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O meu avô, que era um homem sábio, combatente da I Grande Guerra, recomendou-me insistentemente que não guardasse as minhas economias no banco, quando, aos 18 anos, lhe disse que ia abrir uma conta bancária.
Aliás, fez a mesma recomendação ao meu pai aos meus tios que também se estrearam nas relações bancárias por essa época (1969). Foi há muito pouco tempo, já tinham passado mais de 20 anos sobre o fim da II Guerra Mundial e ainda era muito forte a desconfiança sobre a segurança dos depósitos bancários.
No mercado, os bancos procuravam fidelizar clientes com contas de pré-aviso que garantiam um juro melhor se avisássemos de que íamos fazer um levantamento ou pagamento com x dias de antecedência.
Sabia bem esse fruto civil a que chamam juros.
Na minha Faculdade de Direito de Coimbra, em 1971, o Prof. Teixeira Ribeiro, que mais tarde veio a ser vice-primeiro-ministro de Vasco Gonçalves (1975) ensinava-nos que era impossível fazer falir um banco, porque a especulação era muito reduzida e as normas prudênciais que regiam a atividade bancária, apesar de o Banco e Portugal ser um banco privado, era muito apertada.
Em 1975, a seguir ao 11 de março, assistimos a um processo de nacionalização da Banca e sentimos, pela primeira vez que podia não ser seguro ter o dinheiro nos bancos.
Foram então adotadas medidas restritivas , que limitavam o levantamento de dinheiro e a compra de moeda estrangeira.
O escudo republicano era uma grande moeda de que tenho as maiores saudades.
As primeiras notas portuguesas foram impressas ainda durante a monarquia. Mas foi em 1910 que nasceu o escudo, iniciando-se uma política monetária que permitiu a construção de uma moeda forte e saudável.
Quando o Estado não tinha dinheiro o Banco de Portugal imprimia papel moeda e suportava o Tesouro; quando havia dinheiro a mais, o Banco de Portugal recolhia-o, reduzindo a moeda em circulação.
A par do escudo circulavam no espaço português, moedas próprias em Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Macau e Timor, cada uma delas com os seu banco emissor e o seu regime próprio, nomeadamente em termos de compensação.
A relação do escudo com o dólar foi, durante muitos anos, uma relação muito estável. Um dólar eram 24 escudos.
O euro, nascido em 1 de janeiro de 2002, nunca foi uma moeda estável.
Na data do seu nascimento, 1 euro valia 0,8913 dólares.
Um ano depois, em 1 de janeiro de 2003, valia 1,04 dólares, o que nos mostrava que haveria de ser uma moeda adequada a manipulação.
No dia 28 de fevereiro de 2014, o euro atingiu o seu máximo valor por relação ao dólar, que foi de 1,379.
As moedas são essenciais para a vida das pessoas e das empresas e a flutuação dos seus valores assume uma relevância especialíssima no quadro da globalização, tornando especialmente vulneráveis os países que não tenham moeda própria.
Por regra, os Estados afirmavam que a dívida pública se pagava em moeda corrente.
A criatividade a que assistimos após o nascimento do euro conduziu a que se introduzissem, no quadro das finanças públicas, novos atores e novas figuras, com verdadeiras funções de soberania alternativa à dos Estados.
Exemplo disso é a importância dada às agências de rating, a favor de quem os Estados abdicaram de parte da sua soberania; como o são os contratos de swap, que introduzem em muitos contratos públicos formas de correção geradas na lógica do jogo ou azar.
O mais surpreendente é a constatação, neste momento em que o euro se aproxima do seu 14º ano e corre o risco de não chegar ao 15º, de que a política cambial pode ter sido desenvolvida de forma adequada a fazer crescer divida pública e privada quando a mesma é calculada em dólares.
1 milhão de euros à taxa de câmbio de 0,8913 são 891.300 dólares.
1 milhão de euros à taxa de câmbio de 1,379 são 1.379.00 dólares.
