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Obrigações de reporte
Setembro 20th, 2023Ordem dos Advogados de Portugal corta as pernas a advogados portugueses e brasileiros
Julho 4th, 2023A Ordem dos Advogados de Portugal denunciou unilateralmente o acordo de reciprocidade assinado com a Ordem doa Advogados do Brasil, cortando à pernas à cooperação entre advogados de ambos os países.
O regime da reciprocidade na inscrição iniciou-se com a fundação da Ordem dos Advogados de Portugal. Sou português e sou (ainda) advogado inscrito na Orem dos Advogados do Brasil (Estado de São Paulo). Fundei uma sociedade de advogados no Brasil, mas nunca assinei um requerimento, por não dominar o idioma. Sempre recorri à partilha do pensamento e da escrita com Colegas do Brasil. Durante estes últimos 20 anos ganhei dinheiro para comprar dois escritórios, dois apartamentos e montar mais dois escritórios. Conheço situações idênticas da parte de Colegas brasileiros, em Portugal. Só a ignorância e a inveja pode justificar um medida destas, que prejudica todos os advogados portugueses e brasileiros. De resto é ofensivo o juízo feito pela OAP, por relação advogados brasileiros: o direito Brasileiro é muito mais complexo que o direito português. E o idioma brasileiro muito mais difícil. Miguel Reis 4/7/2023 Comunicdo da Ordem dos Advogados de Portugal Exmos./as Colegas,
Tal como já tinha sido oportunamente divulgado pelo Conselho Geral de Ordem dos Advogados (CGOA), temos vindo a manter um diálogo aberto com Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), com vista a introduzir alterações ao Acordo de Reciprocidade que existe há muito entre a Ordem dos Advogados Portugueses (OAP) e o CFOAB.
O atual regime de reciprocidade permite a inscrição na Ordem dos Advogados Portugueses de Advogado brasileiro com dispensa da realização de Estágio e da obrigatoriedade de realizar prova de agregação (cfr. n.º 2, do artigo 17.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários) e o o Provimento n.º 129/2008, datado de 8 de Dezembro de 2008, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que regulamenta a inscrição de Advogados portugueses na Ordem dos Advogados do Brasil, estabelece no seu artigo 1.º que “O advogado de nacionalidade portuguesa, em situação regular na Ordem dos Advogados Portugueses, pode inscrever-se no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, observados os requisitos do art.º 8.º da Lei n.º 8.906, de 1994, com a dispensa das exigências previstas no inciso IV e no 4 § 2.º, e do art. 20.º do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB”. Embora possa ter existido uma matriz de base comum aos ordenamentos jurídicos de ambos os países, constata-se que em Portugal têm sido adotadas opções legislativas muito distintas das que são implementadas no Brasil, até por força da aplicabilidade e transposição para o direito interno português do direito da União Europeia, o que, inevitavelmente, tem contribuído para que ambos os ordenamentos jurídicos se afastem e tenham evoluído em sentidos totalmente diferentes. Pelo que, as normas jurídicas atualmente em vigor em alguns ramos do Direito num e noutro ordenamento jurídico, já não são sequer equiparáveis. É do conhecimento geral que existe uma diferença notória na prática jurídica em Portugal e no Brasil, e bem assim dos formalismos e plataformas digitais judiciais, sendo efetivo o seu desconhecimento por parte dos Advogados(as) brasileiros(as) e portugueses(as) quando iniciam a sua atividade em Portugal ou no Brasil, verificando-se que ocorre, por isso mesmo, a prática de atos próprios de Advogado de elevada complexidade técnica, por quem não dispõe da necessária formação académica e profissional no âmbito dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro. Verifica-se ainda que, no quadro atualmente vigente, existem sérias e notórias dificuldades na adaptação dos Advogados(as) brasileiros(as) ao regime jurídico português, à legislação substantiva e processual, e bem assim às plataformas jurídicas em uso corrente, o que faz perigar os direitos, liberdades e garantias dos(as) cidadãos(ãs) portugueses(as) e, de forma recíproca os(as) dos(as) cidadãos(ãs) brasileiros(as). Cumpre ainda salientar que foram recentemente transmitidas à OAP inúmeras queixas relativas à utilização indevida do regime de reciprocidade em vigor, o qual só deverá produzir efeitos no âmbito da inscrição como Advogado(a) nas respetivas ordens profissionais e não para a obtenção de registo ou inscrição junto de outras Ordens de Advogados ou Associações Profissionais Equiparadas de outros Estados membros da União Europeia, que não são, nem nunca foram, parte deste acordo. As conversações entre as instituições decorreram entre o mês fevereiro e o mês de junho de 2023, porém, segundo informação que nos foi remetida através de correio eletrónico ao final do passado dia 28 de junho de 2023, o CFOAB afirmou não dispor de condições para poder proceder às alterações do atual regime de reciprocidade (e que mereceram o acordo de ambas as instituições no passado dia 23 de maio de 2023), nem no imediato, nem dentro de um prazo considerado por este CGOA como razoável. Assim, sem embargo do espírito de cooperação e amizade que pontifica as relações entre as duas ordens profissionais, perante a gravidade das questões acima identificadas e amplamente conhecidas, bem como a especial repercussão social que delas decorre, designadamente, no que se refere à garantia de uma efetiva proteção dos interesses legítimos dos(as) cidadãos(ãs) de ambos os países, deliberou o Conselho Geral da Ordem dos Advogados Portugueses, reunido em sessão plenária do dia 3 de julho de 2023, por unanimidade dos presentes, fazer cessar o regime de reciprocidade de inscrição de Advogados(as) atualmente em vigor, com efeitos a partir de 5 de julho de 2023, na medida em que apenas tal cessação se apresenta como suscetível de colmatar as preocupações conjuntamente identificadas e acima elencadas, mais tendo sido deliberado que se promova a adaptação da respetiva regulamentação interna referente à inscrição de Advogados, em conformidade com o ora decidido, salvaguardando-se, contudo, os processos de inscrição que se encontrem em curso ao abrigo do regime de reciprocidade.
O Conselho Geral da Ordem dos Advogados Lisboa, 4 de julho de 2023
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Arquivo eletrónico de documentos lavrados por notário
Junho 27th, 2023Portaria n.º 178/2023, de 27 de junho
Portaria n.º 178/2023
de 27 de junho
A Portaria n.º 121/2021, de 9 de junho, veio regulamentar o arquivo eletrónico de documentos lavrados por notário e de outros documentos arquivados nos cartórios, a certidão notarial permanente e a participação de atos por via eletrónica à Conservatória dos Registos Centrais.
Desde a entrada em vigor da portaria, foram já arquivados eletronicamente mais de 350 000 documentos e emitidas mais de 380 000 certidões eletrónicas. A franca utilização da plataforma eletrónica que estes números denotam tem permitido identificar oportunidades de melhoria, revelando-se oportuno introduzi-las na Portaria n.º 121/2021, de 9 de junho.
Assim, a presente alteração vem prever a possibilidade de arquivar eletronicamente outro tipo de documentos para além dos já previstos, ajustar os procedimentos de arquivo eletrónico nos casos em que ocorra um impedimento e aclarar a possibilidade de arquivar eletronicamente todo e qualquer documento que já se encontre arquivado no cartório em data anterior à da entrada em vigor da portaria sem qualquer custo, continuando a incentivar a digitalização de milhões de documentos que poderão circular em formato digital com o mesmo valor legal dos documentos em suporte de papel.
Esta alteração regulamentar será mais um passo para a transformação digital dos cartórios notariais que permitirá diminuir os custos para cidadãos e empresas, eliminar procedimentos burocráticos e promover a transformação digital dos serviços notariais.
Foi ouvida a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Notários e a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
Assim:
Manda o Governo, pelo Secretário de Estado da Justiça, ao abrigo do disposto na alínea o) do artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Notários, aprovado pela Lei n.º 155/2015, de 15 de setembro, no n.º 1 do artigo 187.º do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto, e no n.º 1 do artigo 43.º-B do Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de julho, e no uso das competências delegadas pela Ministra da Justiça, através do Despacho n.º 7122/2022, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 108, de 3 de junho de 2022, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
A presente portaria procede à terceira alteração à Portaria n.º 121/2021, de 9 de junho, alterada pelas Portarias n.os 295/2021, de 13 de dezembro, e 119/2022, de 23 de março, que regulamenta o arquivo eletrónico de documentos lavrados por notário e de outros documentos arquivados nos cartórios, a certidão notarial permanente e a participação de atos por via eletrónica à Conservatória dos Registos Centrais.
Artigo 2.º
Alteração à Portaria n.º 121/2021, de 9 de junho
Os artigos 2.º, 3.º, 5.º, 10.º e 22.º da Portaria n.º 121/2021, de 9 de junho, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 2.º
[…]
1 – […]
2 – Podem igualmente ser sujeitos a arquivo eletrónico, a pedido de qualquer interessado ou por iniciativa do notário:
a) […]
b) […]
c) […]
d) As públicas-formas eletrónicas de documentos físicos extraídas pelo notário, nos termos do n.º 1 do artigo 166.º do Código do Notariado, que contenham a declaração de conformidade com o original e sejam uma cópia de teor, total ou parcial, de documento exibido;
e) Os demais documentos de qualquer tipo arquivados no cartório.
Artigo 3.º
[…]
1 – […]
2 – Se, em virtude de dificuldades de caráter técnico respeitantes ao funcionamento da plataforma eletrónica a que se refere o artigo seguinte ou outro impedimento de força maior, não for possível realizar o arquivo, este facto deve ser expressamente declarado na plataforma eletrónica logo que cessar o impedimento, em campo criado para o efeito, indicando o motivo do impedimento, o tipo de documento a arquivar, a data e a hora da sua elaboração e a identificação da entidade que o elaborou, devendo o arquivo eletrónico ser efetuado nas 72 horas seguintes ou logo que cesse o impedimento.
Artigo 5.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – Devem ser registados no momento de arquivamento os dados relativos ao livro em que o documento foi lavrado ou ao maço em que se encontra fisicamente arquivado, devendo os restantes dados ser registados em prazo a definir pela entidade gestora, de acordo com os prazos legais aplicáveis.
Artigo 10.º
[…]
1 – […]
2 – […]
a) […]
b) […]
c) […]
d) Agentes de execução, no âmbito da prossecução das suas atribuições, quando autorizados pelo juiz do processo.
3 – […]
Artigo 22.º
[…]
Os documentos arquivados nos cartórios em data anterior à da entrada em vigor da presente portaria podem ingressar no arquivo eletrónico por iniciativa do notário titular do respetivo arquivo físico, podendo a Ordem dos Notários determinar, por regulamento, a isenção do pagamento, pelos notários, das taxas a que se refere o artigo 16.º»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente portaria entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
O Secretário de Estado da Justiça, Pedro Luís Ferrão Tavares, em 23 de junho de 2023.
Atualização de pensões
Junho 26th, 2023Portaria n.º 172/2023, de 23 de junho
Portaria n.º 172/2023
de 23 de junho
Mantendo o objetivo de melhoria dos rendimentos dos pensionistas, o XXIII Governo Constitucional procede à atualização das pensões atribuídas pelo sistema de segurança social e das pensões de aposentação, reforma e invalidez atribuídas pela Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA), nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2023, de 28 de abril, que estabelece um regime de atualização intercalar das pensões.
Assim:
Nos termos dos artigos 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 28/2023, de 28 de abril, manda o Governo, pelo Ministro das Finanças e pela Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente portaria procede à atualização intercalar das pensões e de outras prestações sociais atribuídas pelo sistema de segurança social, das pensões do regime de proteção social convergente atribuídas pela CGA e das pensões por incapacidade permanente para o trabalho e por morte decorrentes de doença profissional, para o ano de 2023.
2 – Excluem-se do âmbito da atualização prevista no número anterior os seguintes grupos de beneficiários:
a) Os beneficiários da Caixa de Previdência dos Empregados do Banco de Angola, extinta pelo Decreto-Lei n.º 288/95, de 30 de outubro, com direito aos benefícios constantes de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho do setor bancário, exceto no que respeita a eventual parcela de pensão correspondente a carreira contributiva do regime geral de segurança social e ao complemento de pensão por cônjuge a cargo;
b) Os beneficiários abrangidos pelos regulamentos especiais de segurança social dos trabalhadores ferroviários e do pessoal do Serviço de Transportes Coletivos do Porto, exceto no que respeita à garantia dos valores mínimos de pensão e do complemento por dependência;
c) Outros grupos de beneficiários não abrangidos pelo Centro Nacional de Pensões e pela Caixa Geral de Aposentações, I. P.
3 – A presente portaria procede, igualmente, à atualização da parcela correspondente às atualizações extraordinárias das pensões atribuídas pelo sistema de segurança social e das pensões do regime de proteção social convergente atribuídas pela CGA.
CAPÍTULO II
Atualização das pensões do regime geral de segurança social e do regime de proteção social convergente
Artigo 2.º
Atualização das pensões
1 – As pensões estatutárias e regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral de segurança social e as pensões de aposentação, reforma e invalidez do regime de proteção social convergente, atribuídas anteriormente a 1 de janeiro de 2023, são atualizadas no montante resultante da aplicação das percentagens seguintes aos valores de dezembro de 2022, sem prejuízo do disposto nos artigos 3.º e 4.º:
a) 3,57 %, para as pensões de montante igual ou inferior a (euro) 960,86;
b) 3,57 %, para as pensões de montante superior a (euro) 960,86 e igual ou inferior a (euro) 2882,58;
c) 3,57 % para as pensões de montante superior a (euro) 2882,58 e igual ou inferior a (euro) 5765,16.
2 – A parcela das pensões de invalidez, velhice e sobrevivência do sistema de segurança social e das pensões de aposentação, reforma, invalidez e sobrevivência do regime de proteção social convergente, correspondente à atualização extraordinária prevista no artigo 103.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 6-A/2017, de 31 de julho, no artigo 110.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 5/2018, de 26 de junho, no artigo 113.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 12/2018, de 27 de dezembro, no artigo 71.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, no artigo 75.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 1-A/2021, de 22 de fevereiro, e no artigo 63.º da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2022, de 7 de julho, é atualizada pela aplicação da percentagem de 3,57 % ao valor em vigor a dezembro de 2022.
3 – O complemento extraordinário das pensões de mínimos de invalidez e velhice do sistema de segurança social e das pensões de mínimos de aposentação e reforma do regime de proteção social convergente é atualizado pela aplicação da percentagem de 3,57 % ao valor em vigor a dezembro de 2022.
Artigo 3.º
Limites mínimos de atualização
1 – O valor da atualização das pensões referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, cujo montante seja igual ou superior (euro) 291,48, e inferior ou igual a (euro) 960,86 não pode ser inferior a (euro) 9,93.
2 – O valor da atualização das pensões referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior não pode ser inferior a (euro) 34,30.
3 – O valor da atualização das pensões referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior não pode ser inferior a (euro) 102,91.
4 – O disposto nos números anteriores não é aplicável aos beneficiários referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º, cuja atualização das pensões observe o disposto nesta portaria.
Artigo 4.º
Valores mínimos de pensão de invalidez e de velhice
1 – Aos pensionistas de invalidez e de velhice do regime geral com carreira contributiva relevante para a taxa de formação da pensão inferior a 15 anos é garantido um valor mínimo de pensão de (euro) 301,41.
2 – Aos pensionistas de invalidez e de velhice do regime geral com carreira contributiva relevante para a taxa de formação da pensão igual ou superior a 15 anos são garantidos os valores mínimos de pensão constantes da tabela seguinte:
3 – Os valores mínimos fixados nos n.os 1 e 2 deste artigo:
a) Não relevam para efeitos da parcela de pensão a que se refere a última parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º;
b) Não são aplicáveis às pensões antecipadas atribuídas ao abrigo do regime de flexibilização da idade de pensão por velhice, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 9/99, de 8 de janeiro, nem às pensões antecipadas atribuídas ao abrigo do regime de flexibilização previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio;
c) São aplicáveis aos beneficiários abrangidos pelos regulamentos especiais de segurança social referidos na alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º
Artigo 5.º
Valor mínimo das pensões de aposentação, reforma e invalidez
Os valores mínimos garantidos às pensões de aposentação, reforma e invalidez pagas pela CGA, em função do tempo de serviço considerado no respetivo cálculo, são os constantes da tabela seguinte:
Artigo 6.º
Atualização das pensões de sobrevivência
1 – As pensões de sobrevivência do regime geral iniciadas, anteriormente a 1 de janeiro de 2023, são atualizadas por aplicação das respetivas percentagens de cálculo aos montantes das pensões de invalidez e de velhice que lhes servem de base, bem como do complemento social, sendo caso disso, segundo o valor que para ambos resulta da aplicação das regras de atualização previstas neste diploma.
2 – A regra de atualização definida no número anterior é igualmente aplicável às pensões de sobrevivência resultantes de óbitos verificados antes de 1 de janeiro de 2023 e correspondentes a pensões de invalidez ou de velhice iniciadas até 31 de dezembro de 2022.
Artigo 7.º
Atualização das pensões de sobrevivência, preço de sangue e outras
As pensões de sobrevivência, de preço de sangue e outras, atribuídas pela CGA, são atualizadas no montante resultante da aplicação das percentagens seguintes aos valores de dezembro de 2022, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte:
a) 3,57 %, para as pensões de valor global igual ou inferior a (euro) 480,43;
b) 3,57 %, para as pensões de valor global superior a (euro) 480,43 e igual ou inferior a (euro) 1441,29;
c) 3,57 % para as pensões de valor global superior a (euro) 1441,29.
Artigo 8.º
Limites mínimos de atualização das pensões de sobrevivência, preço de sangue e outras
1 – O montante da atualização do valor global das pensões referidas na alínea b) do artigo anterior não pode ser inferior a (euro) 17,16.
2 – O montante da atualização do valor global das pensões referidas na alínea c) do artigo anterior não pode ser inferior a (euro) 51,46.
Artigo 9.º
Valor mínimo das pensões de sobrevivência, preço de sangue e outras
Os valores mínimos garantidos às pensões de sobrevivência pagas pela CGA, em função do tempo de serviço considerado no respetivo cálculo, são as constantes da seguinte tabela:
Artigo 10.º
Atualização das pensões limitadas
As pensões do regime geral limitadas por aplicação das normas reguladoras da acumulação de pensões de diferentes regimes de enquadramento obrigatório de proteção social, iniciadas anteriormente a 1 de janeiro de 2023, são atualizadas nos termos do artigo 2.º
Artigo 11.º
Atualização das pensões reduzidas e proporcionais
1 – As pensões do regime geral, iniciadas anteriormente a 1 de janeiro de 2023, reduzidas ou proporcionais em consequência do recurso a períodos contributivos de outros regimes, quer por força da aplicação de normas inscritas em legislação nacional, quer por aplicação de instrumentos internacionais, são atualizadas nos termos do artigo 2.º
2 – Na aplicação do disposto no n.º 1 às pensões não acumuladas com outras, são salvaguardados, nos termos do n.º 1 do artigo 104.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio:
a) Para as pensões reduzidas, o valor fixado no n.º 1 do artigo 4.º;
b) Para as pensões proporcionais atribuídas ao abrigo do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro, o valor da pensão social, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do mesmo decreto-lei, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 437/99, de 29 de outubro;
c) Para as pensões proporcionais atribuídas ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, a percentagem do valor mínimo estabelecido no artigo 4.º correspondente à fração do período cumprido no âmbito do regime geral, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do mesmo decreto-lei.
Artigo 12.º
Atualização das pensões bonificadas
1 – As pensões de invalidez e de velhice, calculadas ao abrigo do artigo 27.º do Decreto Regulamentar n.º 75/86, de 30 de dezembro, que atinjam montante igual ao valor mínimo garantido aos pensionistas de invalidez e de velhice do regime geral são atualizadas para o valor estabelecido no n.º 1 do artigo 4.º
2 – As pensões de invalidez e velhice, calculadas no âmbito do artigo 27.º do Decreto Regulamentar n.º 75/86, de 30 de dezembro, que não atinjam montante igual ao valor mínimo garantido aos pensionistas de invalidez e de velhice do regime geral são atualizadas por aplicação do montante fixado no n.º 1 do artigo 14.º, na parte respeitante à pensão do regime especial, e em 3,57 % relativamente à bonificação e a eventuais acréscimos.
Artigo 13.º
Atualização da pensão provisória de invalidez
O valor das pensões provisórias de invalidez que esteja a ser concedido à data da entrada em vigor desta portaria é fixado em (euro) 231,88.
CAPÍTULO III
Atualização das pensões de outros regimes de segurança social
Artigo 14.º
Atualização das pensões do regime especial das atividades agrícolas
1 – O quantitativo mensal das pensões de invalidez e de velhice do regime especial das atividades agrícolas é fixado em (euro) 278,23.
2 – Os valores das pensões de sobrevivência são atualizados por aplicação das respetivas percentagens de cálculo em vigor no regime geral ao quantitativo das pensões referido no n.º 1.
Artigo 15.º
Atualização das pensões limitadas, reduzidas e proporcionais do regime especial das atividades agrícolas
As pensões do regime especial das atividades agrícolas limitadas por aplicação das normas reguladoras de acumulação de pensões de diferentes regimes de enquadramento obrigatório de proteção social, bem como as reduzidas e proporcionais nos termos do artigo 11.º, iniciadas anteriormente a 1 de janeiro de 2023, são atualizadas nos termos do artigo 2.º
Artigo 16.º
Atualização das pensões dos regimes transitórios dos trabalhadores agrícolas
1 – O valor mensal das pensões de velhice dos regimes transitórios dos trabalhadores agrícolas, referidos no artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 445/70, de 23 de setembro, no Decreto-Lei n.º 391/72, de 13 de outubro, e demais legislação aplicável, é fixado em (euro) 231,88.
2 – As pensões de sobrevivência dos regimes transitórios dos trabalhadores agrícolas, atribuídas, nos termos do n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 174-B/75, de 1 de abril, aos cônjuges sobrevivos dos respetivos pensionistas são atualizadas por aplicação da respetiva percentagem de cálculo em vigor no regime geral ao montante fixado no n.º 1.
Artigo 17.º
Atualização das pensões dos antigos fundos de reforma dos pescadores
As pensões dos antigos fundos de reforma dos pescadores são atualizadas de acordo com o disposto no artigo 2.º
Artigo 18.º
Atualização das pensões do regime não contributivo
1 – O quantitativo mensal das pensões de velhice do regime não contributivo é fixado em (euro) 231,88.
2 – As pensões de viuvez e de orfandade do regime não contributivo são atualizadas para o valor que resulta da aplicação das respetivas percentagens de cálculo em vigor no regime geral ao montante fixado no n.º 1.
Artigo 19.º
Atualização das pensões de regimes equiparados ao regime não contributivo
O quantitativo mensal das pensões e prestações equivalentes, de nula ou reduzida base contributiva a cargo do Centro Nacional de Pensões, designadamente as respeitantes à extinta Caixa de Previdência do Pessoal da Casa Agrícola Santos Jorge, à Associação de Socorros Mútuos na Inabilidade, à extinta Caixa de Previdência da Marinha Mercante Nacional (antigas associações), ao extinto Grémio dos Industriais de Fósforos, à extinta Caixa de Previdência da Câmara dos Despachantes Oficiais, não abrangidos pelo Despacho n.º 40/SESS/91, de 24 de abril, bem como às pensões atribuídas por aplicação dos regulamentos especiais da Caixa de Previdência dos Profissionais de Espetáculos, é fixado em (euro) 231,88, sem prejuízo de valores superiores em curso.
Artigo 20.º
Atualização dos subsídios complementares
Os subsídios complementares atribuídos ao abrigo do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 44 506, de 10 de agosto de 1962 (ex-Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra), são atualizados para o valor resultante da aplicação de 3,57 % ao valor em vigor em dezembro de 2022.
CAPÍTULO IV
Atualização da parcela contributiva, dos montantes adicionais e das prestações complementares
Artigo 21.º
Atualização da parcela contributiva das pensões para efeito de cúmulo
A parcela contributiva a que se refere a alínea d) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 141/91, de 10 de abril, é atualizada nos termos da tabela de coeficientes que consta do anexo i da presente portaria, que desta faz parte integrante.
Artigo 22.º
Montantes adicionais das pensões
A atualização prevista no artigo 2.º é aplicada de forma proporcional aos montantes adicionais das pensões do sistema de segurança social atribuídos nos meses de julho e de dezembro, sendo a respetiva atualização processada em conjunto em dezembro.
Artigo 23.º
14.º mês
1 – Os aposentados, reformados, e demais pensionistas da CGA, bem como os funcionários que se encontrem na situação de reserva e desligados do serviço, aguardando aposentação ou reforma, com exceção do pessoal que no ano de passagem a qualquer das referidas situações receba subsídio de férias, tem direito a receber um 14.º mês, pagável em julho, de montante igual à pensão que perceberem no mês anterior, sem prejuízo de disposição legal em contrário.
2 – O 14.º mês é pago pela CGA ou pela entidade de que dependa o interessado, consoante se encontre, respetivamente, na situação de pensionista ou na situação de reserva e a aguardar aposentação ou reforma, sem prejuízo de, nos termos legais, o respetivo encargo ser suportado pelas entidades responsáveis pela aposentação do seu pessoal.
Artigo 24.º
Complemento por dependência
1 – O quantitativo mensal do complemento por dependência dos pensionistas de invalidez, de velhice e de sobrevivência do regime geral de segurança social é fixado em (euro) 115,94 nas situações de 1.º grau e em (euro) 208,69 nas situações de 2.º grau.
2 – O quantitativo mensal do complemento por dependência dos pensionistas de invalidez, de velhice e de sobrevivência do regime especial das atividades agrícolas, do regime não contributivo e dos regimes a este equiparados, é fixado em (euro) 104,35 nas situações de 1.º grau e em (euro) 197,10 nas situações de 2.º grau.
Artigo 25.º
Complemento de pensão por cônjuge a cargo
O valor mensal do complemento de pensão por cônjuge a cargo é fixado em (euro) 42,34 sem prejuízo de valores superiores que estejam a ser atribuídos.
Artigo 26.º
Complemento extraordinário de solidariedade
O valor do complemento extraordinário de solidariedade atribuído ao abrigo do Decreto-Lei n.º 208/2001, de 27 de julho, é de (euro) 20,18 para os titulares de prestações com menos de 70 anos, e de (euro) 40,36 para os que tenham ou venham a completar 70 anos.
CAPÍTULO V
Pensões resultantes de doença profissional
Artigo 27.º
Atualização das pensões resultantes de doença profissional
As pensões por incapacidade permanente para o trabalho e as pensões por morte resultantes de doença profissional, atribuídas pelo regime geral de segurança social anteriormente a 1 de janeiro de 2023, bem como as pensões por incapacidade permanente para o trabalho e as pensões por morte resultantes de doença profissional atribuídas pela CGA anteriormente a 1 de janeiro de 2023, quer ao abrigo das Leis n.os 1942, de 27 de julho de 1936, e 2127, de 3 de agosto de 1965, quer do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, por referência ao valor de dezembro de 2022, são atualizadas de acordo com a percentagem prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º
Artigo 28.º
Pensões unificadas
As pensões unificadas atribuídas ao abrigo da Portaria n.º 642/83, de 1 de junho, são atualizadas nos termos do artigo anterior.
CAPÍTULO VI
Disposições finais
Artigo 29.º
Produção de efeitos
A presente portaria produz efeitos a partir de 1 de julho de 2023.
Em 20 de junho de 2023.
O Ministro das Finanças, Fernando Medina Maciel Almeida Correia. – A Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Manuel Jerónimo Lopes Correia Mendes Godinho.
ANEXO I
Tabela de coeficientes de atualização de pensões para efeitos de cúmulo
Parlamento recomenda reforço da inovação e modernização da gestão pública, para um Estado mais simples, célere e eficiente ao serviço das pessoas
Junho 20th, 2023Resolução da Assembleia da República n.º 69/2023, de 20 de junho
Resolução da Assembleia da República n.º 69/2023
Recomenda ao Governo o reforço da inovação e modernização da gestão pública, para um Estado mais simples, célere e eficiente ao serviço das pessoas
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:
1 – Aprove um diploma para a modernização administrativa que atualize e reúna as disposições transversais a toda a Administração Pública neste domínio, incluindo a promoção, a inovação, a transparência e a participação de partes interessadas, com o objetivo de preparar os organismos públicos para prestar serviços crescentemente digitais, mas acessíveis por suporte omnicanal, automatizados e proativos.
2 – Codifique, sempre que possível por matérias, o acervo legislativo relativo à gestão pública que não envolva procedimento administrativo, integrando, designadamente, as dimensões de gestão financeira e não financeira, desde o planeamento de atividades à monitorização e à avaliação de resultados.
3 – Prossiga e reforce a disponibilização no portal Mais Transparência, em formato aberto, dos dados constantes dos instrumentos de gestão dos serviços públicos, designadamente os planos estratégicos e operacionais, os indicadores do balanço social, os relatórios de sustentabilidade e outros instrumentos relevantes, para a cabal prestação de contas aos cidadãos em face das missões de cada entidade e dos serviços a cidadãos e empresas pelos quais são responsáveis.
4 – Aprove o «Guia de boas práticas administrativas» previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprova o novo Código do Procedimento Administrativo, numa ótica de promoção da boa gestão pública.
Aprovada em 12 de maio de 2023.
O Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.
Direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital
Junho 19th, 2023Decreto-Lei n.º 47/2023, de 19 de junho
Decreto-Lei n.º 47/2023
de 19 de junho
O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital e que altera as Diretivas 96/9/CE e 2001/29/CE.
Recorde-se que a iniciativa desta diretiva partiu da Comissão Europeia, no segundo semestre de 2016, integrada num pacote legislativo em concretização da Estratégia para o Mercado Único Digital, adotada em maio de 2015, com o objetivo de criar um mercado interno de serviços e conteúdos digitais, depois de várias consultas públicas, debates e estudos de impacto, que já vinham sendo realizados desde 2014.
O pressuposto fundamental desta diretiva assenta no facto de a distribuição em linha de conteúdos protegidos por direitos de autor ser, por natureza, transnacional, pelo que apenas os mecanismos adotados à escala europeia podem assegurar o correto funcionamento do mercado da distribuição de obras e outro material protegido, bem como assegurar a sustentabilidade do setor da edição face aos desafios do meio digital.
A referida diretiva visa também garantir aos titulares de direitos de autor e conexos, no seio da União, um elevado nível de proteção numa perspetiva de harmonização, a fim de se evitarem discrepâncias entre as realidades nacionais de cada Estado-Membro.
Em face das possíveis opções legislativas quanto ao método a seguir na transposição da diretiva, é opção consciente seguir-se uma lógica de elevada proximidade com o texto original, permitindo que se encete o caminho jurisprudencial que a mesma terá de fazer. Com efeito, em particular no que concerne à transposição do artigo 17.º da diretiva, pedra angular do texto comunitário, destaca-se que, a 4 de junho de 2021, a Comissão Europeia tornou públicas as suas orientações para uma melhor adaptação nas ordens jurídicas internas e a decisão recente do Tribunal de Justiça da União Europeia, no Processo n.º C-401/19, veio reforçar a importância da jurisprudência na boa interpretação do artigo 17.º da diretiva.
Neste contexto, houve que decidir onde inserir os comandos adaptados ao nosso direito, ou seja, inseri-los no normativo do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual (CDADC), ou deixá-lo intocado e sugerir um ou mais diplomas avulsos.
A opção foi a de se transpor a diretiva através de uma alteração ao CDADC e de duas leis avulsas: (i) o Decreto-Lei n.º 122/2000, de 4 de julho, na sua redação atual, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 96/9/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março, relativa à proteção jurídica das bases de dados, e (ii) a Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, que regula as entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos, inclusive quanto ao estabelecimento em território nacional e a livre prestação de serviços das entidades previamente estabelecidas noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, e revoga a Lei n.º 83/2001, de 3 de agosto.
Quanto às exceções, já conhecidas entre nós como exemplos de utilização livre de prerrogativas do direito de autor, entende-se que o seu lugar natural é no binómio formado pelos artigos 75.º e 76.º do CDADC. Tanto mais que ambos, constituem já adaptações, na ordem jurídica interna, do artigo 5.º da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, que constituiu uma lista fechada de exceções destinadas a incorporação, pelos Estados-Membros, nas suas leis.
Tendo a diretiva, que se visa transpor, modelado no seu artigo 15.º a criação de um novo direito conexo na esfera dos editores de imprensa, relativamente à utilização das suas publicações em linha por parte dos prestadores de serviços da sociedade de informação, considera-se que este novo direito conexo coabita, embora os deixe intangíveis, com os direitos conexos que já têm assento no CDADC. Com efeito, trata-se de um direito criado expressamente para o mundo digital e apenas oponível aos prestadores de serviços da sociedade da informação. Trata-se, por outro lado, de um direito permeável pois os autores de obra integrada numa publicação de imprensa, no mundo digital, devem auferir uma parte adequada das receitas que os mesmos editores de imprensa recebam pela utilização das suas publicações por prestadores de serviços da sociedade da informação.
Assim, também aqui se entende dever optar-se pela adoção deste artigo no nosso CDADC. Nesse sentido, optou-se por aditar ao artigo 176.º do CDADC a noção de publicações de imprensa, tal como estabelecida na definição constante da diretiva, assim como a noção de editor de imprensa, abrangendo aqui também, na esteira do considerando 55 da diretiva, as agências noticiosas.
No que respeita à fixação da remuneração devida pelo exercício deste novo direito conexo, e sem prejuízo do estabelecido na legislação que regula as entidades de gestão coletiva quando tais direitos sejam exercidos através das mesmas, optou-se pela definição de um conjunto de fatores e critérios a ter em conta na determinação de tal remuneração. Ainda nesta sede, seguiu-se o estabelecido nos considerandos da diretiva, quanto à definição de deveres de informação e regras de transparência na sua determinação e repartição, tendo como pano de fundo as regras gerais, ora estabelecidas, na concessão de licenças. Tal circunstância não coloca em causa o que as partes estabeleçam contratualmente. De igual modo, as novas normas em nada afetam o que já dispõe o nosso CDADC e a legislação complementar quanto à titularidade de direitos sobre as publicações de imprensa e obras nelas incluídas ou, ainda, o exercício de direitos previstos em contratos de trabalho, tal como refere o considerando 59 da diretiva. Em síntese, utilizou-se a faculdade conferida pelo artigo 16.º da Diretiva (UE) 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, para salvaguardar as normas já em vigor na legislação nacional e os efeitos por elas produzidos, que atribuem aos editores direitos de compensações equitativas ou de remuneração compensatória. Por último, quanto a este novo direito conexo, fará todo o sentido dar-lhe um tratamento sancionatório idêntico aos restantes direitos conexos. Consequentemente, optou-se pela alteração dos artigos 195.º e 196.º, os quais passam a fazer menção expressa a tal direito e titulares.
Relativamente ao artigo 17.º da diretiva, tratando-se da regulação de uma forma específica de utilização, optou-se por se criar uma secção própria, relativa à utilização da obra por prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha.
Por outro lado, é prevista a possibilidade de autorização para a criação de novo centro de arbitragem ou o alargamento de competências de centro de arbitragem já existente para a mediação e arbitragem institucionalizada em matéria de direitos de autor e conexos, procurando-se também unificar as competências previstas na diretiva, as competências para a resolução alternativa de litígios previstas dispersamente no CDADC e, ainda, as competências até aqui atribuídas à Comissão de Peritos, prevista na Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua atual redação.
Por fim, reforça-se a proteção dos autores e dos artistas, intérpretes ou executantes, no âmbito dos contratos, por eles celebrados, de licenciamento ou transmissão para a exploração das suas obras ou prestações. Com efeito, acolhe-se o princípio de remuneração adequada e proporcionada, adotam-se mecanismos de modificação contratual e remuneração adicional e cria-se um direito à obtenção de informações e um direito de revogação contratual em casos de falta de exploração.
No que respeita ao Decreto-Lei n.º 122/2000, de 4 de julho, na sua redação atual, procede-se a uma redefinição do crime de reprodução, previsto no seu artigo 11.º, relativa à proteção jurídica das bases de dados, alterando-se os elementos do tipo criminal, que passa a abranger não apenas as bases de dados criativas protegidas pelo direito de autor mas também a proteção do direito especial do fabricante de bases de dados previsto no artigo 12.º do mesmo diploma.
Por último, são introduzidas alterações à Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, de modo a acolher os novos desafios em matéria de gestão coletiva que nos são trazidos pela diretiva e, ainda, uma alteração, que, não resultando daquela, permite suprir uma lacuna legal. De facto, se no procedimento coletivo se prevê um prazo para negociação findo o qual as partes podem recorrer à arbitragem, o mesmo não ocorre no procedimento individual para a fixação de um tarifário, passando agora a prever-se.
O projeto de decreto-lei esteve em consulta pública de 27 de março a 25 de abril de 2023, da qual resultou o documento final que aqui se apresenta.
Foi promovida a audição do Conselho Nacional do Consumo.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 11/2023, de 22 de março, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei:
a) Transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital e que altera as Diretivas 96/9/CE e 2001/29/CE;
b) Procede à quarta alteração à Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, alterada pelos Decretos-Leis n.os 100/2017, de 23 de agosto, e 89/2019, de 4 de julho, e pela Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, que regula as entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos, inclusive quanto ao estabelecimento em território nacional e a livre prestação de serviços das entidades previamente estabelecidas noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e revoga a Lei n.º 83/2001, de 3 de agosto;
c) Procede à 16.ª alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual;
d) Procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 122/2000, de 4 de julho, alterado pela Lei n.º 92/2019, de 4 de setembro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 96/9/CE, de 11 de março, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à proteção jurídica das bases de dados.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 26/2015, de 14 de abril
O artigo 46.º da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 46.º
[…]
1 – […]
a) […]
b) […]
c) […]
d) […]
e) Tenham decorrido quatro meses sobre o início das negociações entre a entidade de gestão coletiva e o utilizador ou utilizadores em causa sem que tenha sido alcançado um acordo.
2 – […]»
Artigo 3.º
Alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos
Os artigos 14.º, 26.º-A, 31.º, 75.º, 76.º, 82.º, 105.º, 144.º, 149.º, 170.º, 176.º, 183.º, 184.º, 189.º, 192.º, 195.º, 196.º, 217.º e 221.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 14.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – À determinação do montante da remuneração prevista no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 44.º-C e no artigo 44.º-D.
Artigo 26.º-A
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – […]
7 – […]
8 – […]
9 – […]
10 – O disposto nos números anteriores e no artigo seguinte é aplicável, com as devidas adaptações, às prestações artísticas, aos fonogramas e aos videogramas.
Artigo 31.º
[…]
1 – (Anterior corpo do artigo.)
2 – A caducidade só opera a partir do dia 1 de janeiro do ano seguinte ao termo do prazo referido no número anterior.
Artigo 75.º
[…]
1 – […]
2 – […]
a) […]
b) […]
c) A seleção regular de artigos de imprensa periódica, que não tenha por objetivo a obtenção de vantagem económica ou comercial, direta ou indireta;
d) […]
e) […]
f) […]
g) A reprodução, a comunicação ao público ou a colocação à disposição do público, a fim de permitir a utilização digital, de obras e outro material protegido, que tenham sido previamente tornados acessíveis ao público em qualquer território pertencente à União Europeia, ou equiparado, para fins exclusivos de ilustração didática, na medida justificada pelo objetivo não comercial prosseguido e desde que tal utilização ocorra sob a responsabilidade de um estabelecimento de educação e ensino, nas suas instalações ou noutros locais, ou através de um meio eletrónico seguro acessível apenas pelos alunos, docentes e técnicos em contexto escolar desse mesmo estabelecimento de educação e ensino e seja acompanhada da indicação da fonte, incluindo o nome do autor, exceto quando tal se revele impossível;
h) [Anterior alínea g).]
i) [Anterior alínea h).]
j) [Anterior alínea i).]
k) [Anterior alínea j).]
l) […]
m) […]
n) […]
o) […]
p) […]
q) […]
r) […]
s) […]
t) […]
u) […]
v) O ato de reprodução de obras ou outro material protegido, desde que legalmente acessíveis, quando efetuadas por organismos de investigação ou por instituições responsáveis pelo património cultural, para a realização de prospeção de textos e dados relativos a tais obras ou material protegido, para fins de investigação científica;
w) O ato de reprodução de obra ou outro material protegido, desde que legalmente acessíveis, para fins de prospeção de textos e dados, desde que tal utilização não tenha sido expressamente reservada pelos respetivos titulares de direitos de forma adequada, em particular por meio de leitura ótica no caso de conteúdos disponibilizados ao público em linha, sem prejuízo do disposto na alínea anterior;
x) A reprodução, comunicação ao público e colocação à disposição do público de obras por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, para efeito de caricatura, paródia ou pastiche;
y) A reprodução, por parte de instituições responsáveis pelo património cultural, para obtenção de cópias de obras e outro material protegido que integrem, com caráter permanente, as suas coleções, independentemente do formato ou suporte, exclusivamente para garantia da sua conservação e na medida em que tal seja necessário para assegurar essa conservação.
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – Para efeitos do disposto no presente Código, considera-se:
a) ‘Organismo de investigação’ uma universidade, incluindo as suas bibliotecas, um instituto de investigação, um hospital que se dedique à investigação ou qualquer outra entidade cujo principal objetivo seja a realização de investigação científica ou o exercício de atividades didáticas que envolvam igualmente a realização de investigação científica, sem fins lucrativos ou cuja totalidade dos lucros seja estatutária e efetivamente destinada ao reinvestimento na investigação científica ou que desenvolva a sua atividade no quadro de uma missão de interesse público reconhecida por um Estado-Membro da União Europeia e, em qualquer caso, de modo a que o acesso aos resultados provenientes dessa investigação científica não possa beneficiar, em condições preferenciais, uma empresa que exerça uma influência decisiva sobre esse organismo;
b) ‘Prospeção de textos e dados’ qualquer técnica de análise automática destinada à análise de textos e dados em formato digital, a fim de produzir informações, tais como padrões, tendências e correlações, entre outros.
Artigo 76.º
[…]
1 – […]
a) […]
b) Nos casos das alíneas a) e e) do n.º 2 do artigo anterior, de uma remuneração equitativa a atribuir ao autor e ao editor pela entidade que tiver procedido à reprodução;
c) No caso da alínea i) do n.º 2 do artigo anterior, de uma remuneração equitativa a atribuir ao autor e ao editor;
d) […]
2 – As obras reproduzidas ou citadas, nos casos das alíneas b), d), e), f), g), h) e i) do n.º 2 do artigo anterior, não se devem confundir com a obra de quem as utilize, nem a reprodução ou citação podem ser tão extensas que prejudiquem o interesse por aquelas obras.
3 – […]
4 – As reproduções de obras ou outro material protegido, efetuadas nos termos das alíneas v) e w) do n.º 2 do artigo anterior, devem ser armazenadas com um nível de segurança adequado e podem ser conservadas para fins de investigação científica enquanto for necessário para prospeção de textos e dados, incluindo para verificação dos resultados da investigação.
5 – Os titulares de direitos podem aplicar medidas para garantir a segurança e a integridade das redes e bases de dados em que as obras ou outro material protegido são conservados para a aplicação do disposto na alínea v) do n.º 2 do artigo anterior, desde que tais medidas não excedam o necessário para alcançar tal objetivo, nem prejudiquem a aplicação efetiva da exceção ali prevista, podendo, designadamente, abranger a validação de acesso por endereços IP selecionados ou a autenticação de utilizadores.
6 – Cabe aos titulares dos direitos de autor e conexos, incluindo direitos desta natureza previstos em leis avulsas, bem como aos organismos de investigação e às instituições responsáveis pelo património cultural, a definição das melhores práticas acordadas para a aplicação do disposto nos n.os 4 e 5.
7 – As utilizações previstas nas alíneas g) e y) do n.º 2 do artigo anterior devem ser consideradas como ocorrendo exclusivamente no território do Estado-Membro da União Europeia onde o estabelecimento de ensino ou a instituição responsável pelo património cultural que procedam às utilizações em causa se encontrem estabelecidos.
Artigo 82.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – O disposto no n.º 1 não se aplica quando os aparelhos e suportes ali mencionados sejam adquiridos por órgãos de comunicação social e organismos de comunicação audiovisual ou produtores de fonogramas e videogramas exclusivamente para as suas próprias produções ou por organismos que os utilizem para fins exclusivos de auxílio a diminuídos físicos visuais ou auditivos.
Artigo 105.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – À determinação do montante da remuneração prevista no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 44.º-C e no artigo 44.º-D.
5 – (Anterior n.º 4.)
6 – (Anterior n.º 5.)
Artigo 144.º
[…]
1 – […]
2 – O autor tem sempre direito a remuneração equitativa, podendo os litígios relativos à fixação da remuneração ser dirimidos por centro de arbitragem institucionalizada a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 47/2023, de 19 de junho.
3 – […]
Artigo 149.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – A autorização para os atos de comunicação ao público de obras incorporadas em fonogramas ou videogramas editados comercialmente, previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 205.º, pode ser objeto de gestão coletiva, com efeitos alargados, pelas entidades de gestão coletiva representativas dos autores, aplicando-se para o efeito o disposto nos artigos 36.º-A e 36.º-B da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual.
Artigo 170.º
[…]
1 – (Anterior corpo do artigo.)
2 – À determinação do montante da remuneração prevista no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 44.º-C e no artigo 44.º-D.
Artigo 176.º
[…]
1 – As prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas, dos editores de imprensa e dos organismos de radiodifusão são protegidas nos termos do presente título.
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – […]
7 – […]
8 – […]
9 – […]
10 – […]
11 – Para efeitos do disposto no presente Código, considera-se:
a) ‘Publicação de imprensa’ uma coleção composta, principalmente, por obras literárias de caráter jornalístico, mas que pode, igualmente, incluir outras obras ou outro material protegido, desde que cumulativamente:
i) Constitua uma parte autónoma da publicação periódica ou regularmente atualizada sob um único título, tal como um jornal ou uma revista de interesse geral ou específico;
ii) Tenha por objetivo fornecer ao público em geral informações relacionadas com notícias ou outros temas;
iii) Seja publicada em todos os suportes no âmbito da iniciativa, sob a responsabilidade editorial e o controlo de um prestador de serviços;
iv) Não sejam publicações periódicas com fins científicos ou académicos, onde se incluem designadamente as revistas científicas;
b) ‘Editor de imprensa’ é a pessoa singular ou coletiva sob cuja iniciativa e responsabilidade é publicada a publicação de imprensa, incluindo, nomeadamente, as empresas jornalísticas, e prestadores de serviços, como os editores de notícias e as agências noticiosas, quando publicam publicações de imprensa na aceção da alínea anterior.
Artigo 183.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – Os direitos conexos dos editores de imprensa caducam dois anos após a primeira publicação em publicação de imprensa.
7 – É aplicável às entidades referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 e no número anterior o disposto no artigo 37.º
8 – Aos prazos de caducidade previstos no presente artigo é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 31.º
Artigo 184.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – A autorização para os atos de comunicação ao público de obras incorporadas em fonogramas ou videogramas editados comercialmente, previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 205.º, pode ser objeto de gestão coletiva, com efeitos alargados, pelas entidades de gestão coletiva representativas dos produtores de fonogramas e de videogramas, aplicando-se para o efeito o disposto nos artigos 36.º-A e 36.º-B da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual.
5 – (Anterior n.º 4.)
Artigo 189.º
[…]
1 – […]
a) O uso exclusivamente privado e não comercial;
b) Os excertos de uma prestação, um fonograma, um videograma, de uma emissão de radiodifusão ou de uma publicação de imprensa, contanto que o recurso a esses excertos se justifique por propósito de informação ou crítica ou qualquer outro dos que autorizam as citações ou resumos referidos na alínea h) do n.º 2 do artigo 75.º;
c) […]
d) […]
e) […]
f) […]
2 – […]
3 – O disposto nos artigos 75.º e 76.º é aplicável aos direitos conexos, em tudo o que for compatível com a natureza destes direitos.
Artigo 192.º
[…]
1 – (Anterior corpo do artigo.)
2 – As disposições da secção xi do capítulo iii do título ii aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao exercício dos direitos conexos para as utilizações em linha.
Artigo 195.º
[…]
1 – Comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma, do organismo de radiodifusão ou do editor de publicação de imprensa, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas no presente Código.
2 – […]
a) […]
b) […]
c) Quem, estando autorizado a utilizar uma obra, prestação de artista, fonograma, videograma, emissão radiodifundida ou publicação de imprensa, exceder os limites da autorização concedida, salvo nos casos expressamente previstos no presente Código.
3 – […]
4 – […]
5 – A conduta não é punível quando o prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha cumpra as condições previstas, consoante os casos, no n.º 1 do artigo 175.º-C ou nos n.os 1 e 2 do artigo 175.º-D.
Artigo 196.º
[…]
1 – Comete o crime de contrafação quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma, emissão de radiodifusão ou publicação de imprensa, que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria.
2 – […]
3 – […]
4 – […]
Artigo 217.º
[…]
1 – […]
2 – Para os efeitos do disposto no número anterior, entende-se por ‘medidas de caráter tecnológico’ toda a técnica, dispositivo ou componente que, no decurso do seu funcionamento normal, se destinem a impedir ou restringir atos relativos a obras, prestações e produções protegidas, que não sejam utilizações livres previstas no n.º 2 do artigo 75.º, no artigo 81.º, no artigo 82.º-B, no n.º 4 do artigo 152.º e no n.º 1 do artigo 189.º
3 – […]
4 – […]
Artigo 221.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – Para a resolução de litígios sobre a matéria em causa, é competente o centro de arbitragem institucionalizada a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 47/2023, de 19 de junho.
5 – (Revogado.)
6 – (Revogado.)
7 – (Revogado.)»
Artigo 4.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 122/2000, de 4 de julho
Os artigos 10.º, 11.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 122/2000, de 4 de julho, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 10.º
[…]
1 – […]
a) A reprodução para fins exclusivamente privados e não comerciais de uma base de dados não eletrónica;
b) […]
c) […]
d) […]
e) Os atos de reprodução e extração efetuados por organismos de investigação e por instituições responsáveis pelo património cultural para a realização de prospeção de textos e dados de obras ou outro material protegido a que tenham acesso legal para efeitos de investigação científica;
f) Os atos de reprodução e extração de obras e de outro material protegido legalmente acessíveis para fins de prospeção de textos e dados, desde que essa utilização não tenha sido expressamente reservada pelos respetivos titulares de direitos de forma adequada, em particular por meio de leitura ótica no caso de conteúdos disponibilizados ao público em linha;
g) [Anterior alínea e).]
2 – […]
3 – São correspondentemente aplicáveis às alíneas e) e f) do n.º 1 os n.os 4 a 7 do artigo 76.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
Artigo 11.º
[…]
Quem, não estando para tanto autorizado, reproduzir, divulgar, comunicar ou colocar à disposição do público, com fins comerciais diretos ou indiretos, uma base de dados protegida nos termos do n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 12.º é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Artigo 15.º
[…]
[…]
a) […]
b) […]
c) […]
d) […]
e) Os atos de reprodução e extração efetuados por organismos de investigação e por instituições responsáveis pelo património cultural para a realização de prospeção de textos e dados de obras ou outro material protegido a que tenham acesso legal para efeitos de investigação científica;
f) Os atos de reprodução e extração de obras e de outro material protegido legalmente acessíveis para fins de prospeção de textos e dados, desde que essa utilização não tenha sido expressamente reservada pelos respetivos titulares de direitos de forma adequada, em particular por meio de leitura ótica no caso de conteúdos disponibilizados ao público em linha.»
Artigo 5.º
Aditamento ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos
São aditados ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual, os artigos 39.º-A, 44.º-A, 44.º-B, 44.º-C, 44.º-D, 44.º-E, 44.º-F, 74.º-A, 74.º-B, 74.º-C, 74.º-D, 74.º-E, 175.º-A, 175.º-B, 175.º-C, 175.º-D, 175.º-E, 175.º-F, 175.º-G, 175.º-H, 175.º-I, 188.º-A e 188.º-B, com a seguinte redação:
«Artigo 39.º-A
Obras de arte visual no domínio público
Depois de expirado o prazo de proteção de uma obra de arte visual, qualquer material resultante de um ato de reprodução dessa obra no domínio público só é protegido por direito de autor ou direito conexo se for original, resultando da criação intelectual do seu próprio autor.
Artigo 44.º-A
Princípio de remuneração adequada e proporcionada
1 – Caso os autores ou os artistas, intérpretes ou executantes, concedam a terceiros uma licença ou transfiram os seus direitos sobre uma obra ou outros materiais protegidos, para exploração, têm direito a receber uma remuneração adequada e proporcionada.
2 – Na aplicação deste princípio e do disposto nos artigos seguintes, devem ser tidos em conta o princípio da liberdade contratual, as práticas e os usos do mercado e do setor cultural específico em causa e o contributo individual do titular originário para o conjunto da obra ou de outro material protegido, com vista a alcançar um equilíbrio justo de direitos e interesses.
Artigo 44.º-B
Dever de informação
1 – As contrapartes a quem sejam conferidas licenças exclusivas ou para as quais sejam transferidos direitos de exploração comercial de obras ou outros materiais protegidos, sob qualquer modalidade, bem como os seus sucessores legais, devem prestar aos autores e artistas, intérpretes ou executantes, ou a quem legitimamente os represente, informações atualizadas pertinentes e exaustivas sobre a exploração das suas obras e prestações, nomeadamente sobre o modo de exploração, bem como sobre todas as receitas obtidas pela contraparte em virtude da exploração comercial da obra e sobre as remunerações devidas.
2 – As informações referidas no número anterior devem ser prestadas regularmente e ter em conta as especificidades de cada setor.
3 – A obrigação prevista no número anterior é prestada, no mínimo, uma vez por ano e deve ser proporcional, eficaz e assegurar um nível elevado de transparência, tendo em conta, designadamente, a respetiva utilidade.
4 – Quando os encargos administrativos decorrentes da prestação de elementos informativos se tornem desproporcionados relativamente ao volume de receitas provenientes da exploração, a obrigação pode ser limitada ao tipo e ao nível de informações que possam ser razoavelmente esperados nestas circunstâncias.
5 – O direito previsto no presente artigo aplica-se aos autores ou artistas intérpretes ou executantes que tenham transferido ou licenciado os seus direitos sobre uma obra ou prestação em que tenham tido uma contribuição pessoal significativa, ou, quando a sua contribuição pessoal se não possa considerar significativa, demonstrem a necessidade de obter as informações requeridas para exercerem os seus direitos nos termos do artigo 44.º-C.
6 – Caso os atos de exploração comercial da obra ou prestação sejam praticados por terceiros, ao abrigo de um sublicenciamento celebrado com a contraparte referida no n.º 1, as informações aí previstas podem ser solicitadas aos sublicenciados, através da contraparte diretamente licenciada pelos autores, artistas, intérpretes ou executantes ou seus legítimos representantes, a seu pedido, se, e na medida em que, essa contraparte, não disponha ou não tenha prestado todas as informações exigíveis nos termos dos números anteriores.
7 – Os pedidos de informação referidos no número anterior a um terceiro sublicenciado poderão ser efetuados diretamente pelos autores e pelos artistas intérpretes e executantes, caso tal informação não seja solicitada ao sublicenciado pela contraparte diretamente licenciada.
8 – Para efeitos do disposto no número anterior, as contrapartes diretamente autorizadas pelos autores ou pelos artistas intérpretes ou executantes fornecem a estes, a seu pedido, todas as informações pertinentes e necessárias sobre a identidade e os contactos daqueles a quem sublicenciaram a exploração comercial.
9 – O disposto nos números anteriores não se aplica aos contratos de licenciamento coletivo celebrados por entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos, aos quais é aplicável o disposto na Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, que regula as entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos, inclusive quanto ao estabelecimento em território nacional e a livre prestação de serviços das entidades previamente estabelecidas noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, e revoga a Lei n.º 83/2001, de 3 de agosto.
10 – Sempre que o destinatário da informação prestada nos termos do presente artigo tiver acesso a informações sujeitas pelas partes a obrigações de sigilo ou de confidencialidade, está subordinado a tais obrigações e apenas pode utilizar as informações obtidas na medida do necessário para o exercício dos seus direitos.
Artigo 44.º-C
Remuneração adicional
1 – Os autores, artistas, intérpretes ou executantes, ou os seus representantes têm o direito de reclamar uma remuneração adicional, adequada e justa, à parte com quem celebraram um contrato de exploração dos seus direitos, ou aos seus sucessores legais, sempre que a remuneração inicialmente acordada se revele desproporcionadamente baixa relativamente a todas as receitas relevantes subsequentes, decorrentes da exploração das suas obras ou prestações e tais receitas se revelarem significativamente mais elevadas que aquelas que as partes poderiam estimar no momento da celebração do contrato.
2 – O disposto no número anterior não é aplicável sempre que existirem acordos de negociação coletiva que prevejam um mecanismo comparável ao estabelecido no presente artigo.
3 – Na atribuição e fixação do montante da remuneração adicional são tidos em conta, entre outros fatores:
a) Todas as receitas relevantes e os ganhos obtidos pela contraparte;
b) As circunstâncias específicas de cada caso, incluindo a contribuição específica do autor ou do artista intérprete ou executante para o resultado final económico e artístico;
c) As especificidades e as práticas de remuneração aplicáveis aos diferentes setores e aos diferentes tipos de obras ou outros materiais protegidos.
4 – O direito de compensação caduca se não for exercido no prazo de dois anos a contar do conhecimento das circunstâncias referidas no n.º 1.
5 – O disposto no presente artigo não é aplicável aos contratos de licenciamento coletivo celebrados através de entidades de gestão coletiva do direito de autor e de direitos conexos.
Artigo 44.º-D
Procedimento de resolução alternativa de litígios
1 – Os litígios relativos ao dever de informação previsto no artigo 44.º-B ou relativos à remuneração adicional a que se refere o artigo anterior podem ser submetidos pelas partes a centro de arbitragem institucionalizada a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 47/2023, de 19 de junho, ou à arbitragem nos termos da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada em anexo à Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro.
2 – Os litígios referidos no número anterior estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa dos autores ou artistas, intérpretes ou executantes, sejam submetidos à apreciação de centro de arbitragem institucionalizada a que se reporta o número anterior.
3 – As entidades de gestão coletiva representativas de autores e de artistas, intérpretes ou executantes têm legitimidade para iniciar e intervir nos procedimentos referidos no número anterior sempre que expressamente mandatadas pelos respetivos titulares de direitos.
