Apesar de falarmos a mesma língua, usamos em Portugal e no Brasil dois idiomas distintos e temos, no que se refere ao tratamento da informação económica com relevância jurídica, práticas muito diferentes.
Conheço situações absolutamente desastrosas, envolvendo empresários portugueses e brasileiros, em Portugal e no Brasil, quase todas elas emergentes de informação deficiente e de conselhos tecnicamente errados, sobretudo no plano jurídico e no do tratamento da informação contabilistica.
Há casos para todos os gostos – desde o que merece o adjetivo de deficiente até aos que merecem o de dramático, passando pelos que são, simplesmente, graves.
Os dramas, no Brasil, começam, geralmente, logo no início, com a realização de operações de capital que não respeitam as regras impostas pelo Banco Central ou com exportações de bens de equipamento que, pura e simplesmente, não podem entrar no país ou não podem ser licenciados.
Prosseguem depois, especialmente, em razão de uma muito comum deficiência na escrituração mercantil.
Apesar de o Brasil ter adotado desde 2008, as normas internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards (IFRS), após a promulgação da Lei 11.638, de 28 de dezembro de 2007, a verdade é que a generalidade dos “contadores” (como se chamam os contabilistas no Brasil) reduzem, por regra, a escrita mercantil ao que é exigido pelos padrões fiscais adotados pela empresa.
Ou seja: reduzindo-se a escrita mercantil à mera satisfação das obrigações tributárias, ficam completamente desprotegidas as relações jurídicas entre os sócios e entre os sócios e a empresa.
Se tomarmos em consideração o facto de as empresas brasileiras só poderem ter como administradores brasileiros ou estrangeiros residentes, é fácil a conclusão de que se pode transformar o doce estilo da cooperação luso-brasileira numa fonte de angústias, sofrimentos e vigarices, por que responderá apenas “quem colocou”, ou seja quem quem investiu.
Portugal já foi assim, mas já se esqueceu. E, por isso mesmo, é muito comum ver empresários portugueses a bradar aos céus, pelo que perderam em operações improvisadas no Brasil.
Não são apenas os portugueses que são enganados em Portugal.
O que está na moda, atualmente, no Brasil é vender prédios na planta… em Portugal.
Por maior que seja a credibilidade dos promotores, é obvio que não é uma coisa séria.
O sistema jurídico português não protege minimamente o promitente comprador de coisa ainda inexistente e não passivel de registo. E a situação económica do país desaconselha em absoluto a mera promessa de compra de coisas imóveis de que se não possa celebrar, imediatamente a compra e venda.
Aliás, há já dezenas de anos que a prática da venda de imóveis na planta ficou desacreditada em Portugal, ao ponto de ter sido, praticamente banida.
Mas há outras áreas especialmente arriscadas, como é a da aquisição de participações em sociedades comerciais. Nalguns casos de que tivemos conhecimento recente, os promotores das vendas ocultaram aos compradores das participações sociais que os equipamentos intalados não eram propriedade das empresas, pertencendo às empresas de locação financeira que os financiaram.
A locação financeira tem aspetos muito positivos. Mas tem um aspeto negativo, que consiste em ajudar a ocultação do verdadeiro património da empresa.
Ninguém, a quem é proposta a compra da totalidade do capital de uma empresa que tem um fábrica textil, em Portugal, depois de visitar a fábrica, vai imaginar que todos aqueles teares não pertencem efetivamente à empresa e podem ser retirados, em caso de incumprimento, pela empresa de leasing.
Há um conjunto de dificuldades nas relações económicas entre Portugal e o Brasil que podem ser melhoradas por via da melhoria de qualidade da assistência, nomeadamente da assistência jurídica.
Eu, que estou inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil há muitos anos (cédula de São Paulo com o nº 162104), continuo a recusar-me a assinar um requerimento que seja, para uma entidade brasileira, sem que ele seja verificado por um colega brasileiro.
Sou radical ao ponto de dizer que nenhum advogado português – mesmo que tenha 30 anos de profissão e mais de metade desse tempo no Brasil – está em condições de desempenhar condignamente a sua profissão neste país.
Afirmo o mesmo, a contrario sensu. Os advogados brasileiros sofrem da mesma limitação relativamente ao que houve que despachar em matéria de direito português.
Vale isto para dizer que só com equipas (ou equipes, como se diz no Brasil) constituidas por advogados de Portugal e do Brasil é possivel dar uma assitência condigna a quem precisar de assistência num dos dois paises de que não seja nacional.
Numa outra área é indispensável este tipo de cooperação: a da contabilidade. Enquanto não nos acertarmos nesta área vão continuar os desastres.
Seriam muito bom que, havendo como há uma plataforma comum, a dos International Financial Reporting Standards (IFRS), também os contabilistas e os contadores se entendessem.
Ao menos eles têm nomes diferentes, para marcar que diferentes são.
Quanto a nós, os advogados, temos nomes iguais mas não temos, como eles não têm, a mesma identidade de regras nem de práticas.
A começar pela dos honorários, porque em Portugal é proibida a quota litis e no Brasil ela a regra, se outra não for estipulada. O advogado, no Brasil, assume uma posição de quase sócio de indústria do cliente.
E é bom que os investidores portugueses tenham consciência disso.
Miguel Reis