O ícone mais paradigmático da relação empática de Portugal com o Brasil foi, durante centenas de anos, o daquela pintura beata que reporta a primeira missa e a morte do primeiro índio, em Santa Cruz de Cabrália.
Ainda não se sabe bem ao certo porque morreu o índio, apesar de se saber que os portugueses tinham a superioridade das armas de fogo.
Um amigo meu, jornalista de um dos maiores jornais brasileiros, tem uma teoria que se resume em seis palavras: «porque o português não tomava banho…».
Isto é, como dizem os brasileiros de um «sutileza» indescritível, relevando para a reflexão que a uma aparente postura de espalha-brasas, os brasileiros nos surpreendem, todos os dias, com sentenças marcadas por enorme sabedoria.
Temos – portugueses e brasileiros – coisas boas e coisas más.
Mas temos, também, enormes perigos, com a agravante de os portugueses se contaminarem com os males que há no Brasil e vice-versa.
Há coisas em que os brasileiros são muito melhores que os portugueses. Mas deixam se o ser quando vão para Portugal. E vice-versa…
Parece-me que é tempo de por termo a isto.
Um bocadinho de cientificidade e um travão na improvisação seriam coisas muito interessantes para ambos os povos, neste tempo que é único.
Temos condições extraordinárias para o desenvolvimento de grandes projectos, mas somos demasiado naiv e temos ambos o terrivel defeito da improvisação, que encobrimos com lógicas de segredo de estado.
Era muito importante abrir e lançar um debate sobre as relações Portugal-Brasil.
Sei que é matéria dificil porque muito sensivel, passível de tocar em pessoas e de, devidamente desnudada, suscitar responsabilidades.
Talvez não tenhamos tão cedo a oportunidade de provocar um tal debate com a eficiência que seria
possivel dar-lhe nos tempos que correm.
As pessoas que, na diplomacia, tem, verdadeiramente, os lemes (às vezes até são os imediatos…) têm fibra para aguentar as discussões que é necessário fazer. Tenho, para mim,. que são pessoas sérias e de boa fé…
O que pergunto é demasiado simples: porque razão é que coisas que são tão simples e tão evidentes se transformam em coisas tão complexas?
O segredo de estado – latu senso – lembra-me muitas vezes o segredo de justiça que, arrogando-se da protecção de uma série de valores, só serve, na maioria das vezes para proteger a incompetência e a incúria.
Não se percebe, francamente, que obscuras razões justificam este tão veemente silêncio sobre a visita que José Sócrates faz ao Brasil de 8 a 12 de Agosto.
Miguel Reis