Artigo 44.º-E
Direito de revogação
1 – Sempre que um autor ou um artista, intérprete ou executante conceda uma licença ou transfira os seus direitos sobre uma obra ou prestação, em regime de exclusividade, pode revogar, no todo ou em parte, aquela licença ou transmissão, em caso de falta de exploração da obra ou de outros materiais protegidos.
2 – O direito de revogação previsto no número anterior só pode ser exercido decorridos cinco anos após a celebração do contrato ou um terço da sua duração inicial, consoante o que ocorra primeiro.
3 – No caso de contratos relativos a obras ou prestações futuras, o prazo referido no número anterior conta-se a partir da conclusão da obra ou da fixação da prestação.
4 – Sem prejuízo do disposto no artigo 136.º, são excluídas do mecanismo previsto no n.º 1 as obras videográficas, cinematográficas ou produzidas por processo análogo à cinematografia.
5 – Caso o autor ou artista intérprete ou executante pretenda prevalecer-se do disposto no n.º 1, deve notificar a contraparte da sua pretensão, por escrito e com prova de receção, fixando-lhe o prazo não inferior a seis meses para a exploração de tais direitos objeto de licença ou de transmissão.
6 – Decorrido o prazo fixado no número anterior e caso subsista a ausência de exploração, pode o autor ou o artista proceder à revogação, ou, em alternativa, optar por pôr termo à exclusividade do contrato, pela forma prevista no número anterior.
7 – Em caso de obras com pluralidade de autores ou prestações com pluralidade de artistas, aplica-se, quanto ao exercício do direito, o disposto no artigo 17.º e seguintes, sendo, todavia, dispensada a anuência de autores ou artistas cuja contribuição para a obra ou outro material protegido não seja significativa.
8 – O disposto no n.º 1 não se aplica se a falta de exploração não for imputável à contraparte licenciada ou transmissária dos direitos, ou resulte de impedimento objetivo cuja reparação esteja fora do seu controlo, bem como quando for essencialmente motivada por circunstâncias ou impedimentos que se possam, razoavelmente, esperar que o autor ou artista, intérprete ou executante possa reparar.
9 – O disposto no presente artigo não prejudica o exercício de qualquer direito contratual ou legalmente conferido ao autor ou ao artista, intérprete ou executante, em virtude do incumprimento contratual da contraparte, nem a aplicação de qualquer disposição contratual que confira àqueles titulares o direito de revogar ou resolver o contrato em termos mais alargados ou com prazos mais reduzidos.
10 – A revogação prevista no presente artigo não é oponível a terceiros para os quais os direitos tenham sido validamente transferidos ou aos quais tenha sido validamente concedida uma licença pela contraparte contratual do autor ou artista, intérprete ou executante, em momento anterior ao exercício do direito de revogação, exceto se a falta de exploração da obra ou de outros materiais protegidos lhes for imputável, caso em que se aplica o regime previsto nos números anteriores.
Artigo 44.º-F
Caráter imperativo
1 – Qualquer disposição contratual que obste ao cumprimento dos artigos 44.º-B a 44.º-D é considerada nula, não produzindo quaisquer efeitos em relação aos autores ou aos artistas, intérpretes ou executantes.
2 – Caso todos os outros elementos relevantes da situação se situem, no momento da escolha da lei aplicável, no território de um ou de vários Estados-Membros da União Europeia, a escolha pelas partes de uma lei aplicável ao respetivo contrato que não seja a de um Estado-Membro da União Europeia não prejudica a aplicação das disposições relativas à transparência, aos mecanismos de modificação contratual e aos procedimentos de resolução alternativa de litígios, tal como aplicadas pelo Estado-Membro da União Europeia do foro.
3 – O disposto nos artigos 44.º-A a 44.º-E não se aplica aos autores de programas de computador.
Artigo 74.º-A
Obra fora do circuito comercial e instituição responsável pelo património cultural
1 – Considera-se que uma obra ou outro material protegido estão fora do circuito comercial quando se possa presumir de boa-fé que a obra ou outro material protegido não estão, na sua totalidade, acessíveis ao público através dos canais habituais de comércio, depois de se efetuar um esforço razoável para se determinar a sua disponibilidade ao público.
2 – Um conjunto de obras ou outro material protegido por lei, na sua globalidade, estão fora do circuito comercial quando for razoável presumir que todas as obras ou outro material protegido que integram o mesmo estão fora do circuito comercial.
3 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o disposto na presente secção não se aplica:
a) Aos conjuntos de obras ou outros materiais protegidos fora do circuito comercial se, tendo em conta o esforço razoável a que alude o n.º 1, subsistirem provas de que tais conjuntos consistem, predominantemente, em obras ou outros materiais protegidos que pela primeira vez tenham sido publicados, ou, na falta de publicação, difundidos, num país terceiro;
b) A obras cinematográficas ou audiovisuais cujos produtores tenham a sua sede ou residência habitual num país terceiro;
c) A obras ou outros materiais protegidos por lei de nacionais de países terceiros, caso, após um esforço razoável, não tenha sido possível determinar o Estado-Membro da União Europeia ou país terceiro.
4 – Mesmo nos casos previstos no número anterior, o disposto na presente secção é, ainda assim, aplicável, caso a entidade de gestão coletiva referida no artigo seguinte seja suficientemente representativa dos titulares de direitos no país terceiro em causa.
5 – O esforço razoável para determinar que um conjunto de obras ou outro material protegido na sua globalidade está fora do circuito comercial incumbe às instituições responsáveis pelo património cultural, que pretendam prevalecer-se do mecanismo de licenciamento coletivo previsto na presente secção, e não deve implicar encargos desproporcionados ou ações repetidas ao longo do tempo, devendo, no entanto, ter em consideração todos os dados facilmente acessíveis sobre a disponibilidade futura de obras ou outro material protegido nos canais habituais de comércio.
6 – No caso das obras a título individual, a avaliação apenas deve ser exigida se tal for considerado razoável, tendo em conta a disponibilidade de informações pertinentes, a probabilidade de disponibilidade comercial e o custo provável da operação.
7 – A verificação da disponibilidade de uma obra ou outro material protegido deve, por regra, ter lugar no território do Estado-Membro da União Europeia onde está estabelecida a instituição responsável pelo património cultural, exceto se a verificação transfronteiriça for considerada razoável.
8 – O estatuto de um conjunto de obras ou outro material protegido fora do circuito comercial pode ser igualmente determinado através de um mecanismo proporcionado, designadamente a amostragem.
9 – Para efeitos do disposto na presente secção e no artigo 75.º, considera-se:
a) ‘Instituição responsável pelo património cultural’ uma biblioteca ou um museu que sejam acessíveis ao público, um arquivo, um estabelecimento de ensino, ou um organismo de investigação e de radiodifusão do setor público, no que diz respeito aos seus arquivos, ou uma instituição responsável pelo património cinematográfico ou sonoro;
b) Que uma obra ou outro material protegido é parte integrante e permanente das coleções de uma instituição responsável pelo património cultural quando as cópias dessa obra ou outro material protegido sejam propriedade ou estejam definitivamente na posse dessa instituição, nomeadamente na sequência de transferências de propriedade, acordos de concessão de licenças, obrigações de depósito legal ou acordos de custódia a longo prazo.
Artigo 74.º-B
Utilizações de obras fora do circuito comercial
1 – Uma entidade de gestão coletiva pode atribuir a uma instituição responsável pelo património cultural uma licença não exclusiva para reproduzir, distribuir, comunicar ao público ou colocar à disposição do público obras ou outros materiais protegidos que, estando fora do circuito comercial, integrem, com caráter permanente, as coleções dessa mesma instituição, nos termos do presente artigo.
2 – A licença referida no número anterior deve ser solicitada a uma ou mais das entidades de gestão coletiva de direitos de autor ou de direitos conexos consoante o tipo de obra ou prestação e as categorias de titulares de direitos em causa, no Estado-Membro da União Europeia em que está estabelecida a instituição responsável pelo património cultural.
3 – As licenças não exclusivas concedidas nos termos do n.º 1 abrangem os titulares dos direitos que sejam membros da entidade de gestão coletiva responsável pela concessão de tais licenças, bem como os titulares de direitos da mesma categoria que não tiverem conferido um mandato à referida entidade de gestão coletiva.
4 – As licenças concedidas nos termos do presente artigo podem permitir a sua utilização em qualquer Estado-Membro da União Europeia.
5 – São excluídas do âmbito das licenças quaisquer utilizações com fins lucrativos, sem prejuízo da possibilidade de as instituições responsáveis pelo património cultural poderem obter receitas com tais utilizações, desde que demonstrem que as mesmas se destinam exclusivamente a cobrir os custos com a licença e os custos inerentes aos processos técnicos diretamente relacionados com a digitalização e disponibilização das obras ou outros materiais protegidos.
Artigo 74.º-C
Procedimento e publicitação
1 – Às licenças previstas no artigo anterior é aplicável o previsto nos artigos 36.º-A e 36.º-B da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, e o disposto nos números seguintes.
2 – As entidades de gestão coletiva e as instituições responsáveis pelo património cultural devem divulgar, sempre que aplicável, nos seis meses anteriores ao início de qualquer utilização que venha a ser efetuada ao abrigo de uma licença referida no artigo anterior, as informações sobre as partes nos acordos de licença, as utilizações concretas objeto de licenciamento e os territórios abrangidos, bem como todos os elementos disponíveis relativos às obras fora do circuito comercial concretamente abrangidas.
3 – As informações referidas no número anterior devem ser publicitadas no sítio na Internet das entidades de gestão coletiva de direito de autor e direitos conexos, e comunicadas ao portal público em linha criado e gerido pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia, nos termos do Regulamento (UE) n.º 386/2012, do Parlamento e do Conselho, de 19 de abril de 2012.
Artigo 74.º-D
Utilizações livres de obra fora do circuito comercial
1 – Caso não exista uma entidade de gestão coletiva que satisfaça as condições estabelecidas nos artigos anteriores, bem como na legislação complementar relativa a entidades de gestão coletiva, as instituições responsáveis pelo património cultural podem proceder à reprodução, comunicação ao público e colocação à disposição do público de obras ou outros materiais protegidos, fora do circuito comercial, que tenham sido publicadas, comunicadas ao público ou colocadas à disposição do público em data anterior a 1 de janeiro de 1980 e que façam parte com caráter permanente das suas coleções, desde que essas obras ou outros materiais protegidos sejam disponibilizados em sítios na Internet não comerciais.
2 – As utilizações previstas no número anterior:
a) Consideram-se como ocorrendo exclusivamente no território do Estado-Membro da União Europeia onde está estabelecida a instituição responsável pelo património cultural que procede a essa utilização;
b) Estão sujeitas, com as necessárias adaptações, ao disposto nos artigos 74.º-A e 74.º-C, bem como o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 36.º-A, na alínea b) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 36.º-B da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, competindo às instituições responsáveis pelo património cultural assegurar as comunicações e medidas de publicitação, bem como os direitos dos titulares, aí previstos;
c) Não podem ter quaisquer fins comerciais diretos ou indiretos.
3 – É aplicável às utilizações previstas no n.º 1 o disposto no n.º 4 do artigo 75.º e no n.º 1 do artigo 221.º
Artigo 74.º-E
Mecanismos de negociação
1 – Quando as partes interessadas em celebrar um acordo, com vista a obter uma autorização para a utilização de obras audiovisuais em serviços de vídeo a pedido, não alcancem um acordo relativo aos termos e condições do acordo, podem recorrer a centro de arbitragem institucionalizada a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 47/2023, de 19 de junho.
2 – Nas situações previstas no número anterior, os mediadores devem prestar assistência às partes nas negociações e ajudá-las a chegar a acordo, apresentando-lhes, nomeadamente, se for caso disso, propostas para o efeito.
Artigo 175.º-A
Definições
1 – Para efeitos do disposto na presente secção, entende-se por:
a) ‘Prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha’ um prestador de um serviço da sociedade da informação que tem como principal objetivo, ou um dos seus principais objetivos, armazenar e facilitar o acesso do público a uma quantidade significativa de obras ou outro material protegido por direitos de autor ou direitos conexos, carregados pelos seus utilizadores, que o prestador de serviços organiza e promove com a finalidade de obter uma vantagem económica ou comercial direta ou indireta;
b) ‘Serviço da sociedade da informação’ um serviço na aceção da alínea g) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 30/2020, de 29 de junho.
2 – Para efeitos do disposto na presente secção, não são considerados prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha os prestadores dos seguintes serviços:
a) Enciclopédias em linha sem fins lucrativos;
b) Repositórios científicos e educativos sem fins lucrativos;
c) Plataformas de desenvolvimento e partilha de software livre ou de código aberto;
d) Prestadores de serviços de comunicações eletrónicas na aceção da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, que aprova a Lei das Comunicações Eletrónicas;
e) Os mercados em linha;
f) Os serviços em nuvem, entre empresas; e
g) Os serviços em nuvem que permitem ao seu utilizador carregar conteúdos para uso pessoal do utilizador.
3 – Os mecanismos de isenção de responsabilidade previstos no artigo 175.º-C não são aplicáveis a prestadores de serviços cujo principal objetivo seja realizar ou facilitar a infração de direitos de autor e direitos conexos.
Artigo 175.º-B
Utilização de conteúdos protegidos por prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha
1 – Constitui um ato de comunicação ao público, ou de colocação à disposição do público, por parte de prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, a disponibilização ao público do acesso a obras ou outros materiais protegidos por direitos de autor ou direitos conexos, carregados pelos utilizadores daqueles serviços.
2 – Os prestadores de serviços referidos no número anterior devem obter autorização dos respetivos titulares de direitos, nos termos previstos na lei, a fim de comunicar ao público ou de colocar à sua disposição obras ou outros materiais protegidos.
3 – Caso os titulares de direitos concedam ao prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha uma autorização nos termos dos números anteriores, tal autorização compreende os atos de comunicação ou colocação à disposição do público, incluídos nos termos e âmbito da autorização, realizados pelos utilizadores de tais serviços, se estes não agirem com caráter comercial, direto ou indireto, ou se a sua atividade não gerar receitas significativas.
4 – Quando os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha praticam atos de comunicação ao público ou colocação à disposição do público nos termos do n.º 1, não são aplicáveis as limitações de responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços em linha previstas no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de janeiro, na sua redação atual, sem prejuízo da aplicabilidade de tais limitações a outras atividades desenvolvidas por aqueles prestadores de serviços.
Artigo 175.º-C
Atos de comunicação ao público não autorizados
1 – Os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são responsáveis pelos atos de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público de obras e outros materiais protegidos por direitos de autor, caso não lhes tenha sido concedida uma autorização nos termos referidos no artigo anterior, exceto se os prestadores demonstrarem que, cumulativamente:
a) Envidaram os melhores esforços para obter uma autorização;
b) Efetuaram, de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras e outros materiais protegidos, relativamente aos quais os titulares de direitos forneceram aos prestadores de serviços as informações pertinentes e necessárias;
c) Agiram, de forma diligente, após receção de uma notificação suficientemente fundamentada pelos titulares de direitos, no sentido de remover ou bloquear o acesso à obra ou outros materiais protegidos, objeto de notificação, dos seus sítios na Internet ou servidores que utilizam para a prestação de serviços, independentemente de os titulares de direitos terem ou não disponibilizado a informação relevante e necessária em momento prévio à notificação, e envidaram os melhores esforços para impedir o futuro carregamento e disponibilização da obra ou outros materiais protegidos, objeto de notificação, nos termos da alínea anterior.
2 – Para determinar se o prestador de serviços cumpriu as obrigações previstas no número anterior, deve ser observado o princípio da proporcionalidade e devem ser tidos em conta, entre outros, os seguintes elementos:
a) O tipo, o público-alvo e a dimensão do serviço;
b) O tipo de obras ou outros materiais protegidos, carregados pelos utilizadores do serviço;
c) A disponibilidade de meios adequados e eficazes para cumprir as obrigações;
d) O custo dos meios referidos na alínea anterior para os prestadores de serviços.
3 – O disposto na presente secção não constitui os titulares de direitos na obrigação de conceder uma autorização ou celebrar um acordo de licenciamento, nem limita o direito de tais titulares autorizarem ou proibirem as utilizações de obras ou outro material protegido, com as limitações que decorrem das normas gerais reguladoras da concorrência.
4 – As obrigações de remoção de conteúdos previstas no n.º 1, impostas aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, não impedem a manutenção de cópias dos mesmos, não acessíveis aos utilizadores destes serviços sempre que tal se afigure necessário para impedir novos carregamentos de conteúdos não autorizados.
Artigo 175.º-D
Limitação de obrigações quanto a novos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha
1 – Os novos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha cujos serviços tenham sido disponibilizados ao público na União Europeia por um período inferior a três anos podem beneficiar do regime de exclusão de responsabilidade previsto no n.º 1 do artigo anterior desde que demonstrem cumulativamente que:
a) Têm um volume de negócios anual inferior a 10 milhões de euros, calculado nos termos da Recomendação 2003/361/CE da Comissão, de 6 de maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas;
b) O número médio mensal de visitantes individuais desses prestadores de serviços seja inferior a 5 milhões, calculado com base no ano civil precedente, sem prejuízo do disposto no número seguinte;
c) Envidaram os melhores esforços para obter uma autorização ou licença;
d) Agiram, de forma diligente, após receção de uma notificação suficientemente fundamentada pelos titulares de direitos, no sentido de remover ou bloquear o acesso à obra ou outros materiais protegidos, objeto de notificação, dos seus sítios na Internet ou servidores que utilizam para a prestação de serviços.
2 – Sempre que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha referidos no número anterior não estejam em condições de demonstrar o disposto na alínea b), devem ainda demonstrar que deram integral cumprimento ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, para poderem beneficiar do regime de exclusão de responsabilidade ali previsto.
3 – No juízo sobre a aplicação do regime previsto no presente artigo a um serviço de partilha de conteúdos em linha, deve acautelar-se, especialmente, que este regime não seja utilizado de forma abusiva, mediante disposições que visem prolongar os seus benefícios para além dos primeiros três anos, devendo nomeadamente excluir-se tal aplicação a serviços criados há menos de três anos ou prestados sob nova designação, mas que exercem materialmente a atividade de um prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha já existente que não possa beneficiar deste regime ou que deixou de beneficiar do mesmo.
Artigo 175.º-E
Dever de informação
1 – Os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha devem facultar aos titulares de direitos, a pedido destes, com a maior brevidade possível, informações adequadas sobre o funcionamento das suas práticas no que respeita ao disposto nos artigos 175.º-C e 175.º-D e, no caso de serem concedidas autorizações ou concluídos acordos de licenciamento, entre prestadores de serviços e titulares de direitos, informações sobre a utilização dos conteúdos abrangidos pelos referidos acordos.
2 – Os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha devem informar os seus utilizadores, nas suas condições gerais, da possibilidade de utilizarem obras e outros materiais protegidos ao abrigo das exceções e limitações ao direito de autor e direitos conexos previstas no presente decreto-lei ou em qualquer outra fonte de Direito da União, bem como dos procedimentos referidos no artigo seguinte.
Artigo 175.º-F
Procedimento de reclamação e reapreciação
1 – Os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha devem criar e disponibilizar um mecanismo de reclamação e recurso eficaz e rápido, disponível para todos os utilizadores dos respetivos serviços, aos quais estes possam recorrer para reclamar contra a remoção ou bloqueio indevidos de obras ou outros materiais protegidos por eles carregados, designadamente para permitir as utilizações livres previstas nas alíneas h) e x) do n.º 2 do artigo 75.º
2 – Os prestadores de serviços devem informar as entidades que tiverem solicitado a remoção ou bloqueio do conteúdo em causa da apresentação de reclamação nos termos do número anterior para que estas se possam pronunciar.
3 – Sempre que solicitem a remoção das suas obras ou outros materiais protegidos ou o bloqueio de acesso aos mesmos e, em especial, no âmbito do procedimento de reclamação e recurso, devem os titulares de direitos ou os seus representantes justificar os seus pedidos de modo adequado.
4 – Quando a remoção ou bloqueio for efetuada, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha devem informar os utilizadores de tal remoção ou bloqueio e dos respetivos fundamentos.
5 – As queixas apresentadas ao abrigo do presente artigo são processadas sem demora injustificada, sendo as decisões de remoção de conteúdos carregados ou de bloqueio do acesso aos mesmos sujeitas a controlo humano.
6 – Quando, na sequência de reclamação, um conteúdo seja novamente disponibilizado, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha devem informar os interessados da decisão e dos respetivos fundamentos.
7 – Os procedimentos referidos no presente artigo devem estar disponíveis e ser processados em língua portuguesa.
Artigo 175.º-G
Resolução alternativa de litígios
Os conflitos entre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha e os utilizadores dos respetivos serviços, emergentes da remoção ou bloqueio de obras ou outros materiais protegidos por eles carregados, estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa dos referidos utilizadores, sejam submetidos à apreciação de centro de arbitragem institucionalizada a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 47/2023, de 19 de junho.
Artigo 175.º-H
Proteção de dados pessoais
O disposto na presente secção não prejudica nem afasta a aplicação do Regulamento (UE) n.º 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, e da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto.
Artigo 175.º-I
Disponibilidade de conteúdos
O disposto na presente secção não pode resultar na indisponibilidade de obras ou outro material protegido carregado por utilizadores de serviços de partilha de conteúdos em linha que não violem direitos de autor e direitos conexos, nomeadamente as utilizações abrangidas por uma exceção ou limitação.
Artigo 188.º-A
Proteção de publicações de imprensa em utilizações em linha
1 – Assiste aos editores de imprensa estabelecidos num Estado-Membro da União Europeia o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes, aos prestadores de serviços da sociedade de informação, toda e qualquer reprodução, comunicação ao público ou colocação à disposição do público, total ou parcial, das suas publicações de imprensa em linha, de forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.
2 – Sem prejuízo do disposto no artigo 189.º, os direitos previstos no presente artigo não se aplicam:
a) Ao uso privado por utilizadores que sejam pessoas singulares, no exercício do direito de ser informado, mediante acesso lícito e desde que não façam uso comercial, direto ou indireto, das publicações de imprensa que são objeto deste artigo;
b) Ao estabelecimento de hiperligação;
c) À utilização de termos isolados ou de excertos muito curtos de publicações de imprensa.
3 – Os direitos previstos no presente artigo não prejudicam os direitos conferidos pelo Direito da União a autores ou outros titulares de direitos, relativamente a obras e outros materiais protegidos que integram uma publicação de imprensa, não lhes sendo oponíveis os direitos previstos no presente artigo.
4 – Sem prejuízo do disposto no artigo 174.º, os direitos previstos no n.º 1 não podem privar os autores e outros titulares de direitos do direito de exploração das suas obras e outro material protegido de forma independente da publicação de imprensa em que estão integrados.
5 – Sempre que uma obra ou outros materiais protegidos forem integrados numa publicação de imprensa com base numa autorização ou licença não exclusiva, os direitos previstos no n.º 1 não podem ser invocados para proibir a sua utilização por outros utilizadores autorizados ou licenciados.
6 – O previsto nos n.os 3 a 5 não prejudica os acordos contratuais celebrados entre os editores de publicações de imprensa e os autores ou outros titulares de direitos sobre uma obra ou outros materiais protegidos.
7 – Os direitos previstos no n.º 1 não podem ser invocados para proibir a utilização de obras ou outras prestações em relação às quais a proteção legal tenha caducado.
8 – Os litígios entre os editores de imprensa e os prestadores de serviços da sociedade de informação, relativos ao disposto no presente artigo, e à aplicação do n.º 4 do artigo seguinte, bem como os litígios entre os editores de imprensa e os autores relativos à aplicação do n.º 6 do artigo seguinte, estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa, respetivamente, dos editores de imprensa ou do autor, sejam submetidos à apreciação de centro de arbitragem institucionalizada a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 47/2023, de 19 de junho.
Artigo 188.º-B
Remuneração
1 – Sempre que os direitos referidos no artigo anterior forem exercidos através de uma entidade de gestão coletiva, à fixação dos montantes das respetivas remunerações aplica-se o disposto na Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, em matéria de fixação de tarifários gerais.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a remuneração deve, em especial, ter em conta o valor económico da utilização em linha de publicações de imprensa pelos serviços da sociedade da informação, incluindo, entre outros, qualquer benefício económico direto obtido pelo prestador de serviços da sociedade da informação com a utilização de publicações de imprensa.
3 – Os prestadores de serviços da sociedade da informação devem facultar aos editores de publicações de imprensa, ou, se for o caso, às entidades de gestão coletiva que os representem, informação relevante e fidedigna relativa às utilizações das suas publicações de imprensa que forem feitas pelos utilizadores dos serviços da sociedade da informação, na medida em que tal seja razoável, necessário e proporcional.
4 – Os prestadores de serviços da sociedade da informação não estão obrigados a prestar informação a editores de publicações de imprensa ou às entidades de gestão coletiva que atuem em representação dos editores de publicações de imprensa sempre que se demonstre que a prestação dessa informação implique uma das seguintes situações:
a) A divulgação de segredos comerciais na aceção da Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento e do Conselho, de 8 de junho de 2016;
b) A transmissão não autorizada de conteúdos protegidos por direitos de autor ou por outros direitos de exclusivo;
c) A transmissão, sem fundamento de licitude, de dados pessoais protegidos pelo Regulamento (UE) n.º 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, ou por quaisquer outras disposições normativas relativas à proteção de dados pessoais.
5 – A divulgação de informações comercialmente sensíveis ou que não sejam do domínio público pode ficar condicionada à assinatura de acordos de confidencialidade ou à prestação de outras garantias de confidencialidade.
6 – Os autores de obras que sejam integrados numa publicação de imprensa recebem uma parte adequada e equitativa das receitas que os editores de imprensa recebem pela utilização das suas publicações de imprensa por prestadores de serviços da sociedade da informação.
7 – Aos titulares de direitos a que se refere o número anterior é aplicável o disposto nos artigos 44.º-A a 44.º-F.
8 – O disposto no presente artigo e no artigo anterior não prejudica as disposições legais relativas à titularidade de direitos sobre as publicações de imprensa e obras nelas incluídas ou o exercício de direitos previstos em contratos de trabalho.»
Artigo 6.º
Aditamento à Lei n.º 26/2015, de 14 de abril
São aditados à Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, os artigos 36.º-A e 36.º-B, com a seguinte redação:
«Artigo 36.º-A
Licenças coletivas com efeitos alargados
1 – Quando a lei expressamente o permitir, em relação a utilizações identificadas e delimitadas, cuja obtenção de autorizações de titulares de direitos numa base individual seja excessivamente onerosa e impraticável, a ponto de tornar improvável a obtenção de licenças individuais, uma entidade de gestão coletiva pode celebrar acordos de concessão de licenças de utilização de obras ou outro material protegido, com efeitos alargados a outros titulares de direitos que não a tenham mandatado, presumindo-se, em relação a estes, a representação por parte da entidade de gestão coletiva em causa.
2 – Salvo disposição especial em contrário, às licenças previstas no número anterior aplicar-se-á o regime previsto no presente artigo.
3 – Apenas pode fazer uso da faculdade prevista no n.º 1 uma entidade de gestão coletiva que seja suficientemente representativa em virtude dos mandatos que lhe foram conferidos para as utilizações objeto da licença, pelos titulares de direitos, da mesma categoria em relação às obras ou prestações em causa.
4 – As entidades de gestão coletiva garantem, em cada momento, a igualdade de tratamento de todos os titulares de direitos, incluindo em relação às condições das licenças.
5 – Os titulares de direitos sobre obras ou outros materiais protegidos que não tenham mandatado a entidade de gestão coletiva que concede tais licenças podem, em qualquer momento, excluí-las da licença prevista no presente artigo, mesmo após a concessão de tal licença ou o início da sua utilização.
6 – Para efeitos do previsto no número anterior, devem os titulares de direitos dirigir uma comunicação à entidade de gestão coletiva em causa, juntando prova da titularidade do direito em questão.
7 – A comunicação produz efeitos no prazo de 90 dias, a contar da sua receção por parte da entidade de gestão coletiva, podendo a mesma diferir esse prazo até ao termo do exercício em que é comunicada essa exclusão e sem prejuízo do direito à remuneração pela utilização efetiva da obra ou outro material protegido ao abrigo da licença.
8 – As entidades de gestão coletiva que concedam licenças nos termos do presente artigo publicam no seu sítio na Internet a listagem integral dos titulares de direitos ou das obras e prestações que tenham sido excluídas do âmbito da licença nos termos do número anterior.
9 – À fixação de tarifas para as licenças concedidas pelas entidades de gestão coletiva nos termos do presente artigo aplica-se o disposto no presente decreto-lei, quanto aos critérios e procedimentos de fixação de tarifários gerais.
10 – Salvo disposição especial em contrário, os efeitos das licenças conferidas nos termos do presente artigo são limitados a utilizações que ocorram no território nacional.
Artigo 36.º-B
Procedimento e publicitação
As entidades de gestão coletiva, seis meses antes de disponibilizarem licenças nos termos do artigo anterior, devem:
a) Comunicar à IGAC, por via eletrónica, a intenção de disponibilizar as referidas licenças, demonstrando a sua suficiente representação, nos termos do n.º 3 do artigo anterior e as utilizações objeto das licenças que pretendem conceder, bem como os utilizadores ou categoria de utilizadores em causa;
b) Publicitar tal intenção no respetivo sítio na Internet, especificando o objeto das licenças que pretendem conceder, o facto de esta poder ser concedida também em representação de titulares de direitos que não tenham conferido mandato à entidade de gestão respetiva e a forma como estes titulares podem exercer o direito previsto no n.º 5 do artigo anterior.»