Normalmente não pensamos que o nosso dinheiro perde valor quando se desvaloriza por relação a outras moedas.
Só para dar um pequeno exemplo, entre 1 de janeiro de 2014 (1,3785) e 1 de junho de 2015 (1,0987) o euro desvalorizou 20,29%.
Se estiver em causa dívida que tenha que ser paga em dólares é esse o crescimento da mesma em função da alteração cambial.
Mas o sistema do euro, tal como foi concebido, tem outra fragilidades, talvez mais delicadas.
A ideia de que o Banco Central deve ter uma política monetária cega e o princípio de que o Banco Central não deve financiar os Estados transformou-os em reféns do sistema financeiro e dos mercados, em termos que podem gerar condições para o fim da moeda e da própria União Europeia.
Há anos que previ que pudesse acontecer aquilo a que estamos a assistir, mas não imaginei que pudesse ser tão cedo.
Aquelas pessoas que acreditaram nas virtudes dos depósitos bancários e que aforraram, contando com o rendimento das suas poupanças guardadas nos bancos, estão absolutamente desiludidas, porque nada recebem e, nalguns casos até têm que pagar para o banco lhes guarde o dinheiro.
Os bancos, porque a economia parou e o risco cresceu, não conseguem gerar negócios e dedicaram-se à especulação e ao negócio da dívida pública.
A garantia dos depósitos até 100.000 € é uma mentira legal, porque o Fundo não tem recursos para proceder ao pagamento.
Assistimos ao paradoxo de um país como Portugal ter uma dívida pública de 208.128 milhões de euros[1] que representa 120,27% do PIB e os “cofres cheiros” de dinheiro emprestado, pelos quais paga juros, que asseguram ganhos aos bancos.
O segredo – e o aliciante – está no facto de o Banco Central Europeu emprestar dinheiro aos bancos à taxa de 0,05% e de que quem recorre aos bancos ter que pagar as taxa de mercado.
Pensando naquele valor da divida portuguesa a diferença é apenas esta: se Portugal pudesse financiar-se junto do BCE, pagaria juros de 104 milhões de euros por ano; se tiver que se financiar nos mercados e o conseguir a uma taxa de 3,5%, que é considerada muito baixa, o valor a pagar é de 7.284 milhões de euros anuais. E se, perante esta barbaridade, o País protestar e a taxa de juro subir para 12,5% o valor dos juros anuais passa a ser de 26.016 milhões de euros por ano.
Este quadro, que foi imaginado para proteger o sistema financeiro e criar um sistema financeiro forte pode conduzir o sistema financeiro à derrocada.
Se a Grécia declarar a bancarrota isso terá um impacto brutal em todo o sistema financeiro da zona euro.
Dúvidas não há de que euro não acabará de um momento para o outro. Mas podem registar-se perturbações que dificultem a movimentação de fundos.
Foram recentemente anunciadas algumas medidas, a pretexto da necessidade de combate ao terrorismo, que servem objetivamente para criar dificuldades à movimentação de fundos.
Se forem criadas dificuldades à movimentação de valores depositados em bancos aumentará a preferência pela liquidez: o dinheiro terá valor para quem o tiver; não para quem o tiver bloqueado.
Só há, atualmente, uma motivação para ter dinheiro num banco: a da segurança. Só que essa segurança é ilusória, se forem criadas restrições à movimentação do valor dos depósitos.
Se se gerar um situação de desequilíbrio, a situação dos depositantes poderá não ser diferente da dos investidores em papel comercial do GES, a quem foi garantido que aquelas aplicações eram tão seguras como os depósitos.
Perante o quadro de instabilidade para que fomos conduzidos, parece-me bem mais seguro levantar o dinheiro dos bancos e guardá-lo no colchão do que correr o risco de ter confiado a terceiros.
Miguel Reis
[1] Valores de 31 de dezembro de 2014. Fonte: Banco de Portugal
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