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O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que cometem um crime de participação económica em negócio o diretor municipal e as advogadas avençadas da respetiva direção que, de comum acordo, perante a impossibilidade de prorrogar os contratos de prestação de serviços destas e paras as compensarem, diligenciem pela adjudicação, por ajuste direto e no prazo mais curto possível, de serviços jurídicos à sociedade de advogados da qual a irmã de uma delas, companheira do diretor, era sócia.
O caso
A vereadora do pelouro da cultura de uma câmara municipal delegou no Diretor Municipal de Cultura competências para, em matéria da contratação e realização de despesas, adquirir e locar bens móveis e serviços, aprovando os projetos, os programas de concurso, os cadernos de encargos e proceder às adjudicações respetivas, até ao limite de 49.879 euros, com exceção da aquisição de serviços a pessoas individuais.
Perante a impossibilidade de prorrogar os contratos de prestação de serviços de duas juristas da sua direção municipal, uma das quais irmã da sua companheira, o Diretor Municipal de Cultura acordou com elas diligenciar pela adjudicação, por ajuste direto e no prazo mais curto possível, de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que a irmã da sua companheira era sócia, por um valor muito próximo do máximo para o qual o arguido tinha competência subdelegada para autorizar, e que posteriormente as duas advogadas repartiriam entre si os montantes que a câmara municipal viesse a pagar no âmbito dessa contratação.
Em consequência, e sob proposta de uma dessas juristas, a sociedade de advogados em causa foi contratada, por ajuste direto, para levar a cabo quatro estudos ou pareceres pelo valor de 46.392 euros, acrescido de IVA.
Valor esse que correspondia exatamente ao dobro da soma dos montantes recebidos no semestre anterior pelas duas juristas. E cuja parte correspondente à elaboração de um dos estudos foi paga na sua totalidade sem que esse estudo tivesse alguma vez chegado a ser entregue, depois do Diretor Municipal ter declarado o seu recebimento.
Os três acabaram acusados da prática do crime de participação económica em negócio mas o tribunal decidiu absolvê-los. Inconformado com essa decisão, o Ministério Público recorreu para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL deu provimento ao recurso, condenando os três envolvidos a penas de prisão, suspensas na sua execução, e o antigo diretor também na pena acessória de proibição, por cinco anos, do exercício de todas e quaisquer funções públicas que envolvessem a competência para autorizar a realização de despesas com a aquisição de bens e serviços.
Entendeu o TRL que os arguidos tinham cometido o crime pelo qual tinham sido acusados ao diligenciarem pela adjudicação, por ajuste direto e no prazo mais curto possível, de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que a irmã da companheira do diretor era sócia, para a compensarem a ela e à outra advogada pelo fim da sua avença com a câmara municipal.
Diz a lei que comete um crime de participação em negócio o funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpra, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar.
Trata-se de um crime que visa impedir que interesses públicos de natureza patrimonial sejam preteridos em favor de interesses privados do agente ou de terceiro. Por essa razão só pode ser cometido por funcionário, tendo por base uma participação ilícita, ou seja, uma procura de obtenção de uma vantagem resultante de um negócio ou ato jurídico por ele praticado que não seja conforme ao direito.
Ora, a lei impõem, sob pena de violação do princípio da imparcialidade na Administração Pública, o afastamento, espontâneo ou forçado, de interveniente, seja dele decisor ou técnico, relativamente ao qual seja razoável suspeitar-se da sua isenção, como obviamente ocorre quando a sócia de uma sociedade contratada por uma autarquia é irmã da companheira do decisor, além de tia da sua filha. Ou quando o convite seja proposto por quem venha a beneficiar da adjudicação.
Regra essa que é aplicável também em caso de ajuste direto, pois sendo este um procedimento informal e célere, na qual a entidade é escolhida independentemente de concurso, maior deve ser a exigência no cumprimento de alguns princípios, como o da igualdade, imparcialidade e transparência, para que os cidadãos tenham confiança na justeza da adjudicação do contrato.
Embora o crime de participação em negócio só possa ser cometido por funcionário, em caso de atuação conjunta de vários agentes, essa qualidade é comunicável aos comparticipantes que a não possuam, desde que estes tenham dela plena e esclarecida consciência. O que permite punir pela prática do mesmo crime a advogada que, embora não tendo participado do procedimento de adjudicação, tenha dele beneficiado em conluio com os funcionários que o elaboraram e decidiram.
O TRL afirmou, ainda, haver concurso efetivo entre o crime de participação económica e o crime de falsificação de documentos, sempre que a prática do crime de participação tenha implicado a elaboração de documento cujo conteúdo não seja verdadeiro.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 3443/11.0TDLSB.L1-9, de 25 de junho de 2015
Código Penal, artigos 26.º, 28.º, 225.º, 256.º, 377.º e 386.º
Constituição da República Portuguesa, artigo 266.º
Código do Procedimento Administrativo, artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 44.º
Código dos Contratos Públicos, artigos 16.º, 24.º e 112.º
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