Artigo 7.º
Alterações sistemáticas
São introduzidas as seguintes alterações sistemáticas ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual:
a) É aditada ao capítulo i do título ii a secção iii, com a seguinte epígrafe «Utilização de obras fora do circuito comercial», que compreende os artigos 74.º-A a 74.º-D;
b) É aditada ao capítulo i do título ii a secção iv, com a epígrafe «Do acesso a obras audiovisuais através de plataformas de vídeo a pedido e disponibilidade das mesmas», que compreende o artigo 74.º-E;
c) É aditada ao capítulo iii do título ii a secção xi, com a epígrafe «Da utilização da obra por prestador de serviços de partilha de conteúdos em linha», que compreende os artigos 175.º-A a 175.º-I.
Artigo 8.º
Arbitragem institucionalizada especializada e mediação em matéria de direito de autor e direitos conexos
1 – A resolução de litígios em matéria de direito de autor e direitos conexos compete a centro de mediação e arbitragem institucionalizada especializado na matéria, no âmbito do qual funcionam a mediação e arbitragem institucionalizada em matéria de direitos de autor e conexos.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o membro do Governo responsável pela área da justiça autoriza, nos termos da lei, a criação de novo centro de arbitragem ou o alargamento de competências de centro de arbitragem já existente.
3 – O centro de mediação e arbitragem exerce a sua jurisdição em todo o território nacional.
4 – Salvo quando a lei expressamente previr o contrário, o recurso a centro de mediação e arbitragem especializado é facultativo.
5 – Das decisões de centro de mediação e arbitragem a que se refere o n.º 1 cabe recurso para o tribunal da Relação.
Artigo 9.º
Custos de utilização
1 – O centro de mediação e arbitragem autorizado garante o recurso aos procedimentos de mediação e arbitragem da sua competência, isento de custos ou mediante o pagamento de uma taxa de valor reduzido, por parte:
a) Dos criadores intelectuais, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual;
b) Dos autores, no caso previsto no n.º 2 do artigo 144.º do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, com a redação introduzida pelo presente decreto-lei;
c) Dos tradutores, no caso previsto no artigo 170.º do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, com a redação introduzida pelo presente decreto-lei;
d) Dos utilizadores dos serviços, nos casos previstos no artigo 175.º-G do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, com a redação introduzida pelo presente decreto-lei;
e) Dos beneficiários das utilizações, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 221.º do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, com a redação introduzida pelo presente decreto-lei;
f) De um concreto utilizador, no caso previsto na alínea b) do n.º 5 do artigo 44.º da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual.
2 – Os autores, artistas intérpretes ou executantes, que recorram a centro de mediação e arbitragem institucionalizada especializado em matéria de direito de autor e direitos conexos beneficiam de proteção jurídica nos termos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na sua redação atual.
3 – O centro de mediação e arbitragem autorizado exerce ainda as competências de mediação e arbitragem que lhe são expressamente cometidas:
a) No Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, com a redação introduzida pelo presente decreto-lei;
b) À Comissão de Peritos, prevista no artigo 44.º da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual;
c) No n.º 3 do artigo 7.º e no n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, na sua redação atual;
d) No n.º 2 do artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 332/97, de 27 de novembro, na sua redação atual;
e) No n.º 5 do artigo 6.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
Artigo 10.º
Apoio financeiro a centro de mediação e arbitragem competente em matéria de direito de autor e direitos conexos
1 – Tendo em vista garantir o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo anterior, o financiamento de centro de mediação e arbitragem autorizado em matéria de direito de autor e direitos conexos é assegurado pelo Estado, através da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) e do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), sem prejuízo de outras fontes de financiamento.
2 – O financiamento é repartido na seguinte proporção:
a) DGPJ, 40 %;
b) GEPAC, 60 %.
3 – Os montantes de financiamento, bem como as datas do respetivo pagamento, são fixados anualmente, até ao dia 31 de dezembro do ano anterior ao que se reportam, por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da cultura e podem ser variáveis, em função do volume de processos identificados no n.º 1 do artigo anterior.
4 – O despacho referido no número anterior indica o centro ou centros beneficiários do financiamento e, existindo mais do que um, a proporção de financiamento a atribuir a cada um deles.
Artigo 11.º
Autorização de centro de mediação e arbitragem especializado em matéria de direito de autor e direitos conexos
1 – A criação de novo centro de arbitragem ou o alargamento de competências de centro de arbitragem já existente a matéria de direito de autor e direitos conexos é requerida nos termos do Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de dezembro, sendo o requerimento acompanhado, designadamente, de:
a) Projeto de regulamento dos serviços de mediação e arbitragem do centro a autorizar;
b) Projeto de regulamento de seleção de mediadores e de árbitros;
c) Projeto de regulamento de custas e encargos processuais e respetivas tabelas, que dele fazem parte integrante.
2 – Sem prejuízo do previsto no Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de dezembro, constitui condição de verificação de idoneidade da entidade requerente de autorização a admissão exclusiva de um corpo de mediadores e árbitros com formação especializada em matéria de direito de autor e direitos conexos e, no caso dos mediadores, também a conclusão com aproveitamento de curso de formação em mediação de conflitos ministrado por entidade formadora certificada pela DGPJ ou curso reconhecido pelo Ministério da Justiça nos termos da Portaria n.º 237/2010, de 29 de abril, na sua redação atual, e no artigo 15.º da Portaria n.º 345/2013, de 27 de novembro.
Artigo 12.º
Norma transitória
1 – Qualquer reprodução, comunicação ao público ou colocação à disposição do público, total ou parcial, das publicações de imprensa em linha, de forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, previstas no artigo 188.º-A do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, com a redação introduzida pelo presente decreto-lei, publicadas sob iniciativa e responsabilidade dos editores de imprensa de âmbito regional, nos termos do artigo 176.º do mesmo decreto-lei, da alínea d) do artigo 10.º da Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro, na sua redação atual, e do Decreto-Lei n.º 106/88, de 31 de março, na sua redação atual, aplica-se o disposto nos artigos 36.º-A e 36.º-B da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, com a redação introduzida pelo presente decreto-lei.
2 – A gestão coletiva com efeitos alargados, prevista no número anterior, cessa a 31 de dezembro de 2028, data a partir da qual a gestão dos direitos aqui em causa segue o regime da gestão coletiva voluntária.
3 – As entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos, constituídas ao abrigo da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, desde que suficientemente representativas dos titulares de direitos no tipo pertinente de obras ou outro material protegido e das utilizações objeto da licença, podem dar início ao exercício da gestão coletiva com efeitos alargados, em relação às autorizações previstas no n.º 4 do artigo 149.º e no n.º 4 do artigo 184.º do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na redação introduzida pelo presente decreto-lei, logo após a comunicação e publicitação a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 36.º-B da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na redação introduzida pelo presente decreto-lei.
4 – Até à constituição e efetivo início de funcionamento de centro de mediação e arbitragem a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º, aplica-se à resolução dos litígios cuja competência lhe é atribuída, o disposto na Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, e na Lei n.º 29/2013, de 19 de abril, podendo as partes, no caso da mediação, recorrer a mediador inscrito na lista de mediadores privados a que se reporta a alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 29/2013, de 19 de abril, gerida pelo Ministério da Justiça e publicitada conforme disposto no artigo 5.º da Portaria n.º 344/2013, de 27 de novembro.
5 – Em 2023, o despacho a que alude o n.º 3 do artigo 10.º é publicado no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-lei, sendo que, inexistindo até então centro de arbitragem autorizado na matéria, o montante de financiamento fixado é atribuído integralmente àquele que o venha a ser ou, em partes iguais, a todos os que o sejam, no ano em curso.
Artigo 13.º
Norma revogatória
São revogados:
a) A alínea n) do n.º 2 do artigo 2.º, os artigos 49.º e 191.º e os n.os 5, 6 e 7 do artigo 221.º do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual;
b) O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 334/97, de 27 de novembro.
Artigo 14.º
Aplicação no tempo
1 – Os direitos conferidos no artigo 188.º-A do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, com a redação introduzida pelo presente decreto-lei, não se aplicam às publicações de imprensa publicadas pela primeira vez antes do dia 6 de junho de 2019.
2 – O presente decreto-lei não se aplica às obras e outro material protegido que não estejam protegidos por direito de autor ou outros direitos conexos antes de 7 de junho de 2021.
Artigo 15.º
Entrada em vigor
1 – O presente decreto-lei entra em vigor 15 dias após a data da sua publicação.
2 – A alteração ao artigo 195.º do Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, entra em vigor a 1 de janeiro de 2024.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 25 de maio de 2023. – António Luís Santos da Costa – Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro – Fernando Medina Maciel Almeida Correia – António José da Costa Silva – Pedro Adão e Silva Cardoso Pereira.
Promulgado em 12 de junho de 2023.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 15 de junho de 2023.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
Direitos de autor relativos a transmissões em linha
Junho 19th, 2023Decreto-Lei n.º 46/2023, de 19 de junho
Decreto-Lei n.º 46/2023
de 19 de junho
O presente decreto-lei visa transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/789, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, que estabelece normas sobre o exercício dos direitos de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de televisão e de rádio e que altera a Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993.
Esta diretiva, tendo introduzido alterações à Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direitos de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, implica a introdução de alterações ao Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa aquela diretiva.
Nestes termos, a referida alteração consiste, por um lado, na definição do regime aplicável aos chamados serviços acessórios em linha, complementares dos serviços de radiodifusão de obras e outro material protegido por direitos de autor e direitos conexos, e aos serviços de retransmissão das mesmas por outros meios para além do cabo e dos sistemas de micro-ondas. Por outro lado, introduz-se a previsão normativa para algumas novas modalidades de utilização comercial dessas obras e prestações, fruto da evolução tecnológica e da oferta de novos serviços no mercado audiovisual, nomeadamente através da chamada injeção direta de sinal portador de serviços de programas de televisão.
O projeto de decreto-lei esteve em consulta pública de 22 de fevereiro a 7 de março de 2023, da qual resultou o documento final que aqui se apresenta.
Foi promovida a audição do Conselho Nacional do Consumo.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 7/2023, de 27 de fevereiro, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei:
a) Transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/789 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, que estabelece normas sobre o exercício dos direitos de autor e direitos conexos aplicáveis a determinadas transmissões em linha dos organismos de radiodifusão e à retransmissão de programas de televisão e de rádio e que altera a Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo;
b) Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 93/83/CEE, do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo.
Artigo 2.º
Definições
Para os efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a) «Ambiente gerido» o ambiente no âmbito do qual o operador de um serviço de retransmissão presta um serviço de retransmissão seguro a utilizadores autorizados, sendo o nível de segurança do conteúdo comparável ao exigido para os conteúdos transmitidos em redes geridas em que o conteúdo retransmitido é encriptado;
b) «Injeção direta» um processo técnico pelo qual um organismo de radiodifusão transmite os seus sinais portadores de programas a um organismo que não seja um organismo de radiodifusão, de modo que os sinais portadores de programas não sejam acessíveis ao público durante essa transmissão;
c) «Serviço acessório em linha» o serviço em linha que consiste no fornecimento ao público, por um organismo de radiodifusão ou sob o seu controlo e responsabilidade, de programas de televisão ou de rádio em simultâneo com a sua transmissão pelo organismo de radiodifusão, ou num momento posterior a essa transmissão durante um período de tempo determinado, bem como de quaisquer materiais que sejam acessórios a essa difusão, e que tenham uma relação clara de subordinação com a sua transmissão;
d) «Retransmissão» qualquer transmissão simultânea, inalterada e integral, que se destina a ser captada pelo público, com exceção da retransmissão por cabo, na aceção do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, na redação dada pelo presente decreto-lei, de uma transmissão inicial cujo sinal provenha de outro Estado-Membro ou de território nacional, de um organismo de radiodifusão, de programas de televisão ou de rádio destinados a ser captados pelo público, caso essa transmissão inicial seja efetuada com ou sem fio, incluindo por satélite, excluindo a transmissão em linha, desde que:
i) A retransmissão seja efetuada por uma entidade diferente do organismo de radiodifusão que efetuou a transmissão inicial ou sob cujo controlo e responsabilidade essa transmissão inicial foi efetuada, independentemente da forma como a entidade que efetua a retransmissão obtém os sinais portadores de programas do organismo de radiodifusão para efeitos de retransmissão;
ii) A retransmissão seja efetuada através de um serviço de acesso à Internet, na aceção do n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento (UE) 2015/2120 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, e seja efetuada num ambiente gerido.
CAPÍTULO II
Serviços acessórios em linha dos organismos de radiodifusão
Artigo 3.º
Princípio do país de origem
1 – Para efeitos do exercício do direito de autor e direitos conexos, considera-se que ocorrem exclusivamente no Estado-Membro do estabelecimento principal do organismo de radiodifusão os seguintes atos:
a) Os atos de comunicação ao público e de colocação à disposição do público, de obras ou outro material protegido por direito de autor e direitos conexos, por fio ou sem fio, de forma que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento da sua escolha, que ocorram no decurso da prestação ao público dos programas referidos no número seguinte, em serviço acessório em linha prestado por um organismo de radiodifusão ou sob o seu controlo e responsabilidade;
b) Os atos de reprodução de obras ou outro material protegido necessário à prestação, acesso ou utilização dos serviços referidos na alínea anterior para os mesmos programas.
2 – Para efeitos do número anterior, consideram-se os seguintes programas:
a) Programas de rádio;
b) Programas de televisão, que sejam programas noticiosos e programas de informação e de atualidade, ou produções próprias inteiramente financiadas pelo organismo de radiodifusão.
3 – Não se consideram abrangidos na alínea b) do número anterior as transmissões de eventos desportivos e das obras e outro material protegido neles incluídas.
4 – Para efeitos da alínea b) do n.º 2, consideram-se produções próprias de um organismo de radiodifusão as produções que:
a) São realizadas por um organismo de radiodifusão que utiliza exclusivamente os seus próprios recursos ou os recursos provenientes de fundos públicos;
b) Não são objeto de encomenda pelo organismo de radiodifusão a produtores independentes, nos termos da legislação aplicável à atividade de televisão e às artes cinematográficas e audiovisuais;
c) Não são objeto de coprodução.
5 – O princípio do país de origem é aplicável exclusivamente no que respeita à relação com os titulares de direitos ou entidades de gestão que os representam e apenas para efeitos de acesso ou utilização de serviços acessórios em linha.
6 – Quando o estabelecimento principal do organismo de radiodifusão se situa em Portugal, aplicam-se, para efeito dos números anteriores, as disposições sobre radiodifusão, constantes dos artigos 149.º a 156.º, 178.º e 184.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual.
Artigo 4.º
Exceções ao princípio do país de origem
1 – O princípio do país de origem previsto no artigo anterior não é aplicável em caso algum nas seguintes situações:
a) Às comunicações subsequentes com o público de obras ou outro material protegido, por fio ou sem fio;
b) À disponibilização subsequente ao público, de obras ou outro material protegido, por fio ou sem fio, de forma que este possa ter acesso aos mesmos em local e no momento por este escolhido;
c) À reprodução subsequente de obras ou outro material protegido, incluídos nos serviços acessórios em linha;
d) À atribuição, por um organismo de radiodifusão, de licenças a terceiros, incluindo a outros organismos de radiodifusão, para utilização das suas produções próprias.
2 – O disposto no presente decreto-lei não implica qualquer obrigação de os organismos de radiodifusão comunicarem ou disponibilizarem ao público programas nos seus serviços acessórios em linha, ou de prestarem esses serviços num Estado-Membro diferente daquele onde se situa o seu estabelecimento principal ou em Estados terceiros à União Europeia.
3 – Os titulares de direitos e os organismos de radiodifusão podem, no respeito da legislação da União Europeia, acordar quaisquer limitações, nomeadamente geográficas, à exploração de quaisquer dos seus direitos de autor e conexos, em derrogação do regime previsto no artigo anterior.
4 – Na fixação do montante da remuneração devida pela utilização de obras e outro material protegido por direitos de autor e conexos aos quais se aplique o regime previsto no artigo anterior, as partes devem ter em consideração todos os aspetos do serviço acessório em linha, designadamente:
a) As características do serviço, incluindo a duração da disponibilidade em linha dos programas ou conteúdos audiovisuais fornecidos através deste serviço;
b) O público destinatário no Estado-Membro do estabelecimento principal do organismo de radiodifusão e nos outros Estados-Membros em que o serviço acessório em linha é acedido e utilizado;
c) As versões linguísticas disponibilizadas.
5 – Os critérios previstos no número anterior não prejudicam a possibilidade de se calcular o montante da remuneração devida, com base nas receitas do organismo de radiodifusão geradas pelo serviço em linha.
CAPÍTULO III
Retransmissão de programas de televisão e de rádio
Artigo 5.º
Exercício do direito de retransmissão pelos titulares de direito de autor
1 – Os atos de retransmissão de programas carecem de autorização dos titulares do direito exclusivo de comunicação ao público, sendo-lhes aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 7.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, na redação dada pelo presente decreto-lei.
2 – Se o titular do direito exclusivo de comunicação ao público não tiver transferido a gestão do seu direito de conceder ou recusar autorização para a retransmissão a uma entidade de gestão coletiva, cabe à entidade de gestão coletiva, que gere direitos da mesma categoria em território nacional para o qual o operador do serviço de retransmissão visa obter direitos de retransmissão, em nome do titular, conceder ou recusar autorização para a retransmissão.
3 – Caso mais do que uma entidade de gestão coletiva seja responsável pela gestão de direitos da mesma categoria, considera-se que os titulares não inscritos são representados pela entidade de gestão coletiva com maior representatividade em termos de número de mandatos.
4 – Os titulares do direito de autor têm direito a uma remuneração adequada pela retransmissão das suas obras e outro material protegido.
5 – Na determinação das condições de concessão de licenças, incluindo o valor da licença, para uma retransmissão, nos termos da Lei n.º 26/2015, de 14 de abril, na sua redação atual, deve ter-se em conta, nomeadamente, o valor económico da utilização comercial dos direitos, incluindo o valor atribuído ao meio de retransmissão.
6 – O disposto no presente artigo é aplicável independentemente da tecnologia utilizada e do local do estabelecimento principal do organismo de radiodifusão responsável pela emissão primária.
Artigo 6.º
Extensão aos titulares de direitos conexos
O disposto no artigo anterior é extensivamente aplicável aos artistas, intérpretes ou executantes, bem como aos produtores de fonogramas e videogramas, no respeitante à retransmissão das suas prestações, fonogramas e videogramas em todos os casos abrangidos pela alínea d) do artigo 2.º
Artigo 7.º
Exercício dos direitos de retransmissão por organismos de radiodifusão
1 – A obrigatoriedade de gestão coletiva não se aplica aos direitos titulados pelos organismos de radiodifusão em relação às suas próprias transmissões, independentemente de os direitos em causa lhes pertencerem ou de lhes terem sido transferidos por outros titulares de direitos, aplicando-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual.
2 – O disposto no número anterior aplica-se independentemente da forma ou da tecnologia utilizada por essa retransmissão.
3 – O disposto no presente artigo não prejudica a aplicação do disposto no artigo 5.º e no artigo anterior às obras, prestações artísticas, fonogramas e videogramas incorporados nas respetivas transmissões retransmitidas, nem dispensa o organismo de radiodifusão de obter as necessárias autorizações dos respetivos titulares de direitos ou seus representantes, para a transmissão originária das referidas obras, prestações artísticas, fonogramas e videogramas.
CAPÍTULO IV
Transmissão de programas por injeção direta
Artigo 8.º
Regime aplicável aos serviços de injeção direta
1 – Sempre que um organismo de radiodifusão transmitir por injeção direta os seus sinais portadores de programas a um distribuidor de sinais, sem ele próprio transmitir simultaneamente esses sinais ao público, os quais lhe são transmitidos pelo distribuidor, considera-se que o organismo de radiodifusão e o distribuidor de sinais participam num ato único de comunicação ao público, para o qual devem obter a autorização dos titulares dos direitos em separado, não sendo solidária a responsabilidade entre as duas categorias de utilizadores.
2 – Às situações previstas no número anterior, aplica-se o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 68.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 178.º e na alínea e) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 184.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, na sua redação atual.
CAPÍTULO V
Alteração legislativa
Artigo 9.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro
Os artigos 3.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de novembro, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
[…]
[…]
a) […]
b) […]
c) Entende-se por ‘retransmissão por cabo’ a retransmissão ao público, simultânea, inalterada e integral, por cabo ou micro-ondas, de uma emissão primária a partir de outro Estado-Membro, com ou sem fio, incluindo por satélite, de programas de televisão e de rádio destinados à receção pelo público, independentemente da forma como o operador de um serviço de retransmissão por cabo obtém os sinais portadores de programas do organismo de radiodifusão para efeitos de retransmissão.
Artigo 9.º
[…]
1 – As entidades representativas dos vários interesses em presença estabelecem as negociações e os acordos, no respeito pelo princípio da boa fé, conducentes a assegurar que a retransmissão se processe em condições equilibradas e sem interrupções.
2 – […]
3 – Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 7.º, na falta de acordo entre uma ou mais entidades de gestão coletiva de direito de autor e direitos conexos ou um ou mais organismos de radiodifusão e os operadores de um serviço de retransmissão relativamente às condições da autorização para a retransmissão de emissões, qualquer uma das partes pode submeter a resolução do litígio a serviço de mediação de centro de arbitragem institucionalizada especializada em matéria de direito de autor e direitos conexos a autorizar nos termos da lei.
4 – Até à constituição e efetivo início de funcionamento de centro de arbitragem a que se refere o número anterior, tendo em vista a resolução dos litígios aí prevista, as partes podem recorrer a mediador inscrito na lista de mediadores privados a que se reporta a alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 29/2013, de 19 de abril, gerida pelo Ministério da Justiça e publicitada conforme disposto no artigo 5.º da Portaria n.º 344/2013, de 27 de novembro.
5 – Ao procedimento de mediação desenvolvido nos termos dos n.os 3 e 4 aplica-se o regime da mediação civil e comercial em Portugal com a especificidade prevista no número seguinte.
6 – O mediador pode apresentar propostas de acordo às partes, considerando-se a proposta aceite por todas as partes caso nenhuma delas se oponha à mesma no prazo de três meses.
7 – A proposta e qualquer oposição à mesma são notificadas às partes nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 249.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual.»
CAPÍTULO VI
Disposições transitórias e finais
Artigo 10.º
Disposições transitórias
1 – O regime previsto nos artigos 3.º e 4.º não se aplica aos acordos que estejam em vigor a 7 de junho de 2021 nem aos atos de reprodução necessários à prestação, acesso ou utilização desses serviços acessórios em linha.
2 – Caso os contratos referidos no número anterior se mantenham em vigor a 7 de junho de 2023, passam nessa data a ser regidos pelas disposições previstas nos artigos 3.º e 4.º
3 – As autorizações obtidas para os atos de comunicação ao público abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 8.º que estejam em vigor em 7 de junho de 2021 estão sujeitas ao disposto naquela disposição a partir de 7 de junho de 2025, se caducarem após essa data.
Artigo 11.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 27 de abril de 2023. – Mariana Guimarães Vieira da Silva – Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro – Fernando Medina Maciel Almeida Correia – António José da Costa Silva – Pedro Adão e Silva Cardoso Pereira.
Promulgado em 12 de junho de 2023.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 15 de junho de 2023.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
STA uniformiza jurisprudência relativa à resolução bancária (relevane para os casos BES e BANIF)
Junho 9th, 2023Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2023, de 9 de junho
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2023
Acórdão do STA de 9 de Março de 2023, no Procº n.º 2586/14.3BELSB – 1.ª Secção
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
RELATÓRIO
1 – A… S.a.r.l.; B…, L.P.; C…, Inc.; D…, L.P.; E… Limited; F…, L.P.; G…, L.P.; H…, LLC; I… L.P.; J…, L.P.; K…, S.a.r.L.; L…, L.P.; M…; N…; O…; P… S.a.r.l.; Q… Limited; R…; S… (…), L.P. [doravante AA.], vêm interpôr recurso jurisdicional para este STA, nos termos do disposto no art. 151.º, n.º 1, CPTA, do acórdão proferido pelo TAC de Lisboa [TAC/LSB], em 12.03.2019, na ação administrativa em que peticiona que “a Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014, sobre a aplicação de uma medida de resolução Banco 1…” seja “a) Declarada nula por violar sem habilitação legal válida o conteúdo essencial do direito de propriedade, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA” e “b) Subsidiariamente, anulada por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e boa fé, por força do artigo 135.º do CPA”, sendo que “[c]aso se entenda que a mesma Deliberação tem natureza regulamentar, deve a presente ação ser igualmente julgada procedente, por provada, e consequentemente, ser declarada a ilegalidade dessa Deliberação, desaplicando-a nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA”.
2 – Massa Insolvente da T…, S. A. [doravante A./Massa Insolvente T…, SA], Autora no processo apenso [Proc. n.º 2808/14.0BELSB – no qual se peticiona a declaração de nulidade e/ou anulação das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal (doravante BdP) de 22.07.2014 e de 03.08.2014, bem como de todos os atos consequentes daquelas deliberações] [havia interposto recurso de apelação, nos termos dos arts. 140.º e 149.º do CPTA, para o TCA Sul (TCA/S) tendo posteriormente vindo a aceitar a interposição de recurso de revista, ao abrigo do art. 151.º, n.º 1, CPTA, para este STA] vem interpor recurso para este Tribunal do mesmo acórdão do TAC/LSB.
3 – Foram assim admitidos os 2 recursos por despacho de 17.07.2019 [cf. fls. 8171/8172 dos autos].
4 – As recorrentes apresentaram as suas alegações, cujas conclusões se dão aqui inteiramente reproduzidas.
4.1 – Extrai-se das conclusões das recorrentes referidas em 1:
«1 – Vem o presente recurso de revista do douto Acórdão que julgou a ação administrativa especial identificada totalmente improcedente, com a consequente absolvição da entidade demandada do pedido pela improcedência de todos os fundamentos que davam razão à mesma.
2 – Relativamente à Inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, por violação da reserva da competência legislativa da Assembleia da República ao abrigo do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), decidiu o Tribunal a quo que esta não se verifica uma vez que o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 não afeta o conteúdo essencial do direito de propriedade das autoras.
3 – Não podia estar o Tribunal a quo mais errado.
4 – O artigo 62.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que prevê a proteção do direito da propriedade privada, constitui um exemplo consolidado de direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Ver, a este respeito, JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Direitos Fundamentais -Introdução Geral, Principia, 2007, p. 46.
5 – Por essa razão, a análise levada a cabo pelo Tribunal a quo de distinguir o regime aplicável aos direitos, liberdades e garantias do regime aplicável aos direitos análogos carece de sentido.
6 – Como explica VIEIRA DE ANDRADE “não nos parece que haja razões suficientes para concluir que o artigo 17.º não se refere, em princípio, à globalidade do regime e, pelo contrário, entendemos que a analogia substancial com os direitos, liberdades e garantias justifica que também os direitos abrangidos gozem dos diversos aspectos desse regime, incluindo as garantias da irrevisibilidade e da protecção resultante da reserva de lei formal. Não há obviamente qualquer obstáculo à aplicação do regime, em toda a sua extensão, àqueles direitos que têm assento na Constituição, dentro e mesmo fora do catálogo” JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª edição, Almedina, p. 187.
7 – O artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa dispõe que o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se não só aos direitos enunciados no título II da Constituição como igualmente aos direitos fundamentais de natureza análoga.
8 – Quanto à definição daquilo que será o regime de direitos, liberdades e garantias, não restarão grandes dúvidas, que este será o que resulta dos artigos 18.º; 19.º, n.º 1 e 3; 21.º, 22.º, 165.º, n.º 1, alínea b), 272.º, n.º 3 e 288.º, alínea d) da CRP.
9 – Do conjunto das disposições citadas é possível deduzir os traços estruturais do regime dos direitos, liberdades e garantias sendo que, nesta sede, interessa saber que um desses traços se consubstancia na necessidade de reserva relativa de competência da Assembleia da República para a regulamentação da generalidade destes direitos (165.º, n.º 1, alínea b).
10 – No caso do direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º da CRP, o Tribunal Constitucional tem entendido que “Apesar de o direito de propriedade privada ser um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nem toda a legislação que lhe diga respeito se inscreve na reserva parlamentar atinente a esses direitos, liberdades e garantias. Desta reserva fazem apenas parte as normas relativas à dimensão do direito de propriedade que tiver essa natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias […].
11 – Estes direitos são dotados de um núcleo essencial intocável que, nessa dimensão, se configura como uma verdadeira garantia, pelo que, ao menos no que a esse núcleo se refere, não se vê motivo bastante para nos afastarmos da posição expressa da doutrina quanto à sua qualificação como «direitos análogos» aos «direitos, liberdades e garantias» (.).
12 – Ora, entende o Tribunal Constitucional que cabem necessariamente na reserva da competência legislativa da Assembleia da República, por força das disposições combinadas dos artigos 17.º e 168.º, n.º 1, alínea b), da CR, as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos “direitos análogos”, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a atuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias. Vide, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/91, disponível em http://www.tribunaIconstitucional.pt/tc/acordaos/.
