Banco de Portugal, o sistema financeiro, entendido como o conjunto das instituições financeiras nenhuma intervenção tem nem nas políticas financeiras do Banco de Portugal nem no sistema de resolução. Porém, acaba por ser vítima das asneiras dos reguladores e dos agentes políticos, bem se compreendendo que exerça a sua capacidade de pressão para transferir o máximo de responsabilidades para o Estado.
No caso vertente, tendo embora como face do projeto de nacionalização os partidos da esquerda, é claro e inequívoco que os grandes beneficiários de uma nacionalização do Novo Banco são os bancos nacionais, o Banco de Portugal e o Banco Central Europeu, como o foram já com a nacionalização do BPN, de que não suportaram quaisquer custos, cabendo os encargos, na sua totalidade ao Estado.
A concretizar-se a nacionalização – o que só como hipótese teórica se admite – seria estabelecido o valor de indemnização a pagar pelo Estado ao Fundo de Resolução, tomando em consideração o valor do “património líquido” do Novo Banco, em conformidade com avaliações de duas “entidades independentes”.
A primeira reserva que este caminho suscita é a da efetiva inexistência de “entidades independentes” que mereçam alguma credibilidade, pois todas as que, como tal, são consideradas, navegam na mesma teia de interesses, ao ponto de se poder dizer que a avaliação tem sempre os resultados pretendidos por quem a paga.
A nacionalização é o caminho adequado para satisfazer vários senhores.
Ela pode encobrir a verdadeira dimensão do desastre que foi a resolução do BES, duplicando ou triplicando o preço vil que está em cima da mesa para a venda do Novo Banco e dando a ilusão de que o prejuízo causado aos cofres públicos é menor do que seria com a venda aos atuais concorrentes.
Se o Novo Banco for avaliado em 2.500 de euros, o buraco será, aparentemente, de apenas 2.400 milhões e não de 4.150 milhões, como ocorrerá se a venda se fizer por 750 milhões.
Se o Fundo de Resolução pagasse os 2.500 milhões ao Estado, deixaria ele de os perder e ficaria o Fundo de Resolução com um buraco de apenas 2.400 milhões, o que agradaria ao sistema financeiro, por ver reduzida a base de cálculo da contribuição para o Fundo.
Estamos, porém, perante uma pura ilusão, pois que este tipo de operações tem um custo elevadíssimo, implica muitas “perdas pelo caminho” e, sobretudo, implica a assunção pelo Estado de novas responsabilidades, que podem ser de centenas de milhões de euros, se a corda esticar até ao fim.
Porque é que não conseguem vender o Novo Banco?
Parece que nenhuma cabeça pensante ainda se questionou sobre as razões pelas quais não conseguem vender o Novo Banco.
A resposta pode ser encontrada, de forma fácil e expedita, na certidão permanente do registo comercial, que pode ser consultada no Portal do Cidadão com a senha 3314-3280-2741.
Vê-se dessa certidão, em primeiro lugar, que o Novo Banco não é um banco.
É uma sociedade comercial constituída pelo Banco de Portugal, no quadro do RGICSF, com objeto distinto do dos bancos, que sofreu algumas alterações, de legalidade duvidosa, porque feitas pelo próprio Novo Banco e não pelo Banco de Portugal, mas que, todavia, lhe mantêm uma natureza estranha, todavia distinta da de uma instituição bancária.
Diz-se sob o item “Matrícula” que o objeto social é a “administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo S.A. para o Novo Banco S.A. e o desenvolvimento das atividades enunciadas no artº 145º-A do RGICSF.”
Pela apresentação 127/20140806, o objeto social era “administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo S.A: para o Novo Banco S.A. e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artº 145º-A do RGICSF e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outras instituições de crédito.”
A alteração dos Estatutos foi registada pela apresentação nº
199/20141024 e resulta de uma deliberação social da assembleia geral do Novo Banco S.A., que procedeu a uma alteração dos Estatutos, que se reputa absolutamente ilegal.
