Perguntam-nos, com frequência, se, perante a paralisação da economia, será bom negócio investir em espaços comerciais em Portugal.
A resposta é muito difícil e exige uma especial ponderação.
A reforma das leis do arrendamento, operada pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, destruiu, de um dia para o outro, ativos de valor bilionário, afetando os inquilinos, que perderam o valor criado (às vezes) durante décadas, os senhorios, que agora têm dificuldade em arrendar as lojas e os contribuintes que têm que suportar os custos emergentes do desemprego e da quebra do rendimento fiscal, para além dos buracos que a reforma criou no sistema financeiro.
O Prof. Orlando de Carvalho explicava primorosamente as virtualidades do “estabelecimento comercial” no seu livro “Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial”, publicado em 1967.
O estabelecimento comercial tinha a natureza de um património de afetação especial, autossustentável, em que o comerciante adicionava ao espaço, nas mais das vezes locado, um avviamento, que o valorizava e que carecia de proteção.
Explicava esse insigne Mestre, há mais de 40 anos, que o estabelecimento comercial tinha um conjunto de virtudes:
- Era uma espécie de segurança social do comerciante, que o encorajava a ser zeloso no tratamento da sua clientela, na expectativa de, no fim da vida, poder transmitir o valor acumulado a terceiros, por um justo valor;
- Era um garantia para os consumidores, porque todos tinham interesse na estabilidade do comércio, em saber onde podiam comprar este produto ou aquele, com as qualidades preferidas;
- Era uma garantia para os senhorios porque, a proteção do estabelecimento obrigava o comerciante a manter o imóvel locado nas melhores condições e a valorizá-lo permanentemente;
- Era uma garantia de estabilidade do emprego porque, mesmo em momentos de crise, o comerciante manteria os seus empregados, como única forma de garantir o valor do estabelecimento;
- Era bom para as cidades, vilas e aldeias, porque assegurava que as “partes baixas dos prédios”, aquelas em que tocamos com o nariz, estariam permanentemente bonitas e bem cuidadas.
Passados menos de dois anos sobre a publicação da reforma do arrendamento urbano, temos que considerar que ela foi um gigantesco fracasso.
Fecharam milhares de lojas, foram destruídos inúmeros empregos e as cidades estão cada vez mais decadentes.
Os comerciantes que ainda têm a porta aberta, deixaram de cuidar como cuidavam dos espaços arrendados, pois que todos sentem que lhes destruíram, de um dia para o outro e sem aviso, o valor dos seus estabelecimentos.
Em boa verdade, tendo as locações de espaços para estabelecimentos comerciais perdido a vocação de eternidade, embora em regime de preços controlados, deixou de ser fiável investir em estabelecimentos comerciais numa perspetiva de trespasse.
O Estado perdeu, com uma medida imbecil, milhões de euros em impostos, pois que eram tributadas as mais valias geradas pelo trespasse dos estabelecimentos comerciais e o funcionamento dos milhares de estabelecimentos encerrados gerava receita fiscal, que agora se perdeu e, pior do que isso, foi substituída, a contrario, por custos de desemprego.
Os senhorios perderam, porque deixaram de receber as rendas e não têm sequer recursos para reformar os espaços e para os arrendar a outros inquilinos.
Perderam os cidadãos porque viram destruídas, de um dia para o outro, redes comerciais, sobretudo de pequenos estabelecimentos, que encerraram inexoravelmente e nunca mais voltarão a abrir.
Perderam as cidades, que viram desaparecer espaços muitas vezes emblemáticos e aparecer escombros, em sua substituição.
Investir em lojas para arrendar poderá ser um bom negócio, em Portugal.
A minha resposta é perentória: já foi mas deixou de ser.
Em primeiro lugar, porque a quantidade de lojas que estão devolutas é enorme e, por isso, o valor das rendas, mesmo em espaço nobres, é muito baixo.
Em segundo lugar, porque, tendo desaparecido o incentivo da valorização do estabelecimento comercial, os inquilinos não vão conservar os espaços em bom estado e não os conseguirá arrendar de novo sem grandes obras.
Em terceiro lugar porque, apesar de todos estes riscos, a carga fiscal é enorme (28% sobre o valor das rendas a que acrescem valores imposto imobiliário, geralmente elevado).
O nosso conselho é objetivo: comprar lojas em Portugal para arrendar é um péssimo negócio, por mais baratas que as lojas sejam.
Isto não significa que não haja bons negócios com imóveis comerciais.
Se pensa montar um negócio com acesso a uma rua (numa loja), não arrende, compre, porque tudo está muito barato.
Com o dinheiro que iria despender numa renda conseguirá amortizar um empréstimo, beneficiando-se da vantagem de não pagar 28% de impostos, que seriam embutidos na renda.
A mesma lógica é válida para os arrendatários, que perderam o interesse na conservação dos seus estabelecimentos.
Falem com um banco, procurem saber que valor o banco lhes empresta contra o pagamento de uma prestação igual ao valor da renda e proponham ao senhorio a compra do imóvel.
A maioria dos senhorios de estabelecimentos comerciais está hoje receptiva a propostas de compra, porque é muito difícil encontrar um novo inquilino e não há chineses que cheguem para todos.
Se for senhorio, faça uma proposta ao seu inquilino, antes que ele desista de manter o estabelecimento e tudo comece a desmoronar-se, a começar pelo seu imóvel.
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