13 – Ora, no que concerne ao direito de propriedade, desse núcleo essencial, dessa dimensão que tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias faz, seguramente, parte o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública – e, ainda assim, tão só mediante o pagamento de justa indemnização (artigo 62.º, n.os 1 e 2, da Constituição)” Vide, a este respeito, Acórdão n.º 377/99 do Tribunal Constitucional de 28 de fevereiro de 2000.
14 – Ainda assim, há que se entender que a natureza análoga diz respeito ao direito, em si mesmo, e não ao núcleo essencial desse direito.
15 – A determinação do núcleo essencial de um direito, liberdade e garantia serve como “válvula de segurança” para a proteção desse direito em face de restrições legais ou de intervenções restritivas, mas não serve para restringir a aplicação por analogia de um regime constitucional específico apenas ao respetivo núcleo essencial. Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, p. 375.
16 – Como diz José Carlos Vieira de Andrade, não há razões “para concluir que o artigo 17.º não se refere, em princípio, à globalidade do regime, e, pelo contrário, (.) a analogia substancial com os direitos, liberdades e garantias justifica que também os direitos abrangidos gozem dos diversos aspectos desse regime, incluindo as garantias da irrevisibilidade e da protecção resultante da reserva de lei formal”, acrescentando, porém, que “a reserva orgânica do Parlamento não é, em si, uma exigência decorrente da determinabilidade dos direitos, mas sim da sua maior proximidade valorativa ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana” (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, págs, 194 e 195).
17 – O Tribunal Constitucional tem mantido uma orientação próxima desta última tese, “fazendo assentar o radical da diferenciação do regime de competências na regulação dos aspetos que contendem com o núcleo essencial dos «direitos análogos», por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a atividade legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias” (formulação do Acórdão n.º 373/91, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) ou, de acordo com algumas concretizações, na regulamentação de aspectos materiais que traduzem “uma garantia de defesa dos cidadãos perante o Estado que é a relação típica de incidência dos clássicos direitos, liberdades e garantias” (cf. Acórdão n.º 78/86, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7.º vol., tomo II, pág. 702) ou que se prendem com a “realização do Homem como pessoa” (cf. Acórdão n.º 517/99).” Vide, Acórdão do Tribunal Constitucional de 4 de fevereiro de 2010, n.º 6212010, Processo n.º 642/09, disponível emhttp://www.tribunalconstitucional.pt/tcacordaos/ 20100062.html.
18 – Certos então de que a aplicação do regime consagrado no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa encontra limitações no que diz respeito ao regime dos direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias como é o caso do direito de propriedade, importa perceber que, in casu, os direitos dos Recorrentes se incluem no núcleo essencial do direito de propriedade, tal como consagrado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.
19 – Neste contexto, é evidente que todas as alterações normativas ocorridas no RGICSF (doravante Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) em resultado do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto são inconstitucionais na medida em que a sua base legal não goza da necessária autorização legislativa.
20 – Isto porque, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, as mesmas violam o núcleo essencial do direito de propriedade dos Recorrentes enquanto direito de crédito.
21 – Ora, quer a doutrina, quer a jurisprudência constitucional, que consideram extensível o regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias aos direitos fundamentais análogos têm tido o cuidado de salientar que essa extensão só se justifica quando estejam em causa “intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos «direitos análogos», por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a atividade legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias” (formulação do citado Acórdão n.º 373/91)” Acórdão do Tribunal Constitucional 374/03, Processo n.º 480/98, disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030374.html.
22 – Destarte, a bem do raciocínio jurídico, atente-se nas alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, nos artigos 145.º-B, 145.º-F, 145.º-H, 145,º-I, 153.º-M, 155.º e 211.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
23 – Antes do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, o mecanismo de resolução bancária já existia na ordem jurídica Portuguesa e o artigo 145.º-B já previa que os credores e acionistas fossem os principais intervenientes a arcar com os prejuízos da mesma.
24 – Todavia, o artigo 145.º-B, nesta nova redação, veio prever, com maior detalhe, em que medida estas perdas se verificavam consagrando, inclusive, a correspondente indemnização a ser paga aos credores no caso de se determinar um valor de recuperação em caso de liquidação. Referimo-nos ao princípio “no creditor worse off” que, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, integra o núcleo essencial do direito de propriedade dos Recorrentes.
25 – Na verdade, é este princípio que irá estabelecer o parâmetro de determinação da justeza do ato de resolução bancária.
26 – O princípio dispõe que caso se verifique no encerramento da liquidação da instituição objeto de resolução que os seus credores, cujos créditos não foram transferidos para o banco de transição, assumiriam um prejuízo menor em caso de liquidação total da instituição, os mesmos devem ser indemnizados na medida dessa diferença.
27 – Este princípio tem na sua base a proteção do direito de propriedade dos credores sobre os seus créditos estabelecendo, de acordo com a própria legislação europeia e nacional, que em caso de lesão superior à que existiria em caso de liquidação, e deixando a mesma de ser por isso justificada, tem de haver lugar a indemnização.
28 – E esta compensação, que preenche o princípio “no creditor worse off”, integra o núcleo essencial do direito de propriedade dos Recorrentes enquanto titulares de um direito de crédito pois da mesma pode depender a satisfação parcial do referido.
29 – De acordo com o artigo 62.º da CRP, o artigo 1.º do Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, qualquer pessoa tem o direito ao gozo dos seus bens sendo que ninguém pode ser privado do que é a sua propriedade a não ser por utilidade pública, nas condições previstas pela lei e mediante o pagamento de uma justa compensação pela sua perda.
30 – Significa isto que qualquer interferência no gozo do direito de propriedade do cidadão deve respeitar não só as exigências do interesse público em questão como igualmente a natureza fundamental do direito individual em causa.
31 – Os instrumentos de resolução só deverão, por conseguinte, ser aplicados às instituições que estejam em situação ou em risco de insolvência e apenas quando tal for necessário para a prossecução do objetivo de estabilidade financeira no interesse geral.
32 – Em particular, os instrumentos de resolução só deverão ser aplicados quando a instituição não puder ser liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência sem destabilizar o sistema financeiro, quando as medidas forem necessárias para assegurar a rápida transferência e a continuidade das funções de importância sistémica e quando não existir nenhuma perspetiva razoável de uma solução privada alternativa, nomeadamente um aumento de capital pelos acionistas ou por terceiros que seja suficiente para repor integralmente a viabilidade da instituição.
33 – Além disso, ao aplicarem os instrumentos de resolução e exercerem os poderes de resolução, deverão ser tidos em conta o princípio da proporcionalidade e as particularidades da forma jurídica da instituição. (Considerando 49 da Diretiva 2014/59/UE, de 13 de maio de 2014).
34 – No que concerne às perdas dos títulos de crédito dos acionistas e demais credores, o legislador Europeu entendeu que a aplicação do princípio “no creditor worse off” preencheria a necessidade de uma justa compensação em virtude da prática de um ato ablativo do seu direito de propriedade. Prof. Mr. V. P. G. de Seriêre e Mr. D. M. Van der Houwen, “No Creditor Worse 0ff”, iii Case of Bank Resolution: Food for Litigation, Journal of International Banking Law and Regulation, Issue 7, 2016.
35 – Por essa razão não pode proceder o argumento de que o Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto não carecia de autorização legislativa, ao abrigo do artigo 165.º, n.º 1, alínea a), porque não contém normativos que afetam o conteúdo essencial do direito de propriedade dos Recorrentes.
36 – O princípio do “no creditor worse off” tem na sua génese a necessidade de salvaguardar o conteúdo essencial do direito de propriedade face a um ato ablativo como o da resolução. Porque se pode ser argumentado que os Recorrentes, enquanto investidores, conheciam os riscos de adquirir títulos como é o caso das obrigações subordinadas, igualmente pode ser dito que não é por essa razão que estes devem perder a totalidade do seu investimento porque a empresa onde investiram tem de ser alvo de uma medida de resolução ao invés de um normal processo de insolvência.
37 – É no carácter excessivo da perda da sua propriedade proveniente da resolução quando comparada com a insolvência que nasce a necessidade do princípio “no creditor worse off” e, nessa medida, é claro que a autorização legislativa era necessária.
38 – Ademais, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, o mecanismo de resolução já tinha previsão na legislação portuguesa.
39 – O Decreto-Lei n.º 31-A/2012 veio alterar profundamente o Título VIII do RGICSF introduzindo o regime da resolução bancária e, repare-se, que esta alteração foi precedida da competente Lei de Autorização Legislativa n.º 58/2011.
40 – Sucede que este ato legislativo, como já tivemos oportunidade de constatar, não tinha na sua previsão o princípio do “no creditor worse off” e, ao contrário do que o Tribunal a quo parece entender, este não foi uma mera formalidade.
41 – Repare-se que sem a consagração deste princípio sempre se aplicariam as normas gerais do direito de propriedade.
42 – Desde logo, a CRP prevê, no seu artigo 62.º, que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte sendo que a requisição e expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização.
43 – Se o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 de 1 de agosto, com a sua previsão especial, não tivesse entrado em vigor, a medida de resolução teria sido igualmente aplicada e os Recorrentes privados dos seus títulos.
44 – Não obstante, teriam, por essa razão, direito a uma indemnização justa e equitativa sendo que a consagração do princípio “no creditor worse off” veio balizar a compensação de acionistas e credores.
45 – Algo que, ao abrigo do regime anterior não acontecia, já que lhe seriam sempre aplicadas as regras gerais do direito de propriedade.
46 – Se fosse proferido decreto-lei não autorizado a determinar que os proprietários que se vissem expropriados dos seus imóveis apenas teriam direito a uma indemnização correspondente a 45 % do valor do terreno, este seria claramente inconstitucional. No entanto, não foi este diploma que instituiu o regime de expropriação.
47 – No seu Acórdão n.º 166/2010, o Tribunal Constitucional veio julgar inconstitucional, por violação do artigo 2.º da CRP, um conjunto de disposições conjugadas do Código de Procedimento e Processo Tributário e do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de “dispensar a audição dos credores providos com garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a adjudicação consequente “.
48 – Confirmando que os direitos de crédito dos acionistas e credores da instituição alvo de resolução, Banco 1…, S. A., merecem a total proteção da ordem jurídica e em especial da Constituição da República Portuguesa.
49 – A situação que mereceu a pronúncia do Tribunal Constitucional tem em comum com a causa aqui em análise o facto de estarem em causa direitos de natureza creditícia: de um lado, estão credores comuns do executado, providos de garantia real; do outro lado, estão obrigacionistas, adquirentes da denominada dívida subordinada do banco resolvido, titulada por instrumentos aprovados pelo Banco de Portugal.
50 – Em qualquer das circunstâncias, como sublinha o Tribunal Constitucional, não está em questão “o direito de crédito em si mesmo considerado, mas tão-somente o direito do credor à satisfação do seu crédito, direito que se traduz na possibilidade de exigir, em caso de inadimplência, a realização ativa do crédito à custa do património do devedor. “
51 – Significa isto que, no domínio da apreciação da necessidade de uma lei de autorização legislativa precedente do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 de 1 de agosto, estamos perante um direito de propriedade cujo conteúdo essencial foi afetado, desde logo pela alteração à norma contida no artigo 145.º-B do RGICSF.
52 – Outra alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014 diz respeito ao conteúdo do artigo 145.º-F do RGICSF.
53 – O mesmo traz matéria nova à colação na medida em que prevê a forma como os ativos e outros direitos são transferidos da instituição de crédito objeto de resolução para a esfera da nova entidade responsável pela sua gestão.
54 – De igual forma, vem prever que, em caso de necessidade de apoio financeiro por parte do Fundo de Resolução, do Fundo de Garantia de Depósitos e do Fundo de Garantia de Crédito Agrícola, estes serão naturalmente credores da instituição objeto de resolução.
55 – Outra alteração levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, foi a do conteúdo do artigo 145.ºH.
56 – A anterior redação do n.º 4 do artigo 145.º-H obrigava a que, antes da aplicação da medida de resolução, fosse efetuada uma avaliação independente aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão existente na esfera da entidade objeto de resolução.
57 – Por sua vez, a nova redação veio relacionar este artigo com o princípio do “no creditor worse off” dispondo, precisamente, que essa avaliação deve, desde logo, incluir uma estimativa do nível de recuperação de créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade dos credores num cenário de liquidação.
58 – Uma vez mais, o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 veio prever, desta vez um procedimento, que servirá o preenchimento das garantias necessárias de proteção do direito de propriedade dos credores da instituição objeto de resolução.
59 – Este procedimento de avaliação permitirá aferir, numa primeira fase, se há ou não lugar ao pagamento de compensações aos titulares de direitos de natureza creditícia contra a entidade resolvida.
60 – Nessa medida, o diploma legislativo em análise contém, mais uma vez, matéria nova pois sem a realização desta avaliação, nos termos previstos, seria difícil dar cumprimento ao princípio “no creditor worse off’ não sendo provido de razão o entendimento do Tribunal a quo quando decide “não relevam nos presentes autos, na medida em que extravasam o seu objeto, as alterações operadas aos artigos 145.º-I e 153.º-M, bem como aos números 7, 9 e 17 do artigo 145.º-F, e ao n.º 6 do artigo 145.º-H do RGICSF, visto que se reportam a uma fase posterior à da decisão de aplicação da medida de resolução e que, ainda que com ela se relacionem, não constituem normas-fundamento daquela ou que hajam determinado o seu conteúdo possível e efeitos imediatos.
61 – Assim, ressaltam como principais alterações ao anterior regime resultante do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, as seguintes:
– O artigo 145.º-B, n.º 1, alíneas a) e b) que vêm introduzir na ordem jurídica portuguesa, especificamente, no modo como deve a resolução bancária operar, o princípio “no creditor worse off’;
– O artigo 145.º-F, n.os 6, 7, 9, 17 e 19 que vêm prever, entre outras, a necessidade de ser efetuada uma avaliação à entidade objeto de resolução antes da mesma operar estimando-se, desde logo, o nível de recuperação de créditos de cada classe de credores em situação de liquidação por forma, precisamente, a ser executado o princípio “no creditor worse off”;
– O artigo 145.º-H, n.º 2, alínea a) que vem igualmente determinar a necessidade de uma avaliação à entidade objeto de resolução que estime o nível de recuperação de créditos por parte dos credores em situação de liquidação para que possa ter aplicação o já aludido princípio “no creditor worse off”.
62 – Pelo que acima se encontra devidamente explicitado, as alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto aos artigos 145.º-F e 145.º-H são igualmente importantes não só porque dão execução ao princípio “no creditor worse off” mas igualmente porque impõem a necessidade de se salvaguardar os direitos de propriedade dos credores do banco resolvido.
63 – Não podem os Recorrentes concordar com a decisão a quo em toda a sua fundamentação para justificar a desnecessidade de uma lei de autorização legislativa ao abrigo do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
64 – Com efeito, o diploma legislativo emanado pelo Governo invade, de forma clara e expressa, a esfera de competência legislativa do Parlamento na medida em que contém preceitos que afetam o conteúdo essencial do direito de propriedade dos ora recorrentes, titulares de obrigações subordinadas emitidas pela Entidade alvo de resolução.
65 – Mas não é só por conter normativos que incidem sobre o conteúdo essencial do direito de propriedade – direito de natureza análogas aos direitos, liberdades e garantias – que o Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto carecia de autorização legislativa.
66 – A necessidade identificada existe igualmente, ao abrigo do artigo 165.º, n.º 1 alínea I) da CRP porque o referido diploma legislativo contém normas que representam uma intervenção sobre os meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção, bem como nos critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações.
67 – O artigo 165.º, n.º 1, alínea I) é claro ao prever que a apropriação pública de meios de produção alheios, por ato de autoridade, impõe um direito a indemnização determinando, a este respeito, que compete à lei definir os critérios de fixação de indemnizações.
68 – A inclusão dos direitos de crédito na garantia constitucional da propriedade privada é consensual, sendo há muito sustentada pela mais autorizada doutrina dos países que integram o nosso espaço civilizacional; já em 1923 defendia Martin Wolf que tal garantia fazia impender sobre os poderes públicos uma obrigação de indemnização, em caso de privação de tais direitos: “efetivamente, todo o equilíbrio das garantias constitucionais se perderia se os órgãos públicos não pudessem atingir a propriedade de coisas, mas pudessem livremente apropriar-se de ações, créditos ou outros bens, sem que isso representasse qualquer agravo à Constituição”. Vide, Reichsverfassung und Eigentum, in «Festgabe für Wilhelm Kahl», Tübingen, 1923, pp. 2-29, apud OLIVEIRA ASCENSÃO, A violação da garantia constitucional de propriedade por disposição retroativa, in «Revista dos Tribunais», ano 91, n.os 1883, 1884 e 1885, Jul., Out. e Nov. 1971, p. 16.
69 – Segundo o n.º 2 do art. 62.º da CRP, “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
70 – Assim, caso os poderes públicos se vejam obrigados, por razões de interesse ou utilidade pública, a proceder ao legítimo sacrifício de direitos patrimoniais privados, nomeadamente através de atos administrativos que operem a privação provisória ou definitiva dos mesmos, a garantia da propriedade converte-se em regra numa garantia de valor do objeto do direito sacrificado. Vide, JOÃO PACHECO DE AMORIM, Direito de Propriedade Privada e Garantia Constitucional da Propriedade de Meios de Produção in Boletim de Ciências Económicas, Volume LVII, Tomo 1 (2014), 225-304.
71 – Para além de terem que se fundar em razões bastantes de interesse geral e, em regra, da concomitante garantia de compensação, os atos de privação da propriedade apenas poderão ser praticados com base em lei que regule a respetiva emissão, designadamente com observância da competência e com adoção da forma e do procedimento legalmente definidos: reconhece desta forma o n.º 2 do art. 62.º “um sistema de garantias que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização” GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. 4.ª Edição, 2014, página 807.
72 – A razão de ser desta garantia é evidente: trata-se, por elementares razões de justiça, de assegurar a repartição por toda a comunidade (aqui representada pela entidade requisitante ou expropriante) do custo da apropriação de um bem que a todos irá beneficiar, não fazendo recair esse sacrifício apenas sobre o titular do bem requisitado ou expropriado.
73 – Pode ainda acrescentar-se, nas palavras do Tribunal Constitucional que “se a norma em questão for qualificada como configurando uma “desapropriação” ou de “expropriação” (decerto, por utilidade particular) – por o exercício da faculdade nela prevista redundar num efeito “ablativo” da propriedade -, dificilmente se negará que o instituto ora em causa toca em cheio a “garantia” constitucional da propriedade privada.” Vide, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 491/02, Processo n.º 310/99, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
74 – Ora, a consagração de uma regra que determina que os credores de uma entidade objeto de resolução, como é o caso dos Recorrentes, não podem ficar mais prejudicados do que o que seriam em caso de liquidação dessa mesma entidade devendo, nessa medida, ser compensados vem dar resposta ao supra exposto.
75 – A verdade é que em caso de resolução bancária, os principais sacrificados são, indubitavelmente, os acionistas e credores do banco.
76 – No caso concreto, a resolução do Banco 1…, S. A., mesmo que, teoricamente, devidamente justificada teve por consequência a perda total dos ativos dos seus acionistas e credores, como é o caso dos ora recorrentes.
77 – Se numa expropriação, o sacrifício deve ser dividido pela comunidade através do pagamento de uma compensação justa, porque é que numa resolução, o sacrifício cai totalmente sobre os titulares dos direitos de crédito sobre a instituição resolvida?
78 – O Tribunal a quo falhou, redondamente, em compreender a dimensão de um princípio como o “no creditor worse off” que não se limita a esclarecer o conteúdo das normas do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 1 de fevereiro, mas antes dá cumprimento a normas constitucionais que versam sobre o conteúdo essencial do direito de propriedade e sobre os meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção por motivos de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações.
79 – Se nada mais se quiser considerar, é, pelo menos, inegável que o n.º 3 do artigo 145.º-B fixa um critério de indemnização aos credores da instituição resolvida: não podem estes ser indemnizados em valor superior ao que receberiam se a instituição resolvida fosse, ao invés, alvo de um procedimento de liquidação.
80 – Por isso não se venha argumentar que o Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, não dispõe de forma significativa e com o objetivo de alterar a ordem jurídica vigente não sendo, por isso, relevante ao ponto de se verificar uma invasão da competência legislativa da Assembleia da República.
81 – Desde logo, antes desta alteração legislativa, os demais credores de uma instituição objeto de resolução tinham direito a ser indemnizados pelo ato de expropriação dos seus ativos não encontrando essa indemnização os limites consagrados pelo artigo 145.º-B, conforme alteração levada a cabo em 2014.
82 – Este limite à indemnização devida aos credores pelo ato de expropriação que determina que o valor dos seus ativos deve ser aquilo existente em caso de liquidação constrange, de forma expressiva, o seu direito de propriedade face ao regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro (aprovado no uso da autorização legislativa).
83 – Não se diga igualmente que o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 veio, meramente, transpor a Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio.
84 – Precisamente por se tratar da transposição de uma Diretiva cujo busílis se traduz na fixação de um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento, a autorização legislativa deveria ser, por si só, evidente.
85 – O Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto carecia de autorização legislativa para ser emanado. Para além do acima explicado, a favor de tal entendimento está a própria génese da criação do mecanismo de resolução em Portugal.
86 – Veja-se que o Título VIII do RGICSF, antes do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, havia sido já profundamente alterado, por via do Decreto-Lei n.º 31-A/2012 que foi, na verdade, o diploma que veio introduzir o mecanismo de resolução na ordem jurídica portuguesa. Ao contrário do segundo, este decreto-lei foi, efetivamente, precedido de um ato de autorização legislativa, a Lei n.º 58/2011.
87 – Como explicou o próprio Tribunal a quo, “Recuando no tempo, verifica-se que o ordenamento jurídico português, até 1992, bastava-se com um parco e anacrónico regime específico de liquidação das instituições de crédito, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 30689, de 27 de agosto de 1940, sem quaisquer normas relativas a saneamento e recuperação dessas mesmas instituições, as quais vieram a ser consagradas no RGICSF. Efetivamente, apenas em 1993, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), foram contempladas normas relativas ao saneamento, conforme resulta do Título VIII artigos 139.º e seguintes, do referido regime.”
88 – Repare-se que já em 1992, essas normas foram precedidas de uma Lei de Autorização Legislativa, a Lei n.º 9/92, de 3 de julho que “Autoriza o Governo a reformular o quadro jurídico do sistema financeiro (bancário e parabancário).”
89 – Esta autorização foi emitida “nos termos do artigo 164.º, alínea e), 168.º, n.º 1, alíneas c) e d)” a que correspondia a “Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal” e o “regime geral de punição das infrações disciplinares, bem como dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo”, e 169.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, na redação resultante da segunda revisão constitucional.
90 – Com base na referida lei de autorização legislativa, mais especificamente no artigo 5.º, ficou o “Governo autorizado a prever a intervenção temporária do Banco de Portugal nas instituições de crédito, nas sociedades financeiras e nas empresas que, sem autorização, pratiquem operações reservadas àquelas instituições ou sociedades, no âmbito de um regime que, em substituição do que atualmente consta do Decreto-Lei n.º 30689, de 27 de agosto de 1940, e do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 24/86, de 18 de fevereiro”.
91 – No que refere à extensão de tal intervenção, o artigo 6.º da mesma lei veio fixar que “sempre que numa instituição de crédito ou numa sociedade financeira se verifique uma situação de desequilíbrio financeiro traduzido, designadamente, na redução dos fundos próprios a um nível inferior ao mínimo legal ou na inobservância dos rácios de solvabilidade ou de liquidez o Banco de Portugal pode exigir a elaboração de um plano de recuperação e saneamento financeiro a submeter pela instituição ou sociedade financeira à sua aprovação e pode ainda determinar a aplicação de medidas de recuperação (.)”.
92 – Do descrito resulta que o legislador parlamentar sempre autorizou o governo a legislar, nos domínios da sua reserva relativa de competência legislativa, sobre as matérias relativas ao saneamento e recuperação das instituições de crédito.
93 – O mesmo veio a suceder aquando da Lei n.º 58/2011 que concedeu ao Governo ‘autorização legislativa para estabelecer mecanismos de intervenção preventiva e corretiva, para criar uma fase de administração provisória e para definir os termos e a competência para a resolução e liquidação pré-judicial de instituições sujeitas à supervisão do Banco de Portugal doravante abreviadamente designadas por instituições, bem como para regular outros aspetos relacionados com o processo de liquidação das mesmas.”
94 – Até 2014, todas alterações legislativas levadas a cabo pelo Governo ao regime de saneamento, recuperação e resolução de bancos e instituições de crédito foram precedidas por uma lei de autorização legislativa.
95 – Isto porque estas matérias sempre foram percecionadas como se encontrando no domínio da competência legislativa concorrencial consagrada no artigo 165.º e 161.º da Constituição da República Portuguesa.
96 – Chegados ao Decreto-Lei n.º 114-A/2014, a requerida autorização legislativa deixa de ser necessária, sem mais.
97 – Por tudo o que de mais foi dito, devem as presentes alegações de inconstitucionalidade orgânico-formal do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea a) e l) da Constituição da República Portuguesa, proceder não podendo, por conseguinte, os Recorrentes concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
98 – Entendem os Recorrentes, de forma subsidiária ao alegado quanto à inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, que as normas dos n.os 2 e 3 do artigo 145.º-H do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, violam o sentido da lei de autorização legislativa, tal como resulta no n.º 11 do artigo 5.º da Lei n.º 58/2011, na medida em que o Governo restringiu as amplas prerrogativas de apreciação e decisão que a lei de autorização queria ver conferidas ao Banco de Portugal, e determinou, inovatoriamente, sem apoio na lei parlamentar de autorização, a permanência na esfera jurídica da instituição intervencionada das posições passivas correspondentes aos direitos dos acionistas e seus familiares, aos direitos dos titulares dos órgãos de administração ou fiscalização, aos direitos dos titulares de obrigações subordinadas e aos direitos dos pretensos responsáveis pelo estado da instituição, tendo o Governo ultrapassado os limites materiais da credencial parlamentar, exercendo competências legislativas que desrespeitam os limites da habilitação conferida pela Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 2, padecendo aquelas normas da ilegalidade qualificada, por violação de lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 2 da CRP.
99 – Ora, com efeito, a autorização parlamentar concedida através da Lei n.º 58/2011 estabeleceu na generalidade dos aspetos uma longa e minuciosa teia de vínculos ao subsequente diploma governamental, definindo com pormenor não apenas o objeto e a extensão, mas também o sentido da autorização legislativa concedida.
100 – A prescrição do sentido da autorização conferida ao Governo constitui um elemento indispensável da lei habilitadora, conforme resulta expressamente do n.º 2 do art. 165.º da Constituição que dispõe, a este respeito, que as “leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. “
101 – A relevância do sentido da autorização é dupla:
a) Por um lado, e na perspetiva do Governo, representa o parâmetro e a medida da delegação, pelos quais será aferido o decreto-lei autorizado, uma vez que este exerce uma competência condicionada, derivada e mediata;
b) Por outro lado, e na perspetiva dos cidadãos, possibilita o conhecimento das modificações que serão introduzidas no ordenamento jurídico.
Vide, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 414/96, 611/2003, 311/2007 e 340/2008, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
102 – In casu, repare-se que no que diz respeito à matéria de resolução bancária, a Lei n.º 58/2011 especifica ao longo de dezassete pontos, no seu artigo 5.º, a forma como deve a mesma deve ser legislada.
103 – Tão específica é a previsão do artigo acima transcrito que olhando para o RGICSF, alterado pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, não é difícil encontrar a correspondência com a Lei n.º 58/2011.
104 – Compulsadas as numerosas alíneas do n.º 11 desse art. 5.º da lei de autorização, facilmente se conclui que o artigo 145.º-H vai muito além do que autorização legislativa permite.
105 – A lei de autorização e decreto-lei autorizado estão em sintonia na atribuição do Banco de Portugal do poder de selecionar os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que são objeto de transferência da instituição intervencionada para o banco de transição e vice-versa.
106 – Todavia, a sintonia entre os dois atos legislativos desaparece no âmbito desse poder, ou seja, quanto aos limites que são ou não são estabelecidos às prerrogativas do Banco de Portugal de selecionar o que passa e não passa para o banco de transição.
107 – Por seu lado, a lei de autorização impõe ao Governo que delimite tais poderes apenas em termos muito genéricos, deixando a cargo do Banco de Portugal uma vastíssima competência, balizada apenas pela diretiva estabelecida no n.º 2 do art. 5.º: “Fica o Governo autorizado a determinar que, no âmbito da aplicação de qualquer medida de resolução, o Banco de Portugal procura assegurar que os acionistas e os credores das instituições assumem prioritariamente os prejuízos em causa, de acordo com a respetiva hierarquia, com exceção dos depósitos garantidos nos termos dos artigos 164.º e 166.º do RGICS. “
108 – Em contrapartida, o Governo multiplicou no Decreto-Lei n.º 31-A/2012 as restrições aos poderes do Banco de Portugal e – mais – dotou-as de um carácter taxativo e perentório, conforme resulta dos n.os 2 e 3 do art. 145.º-H.