Salvo melhor entendimento, o Banco de Portugal poderia ter procedido a uma alteração estatutária. Porém, não nos parece legalmente admissível que o acionista único – o Fundo de Resolução – tivesse alterado os Estatutos definidos pelo Banco de Portugal, muito menos poucos dias depois da instituição do banco de transição.
Vigora nesta matéria a regra de que a criatura não deve substituir-se ao criador.
O banco de transição foi criado pelo Banco de Portugal para, de forma clara e inequívoca, repartir o património do Banco Espírito Santo S.A. pelas outras instituições de crédito que atuavam no mercado. Só isso parece justificar que se tenha escolhido o banco maior e com melhores ativos de forma a satisfazer a voracidade dos demais banqueiros em crise.
O texto da lei é inequívoco, no sentido de que o objetivo da constituição do Novo Banco S.A. era “permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outras instituições de crédito,” ou seja liquidar, no futuro, os despojos do assalto, porém junto, apenas, das “outras instituições de crédito” que operavam no mercado nacional.
Os candidatos à compra do Novo Banco S.A. também têm advogados e foram, seguramente, informados que o Novo Banco não é um banco, em sentido técnico, mas uma “coisa” em sentido jurídico, que foi constituída com o referido objeto social e com o objetivo de “permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outras instituições de crédito”.
A radiografia do Novo Banco S.A. encontra-se na referida certidão permanente e nos documentos a ela apensos (badana direita).
Pode ver-se de tal certidão que pendem em juízo várias ações judiciais, em que se formulam pedidos que, a serem julgados procedentes, fariam perder todo o investimento que fosse feito por eventual comprador.
Veja-se o teor do pedido da ação que corresponde a apresentação nº 188/20141118, de que somos subscritores:
“Que seja decretada:
1) a anulação da medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco Espirito Santo S.A.;
2) a anulação da transferência dos ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, S.A. para o Novo Banco, S.A., devendo todo esse acervo patrimonial ser transferido e regressar à esfera patrimonial do Banco Espirito Santo, S.A.;
3) Até ao trânsito em julgado de decisão a proferir na presente lide, deve o Novo Banco, S.A. abster-se de vender ou alienar ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que são legalmente do Banco Espirito Santo, S.A. e que foram objeto de transferência;
4) a nulidade e extinção do banco de transição denominado Novo Banco, S.A.; 5) a nulidade do contrato de mútuo em que se fundou o empréstimo da República Portuguesa ao Fundo de Resolução.”
No processo a que corresponde a apresentação nº 179/20150112 pedem os autores que “seja declarada a nulidade do ato administrativo impugnado ou quando se não se entenda, anulado o mesmo. Em qualquer dos casos ficando sem efeito a transmissão de património do Banco Espirito Santo S.A. para o Novo Banco S.A.”
Num outro processo, a que corresponde a apresentação nº 166/20150128, em que é autora a Massa Insolvente da Espirito Santo Finantial Group S.A. pede-se que seja declarada:
“1) A nulidade ou a anulação da medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco Espirito Santo S.A.;
2) a nulidade ou a anulação da transferência de todos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos que se encontram atualmente sob gestão do Novo Banco, S.A., devendo todo esse acervo patrimonial retomar à esfera patrimonial do Banco Espirito Santo, S.A.;
3) A nulidade ou a anulação e consequente extinção do banco de transição denominado Novo Banco, S.A.;
4) a nulidade ou a anulação dos demais atos que decorram ou sejam consequentes dos atos impugnados.”
A apresentação nº 167/20150128 corresponde a uma ação proposta pela Massa Insolvente da Espírito Santo Financial (Portugal) Sociedade Gestora de Participações Sociais S.A., em que se pede que seja decretada:
“1) A nulidade ou a anulação da medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal relativamente ao Banco Espirito Santo S.A.;
2) a nulidade ou a anulação da transferência de todos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos que se encontram atualmente sob gestão do Novo Banco, S.A., devendo todo esse acervo patrimonial retomar à esfera patrimonial do Banco Espirito Santo, S.A.;
3) A nulidade ou a anulação e consequente extinção do banco de transição denominado Novo Banco, S.A.;
4) a nulidade ou a anulação dos demais atos que decorram ou sejam consequentes dos atos impugnados.”
