Estamos a meia dúzia de dias do fim do ano de 2006.
Já é possível declarar, sem margem para riscos, que este foi o ANO SIMPLEX, porque foi o conceito simplex o que mais marcou o país.
Não nos referimos ao conceito técnico, que é bom (mesmo excelente) mas ao conceito político, que é mau e, sobretudo, perigoso.
O que nasceu como uma excelente ideia de desburocratização ligada a um excelente conceito de legística transformou-se num mero instrumento de propaganda, absolutamente incoerente nos seus termos, que explora, aliás a nivel exacerbado, formas de populismo degradantes – porque enganosas – que minam o sistema jurídico.
É óbvio que todos estamos interessados na simplificação e na desburocratização, desde que uma e outra permitam melhorar a qualidade e o bem estar e não sejam aniquiladoras do progresso.
Todos aplaudimos a reforma da legislação mercantil, a eliminação de uma série de actos inúteis, a possibilidade de constituir uma empresa na hora ou registar uma marca na hora.
Mas não podemos aceitar que qualquer dessas maravilhas se transforme num expediente de anulação da concorrência, porque institui, na realidade, por via da criação de condições de intervenção muito diferentes, espécies de monopólio do Estado.
O Estado é eficaz porque os seus serviços conseguem realizar determinados serviços em tempo record, com o único senão de imporem um cabresto aos utentes. Já falamos aqui da imposição de contratos sociais, da imposição de nomes de firma, da imposição de marcas.
Os advogados não são eficazes porque, tal como a marosca está montada, não conseguem produzir em tempo similar, sociedades com denominações da escolha dos clientes e contratos que correspondam à sua vontade, pois que estão dependentes dos serviços públicos e esses lhes negam condições de operacionalidade que permitam o cumprimento de prazos aproximados.
Claro que todos já resolvemos esse problema para as situações de urgência e a contento do Governo. Usamos a Empresa na Hora ou a Empresa On-line, pela velocidade que o Estado lhes imprime e depois destruimo-las, multiplicando por dois os actos necessários, com manifesta vantagem para os cofres públicos.
Se não estivéssemos no domínio da pura propaganda, seria admissível que se recorresse à Empresa na Hora ou à Empresa On-line, registando-lhe nome em conformidade com a vontade do interessado, desde que ele estivesse disponível numa base de dados e juntando-lhe um contrato, da responsabilidade de advogado ou solicitador, correspondente à vontade das partes.
A Marca na Hora, agora anunciada, parece uma excelente ideia e oxalá que aproveite aos portugueses, em vez de aproveitar aos brand-hunters que por aí andam a caçar marcas.
Já o que se anunciou em matéria de simplificação no quadro do Regulamento da Nacionalidade, tão importante para os que vivem à distância, é a contradição de toda a lógica simplex. Porque é dificil, porque é mau – literalmente mau – porque aumenta as dificuldades sem nenhuma contrapartida e porque (mirabile visu) nestes tempos de choque tecnológico, nos obriga a escrever à mão.
O SIMPLEX marcou as nossas vidas em 2006 e vai obrigar-nos a mudar de vida em 2007 e, queiramos ou não, a conviver com ele, no melhor e no pior sentido.
O melhor é, de facto, o de alguns aspectos muito positivos da desburocratização. O pior é o efeito perverso do simplismo, que se vai arrastar, de forma perigosissima ao mundo da justiça e dos tribunais e de que já vemos marcas nos projectos de alteração do regime dos recursos, na (quase) imposição dos chamados «meios alternativos» e naquele sublime anúncio de que é preciso limpar o «lixo» que andamos a fazer nos tribunais, como se tivéssemos de cuspir na nossa própria sopa.
O mercado está a mudar a uma velocidade vertiginosa. A tendência é no sentido da criação de protótipos para tudo e da respectiva imposição.
Vamos entrar na sociedade da adesão… Ou temos todos imaginação suficiente para tornear o que seja normalizador, criando soluções novas ou seremos reduzidos à condição de meros adesivos.
Por este andar, nem os tribunais escapam. Ou não será um despropósito a mediação laboral, catalizada e administrada pelo Governo, quando mais de 60% dos processos de trabalho já são resolvidos por via conciliatória?