109 – Os direitos dos acionistas; os direitos dos titulares dos órgãos de administração ou de fiscalização da instituição intervencionada e de outras que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo; os direitos dos ex-acionistas ou ex-membros dos órgãos de administração ou de fiscalização que tenham responsabilidade nas dificuldades da instituição intervencionada ou no seu agravamento; os direitos dos familiares das pessoas acima referidas que atuem por conta destas; os direitos das pessoas relacionadas com a instituição intervencionada que, no entender do Banco de Portugal, estejam na origem das dificuldades desta intervencionada ou contribuído para o seu agravamento, continuam obrigatoriamente, por força do decreto-lei, a ter como contraparte o “banco mau”, estando taxativamente vedado ao Banco de Portugal transferir as obrigações correspondentes para o “banco bom”.
110 – Compressão não menos significativa aos poderes discricionários que a lei de autorização queria ver atribuídos ao Banco de Portugal refere-se aos direitos dos obrigacionistas, como é o caso dos aqui Recorrentes, quando os instrumentos de que sejam titulares tenham sido utilizados no cômputo dos fundos próprios da instituição: mais uma vez, o Banco de Portugal fica proibido de transferir para o banco de transição as obrigações assumidas perante esta importante categoria de credores – com todas as consequências lesivas que isso acarreta no plano da sua consistência jurídico-económica.
111 – Onde a Lei n.º 58/2011 se limitava a balizar muito genericamente os poderes discricionários do Banco de Portugal, através de uma diretiva para que procurasse colocar os prejuízos da intervenção prioritariamente sobre acionistas e obrigacionistas, o Decreto-Lei n.º 31-A/2012 veio restringir significativamente tais poderes, proibindo de forma taxativa o Banco de Portugal de operar a transferência para o “banco bom” das obrigações correspondentes, grosso modo, aos direitos dos acionistas e dos titulares de obrigações subordinadas.
112 – A leitura da Lei n.º 58/2011, de 28 de novembro, que serviu de habilitação ou autorização para o Governo emanar o Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, regulando a competência do Banco de Portugal em proceder à transferência de património para o banco de transição, sujeita-a a avaliação e permite a sua reversão do banco de transição para as instituições originárias. Em nenhuma disposição, porém, define a lei de autorização legislativa um quadro de bens insuscetíveis, à partida, de serem transferidos para o banco de transição, nem confere ao Governo a necessária habilitação para o fazer.
113 – Ademais, a faculdade que o Banco de Portugal goza de poder reverter uma transferência feita para a instituição de crédito originária parece mesmo indiciar que não existem bens excluídos de transferência e, muito menos, que essa exclusão se faça em função das pessoas que detêm a sua titularidade.
114 – Torna-se, por isso, claro que ao contrário que foi decidido pelo Tribunal a quo, a criação de um elenco abstrato de bens excluídos de transferência para o banco de transição viola o sentido da autorização legislativa. Em boa verdade, tal poder contraria o disposto no supramencionado artigo 5.º que obriga a uma avaliação aos bens a transferir para o banco de transição.
115 – A solução consagrada no Decreto-Lei n.º 31-A/2012 que altera o disposto no artigo 145.º-H, n.º 2 não se alicerça em nada mais do que uma ideia de sancionar ou punir um conjunto determinado de pessoas.
116 – Não se impede a transferência de património nocivo para o banco de transição. Impede-se, sim, a transferência do património de certas categorias de pessoas, independentemente do mesmo ser ou não nocivo.
117 – Tal previsão normativa, além de invadir a reserva da lei parlamentar, tem um motivo principalmente determinante que, assumindo uma natureza sancionatória ou punitiva, não corresponde, de todo, ao fim que o Direito da União Europeia tem em vista ao diferenciar ou selecionar entre bens transferíveis e bens não transferíveis do banco intervencionado para o banco de transição.
118 – Parece claro que ao consagrar este regime de proibição taxativa, o Governo legislador foi para além do autorizado pela Assembleia da República restringindo, precisamente, a discricionariedade que deveria ser atribuída ao Banco de Portugal, entidade de resolução. De resto, este é o entendimento do próprio Tribunal a quo que reconhece, no Douto Acórdão, que a Lei n.º 58/2011, encerra, em si mesma, nas normas supra descritas, uma autorização ao Governo para atribuir amplos poderes discricionários de seleção de ativos e passivos ao Banco de Portugal, ao abrigo do artigo 5.º, n.os 1 e 11.
119 – O que o Tribunal a quo pareceu não compreender foi que o artigo 145.º-H do RGICSF, alterado pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, retira, precisamente, discricionariedade ao Banco de Portugal ao determinar, sem mais, que uma categoria de pessoas não possa ver os seus ativos transferidos para o património do banco de transição.
120 – Concluindo, o Tribunal a quo não interpretou corretamente o direito aplicável ao tema da alteração do sentido da lei de autorização que, em rigor, não habilita o Decreto-Lei n.º 31-A/2012, na parte em que altera o artigo 145.º-H do RGICSF.
121 – Por essa razão, não podem os Recorrentes concordar com o Douto Acórdão sendo, para estes, claro que as normas dos n.os 2 e 3 do art. 145.º-H do RGICSF, aditadas pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, desrespeitam a prescrição de sentido constante da autorização conferida pelo art. 5.º, n.os 2 e 11, da Lei n.º 8/2011, padecendo, por isso, de inconstitucionalidade orgânica – ou, caso se prefira, de ilegalidade qualificada, por violação de lei de valor reforçado.
122 – Para além das invalidades supramencionadas, os Recorrentes alegam, igualmente, que as normas do n.º 1 do art. 145.º-H e dos n.os 1 e 5 do art. 145.º-H do RGICSF, aditadas pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, são inconstitucionais por violação do princípio da reserva de lei.
123 – Também, nesta sede, decidiu maI o Tribunal a quo quando concluiu que, nas normas invocadas, não foi violada qualquer reserva de lei, nem mesmo o estatuto constitucional do Governo, porquanto as mesmas representam não uma substituição do Governo por parte do Banco de Portugal, mas sim a consagração da necessária e justificada discricionariedade administrativa, bem como a observância do princípio da separação de poderes constitucionalmente previsto.
124 – As normas do n.º 1 do art. 145.º-G e dos n.os 1 e 5 do art. 145.º-H do RGICSF, aditadas pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, permitem ao Banco de Portugal selecionar e transferir do banco intervencionado para o banco de transição, e vice-versa, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, segundo os seus próprios critérios. Isto é, compete, exclusivamente, ao Banco de Portugal, determinar o que deve continuar na esfera do banco resolvido e o que deve integrar o património do banco de transição.
125 – Ora, inegavelmente, a seleção de tais responsabilidades pelo Banco de Portugal, segundo a habilitação conferida pela Lei n.º 58/2011, de 28 de novembro, aparece como uma verdadeira “norma legal em branco”. Cfr. PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, 2017, Almedina, pp. 893 e seguintes.
126 – Desde logo remete-se, para uma entidade administrativa uma decisão em concreto sem, todavia, definir quaisquer critérios de conformação aplicativa ou paramétricos que a orientem ou limitem. Há aqui a atribuição de um poder genérico, livre de quaisquer critérios normativos vinculativos num domínio que, como já referimos, contende com direitos privados de conteúdo patrimonial e que são objeto de tutela constitucional através da garantia do direito fundamental da propriedade privada.
127 – Não está aqui em causa a atribuição de mero poder discricionário, ao contrário do que parece entender o Tribunal a quo, mas sim a atribuição de poder ilimitado de decisão – pura arbitrariedade. Contesta-se, neste sentido, que uma tal competência de natureza administrativa possa ser conferida sem que o legislador defina parâmetros normativos para o seu exercício.
128 – Ato contínuo, o legislador remete para o próprio Banco de Portugal a definição dos critérios normativos que regularam a transferência de patrimónios entre entidade resolvida e entidade de transição. Isto sem ter em atenção que estamos num domínio material que envolve a suscetibilidade de lesar direitos privados de conteúdo patrimonial e, nesse sentido, objeto de tutela ao abrigo da garantia constitucional do direito de propriedade privada.
129 – Por tudo o que acima foi exposto, estamos, no que a esta matéria diz respeito, a falar de um ato que, no mínimo, é ablativo do direito de propriedade da entidade objeto de resolução, dos seus acionistas e credores.
130 – Como acima tivemos a oportunidade de expor, o direito de propriedade é um direito fundamental que goza de proteção constitucional sendo-lhe aplicável, ao abrigo do artigo 17.º da Constituição, o regime dos direitos liberdades e garantias.
131 – Por conseguinte, também aqui teria sempre aplicação o artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e 1 da Constituição da República Portuguesa integrando tal matéria o âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
132 – E aqui, reside, mais uma vez, uma invalidade digna de nota, mas que foi desconsiderada pelo Tribunal a quo. É que a Lei n.º 58/2011, de 28 de novembro, não habilita o Governo a legislar sobre os critérios normativos de seleção dos bens a transferir para o banco de transição, nem sobre os critérios passíveis de permitir a sua reversão para a entidade objeto de resolução.
133 – Ademais, integrando a matéria em causa a competência legislativa de reserva relativa da Assembleia da República, deve entender-se que, por esse feito, se insere, automaticamente, no domínio da reserva de lei.
134 – E a essa mesma conclusão se chegaria por força do artigo 18.º, n.os 2 e 3 da Constituição, impondo-se, assim, que as restrições a direitos fundamentais sejam efetuadas através de ato legislativo.
135 – Atente-se que ao abrigo do artigo 145.º-H do RGICSF, alterado pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, o direito de propriedade da entidade objeto de resolução, acionistas e demais credores esvazia o seu conteúdo através da produção de um simples ato administrativo.
136 – Não se exige Lei, nem sequer decreto-lei, mas apenas um ato administrativo.
137 – A atribuição ao Banco de Portugal do poder de estabelecer critérios normativos para a seleção e transferência de ativos e passivos defronta-se com uma objeção grave, a saber, a impossibilidade constitucional de confiar a um órgão da Administração, competência normativa primária sobre matérias que afetam direitos dos particulares objeto de uma tutela jus fundamental.
138 – Como é sabido, a intervenção normativa da Administração sobre estas matérias tem de limitar-se a regulamentos de execução, na sequência de uma intervenção primária do legislador estabelecendo as regras aplicáveis.
139 – No caso, não está em causa apenas a obrigatoriedade da intervenção legislativa, mas também sobretudo o grau de determinação do conteúdo da intervenção legislativa organizadora ou prestadora, ou seja, a sua vinculação; Vide, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 793/2013 publicado no Diário da República n.º 238/2013, Série I de 2013-12-09, pp. 6710 -6735.
140 – Acontece que o Decreto-Lei n.º 31-A/2012, como já referido, não define nenhum quadro normativo primário nem densifica os termos da atuação do Banco de Portugal nesta matéria. Ao invés, confere-lhe carta branca para dispor sobre o património de entidades privadas como melhor lhe aprouver.
141 – A existência de uma matéria integrante da reserva de lei determina a insusceptibilidade de, em termos de regulação primária ou a “título principal”, a Administração Pública exercer uma competência regulamentar – JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, V, 4.ª ed., Coimbra, 2010, p. 217.
142 – Assim, não pode o Banco de Portugal fixar, neste domínio, por via regulamentar, os critérios normativos de seleção dos bens a transferir, nem os critérios da sua reversão para a instituição objeto de resolução, sem um mínimo de densificação legislativa primária.
143 – Nem pode o legislador conferir ao Banco de Portugal essa competência normativa, renunciando, por essa via, a um grau de intervenção reguladora reservada à lei.
144 – Estando em causa o exercício de uma competência que envolve a lesão de direitos sociais de conteúdo patrimonial, a autoridade administrativa não pode exercer os inerentes poderes ablativos ou agressivos sem uma densificação legislativa mínima: em áreas envolvendo direitos fundamentais, devem considerar-se excluídas as “normas legais em branco” habilitando a intervenção administrativa.
145 – O que se encontra nos preceitos do artigo 145.º-H, n.º 1 e n.º 5, aditados ao RGICSF pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, é a atribuição ao Banco de Portugal de uma verdadeira “autorização em branco” para decidir como bem lhe aprouver acerca da alocação de ativos e passivos entre o “banco bom” e o “banco mau” esquecendo, por completo, que nos domínios de reserva de lei as opções materiais cabem ao legislador e nunca à Administração.
146 – Deste modo, ou se entende que a lei habilita o Banco de Portugal a fixar os critérios normativos de seleção dos bens a transferir e da sua reversão, caso em que, por carecer de autorização legislativa ou remeter para ato regulamentar, a solução legal é inconstitucional por violar a reserva de lei.
147 – Ou, em alternativa, se entende que a lei permite ao Banco de Portugal proceder à seleção ou reversão dos bens em causa sem prévia definição de critérios normativos de decisão, hipótese em que será inconstitucional por dispensar um mínimo de densificação legislativa da intervenção administrativa em domínios ablativos de direitos fundamentais.
148 – Por ter entendido que o regime de resolução bancária não contende com o núcleo essencial do direito de propriedade, o Tribunal a quo, falhou em perceber a problemática da concessão de um poder tão arbitrário ao Banco de Portugal.
149 – Razão pela qual não se conformam os Recorrentes com o teor do Douto Acórdão.
150 – Tendo por base tudo o que anteriormente foi argumentado, não podem os Recorrentes deixar, igualmente, de apontar a inconstitucionalidade da Lei n.º 58/2011, de 28 de novembro na medida em que este ato legislativo se limita a enunciar umas quantas finalidades genéricas para as medidas de resolução e a estabelecer um vago princípio orientador relativamente à repartição dos prejuízos resultantes da aplicação da medida de resolução, possibilitando pela via de um decreto-lei autorizado a restrição de um direito fundamental de natureza análoga a um direito, liberdade e garantia e atribuindo vastos poderes ao Banco de Portugal.
151 – Por conseguinte, viola o mesmo os requisitos de densificação e determinabilidade das leis que operam nas áreas reservadas ao legislador formal, termos em que se pugna pela inconstitucionalidade das normas do decreto-lei autorizado, previstas no n.º 1 do artigo 145.º-G e dos n.os 1 e 5 do artigo 145.º-H do RGICSF, aditadas pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, devendo, por isso, ambos os diplomas ser desaplicados.
152 – O Tribunal a quo não parece ter lido os argumentos dos Recorrentes no que diz respeito à inconstitucionalidade ora arguida.
153 – Os Recorrentes foram bastante precisos e concretos ao argumentar que a Lei n.º 58/2011, de 28 de novembro, é inconstitucional na medida em que, ao abrigo do n.º 11 do artigo 5.º do identificado diploma atribui especificamente, a uma entidade administrativa amplos poderes ablativos dos direitos patrimoniais dos cidadãos sem fixar quaisquer critérios normativos quando forma de exercício desses mesmos poderes.
154 – Ou seja, o legislador da lei de autorização limita-se a enunciar, através do decreto-lei autorizado, umas quantas finalidades genéricas para as medidas de resolução e a estabelecer um vago princípio orientador relativamente à repartição dos prejuízos resultantes da aplicação da medida de resolução.
155 – Normas como a do art. 5.º, n.º 11, da Lei n.º 58/2011, que impõem pela via do decreto-lei autorizado a restrição de um direito fundamental de natureza análoga, têm de respeitar, entre outros requisitos constitucionalmente impostos, a exigência de um nível especialmente elevado de densificação e determinabilidade, de modo a assegurar aos titulares do direito uma certeza acerca da extensão e intensidade da intervenção administrativa e a permitir aos tribunais um controlo substancial efetivo da sua legalidade.
156 – Não cumprindo manifestamente tal requisito, pela vastidão dos poderes discricionários que pretende ver atribuídos ao Banco de Portugal, a Lei n.º 58/2011 deve ser considerada materialmente inconstitucional, por violação dos requisitos de densificação e determinabilidade das leis que operam nas áreas reservadas ao legislador formal.
157 – Para evitar repetições, remetem os Recorrentes esta questão para o argumentário acima exposto relativamente à inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, por violação do princípio da reserva de lei e do estatuto constitucional do Governo.
158 – Nos seus articulados, os Recorrentes invocaram ainda, em síntese, que o Decreto-Lei n.º 31-A/2012 (e, pelos mesmos motivos, o Decreto-Lei n.º 114-A/2014), é ainda inconstitucional por impor aos titulares de obrigações subordinadas o mesmo – ou pior – regime do que o estabelecido para os responsáveis pelas dificuldades do banco intervencionado, tratando por igual o que é objetivamente desigual, com a inerente violação do princípio constitucional da igualdade (art. 13.º).
159 – Por outro lado, as normas em causa correspondem a uma medida similar a uma expropriação, uma vez que o Banco de Portugal fica habilitado a retirar ativos da esfera jurídica de sujeitos privados e a transferi-los para a esfera jurídica de outrem (o banco de transição). Essa norma habilitadora de medidas similares a expropriações é materialmente inconstitucional porque não está acompanhada pela previsão de uma justa indemnização (cf. o art. 62.º, n.º 2, da Constituição).
160 – Também relativamente a estas inconstitucionalidades, o Tribunal a quo julgou, mal, as mesmas improcedentes.
161 – A explicação do Tribunal a quo é insatisfatória na medida em que não apresenta argumentos bastantes que justificam tratar igualmente pessoas em situações tão desiguais como os acionistas e os obrigacionistas, por uma parte e, por outra parte, os membros dos órgãos de administração e de fiscalização, pessoas que tenham estado na origem das dificuldades da instituição ou contribuído para o seu agravamento ou pessoas que tenham tirado benefício de factos relacionados com a instituição.
162 – Acresce, ainda de outro prisma, que o artigo 145.º-H, n.º 2, na formulação dos Decretos-Leis n.os 31-A/2012 e 114-A/2014 acarreta um tratamento mais desfavorável para os acionistas e os titulares de obrigações subordinadas no confronto com as restantes pessoas contempladas no preceito.
163 – Quanto a estas, por imperativo do Estado de direito democrático, o impedimento de transferência das obrigações contraídas perante elas pela instituição deve depender de apreciação judicial ou, pelo menos, de procedimento administrativo, em que fiquem provadas as ações ou omissões que contribuíram para as dificuldades financeiras ou para o respetivo agravamento.
164 – Os membros dos órgãos de administração e de fiscalização, os revisores oficiais de contas e pessoas em situação semelhante, segundo o artigo 145.º-H, n.º 2, têm direito de defesa.
165 – No entanto, nada disso se passa com acionistas e titulares de obrigações subordinadas que, bastando ter essa qualidade, sofrem uma autêntica sanção por via legislativa sem direito a compensação, com exceção do princípio “No creditor worse off” cujas debilidades já foram apresentadas.
166 – Sabendo-se que nada há de mais injusto e iníquo do que tratar como igual o que é desigual, os acionistas e credores de obrigações subordinadas não podem ser tratados como aqueles que foram os responsáveis pela gestão do banco: fazendo-o em termos de equiparação de ativos excluídos de transferência, a título sancionatório, a lei viola o princípio da igualdade e o Direito da União Europeia.
167 – Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, é claro que as medidas de resolução se mostram suscetíveis de comportar lesão ao direito de propriedade privada, entendido no sentido de compreender a garantia e tutela constitucional de todos os direitos de conteúdo patrimonial privado.
168 – E, neste contexto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional é clara ao afirmar que também as participações sociais gozam da tutela conferida à garantia de propriedade privada, razão pela qual “as perdas de titularidade de participações sociais”, se forçadas, integram-se na esfera de proteção do direito de propriedade resultante do artigo 62.º da Constituição.
169 – Por isso, numa manifestação da “intangibilidade dos direitos patrimoniais privados”, as posições jurídicas ativas de conteúdo patrimonial (pessoais ou societárias) “só podem ser sacrificadas com a aquiescência dos próprios ou nos termos da lei equilibrada e atribuidora de compensações satisfatórias”.
170 – Sabe-se, no caso das medidas de resolução, que a alienação de bens da instituição objeto da intervenção, assim como a transferência de bens a favor do banco de transição, são feitas sem consentimento dos respetivos titulares: a separação ou segregação de ativos, numa divisão entre os que ficam no “banco mau” e aqueles que transitam para o “banco bom”, é a pura expressão de um ato de autoridade, sem qualquer aquiescência dos titulares envolvidos.
171 – A solução positivada, excluindo a simples participação procedimental dos titulares de ativos problemáticos na decisão de alienação da instituição intervencionada ou na sua transferência para o banco de transição, mostra-se, desde logo, violadora do princípio da igualdade face ao reconhecimento de direitos procedimentais a favor dos representantes dos trabalhadores da instituição intervencionada.
172 – Essa violação do princípio da igualdade, introduzindo uma discriminação procedimental infundada ao nível do próprio Direito da União Europeia, designadamente à luz do preceituado pelo artigo 41.º n.º 2 alínea a) da CDFUE, o qual reconhece “o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente” revela-se, num outro sentido, atentatória do direito procedimental ao contraditório: nega-se àqueles que vão ser lesados com a medida de resolução qualquer participação procedimental – o direito de audiência prévia aparece excluído desta lesão do direito de propriedade privada.
173 – E, seja no âmbito do Direito da União Europeia ou da legislação interna portuguesa, a ausência de previsão legal do direito ao contraditório atenta, considerando a natureza ablativa do ato, contra a realização do Estado de Direito Administrativo.
174 – Olhando para o regime legal das medidas de resolução, desde logo, verificamos que há um exercício de um poder de autoridade que, procedendo a uma divisão do património do banco intervencionado, desapropria os titulares das ações e das obrigações subordinadas que permanecem no “banco mau” de todos os bens que, assumindo consistência económico-financeira, são transferidos para o “banco bom”.
175 – O que realmente aqui está em causa não é o facto dos ativos “maus” permanecerem na esfera do “banco mau” mas antes o facto da divisão de património levar a que obrigacionistas e acionistas percam os bens que valorizam os seus ativos.
176 – Isto porque uma empresa ou entidade objeto de resolução, como é o caso, descapitalizada nunca poderá cumprir com as obrigações contraídas.
177 – Por outro lado, o valor de mercado das obrigações detidas pelos Recorrentes ou, em abstrato, por quaisquer obrigacionistas subordinadas não estava determinado tendo, por base, apenas ativos problemáticos.
178 – Tratavam-se, aqui, de títulos que incidiam sobre uma universalidade de ativos patrimoniais possuídos pelo banco.
179 – É a decisão administrativa de transferir um universo de ativos da entidade objeto de resolução para o banco de transição que consubstancia uma amputação patrimonial da esfera dos titulares das obrigações pois estes, deixaram de ter, por ato de autoridade, qualquer direito sobre o património transferido para o chamado “banco bom”.
180 – Há aqui uma perda forçada do substrato de direitos de conteúdo patrimonial que não confere aos seus titulares qualquer indemnização ou compensação minimamente equitativa, violando-se, dessa forma, o artigo 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
181 – A verdade é que tal atuação não equilibra os interesses dos acionistas e demais credores da entidade resolvida e a necessidade de assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Com efeito, sacrificam-se, por completo, os direitos dos primeiros conseguindo-se, com isso, uma vantagem indevida para os segundos.
182 – A proximidade entre tal regime e um confisco é por demais evidente já que o efeito é análogo: em qualquer uma das situações há uma patente injustiça e iniquidade das soluções.
183 – Compreende-se, num tal ambiente de confisco, que aos titulares de direitos privados de conteúdo patrimonial seja negada qualquer participação procedimental ou exigência de consentimento: o confisco e os atos análogos ao confisco não convivem bem com quaisquer direitos fundamentais de natureza procedimental ou substantiva dos cidadãos – o confisco é sempre uma solução contrária a um Estado de juridicidade.
184 – Regista-se, por tudo isto, uma violação do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade privada dos titulares de ações e obrigações subordinadas, procedendo, dessa forma o Tribunal a quo a uma incorreta interpretação do direito.
185 – Por todos os fundamentos acima expostos, não podem os Recorrentes concordar com o Douto Acórdão do mesmo recorrendo nesta sede».