A apresentação nº 40/20150929 dá-nos conta de uma ação em que se pede a “declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 (e de outras deliberações posteriores que alteraram o seu conteúdo e fundamento) pela qual foi constituído o “Novo Banco S.A.”
Estão pendentes, pelo menos, mais uma ação e uma providência cautelar, que patrocinamos e ainda não foram registadas, mas de que o Banco de Portugal já tem conhecimento.
Com um quadro deste tipo, só um maluco ou um irresponsável arriscaria comprar o Novo Banco S.A., em primeiro lugar porque não é um banco (não passando de um veículo) e em segundo lugar porque pendem em juízo várias ações em que se pede a sua dissolução.
Há, porém, outras razões que inviabilizam uma venda segura Novo Banco S.A., tal como o mesmo é apresentado, ou seja como um banco que “herdou” o património do Banco Espírito Santo S.A..
Golpadas e privilégios de credores
O Governo e a imprensa têm vindo a reduzir os “lesados do BES” a um grupo de investidores que não só não sofreu nenhuma lesão como está garantido a 100%: o dos credores de papel comercial de empresas do GES cujos créditos estão totalmente garantidos por provisões constituídas no BES e desviadas para o Novo Banco pelo Banco de Portugal.
Se estivéssemos perante gente séria, já teriam sido pagos integralmente não só os credores de papel comercial como todos os demais com créditos garantidos pelas provisões ordenadas pelo Banco de Portugal, que não podem ter outro destino que não seja aquele para que foram criadas.
Só que esse grupo tem vindo a ser usado como tropa de choque e como cortina de fumo, não se sabe ainda a que preço, de forma a obnubilar os verdadeiros “lesados do BES”.
A última manobra de diversão é uma providência cautelar visando, alegadamente, evitar a venda do Novo Banco por partes, a qual não pode interpretar-se senão como um frete ao Banco de Portugal, dias depois de uma providência em que se peticiona que seja impedida a venda do banco de transição, nomeadamente, porque a deliberação da resolução não projetou tal venda, mas apenas a venda dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais, aos operadores que estão no mercado.
Uma coisa é o capital de 4.900 milhões de euros de dinheiro público que o Fundo de Resolução injetou num negócio a que os investidores do BES são alheios. Outra coisa é o património do BES – os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais desviados para o Novo Banco que, segundo o plano de resolução, têm que ser vendidos a “outras instituições de crédito”.
O nó górdio da medida de resolução do BES reside no facto de ela ter sido mal planeada e mal executada.
Mal planeada porque o Banco de Portugal disse, até à última hora, uma coisa e o seu contrário, sendo evidente que nada fez no sentido de construir um novo banco, um banco de transição, nos termos da lei, tendo-se limitado a tomar de assalto o Banco Espírito Santo S.A..
O bom cumprimento da lei exigia que o Novo Banco fosse uma coisa nova e independente, com uma estrutura própria e adequada a receber os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais cuja transferência fosse ordenada pelo Banco de Portugal, registando-se, de forma ordenada a sua saída do BES e a entrada no banco de transição, por via dos adequados registos contabilísticos.
O princípio estruturante da resolução bancária europeia
Há muitos anos que se encontram estabilizadas as normas que regem a escrituração mercantil.
Há mais de 120 anos – desde 1888, data da promulgação do Código Comercial – que a escrita mercantil faz prova entre os comerciantes cujos são.
Sendo essa a regra geral, não faz nenhum sentido que a mesma seja excecionada relativamente às instituições financeiras, sujeitas a uma supervisão intrusiva, como a que é imposta pela lei portuguesa e pelas regras da União Europeia, máxime porque a estabilidade do sistema financeiro depende da transparência e do rigor das contas.
Os verdadeiros lesados do Banco Espírito Santo S.A. são aqueles que foram levados a investir em participações e em produtos financeiros, convencidos de que não corriam nenhum risco, pois que sempre foi essa a mensagem que lhes foi passada pelo próprio banco e pelas entidades públicas.