4.2 – O Banco de Portugal [doravante BdP] contra-alegou, dando-se aqui, também, por reproduzidas as suas conclusões, de onde se extrai:
«(.) C) O Acórdão recorrido, no entanto, decidiu bem todas as questões relativas às inconstitucionalidades suscitadas no recurso, quanto (i) à violação de reserva da competência legislativa da Assembleia da República pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, (ii) à violação, pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, do sentido da autorização legislativa parlamentar concedida pela Lei n.º 58/2011, bem como (iii) à violação do princípio da reserva de lei e do estatuto constitucional do Governo, (iv) à violação, agora pela Lei n.º 58/2011, do princípio da reserva de lei (com a consequente invalidade do Decreto-Lei n.º 31-A/2012), e (v) à violação, pelos Decretos-Leis n.os 31-A/212 e 114-A/2014, do princípio da igualdade e do direito de propriedade;
D) O TAC de Lisboa decidiu acertadamente ao considerar que o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 não teria invadido a reserva de competência legislativa da Assembleia da República da alínea b) do n.º 1 do art. 165.º da Constituição, pois, mesmo sendo a propriedade um direito “análogo” aos direitos, liberdades e garantias, e ainda que se entenda que, nessa qualidade, gozaria do regime orgânico aplicável a estes últimos, a verdade é que aquele diploma não interferiu no “núcleo essencial” desse direito;
E) Quanto à norma do n.º 3 do art. 145.º-B do RGICSF, que consagra o princípio do “no creditor worse off”, longe de lesiva do direito de propriedade, ela constitui uma garantia desse direito, assegurando que nenhum credor da instituição resolvida fica, através da resolução, em situação mais desfavorável do que aquela em que se encontraria se o banco resolvido tivesse entrado em insolvência;
F) Quanto às alterações aos arts. 145.º-F e 145.º-H do RGICSF, nem elas contendem com o direito de propriedade, nem influíram nos termos em que foi aplicada a Medida de Resolução e nem sequer são inovadoras, como se demonstrou nestas contra-alegações;
G) A bondade da decisão recorrida quanto a este ponto sai reforçada se se tiver presente que, por um lado, e sob pena de congestionamento parlamentar e esvaziamento da competência legislativa do Governo, a reserva da alínea b) do n.º 1 do art. 165.º da Constituição só abrange diplomas que incidam, que legislem, sobre direitos, liberdades e garantias (mas não diplomas que apenas lateralmente toquem em aspetos relacionados com esses direitos) e, por outro lado, que não faz sentido convocar esta reserva quanto a diplomas que se mostrem mais favoráveis à proteção desses direitos;
H) As alterações introduzidas no RGICSF pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014 também não são inconstitucionais por regularem a apropriação de meios de produção, pois, além de os créditos dos Recorrentes não constituírem “meios de produção”, o essencial do regime da resolução bancária foi consagrado no Decreto-Lei n.º 31-A/2012 – que foi emitido ao abrigo de autorização legislativa parlamentar -, em termos tais que a Medida de Resolução poderia ter sido aplicada, nos mesmos moldes, ainda que o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 não tivesse sido aprovado;
I) Noutro plano, é improcedente a arguição do alegado “paralelismo de formas” a que os Recorrentes fazem alusão – argumento que, como notou o Tribunal a quo, não pode ser transposto do Direito Administrativo para o Direito Constitucional, sendo que o que importa saber é se a matéria que cada norma regula se integra ou não no âmbito do art. 165.º/1 da Constituição, até para impedir que o Parlamento “cristalize” abusivamente a regulação normativa de alguma matéria incluída na área de competência legislativa concorrencial;
J) Decidiu acertadamente o TAC de Lisboa, também, no que respeita à alegada violação, pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, do sentido da autorização legislativa constante da Lei n.º 58/2011, porquanto, nem essa lei impedia o Governo de estabelecer limites aos poderes do Banco de Portugal (impondo-lhe uma reserva de administração a favor deste último), nem o Governo, por seu turno, restringiu de forma excessiva a discricionariedade do aqui Recorrido;
K) A argumentação dos Recorrentes é, aliás, contraditória, já que consideram que o Decreto-Lei n.º 31-A/2012 padeceria de um vício e do seu contrário, sendo inconstitucional em virtude de o Governo ter restringido em demasia a atuação do Banco de Portugal, aí onde o legislador parlamentar teria pretendido que essa atuação fosse livre, e, ao mesmo tempo, em virtude de o Governo ter aprovado verdadeiras “normas em branco” que concederiam discricionariedade ilimitada ao Banco de Portugal;
L) Parece inquestionável que de uma habilitação dada ao Governo para atribuir poderes ao Banco de Portugal para praticar atos administrativos com vista à prossecução de determinados fins não é possível extrair-se qualquer obstáculo a que o Governo limite esses poderes ou que estabeleça critérios a nortear o respetivo exercício, sendo infundada a arguição de inconstitucionalidade;
M) Do mesmo modo, o Tribunal a quo julgou de forma correta no que respeita à alegada violação do princípio da reserva de lei pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, uma vez que seria impensável exigir ao legislador que esgotasse antecipadamente todas as ponderações a formular no caso concreto e não deixasse qualquer margem de discricionariedade ao Banco de Portugal, permitindo-lhe, à luz dos parâmetros gerais fixados na lei, adaptar a sua atuação em função das particularidades de cada caso;
N) Ao contrário do que pretendem os Recorrentes, o Decreto-Lei n.º 31-A/2012 encontrou um equilíbrio adequado entre as exigências de densidade normativa mínima decorrentes da reserva de lei e a necessidade de deferir à Administração uma suficiente margem de liberdade para a decisão a tomar no caso concreto, sem o que, de resto, as medidas de resolução não seriam, sequer, pensáveis;
O) No que respeita à suposta violação do estatuto constitucional do Governo, arguida no recurso, não se vê por que motivo o facto de o Banco de Portugal poder resolver instituições bancárias poderia fazer com que o Governo deixasse de ser o órgão superior da Administração Pública, que continua, inquestionavelmente, a ser;
P) O art. 182.º da Constituição não impede (e, pelo contrário, o respectivo art. 267.º/3 permite) a existência de entidades reguladoras que exerçam a função administrativa, não saindo a posição constitucional do Executivo minimamente beliscada – nem aqui, nem noutros países da União Europeia, onde a função de resolução também era, à data, pacificamente atribuída aos respetivos bancos centrais – em virtude de aquelas entidades exercerem uma função de supervisão e disporem de poderes para intervir na (ou sobre a) esfera das empresas que operam no setor regulado e sujeito à sua fiscalização;
Q) Também não é verdade, como bem se decidiu no Acórdão recorrido, que a Lei n.º 58/2011 tenha incorrido em qualquer violação do princípio da reserva de lei, pois uma lei de autorização legislativa dever ter um conteúdo delimitado – apenas o suficiente para permitir o controlo da conformidade do decreto-lei autorizado, mas não a ponto de constituir, ela mesma, lei de autorização, um parâmetro de conduta que regule situações da vida e oriente a conduta dos cidadãos;
R) Independentemente disso, a Lei n.º 58/2011 contém, basta lê-la, a definição da orientação política a seguir e uma identificação clara e exaustiva dos parâmetros a seguir pelo Governo na elaboração do regime que deveria constar do correspondente decreto-lei autorizado – o que, de resto, foi admitido pelos Recorrentes na petição inicial que deu origem a este processo;
S) Por último, o Acórdão recorrido julgou corretamente ao decidir que as normas dos Decretos-Leis n.os 31-A/2012 e 114-A/2014 não violavam o princípio da igualdade nem o direito de propriedade privada dos Recorrentes;
T) Por um lado, a alegação da suposta violação do princípio da igualdade parte do pressuposto, erróneo, de que tal princípio impede que o legislador estabeleça regimes idênticos para situações que, sendo, em si mesmas, distintas, reclamam, por razões diferentes, uma solução normativa similar;
U) No caso, a proibição de transferência dos créditos dos Recorrentes para o banco de transição decorre da especial natureza dos direitos de que se dizem titulares, ou seja, créditos subordinados, cuja detenção permite, é certo, uma remuneração mais elevada, mas que, em contrapartida, acarreta um grau também mais elevado de risco;
V) Por outro lado, os Recorrentes equivocam-se ainda ao considerar que a proibição de transferência dos seus créditos para o banco de transição constitui uma “sanção”, o que não é verdade, já que a alínea a) do n.º 2 do art. 145.º-H do RGICSF apenas se limita a estabelecer a mesma consequência que, em qualquer caso, sempre resultaria da aplicação das regras gerais aos créditos de natureza subordinada;
W) Como ninguém tem direito a ver o seu crédito transferido para o banco de transição, a proibição de transferência não corresponde a uma “sanção”, mas apenas à não atribuição de um determinado benefício, pelo que os Recorrentes não são prejudicados pela proibição em causa;
X) Acresce que, sendo o regime legal da resolução teleologicamente orientado para assegurar que os acionistas da instituição resolvida, primeiro, e os seus credores subordinados, depois, assumam prioritariamente os prejuízos da instituição, permitir que os créditos desses investidores se transferissem para o banco de transição seria totalmente incoerente e, com toda a probabilidade, comprometeria a viabilidade do banco recém-criado;
Y) Encontrando-se os Recorrentes numa posição precária, em função do maior risco voluntariamente assumido pela titularidade de créditos subordinados – e por cuja assunção foram mais generosamente remunerados -, é constitucionalmente legítimo (ou, no mínimo, não é constitucionalmente censurável) que o legislador não tenha previsto a transferência dos respetivos créditos para o banco de transição, ainda que o tenha feito por motivos diversos daqueles que subjazem, por exemplo, à proibição constante da alínea d) do n.º 2 do art. 145.º-H do RGCISF;
Z) De igual modo, as normas sub iudice do RGCISF, em qualquer das suas versões (de 2012 ou de 2014), não violam o direito de propriedade privada dos Recorrentes, seja porque não constituem uma expropriação, confisco ou esbulho das suas ações ou dos seus créditos – que continuam na sua titularidade -, seja porque a transferência de ativos do Banco 1… para o Banco 2… não foi causal da diminuição do valor daqueles direitos de que os Recorrentes se dizem titulares;
AA) Uma vez que a análise desse valor patrimonial tem de partir do cenário alternativo ao da resolução, que seria o da insolvência do Banco 1…, e assumindo – como aqui tem de se assumir – que, em 3 de agosto de 2014, estavam verificados os pressupostos para a aplicação de uma Medida de Resolução ao Banco 1…, isso significa que a situação financeira daquele banco era extremamente precária;
BB) Assim, a diminuição do valor dos créditos dos Recorrentes não resultou da Medida de Resolução, mas sim da situação económica/financeira do Banco 1…, pelo que, a haver lugar ao pagamento de qualquer indemnização aos Recorrentes pela ablação de parte dos ativos daquele banco e sua transferência para o Banco 2…, o valor dessa indemnização seria igual a zero;
CC) Seja como for, a aplicação do princípio do “no creditor worse off’, do n.º 3 do art. 145.º-B do RGICSF, sempre impedirá que a resolução seja lesiva para os Recorrentes, na medida em que a aplicação daquele mecanismo garante que eles não ficarão em situação pior do que aquela em que se encontrariam se o Banco 1… tivesse entrado em situação de insolvência;
DD) Por último, apesar da alegação dos Recorrentes em sentido contrário, é forçoso concluir que o regime das medidas de resolução constante do RGCISF equilibra adequadamente os diferentes interesses em jogo, conciliando a (possível) proteção dos credores de uma instituição de crédito em apuros com a (necessária e mais premente) tutela da estabilidade do sistema financeiro e dos contribuintes perante a existência de um risco sistémico decorrente da ameaça de colapso da instituição em causa;
EE) O TAC de Lisboa, na sua douta decisão tomada em coletivo, apreciou corretamente e julgou de forma irrepreensível todas as questões de (in)constitucionalidade das normas do RGCISF que lhe foram colocadas, pelo que deverá o recurso ser julgado totalmente improcedente e ser o Acórdão recorrido, de 12 de março de 2019, mantido na sua íntegra.
Nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, que respeitosamente se roga, deve o recurso interposto ser julgado não provado e improcedente”.
5 – A MASSA INSOLVENTE T…, SA, A. no processo apensado [n.º 2808/14.0BELSB], conclui as suas alegações de onde se extrai:
5.1.”1. As presentes alegações permitiram evidenciar, sem margem para dúvidas, que o desfecho do recurso ora interposto não poderá deixar de passar pela sua integral procedência e consequente revogação do Acórdão recorrido.
2 – Em primeiro lugar, no Acórdão recorrido, refere o Tribunal a quo, no que à motivação dos factos provados diz respeito, que a decisão assentou no teor dos documentos juntos aos autos, nos documentos constantes dos processos administrativos e, bem assim, no acordo das partes, tendo ainda salientado o facto de terem sido “desconsiderados, por não terem interesse para a decisão da causa, os factos que tiveram lugar em momento posterior à adoção dos atos impugnados, pois não se relacionam com as questões decidendas em apreço nos presentes autos”.
3 – Com efeito, os factos que relevam para a apreciação da legalidade dos atos impugnados e, por inerência, para a apreciação do mérito da causa, são os que constam do processo administrativo que esteve na base da prática desses atos, sendo apenas com base nos documentos que o Tribunal poderia averiguar e comprovar se os atos que constituem o objeto do pedido são ou não legais.
4 – Acontece que, não obstante a aparente bondade e correção do Acórdão recorrido a este respeito, a verdade é que a aplicação que o Tribunal fez do Direito aos factos não parece espelhar essa circunstância, uma vez que a pobreza do quadro factual subjacente às deliberações impugnadas tornava evidente a necessária procedência da ação proposta pela Recorrente e a inerente necessidade de reposição da legalidade.
5 – Com efeito, perante os parcos documentos constantes dos processos administrativos subjacentes ao ato de constituição de provisões e à medida de resolução do Banco 1… e, consequentemente, perante os factos escassos que poderiam ser levados em consideração para a apreciação da legalidade daqueles atos, o Tribunal a quo concluiu, ainda assim, no sentido da sua validade, sendo manifestamente evidente que uma grande parcela das conclusões retiradas em sede de Direito não tem qualquer suporte nos factos provados, os quais não poderiam, por isso, sustentar a legalidade dos atos impugnados.
6 – Isto posto, no que aos vícios de que padecem os atos impugnados diz respeito, e começando pelo ato de imposição de provisões, ficou evidenciado, como havia já ficado em sede de primeira instância, que o mesmo padece de vício de falta absoluta de procedimento porquanto foi proferido sem que a Administração tivesse iniciado e tramitado um procedimento administrativo para o efeito.
7 – O Tribunal a quo reconhece (como, aliás, o Banco de Portugal) que, de facto, as regras relativas ao procedimento administrativo previstas no CPA não foram cumpridas.
8 – Sucede que, apesar de alegar genericamente que os interesses públicos subjacentes ao regime da resolução bancária acarretam uma alteração substancial às normas do procedimento administrativo previstas no CPA, impondo um procedimento especial, o Tribunal a quo, sente dificuldade em justificar, em concreto, o afastamento das regras e princípios previstos no CPA fora da situação limitada da audiência prévia prevista no artigo 146.º do RGICSF.
9 – O CPA é genericamente aplicável à atuação do Banco de Portugal no contexto das medidas de resolução, sendo que, se o mesmo consagra normas quanto ao início do procedimento e normas quanto à audiência prévia e, se depois, o RGICSF afasta expressamente as normas relativas à audiência prévia, a única interpretação sustentável é a que conclui que onde não houver afastamento da regra geral, por regra especial, aquela terá de se aplicar.
10 – A argumentação circular utilizada pelo Tribunal a quo para sustentar o seu entendimento a este respeito tem apenas um fito: tentar esconder a simples evidência de que o Banco de Portugal decidiu impor ao Banco 1… uma provisão de 2 mil milhões de euros sem ter iniciado e levado a cabo um procedimento administrativo de acordo com a lei geral aplicável (CPA) temperada pela lei especial aplicável (RGICSF) que apenas lhe permitia prescindir da fase da audiência prévia dos interessados.
11 – O Tribunal a quo faz ainda referência a uma alegada “solicitação do Banco de Portugal ao Banco 1…, em Junho de 2014,” relativamente à exposição ao G 1, sendo que esse facto não se encontra provado (não consta da lista de factos provados do acórdão) por não constar do processo instrutor.
12 – É evidente que o Banco de Portugal, ao solicitar ao Banco 1… uma comunicação sobre a respetiva exposição a entidades do G 1, não está a dar-lhe conhecimento do início de um procedimento que culmina na imposição da constituição de uma provisão do valor mínimo de 2.000 milhões de euros.
13 – É claro que, para que tal solicitação constituísse uma notificação do início do procedimento, teria o Banco de Portugal que dar conhecimento dessa circunstância ao Banco 1… para que lhe fosse apreensível que os seus direitos e interesses poderiam ser lesados pelos atos a praticar e, assim, poder defender-se.
14 – Em suma, é evidente que a comunicação do início do procedimento ao Banco 1… foi preterida e que, ao contrário do que defende o Réu, a deliberação de 23 de julho de 2014 constituiu, de facto, um ato administrativo isolado e “caído do céu”, sem que aquele banco pudesse prevê-la, não decorrendo do procedimento quaisquer razões de facto e de direito que permitam concluir que a Administração carreou para o procedimento os elementos de facto e de direito necessários, que os ponderou devidamente e que, em consequência, proferiu uma decisão.
15 – Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, é, assim, manifestamente inválida – nula ou, pelo menos, anulável – a decisão do Banco de Portugal que impôs a constituição de uma provisão ao Banco 1…, por falta de procedimento administrativo que assegurasse não só a instrução e recolha de prova, como a participação do interessado no procedimento tendente à tomada da decisão final.
16 – Acresce que, o ato administrativo que impôs uma provisão de 2 mil milhões de euros ao Banco 1… é manifestamente inválido por incorrer no vício de falta de fundamentação.
17 – Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, que procura sustentar que a fundamentação do ato se pode encontrar fora do próprio ato, no contexto da dialética entre a Administração e o destinatário do ato, a fundamentação dos atos deve encontrar-se no próprio ato e não no âmbito de uma dialética, precisamente para que qualquer interessado e não apenas o destinatário do ato possa entender o referido ato.
18 – Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, não era o Banco 1… que tinha de ir em busca da fundamentação perdida, solicitando notas informativas que não conhecia, mas sim o Banco de Portugal que tinha de fundamentar o ato fazendo essa fundamentação parte do referido ato e devendo, como tal, ser notificada ao interessado, não esquecendo que a Nota 940/14 não foi notificada juntamente com a decisão, não se encontra sequer mencionada na decisão, nem era do conhecimento do Banco 1… nessa altura, algo que o Tribunal a quo não contesta.
19 – A decisão tomada pelo Tribunal recorrido não tem, assim, qualquer respaldo na factualidade dada como provada, inexistindo, a este propósito, qualquer fundamento que permitisse sustentar que o ato impugnado se encontrava devidamente fundamentado e que, nessa medida, é válido.
20 – Quanto ao apontado vício de violação do princípio da igualdade, é evidente que o Banco 1… foi objeto de uma decisão violadora do princípio da igualdade, na medida em que, face aos mesmos devedores – exposição ao G 1 – lhe foi imposta uma provisão muito superior à que foi imposta a outros credores desses mesmos devedores.
21 – E mesmo que se considerasse que o valor da provisão correspondia a 77 % da exposição ao G 1, o que não se aceita (foi mais de 100 %), sempre se teria de considerar, nesse caso, haver uma violação do princípio da igualdade no facto de os demais bancos terem de provisionar 50 % da exposição ao G 1 e o Banco 1… ter de provisionar 77 %.
22 – Não foi minimamente justificado pelo Banco de Portugal a razão de ser dessa diferença que carece de qualquer racional que tenha fundamentado a decisão tomada e não cabe ao Tribunal a quo encontrar fundamentações a posteriori para tamanha discriminação, depois de ter asseverado que desconsiderou (o que se duvida), por não terem interesse para a decisão da causa, os factos que tiveram lugar em momento posterior à adoção dos atos impugnados e que, nessa medida, não se relacionam com as questões decidendas nem são instrumentais à decisão.
23 – O facto de um credor ter um crédito muito superior a outro credor sobre o mesmo tipo de devedores, não implica que o risco de incumprimento seja superior relativamente ao credor maior face ao credor menor. Se se entende que aquele tipo de devedores pode incumprir as suas obrigações num risco de 50 %, então esse risco de 50 % deve aplicar-se a todos os credores.
24 – Não se pode afirmar, ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo, que a diferença de valor do montante da exposição ao G 1 “legitima objectivamente a diferença na medida correctiva”, quando é visível que essa diferença de valor só foi usada para penalizar o Banco 1… e não para graduar o montante das provisões impostas aos outros bancos em função do volume de exposição ao G 1.
25 – Em suma, para se saber se a diferença objetiva de tratamento dada ao Banco 1… é válida e legal, não pode este Tribunal ter por referência factos que são relatados pelo Réu, mas sem qualquer respaldo nos factos do processo, que são apenas e só aqueles que constam do processo instrutor e os únicos que, supostamente, foram dados como provados pelo Tribunal a quo.
26 – Relativamente à alegada exposição indireta do Banco 1… ao Grupo G 1, em que o Banco de Portugal alegava que o Banco 1… estava indiretamente exposto às obrigações decorrentes da venda de papel comercial do G 1 porque teria assumido a garantia de reembolso dessas aplicações, trata-se apenas disso mesmo: uma alegação, já que não foi junto em sede de primeira instância qualquer documento pelo Banco de Portugal que o comprovasse e decorre das regras legais até o contrário, na medida em que uma sociedade, por princípio, não pode assumir as dívidas de terceiros.
27 – Ou seja, inexistindo no processo administrativo instrutor um documento que prove que, efetivamente, o ato administrativo de imposição da constituição de provisões se alicerçou nesse facto, não podia a legalidade do ato ser aferida em função dele como o Tribunal acabou por fazer não obstante não ter dado como provado nenhum facto a este respeito, não esquecendo que é público e notório que, posteriormente, o Banco de Portugal sempre defendeu que não existia qualquer obrigação nesse sentido que tivesse sido trespassada para o Banco 2…
28 – Continuando, no que à invalidade da medida de resolução do Banco 1… diz respeito, o modo como o Tribunal a quo analisou o pedido de declaração de nulidade consequente da mesma, apresentado pela Recorrente baseia-se todo ele num equívoco.
29 – É que se o Tribunal anular a decisão que impôs a constituição de uma provisão de 2.000 milhões de euros, então terá de, consequentemente, declarar a nulidade da medida de resolução, por tal medida ter sido tomada em consequência de um ato anulado.
30 – É isso mesmo que determina a alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, quando esclarece que são nulos “os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados […], em articulação com o artigo 173.º do CPTA, pelo que, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, não estaremos perante “suposições de uma realidade alternativa, meramente hipotética e não concretizável” na medida em que, para se chegar à declaração de nulidade da medida de resolução será necessário que, previamente, o Tribunal anule a decisão que impôs a provisão de 2.000 milhões de euros, como requerido.
31 – Sem a imposição de uma provisão de 2 mil milhões de euros, o Banco 1… não incumpriria os ratios de solvabilidade e, como tal, não haveria lugar à medida de resolução.
32 – Ficou igualmente evidenciado, ao contrário do que concluiu o Tribunal recorrido, que a medida de resolução viola o princípio da proporcionalidade por não terem sido adotadas medidas alternativas menos gravosas.
33 – O que importava que o Tribunal a quo tivesse feito era um exercício de verificação sobre se essas hipóteses alternativas eram igualmente adequadas para resolver o problema e menos gravosas, assim evitando a resolução, a qual constitui uma medida vinculada, mas antes dotada de elevada dose de discricionariedade.
34 – Caso o tivesse feito, teria certamente concluído pela inexistência, no processo administrativo instrutor, de qualquer facto ou documento que demonstre a impossibilidade de recurso a qualquer outra medida de intervenção corretiva menos intrusiva e a premência da adoção da medida de resolução do Banco 1…
35 – É que, reitere-se, sendo a partir dos factos comprováveis pelo processo administrativo instrutor que se afere a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida de resolução do Banco 1…, constata-se que nada se provou a este respeito, pelo que a conclusão necessária era a de que tal medida é ilegal por violação do princípio da proporcionalidade.
36 – Acresce que o Banco de Portugal alegara que a solução de capitalização do Banco 1… com recurso a fundos públicos não era uma alternativa válida porquanto era indesejável a todos os luzes já que, alegadamente, compromete o Estado e o erário público, sendo a medida de resolução muito mais adequada e menos gravosa para os interesses envolvidos.
37 – Ora, para além dos factos públicos e notórios desmentirem plenamente o Banco de Portugal quanto a este ponto, esta ponderação tinha de ter sido efetuada em momento anterior à adoção da medida de resolução e não a posteriori, sendo que nenhuma destas circunstâncias foram tomadas em consideração pelo Tribunal recorrido.
38 – O que se constata também aqui é que, não obstante o Tribunal a quo garanta que apenas levou em consideração para a decisão tomada os factos provados através documentos juntos aos autos e ao processo administrativo e não os factos ocorridos posteriormente, a verdade é que, querendo ou não, o Tribunal foi “levado” pelo Banco de Portugal e por teses sem qualquer respaldo na factualidade dada como provada.
39 – Nenhuma das explicações oferecidas a posteriori pelo Banco de Portugal releva, uma vez que não consta do procedimento administrativo, tornando-se impossível sindicar a bondade de um ato que não apresenta qualquer explicação ou motivação de facto e direito.
40 – O Banco de Portugal limita-se a contar uma história tão convincente que até convenceu o Tribunal a quo, o qual, certamente, se terá deixado impressionar pela enumeração das alegadas consequências nefastas que poderiam decorrer da capitalização do Banco 1… com recurso a fundos públicos ao invés de se ter optado pela medida de resolução.
41 – Ora, do processo administrativo não consta um único documento que permita concluir que o Banco de Portugal instruiu a sua decisão, recolhendo elementos factuais necessários e adequados e que estes correspondiam à realidade.
42 – Não há no processo administrativo e não se juntou um documento, um estudo, uma análise financeira que comprove que as opções alternativas foram estudadas e avaliadas e que as conclusões alcançadas impunham a adoção da medida de resolução por ser a medida mais menos gravosa e a mais adequada e proporcional ao caso, o que, mais uma vez, demonstra o erro em que incorreu o Tribunal a quo ao concluir pela validade da medida de resolução e aqui, em concreto, pela não violação do princípio da proporcionalidade.
43 – Depois, no Acórdão recorrido, o Tribunal a quo considerou ainda improcedente o fundamento de ilegalidade fundado na violação de direito da União Europeia considerando, em suma, que
(i) é intempestiva a invocação da falta ou deficiência da transposição da Diretiva 2014/59/UE, na medida em que não terminara o seu prazo de transposição aquando da adoção do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 e que (ii) inexiste violação do direito de propriedade previsto no artigo 17.º da Carta, ou do artigo 1.º do Protocolo Adicional 1, pois a compressão dos direitos de propriedade dos acionistas encontra-se justificada.
44 – Ora, à luz dos princípios reconhecidos pelo direito da UE – e, naturalmente, também reconhecidos pela Constituição Portuguesa -, qualquer restrição ao direito de propriedade tem de cumprir as seguintes condições: (i) ser justificada por razões de utilidade pública, (ii) ser adotada nos casos e condições previstos por lei, (iii) ser compensada por justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil, e (iv) observar o princípio da proporcionalidade.
45 – Sendo de saudar o entendimento do Tribunal a quo de que o princípio “no creditor worse off” se aplicaria também aos acionistas, a verdade é que (i) o quadro jurídico no âmbito do qual a medida de resolução foi adotada não o previu expressamente, e (ii) a entidade que adotou a medida de resolução entende que tal princípio não se aplicava aos acionistas, como ficou patente na contestação do Banco de Portugal.
46 – Em todo o caso, note-se que o regime de salvaguarda de credores previsto no artigo 145.º-B, n.º 3 do RGICSF, inserido pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, incumpre também o disposto na Diretiva 2014/59/UE na medida em que (i) não prevê a realização de duas avaliações separadas; (ii) não prevê obrigações de celeridade da avaliação (iii) determina que o pagamento aos credores da diferença que haja sido apurada em sede de avaliação deve ser efetuado apenas após o encerramento da liquidação da instituição objeto da medida de resolução.
47 – Ainda que se admitisse a interpretação conforme do regime nacional ao Direito da União, não se vê como tal interpretação poderia levar, hoje, a que os acionistas pudessem ser colocados na situação em que se encontrariam caso tivesse havido liquidação total da instituição financeira objeto da medida de resolução, na medida em que o processo que rodeou a medida de resolução pelo Banco de Portugal afetou incontornavelmente essa possibilidade.
48 – A Recorrente não pode concordar com o entendimento de acordo com o qual, independentemente da aplicação do princípio “no creditor worse off” os acionistas ficam adequadamente protegidos através: (i) do benefício decorrente do recebimento do eventual remanescente do produto da alienação da instituição de transição à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente, tal como previsto no n.º 4 do artigo 145.º-I do RGICSF e (ii) dos resultados obtidos com o processo de liquidação da instituição objeto da medida de resolução a decorrer nos termos previstos no CIRE.
49 – A aplicação separada ou conjunta desses dois mecanismos não resulta, assim, numa solução satisfatória ou justa para os acionistas ou sequer aproximada à solução que resultaria da aplicação do princípio “no creditor worse off” aos acionistas, cuja aplicação, hoje, ao caso concreto através de um mecanismo de interpretação conforme tem as dificuldades que vimos supra, pelo que estamos perante uma violação clara do direito de propriedade e do princípio da proporcionalidade previstos na Carta.
50 – Entrando na análise, em concreto, da Diretiva 2014/59/UE, refere o respetivo artigo 32.º que a adoção de uma medida de resolução depende da verificação cumulativa das seguintes condições: (i) a determinação de que uma instituição está em situação ou em risco de insolvência foi efetuada pela autoridade competente; (ii) tendo em conta os prazos e outras circunstâncias relevantes, não existe nenhuma perspetiva razoável de uma ação alternativa do setor privado ou uma ação de supervisão, incluindo medidas de intervenção precoce, de redução ou de conversão de instrumentos de capital relevantes; (iii) as medidas de resolução são necessárias para defesa do interesse público, sendo como tal consideradas quando forem necessárias e proporcionadas para atingir os objetivos em questão (artigo 32.º, n.º 1 c) e n.º 5 da Diretiva 2014/59/UE).
51 – A Diretiva 2014/59/UE prevê uma panóplia de instrumentos de resolução, a saber: a alienação total ou parcial da atividade (artigos 38.º e 39.º da Diretiva), a criação de uma instituição de transição (artigos 40.º e 41.º da Diretiva), a segregação de ativos (artigo 42.º da Diretiva) e a recapitalização interna (artigos 43.º e seguintes).
52 – No entanto, na fundamentação da Medida de Resolução não se pode ler uma linha, uma palavra ou sequer a alusão a qualquer juízo, implícito que fosse, de ponderação daquela que seria a alternativa mais óbvia das quatro referidas, por ser a única que permitiria preservara integridade patrimonial do Banco 1…, a saber a recapitalização interna, com base em instrumentos de capital relevantes.
53 – Para além da necessidade de considerar o princípio da proporcionalidade aquando da tomada da decisão de resolução propriamente dita, a Diretiva 2014/59/UE também assegura que, uma vez tomada tal decisão, a interferência nos direitos de propriedade não deverá ser desproporcionada.
54 – Entendeu a Comissão a este propósito que a interferência no direito de propriedade não seria desproporcional se se previsse um direito de compensação de acionistas e credores afetados, os quais deveriam ser indemnizados pelo valor a que teriam direito no âmbito de uma liquidação normal da empresa.
55 – Tal entendimento veio a ser plasmado na Diretiva 2014/59/UE, a qual prevê um duplo mecanismo de compensação: (i) o pagamento de uma contrapartida à instituição objeto de resolução, e (ii) o chamado princípio de que “nenhum credor ou acionista seja prejudicado”, sem o que o Direito de Propriedade considerar-se-ia ferido na sua essência.
56 – Pelo que, independentemente do efeito direto da Diretiva 2014/59/UE, os mecanismos de compensação da instituição objeto de resolução, dos seus credores e acionistas que tal Diretiva prevê deveriam sempre ser observados pela autoridade nacional de resolução, in casu o Banco de Portugal, como manifestações inequívocas do direito de propriedade tal como protegido pela Carta.
57 – Conforme resultou das presentes alegações de recurso, a avaliação (provisória e/ou definitiva) prevista no artigo 36.º da Diretiva 2014/59/UE, assim como o pagamento da contrapartida à instituição objeto de resolução que seja apurada em sede de avaliação, também previsto nesse artigo, deveriam ter tido lugar o mais rapidamente possível após a decisão de resolução.
58 – Acresce que, a Diretiva 2014/59/UE prevê ainda um mecanismo de salvaguarda de acionistas e credores, dispondo a Diretiva 2014/59/UE que os acionistas e os credores cujos créditos não tenham sido transferidos têm o direito a receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência (vide artigo 73.º da Diretiva).
59 – Para este efeito, dispõe o artigo 74.º da Diretiva 2014/59/UE que deverá ser realizada uma avaliação por uma pessoa independente, o mais cedo possível depois de a medida de resolução produzir efeitos, a qual tem em vista, fundamentalmente, determinar a diferença entre (i) o tratamento que os acionistas e os credores teriam recebido se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência e (ii) o tratamento efetivo que os mesmos receberam no quadro da tomada da medida de resolução (artigo 74.º, n.º 2 da Diretiva), sendo que, uma diferença positiva, para os acionistas e/ou para os credores, os mesmos têm direito ao pagamento da mesma diferença pelos mecanismos de financiamento da resolução.
60 – Isto posto, pese embora o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 tenha sido adotado já depois da publicação da Diretiva 2014/59/UE e refira que se pretende efetuar a transposição parcial da mesma, é notório que falha por completo esse objetivo.
61 – O RGICSF não prevê – tal já não previa antes da adoção do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 – o mecanismo de pagamento de uma contrapartida à instituição objeto de resolução, tal como disposto no artigo 36.º da Diretiva 2014/59/UE, prevendo apenas que o remanescente do produto da alienação, após devolução dos montantes disponibilizados pelo Fundo de Resolução e pelo Fundo de Garantia de Depósitos ou Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, seja devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente.
62 – Esta é uma solução muito diferente da solução preconizada pela Diretiva, sendo insuscetível de assegurar a compensação adequada e em tempo útil pela “expropriação” dos ativos da instituição objeto de resolução.
63 – Em segundo lugar, o RGICSF, prevendo no artigo 145.º-B, n.º 3 um mecanismo de salvaguarda de credores, já não prevê o mesmo para acionistas, ao contrário do disposto na Diretiva 2014/59/UE, quando a verdade é que foram as próprias entidades reguladoras portuguesas – entre as quais o Banco de Portugal – quem reconheceu a necessidade de se prever uma compensação adequada de acionistas e que, tanto quanto se sabe, foram ouvidas no contexto da adoção do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, que inexplicavelmente não previu qualquer mecanismo adequado de compensação de acionistas.