Provavelmente, o grupo de pessoas enganadas de forma mais grosseira foi o dos emigrantes, a quem foram vendidas ações de sociedades de offshore como se se tratasse de depósitos a prazo.
Mas também foram lesados milhares de cidadãos e de pequenas empresas, a quem foram vendidas ações, com a garantida de que o BES era um banco sólido, acima de qualquer risco.
E parece que era…
A aventura do Novo Banco S.A. – aventura do Banco de Portugal – consiste, essencialmente, em tentar constituir um banco com 4.900 milhões emprestados pelo Estado e com o saque dos melhores ativos do Banco Espírito Santo, sem pagar nada a ninguém por isso.
Os 4.900 milhões terão sido suficientes para pagar as mudanças das fachadas das agências e para suportar os prejuízos de um negócio mal sucedido, como se previa. Mas não serviram para pagar quaisquer ativos transferidos.
É certo que não foram transferidos apenas ativos; também foram transferidos passivos. Só que ninguém sabe em que medida e por que valores, porque não contas limpas e transparentes que o evidenciem.
O que agora se propõem fazer, por várias vias, tomando a nuvem por Juno é vender (ou nacionalizar) as ações do Novo Banco S.A., como se elas fossem uma espécie de garantia de acesso ao saque do património do Banco Espírito Santo S.A.
É isso que e inaceitável.
Poderia, por tudo isso, fazer sentido nacionalizar o Banco Espírito Santo S.A., até porque se impugnou a sua resolução e se impugnaram as transmissões de ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais para o Novo Banco S.A..
É que o princípio estruturante da resolução bancária europeia consiste na garantia de que os acionistas e os demais investidores não receberão menos do que receberiam se o banco fosse liquidado.
É o que resulta inequivocamente da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento.
Logo no preâmbulo dessa diretiva se afirma que “só deverão ser tomadas medidas de resolução caso tal seja necessário para a defesa do interesse público, e qualquer interferência nos direitos dos acionistas e dos credores resultante das medidas de resolução deverá ser compatível com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»). Em especial, caso os credores de uma mesma categoria sejam tratados de forma diferente no âmbito de uma medida de resolução, essa distinção deverá justificar-se por razões de interesse público, deverá ser proporcionada em relação aos riscos em causa e não deverá ser direta nem indiretamente discriminatória por motivos de nacionalidade.”
A medida de resolução implicou o nascimento de um novo negócio – o negócio do Novo Banco, em nome do Fundo de Resolução, patrocinado pelo Banco de Portugal.
Os acionistas do BES e os demais investidores não têm nada a ver com esse negócio desastroso, nem com a destruição de ativos tão importantes como a marca BES, que valia mais de 600 milhões de euros.
Mas têm a ver com o valor do negócio bancário e com os valores dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais transferidos do Banco Espírito Santo para o Novo Banco.
Porque não nacionalizam o Banco Espírito Santo?
Dito tudo isto importa extrair conclusões.
Não faz nenhum sentido – e carece de fundamento legal – a nacionalização do Novo Banco, pois que as participações sociais no mesmo não são privadas, tendo sido originariamente criadas sob apropriação pública.
Privadas são as participações sociais no Banco Espírito Santo S.A., do qual foi transferido o essencial do negócio bancário e os mais importantes ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais para o Novo Banco, em termos que são discutíveis e sem que haja contas de tais movimentos.
A grande questão que tudo isto suscita é a de saber quanto custa.
Uma outra questão é a de saber o que é mais barato: a nacionalização ou a remoção dos obstáculos processuais.
Não é possível intentar mais ações que ponham em causa a medida de resolução, pelo que as ações pendentes podem ser objeto de desistência, desde que se celebrem acordos nesse sentido com os respetivos autores.
Não temos números sobre os valores em causa, mas temos poucas dúvidas de que seria muito mais barato negociar a desistência com os autores das ações pendentes do que proceder à nacionalização do Banco Espírito Santo, como forma de remover as responsabilidades emergentes das irregularidades invocadas em juízo.
São Paulo, 17 de janeiro de 2017