64 – E ainda que, houvesse aqui lugar a uma interpretação conforme do regime nacional ao Direito da União, conforme admitido pelo Tribunal a quo, aplicando-se assim o princípio “no creditor worse off” aos acionistas, tal solução não seria suficiente pelas razões expostas nos parágrafos 159.º a 164.º supra.
65 – Por fim, quanto aos dois mecanismos existentes na legislação nacional que, não constituindo expressão da aplicação do princípio “no creditor worse off” aos acionistas, alegadamente serviriam, no entender do Tribunal a quo, para proteger adequadamente o direito de propriedade dos acionistas, tais mecanismos não podem ser considerados adequados ou suficientes pelas razões expostas nos parágrafos 165.º a 171.º supra.
66 – Pelo que estamos perante uma falta de transposição das normas da Diretiva relativas ao mecanismo de salvaguarda de acionistas não solucionável através do instrumento de interpretação conforme nem colmatável com os mecanismos de alegada proteção dos acionistas previstos na legislação nacional aplicável.
67 – Em terceiro lugar, o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 não prevê também a realização das duas avaliações independentes já referidas, tais como previstas nos artigos 36.º e 74.º da Diretiva 2014/59/UE, as quais seriam fundamentais à adequada e atempada aplicação dos mecanismos de salvaguarda de acionistas e credores.
68 – O Decreto-Lei n.º 114-A/2014 prevê apenas uma única avaliação (vide artigos 145.º-F, n.º 5 e 145.º-H, n.º 4 do RGICSF), sem prever qualquer obrigação de celeridade da realização da mesma, o que só pode prejudicar a sua acuidade e tempestividade.
69 – Ademais, no que ao efeito direto da Diretiva e ao prazo de transposição diz respeito, não é admissível que um Estado-membro escolha transpor uma diretiva de forma expressa – ainda que antes do prazo-limite para o fazer – e o faça de forma deficiente. Ao atuar dessa forma, estará a incumprir as obrigações a que está sujeito ao abrigo dos artigos 4.º, n.º 3, e 288.º do TFUE.
70 – Entendeu o Tribunal de Justiça, no âmbito da apreciação da compatibilidade de normas nacionais com diretivas da União Europeia, que as disposições nacionais cujo objetivo declarado é transpor tal diretiva podem ser consideradas abrangidas pelo âmbito de aplicação dessa diretiva, a partir da data da sua entrada em vigor – e, logo, não apenas a partir da data-limite para transposição, pelo que, quando um Estado-membro transpõe uma diretiva, ainda que antes do prazo-limite, está especialmente obrigado a fazê-lo de forma correta e completa.
71 – No caso presente, as regras nacionais em questão pretenderam, declaradamente, e como já vimos, transpor a Diretiva 2014/59/UE para a ordem jurídica portuguesa. Desta forma, colocaram o regime de resolução de instituições financeiras dentro do âmbito de aplicação do direito da União Europeia.
72 – A Diretiva 2014/59/UE, nomeadamente os artigos 36.º, 73.º e 74.º, pretendeu dar voz ao princípio da proporcionalidade e ao direito de propriedade, previstos na Carta, pelo que também por esta razão – violação do princípio da proporcionalidade e do direito de propriedade que as disposições da diretiva pretendiam concretizar – a incorreta transposição dos referidos artigos pelo legislador português configura um incumprimento das obrigações a que está sujeito nos termos do Tratado.
73 – Por fim, deve ainda ter-se presente que, mesmo antes de esgotado o prazo de transposição de uma Diretiva, e após a respetiva entrada em vigor, decorre do disposto nos atuais artigos 4.º, n.º 3, e 288.º do TFUE, uma obrigação para os Estados-Membros, segundo a qual, “durante o prazo de transposição fixado pela diretiva para a sua execução, o Estado-Membro destinatário se abstenha de adotar disposições suscetíveis de comprometer seriamente a realização do resultado nela prescrito” – o chamado efeito bloqueio.
74 – Pese embora o Tribunal recorrido tenha reconhecido a existência desta obrigação que impende sobre os Estados-membros, entendeu, contudo, que tal efeito não se verificava no presente caso.
75 – Não tem razão o Tribunal pois que o legislador nacional, ao transpor de forma incorreta a Diretiva 2014/59/UE – não prevendo, designadamente, uma avaliação adequada dos ativos e passivos, nem o pagamento de adequadas compensações à instituição objeto de resolução e aos seus acionistas – criou um espaço que possibilitou a adoção da medida de resolução nos termos em que foi tomada pelo Banco de Portugal, cujos efeitos vão para além do momento em que foi adotada e, diga-se, muito para além do prazo-limite de transposição da Diretiva 2014/59/UE.
76 – Assim, deve considerar-se que a transposição deficiente da Diretiva 2014/59/UE, efetuada pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto – o qual foi adotado nessa data específica unicamente para enquadrar a medida de resolução do Banco 1…, adotada dois dias depois -, veio a comprometer seriamente o resultado prescrito pela mesma diretiva, como não podia deixar de se prever naquele momento, construindo um regime jurídico sobre medidas de resolução claramente ilegal face à Diretiva 2014/59/UE.
77 – Sendo o referido regime jurídico sobre medidas de resolução – a saber, os artigos 145.º-A a 145.º-O do RGICSF -, no seu conjunto, violador de diversas normas e princípios de direito da UE, o mesmo não pode subsistir, devendo, por essa razão, ser totalmente afastado pelo Tribunal, por força do primado do Direito da União Europeia.
78 – Nestes termos, a medida de resolução, sendo fundada em normas jurídicas que devem ser afastadas com base no princípio do primado, perde a sua base jurídica e deve ser anulada em conformidade – o que se requer a este Tribunal.
79 – Por fim, a Recorrente suscitou diversas inconstitucionalidades normativas, pedindo ao Tribunal a quo que desaplicasse essas normas por serem as mesmas inconstitucionais, pelo que estava o Tribunal a quo obrigado a conhecer dessas mesmas inconstitucionalidades, respeitando assim as exigências previstas quer na Constituição, quer na Lei do Tribunal Constitucional.
80 – O Tribunal a quo não evitou pronunciar-se sobre essas mesmas inconstitucionalidades, o que mostra que foram as mesmas suscitadas de modo processualmente adequado.
81 – A Recorrente não se conforma, contudo, com a posição assumida pelo Tribunal a quo, continuando a entender, com o devido respeito, que as referidas normas legais aplicadas padecem efetivamente de inconstitucionalidade, pelo que solicita agora ao Tribunal de recurso que as desaplique com base na sua inconstitucionalidade.
82 – Em primeiro lugar, o Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto é inconstitucional por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República.
83 – Com efeito, as normas alteradas pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto tinham sido aprovadas no âmbito de uma autorização legislativa e as normas do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 não o foram.
84 – Não tem razão o Tribunal a quo quando defende que a autorização legislativa que esteve na base do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro era desnecessária porque as matérias eram do domínio concorrencial.
85 – Se o regime anterior tinha sido aprovado no seguimento de autorização legislativa, também o novo regime, ainda que não piorasse a situação dos credores, também deveria ter carecido de autorização legislativa.
86 – Por mais voltas que se queiram dar, o certo é que toda a temática da resolução bancária e as consequências daí advenientes para acionistas e credores, no seguimento da constituição de um banco de transição, são uma forma de intervenção e de expropriação de meios de produção e afetam o conteúdo essencial do direito de propriedade desses mesmos acionistas e credores em termos que justificam – e justificaram no passado – uma lei parlamentar ou uma autorização legislativa parlamentar.
87 – Há aqui uma clara intervenção num meio de produção, há aqui claramente uma medida expropriativa por alegados motivos de interesse público e há aqui, enfim, uma afetação do conteúdo essencial do direito de propriedade dos acionistas e dos credores, tudo contribuindo para justificar a submissão dessa legislação ao regime previsto para as alíneas b) e l) do artigo 165.º da Constituição.
88 – De nada vale que o Tribunal a quo considere que se está apenas a “clarificar o regime da resolução” ou a “regular, clarificando-o, o regime de compensações devidas aos credores” ou a proceder a uma “regulação e conformação de um direito fundamental, o de propriedade”, tudo eufemismos para evitar assumir que se está a legislar sobre essas matérias, alterando o regime jurídico vigente e substituindo-o por outro que uns considerarão mais benéfico e outros menos benéfico, mas que todos reconhecem que veio introduzir relevantes alterações, o que só por si justifica que fosse necessária uma autorização legislativa para o efeito de modo a que, no fim do dia, fosse o Parlamento e não o Governo a determinar os contornos (sentido e extensão) desse mesmo novo regime jurídico.
89 – Em suma, todas as normas aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto (designadamente as normas que se retiram do artigo 145.º-B), que incidam sobre o modo como “os accionistas e os credores das instituições assumem prioritariamente os prejuízos em causa” no seguimento de medidas de resolução, são matérias que careciam de autorização legislativa, por bulirem diretamente com o direito de propriedade e de iniciativa económica dos acionistas, bem como por se relacionarem diretamente com questões de intervenção, de expropriação e consequentes indemnizações.
90 – Nos termos do artigo 61.º da Constituição, é consagrado o direito de iniciativa económica privada e nos termos do artigo 62.º da mesma Constituição é consagrado o direito de propriedade privada, sendo ambos reconhecidos como Direitos, Liberdades e Garantias de natureza análoga e, como tal, beneficiando do regime constitucional associado a esses mesmos direitos, incluindo o facto de pertencerem ao elenco de direitos sobre os quais só é possível legislar por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
91 – Importa, ainda, mencionar que a inconstitucionalidade orgânica dessas normas se funda igualmente na alínea l) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, já que as mesmas incidem sobre os “meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção […]”.
92 – Face ao exposto, são organicamente inconstitucionais as normas que se retiram do artigo 145.º-B, do artigo 145.º-F, do artigo 145.º-H, do artigo 145.º-I, do artigo 153.º-M, do artigo 155.º e do artigo 211.º do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, por incidirem sobre matérias constantes das alíneas b) e l) do art. 165.º da Constituição e, como tal, carecerem de ser aprovadas por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado, nos termos do artigo 165.º da Constituição.
93 – Ora, a inconstitucionalidade destas normas, na medida em que as mesmas tenham estado (como estiveram) na base da decisão de resolução do Banco 1…, contamina a validade dessa mesma decisão aqui posta em crise, já que não pode uma decisão administrativa basear-se em normas legais inconstitucionais, sob pena de violação do princípio da legalidade (em sentido amplo).
94 – Nessa medida, deveria o Tribunal, primeiro, desaplicar as referidas normas legais, por inconstitucionalidade, anulando em seguida o ato administrativo em causa, por falta de base legal válida para o mesmo, o que não fez.
95 – Acresce que são materialmente inconstitucionais as normas do RGICSF que permitem a expropriação de ativos do Banco 1… sem atribuição de justa indemnização, bem sabendo o Tribunal a quo que com a medida de resolução se retiram do banco resolvido os seus principais ativos que são transferidos para um banco de transição.
96 – Com efeito, para quem é acionista ou credor de um banco e vê o Banco de Portugal, nos termos da lei vigente, retirar – ainda que por alegado interesse público – os principais ativos desse mesmo banco percebe imediatamente que foi alvo de uma expropriação.
97 – Perante esta evidência, optou o Tribunal a quo por se enfeudar numa lógica meramente formal, dizendo que os acionistas têm ações e continuam com essas ações e que os credores têm créditos e continuam com esses créditos.
98 – É assim (de um ponto de vista formal), mas não é obviamente assim (de um ponto de vista material) pois, verdadeiramente, do que se trata aqui é de uma norma legal que permite medidas equivalentes às de uma expropriação.
99 – Discorda-se profundamente da visão do Tribunal a quo que descura as consequências constitucionalmente impostas para atos expropriativos ou materialmente expropriativos por motivos de interesse público.
100 – Por outro lado, também a comparação com uma potencial liquidação, tal como efetuada pelo Tribunal a quo, não releva para o efeito. Se o legislador entende que, por motivos de interesse público, quer pôr a salvo determinados bens (tirando-os do banco resolvido e transferindo-os para o banco de transição) e se esses bens têm um valor, terá de indemnizar o banco desse mesmo valor, só assim se assegurando a justa indemnização constitucionalmente prevista.
101 – As dificuldades sentidas pelo Tribunal a quo em justificar como é que uma intervenção do Estado nos meios de produção, que tem, nas palavras do tribunal, “efeitos pecuniários, como qualquer acto de “expropriação” ou qualquer outra forma de “apropriação pública” não implica o pagamento de uma justa indemnização são evidentes e falam por si e, por isso, não consegue explicar como é que uma lei permite ao Banco de Portugal retirar ativos de um banco privado por motivos de interesse público sem que isso seja considerado uma apropriação.
102 – Esquece o Tribunal que, nesse caso, quem teria de receber a justa indemnização era a própria sociedade cujos ativos tinham sido expropriados, o mesmo se passando com o banco resolvido que teria de ser indemnizado pelos ativos que lhe foram retirados.
103 – O que é relevante é que o Banco 1… tinha determinados ativos e passivos (com um valor líquido dos ativos superior ao dos passivos, tal como constava do Balanço do Banco 1… imediatamente antes da resolução) que foram transferidos por decisão unilateral do Banco 1… para o Banco 2…
104 – Ora, por mais injusto que isso possa parecer (e parece), o certo é que o RGICSF permitia a decisão do Banco de Portugal de retirar ativos ao Banco 1… sem pagar, pelo que o que está neste momento em análise é, então, saber se essas normas legais do RGICSF, que permitiram que o Banco de Portugal retirasse ativos patrimoniais de um banco privado para os transferir para outra entidade diferente eram ou não normas legais autorizativas de atos de natureza expropriativa (ou de medidas com efeitos equivalentes aos de uma expropriação) por motivo de interesse público, mas sem acautelar o direito da entidade expropriada e, indiretamente, o direito dos seus acionistas, a uma justa indemnização.
105 – As normas que se retiram da alínea b) do artigo 145.º-C, do n.º 1 e 2 do artigo 145.º-G, do n.º 1 do artigo 145.º-H, do n.º 4 do artigo 145.º-I (todos na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro), bem como do artigo 145.º-H, (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto) do RGICSF violam o n.º 2 do artigo 62.º da Constituição por preverem a possibilidade de o Banco de Portugal retirar (expropriar) ativos ao Banco 1…, sem pagar a justa indemnização devida, bem como o direito de propriedade e de iniciativa económica privada.
106 – E também as normas que se retiram da alínea a) e c) do n.º 1, bem como do n.º 3 artigo 145.º-B do RGICSF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto são inconstitucionais, por não preverem que a indemnização em causa seja pelo menos suficiente para que os acionistas da instituição resolvida não fiquem numa situação financeira pior em consequência da resolução, do que ficariam no caso de a respetiva instituição ter entrado em processo de liquidação, igualmente por violação do direito a uma justa indemnização e, adicionalmente o direito de propriedade e de iniciativa económica privada.
107 – Parece evidente que prometer-se (ou mesmo assegurar-se) que se devolve à entidade “expropriada” o que sobrar, quando sobrar, dos montantes retirados, depois de se compensar o Fundo de Resolução e o Fundo de Garantia de Depósitos, não corresponde a uma justa indemnização, nos termos constitucionalmente devidos.
108 – Não se prevê, desde logo, uma avaliação independente, que determine o valor dos ativos transferidos reportado ao momento imediatamente anterior ao da expropriação, o que era fundamental fazer-se para se saber, exatamente, qual o valor dos ativos retirados e, como tal, qual o valor do crédito indemnizatório do Banco 1… e indiretamente dos seus acionistas.
109 – Naturalmente que não se nega que se os referidos ativos se mantivessem na instituição resolvida (neste caso o Banco 1.) os mesmos não reverteriam na totalidade para os acionistas, no caso de ocorrência de uma liquidação, mas o “bottom line” tem de ser o de que os acionistas (e os credores) não podem ficar piores com a “cura” (resolução) do que com a “doença” (liquidação).
110 – É que a opção pela “cura” (resolução) teve na sua base uma preocupação (aliás legítima) de interesse público, sendo que, no entanto, esse interesse público não deve ser “pago” apenas pelos acionistas, mas antes por todos, porque todos são beneficiados por medidas que evitem riscos sistémicos na banca.
111 – O Banco 1… tinha determinados ativos que tinham reflexo no valor das ações dos seus acionistas: se esses ativos são retirados do Banco 1… por motivo de interesse público, tem o Banco 1…/seus acionistas de serem compensados desse valor, não sendo aceitável a ideia, mais uma vez redutora, de que como os acionistas continuam com as ações, não há nada que indemnizar.
112 – A justa indemnização há-de ser um valor que, como bem reconhece a Diretiva 2014/59/UE, não seja, pelo menos, no final do dia, inferior, para os acionistas, do que aquele que estes teriam se o Banco resolvido tivesse entrado em liquidação e onde esses bens (que não teriam sido expropriados) seriam usados (parcialmente) para pagar àqueles que têm prioridade em processos de liquidação.
113 – Quer isto dizer que, das duas uma: (i) ou bem que o Banco 1… recebia uma justa indemnização correspondente ao valor dos ativos retirados, avaliados com o valor que tinham no momento imediatamente anterior ao da expropriação desses ativos, devendo essa justa indemnização ser paga prontamente; (ii) ou bem que se garantia que os acionistas recebiam uma justa indemnização, no sentido de não receberem menos por virtude da resolução do que receberiam por virtude da liquidação.
114 – Assim, se as normas legais acima identificadas, que permitiram a decisão do Banco de Portugal de transferir para o Banco 2… os melhores ativos do Banco 1… sem indemnizar esta Instituição ou os seus acionistas, permitirem que estes fiquem numa situação financeira (em consequência da resolução) pior do que ficariam se houvesse antes liquidação do Banco 1…, consubstanciará também uma violação do princípio de proporcionalidade e do princípio da igualdade como referido na petição inicial e nas alegações escritas oportunamente apresentadas.
115 – Pelo que, mais uma vez se conclui que mal andou o Tribunal a quo ao decidir pela não verificação das inconstitucionalidades apontadas pela Recorrente e que, naturalmente, contaminam a validade da medida e resolução do Banco 1… adotada pelo Banco de Portugal, situação que se requer seja agora revertida por este Tribunal Superior.
Termos em que, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, desta forma se revogado o Acórdão recorrido e se julgando procedente a ação proposta pela Recorrente».
5.2 – O BdP contra-alegou, concluindo:
«A) Por Acórdão de 12 de março de 2019, o Tribunal a quo decidiu, pela totalidade dos seus juízes, confirmar a não inconstitucionalidade do regime jurídico da resolução bancária e asseverar a plena legalidade da Medida de Resolução do Banco 1… e da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de julho de 2014 – tendo as respetivas decisões sido adotadas no contexto de um mecanismo processual de concentração de processos desencadeado pelo Senhor Juiz Presidente do TAC de Lisboa em 19 de novembro de 2018).
B) No entendimento do ora Recorrido, o Acórdão sub judice, não merece qualquer juízo de censura tendo-se, pelo contrário, como modelar;
C) Começou por procurar evidenciar-se nestas contra-alegações ser manifestamente de rejeitar a pretensão da Recorrente quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, por a isso obstar o art. 151.º do CPTA aplicável ao recurso de revista per saltum, como o presente;
D) Além de que a Recorrente não deu o devido cumprimento aos ónus processuais que sobre si impenderiam em sede de impugnação da decisão da matéria de facto proferida pelo TAC de Lisboa, não indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, também; os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
E) Além de nem sequer ter avançado com a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida em matéria de facto;
F) Devendo, por essa razão, considerar-se como não escritas as conclusões 2. a 5. do recurso da Massa lnsolvente da T…, bem como toda e qualquer conclusão – de que é: exemplo manifesto a conclusão n.º 42. – que se reporte ou faça apelo a um qualquer juízo de censura a respeito da decisão sobre a matéria de facto dada como provada no Acórdão ora recorrido;
G) Deve, portanto, este Alto Tribunal, à luz do disposto nos n.os 1 e 2 do art. 640.º/1 (aplicáveis ex vi do art. 140.º do CPTA), rejeitar o recurso interposto pela Recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto proferida pelo TAC de Lisboa no processo sub judice, mais concretamente, aquela que diz respeito às conclusões de recurso n.os 2 a 5.;
Sem conceder,
H) São manifestamente improcedentes as premissas avançadas pela ora recorrente nas suas alegações de recurso a propósito do alegado (e presumido) erro de julgamento sobre a matéria de facto dada como provada, tendo-se por legalmente errónea, desde logo na sua base, a premissa de que parte a Massa Insolvente da T… para sustentar só poderem ser tomados em conta nos processos judiciais de anulação de actos administrativos os factos constantes do respetivo processo instrutor;
I) Esse erróneo entendimento sobre a admissibilidade da matéria de facto trazida ao processo pela entidade nele demandada encontra-se explícita e implicitamente repudiado no art. 83.º/1, no art. 84.º/1 e no art. 86.º/1 do CPTA – para não mencionar também a alínea c) do respetivo art. 87.º/1;
J) Na verdade, basta ler os respetivos preceitos para se poder asseverar que, em processos de anulação de atos administrativos, os Tribunais hão-de considerar alegados todos os factos trazidos ao processo pela entidade demandada, independentemente de constarem ou não do processo instrutor do ato impugnado ou de documento que não o integra;
K) Dando-se, por isso, como refutadas aquelas premissas sobre a admissibilidade da matéria de facto alegada nestes autos pelo Banco de Portugal, constando ela ou não do processo instrutor da Medida de Resolução (ou do processo instrutor da Deliberação de 22 de julho de 2014), improcedendo, portanto, a (presumida) impugnação por parte da Recorrente da decisão do Tribunal a quo a respeito da matéria de facto dada como provada;
L) Por outro lado, viu-se nas presentes contra-alegações que a Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de julho de 2014 não padece do vício de falta absoluta de procedimento – e, por isso, o Acórdão recorrido não padece de erro de julgamento nesta parte -; tendo antes sido precedida do procedimento que a lei prevê para este tipo de decisões no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (como, de resto, resulta da factualidade provada a que acima se fez referência);
M) Na verdade, contrariamente ao que pretende a Recorrente, coexistem a par do regime geral do procedimento administrativo, a nível setorial, regimes especiais face ao CPA e que gozam de preferência sobre ele, estando nesta situação, nomeadamente, os regimes vigentes em sede de direito administrativo bancário e financeiro, no âmbito dos quais o legislador do RGICSF mostrou pari passu que, quando estão em causa interesses públicos determinantes dessa natureza – nomeadamente da estabilidade e continuidade do sistema financeiro, da protecção das poupanças e da salvaguarda do erário público -, as regras gerais são afastadas e domina antes um principio de urgência, de eficiência e de necessidade, plenamente compreensível à luz dos interesses públicos subjacentes à qualidade e estabilidade do sistema financeiro e que justifica uma regulação mais minimalista, mas sempre suficiente da tramitação procedimental exigível para a tomada de decisões com a celeridade que se impõe nesta matéria [como se retira, nomeadamente pelos arts. 22.º/2, 53.º/5, 76.º/2, 116.º-C/1, alíneas c) e e), 137.º-E/3, 142.º/2, 145.º/1 e 7, 145.º-G/8 e 146.º/1, todos do RGCISF];
N) Como se viu, o facto de o RGICSF afastar expressamente a regra da audiência prévia no contexto da adoção de medidas corretivas ou de resolução (cf. o respetivo art. 146.º) não significa que só nesse caso tenha o legislador querido afastar a aplicação das regras procedimentais do CPA, nem, por outras palavras, demonstra que o legislador dispensou apenas essa concreta formalidade e quis manter aplicável tudo o que mais se estabelece no regime geral em matéria de tramitação procedimental, significando antes que, até por maioria de razão, a instrução procedimentalizada e faseada do procedimento, com todos os passos previstos no CPA, corresponde a uma formalidade não essencial do iter de formação de medidas de intervenção corretiva ou de resolução;
O) Em qualquer caso, demonstrou-se acima que, como resulta da factualidade provada, a determinação do Banco de Portugal sobre a necessidade de provisionamento pelo Banco 1… da sua exposição a entidades do G 1 surge no contexto de uma série de interacções entre o Regulador, a T… (que integrava o Grupo Banco 1.) e o próprio Banco 1…, na sequência do ETTRIC 2, que visava, justamente, a análise da exposição do Grupo Banco 1… ao ramo não financeiro do G 1 – e, portanto, não surgiu nem para o Banco 1…, nem para as restantes instituições de crédito que receberam determinações semelhantes, como uma surpresa, como o resultado de acções e de inspeções levadas a cabo pelo Banco de Portugal sem qualquer conhecimento das partes visadas;
P) Por outro lado, como é evidente, nos procedimentos cuja preparação passe pela realização de fases, diligências ou operações inspetivas, a notificação do inspecionado para uma fase do procedimento cobre, natural e logicamente, a notificação própria e específica para efeitos do desenrolar ou da conclusão desse procedimento;
Q) A notificação preliminar de que alguém se encontra sujeito, por exemplo, a uma averiguação fiscal, dispensa naturalmente a notificação do inspecionado de que se entrou já na fase de decisão;
R) Do mesmo modo, viu-se também ser improcedente a alegada falta de fundamentação da Deliberação do Banco de Portugal de 22 de julho de 2014 e a consequente inexistência de qualquer erro de julgamento pelo Tribunal a quo nesta matéria (sendo certo que, por força do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, a hipotética verossimilhança desta arguição nunca levaria à invalidação da referida Deliberação);
S) Desde logo, como é sabido, a exigência da fundamentação dos atos administrativos visa permitir, em primeira linha, que os seus destinatários possam reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelo respetivo autor, apontando a factualidade dos autos inequivocamente no sentido de o Banco 1…, que é o destinatário do ato – não a Massa Insolvente da sua acionista T… – ter compreendido os fundamentos em que assentou a referida determinação, só isso explicando que tenha determinado a constituição, nas suas contas do 1.º semestre de 2014, de uma provisão de montante inclusivamente superior ao indicado pelo Banco de Portugal;
T) Por outro lado, viu-se ser inteiramente pertinente e acertada a referência pelo Tribunal a quo à relevância da dialética entre a Administração e o destinatário do ato a propósito da densidade da fundamentação concretamente exigível, tendo em conta que se está aqui, no âmbito da regulação e supervisão bancária, num contexto altamente técnico e sofisticado, que se exprime necessariamente na forma em que se desenrolam as interações entre o Regulador (o Banco de Portugal) e as instituições de crédito (como o Banco 1.), com reflexos evidentes na própria forma como a fundamentação das determinações do Regulador se apresenta;
U) E finalmente, ainda em relação à Deliberação de 22 de julho de 2014, ficou plenamente demonstrado que a mesma não é violadora do princípio da igualdade, pelo que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura nessa parte;
V) Em concreto, viu-se que o Banco de Portugal determinou ao Banco 1… a constituição de uma provisão de valor correspondente a 77 % da sua exposição a entidades do G 1 – contra os 50 % impostos aos restantes bancos -, por causa quer da dimensão muitíssimo superior dessa exposição, quer das especiais consequências que o incumprimento pelas referidas entidades do G 1 poderia ter na esfera do Banco 1…, a que acima se fez referência;
W) Sendo que o princípio da igualdade não só admite, como impõe, a existência de diferenciações quando haja um fundamento material objetivamente atendível, como se viu acontecer no caso sub judice;
X) De resto, como acima se referiu, a alegacão da Recorrente a este propósito baseia-se largamente em considerações sobre a factualidade que poderia ou não, no seu entender, ter sido dada como provada e naquela que, para este efeito, poderia ou não poderia ter sido atendida pelo Tribunal a quo – tudo matérias que, como se demonstrou, não têm cabimento no presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo e que, por isso, devem ser desatendidas;
Y) Viu-se ainda nestas contra-alegações que a Medida de Resolução não constitui, como pretende fazer crer a Massa Insolvente da T…, um ato consequente do ato do Banco de Portugal de 22 de julho de 2014, de imposição ao Banco 1… da constituição de uma provisão de 2.000 milhões de euros pelo que – além de a mesma não ser ilegal, como se demonstrou – uma sua eventual ilegalidade nunca contaminaria consequentemente aquela Medida;
Z) Como bem se explicitou, atos consequentes de atos anulados são (melhor, eram), para efeitos da alínea i) do art. 133.º/1 do CPA temporalmente aplicável à invalidade da Medida de Resolução, aqueles atos que só existiam no ordenamento jurídico por força da prática do ato anulado – sem este, ou anulado este, eles perdiam o seu fundamento lógico e ontológico, não poderiam sequer ter sido praticados;
AA) Não se trata, portanto, apenas de um ato (antecedente) ser pressuposto de outro (subsequente), mas de ser a única causa, a única razão de ser, da sua prática, sem o qual não se concebia sequer a existência deste;
BB) O acerto desta proposição – isto é, da (falta de) causalidade “consequente”, digamos assim, da deliberação de 22 de julho de 2014 no que à resolução do Banco 1… diz respeito – demonstrou-se ainda com as lições do Acórdão recorrido que acima se transcreveram nos n.os 93 a 95 destas contra-alegações;
CC) De tudo se concluiu, portanto, que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura nesta parte, pelo que improcede manifestamente o erro de julgamento que lhe vem assacado nas conclusões 28. a 31. das alegações de recurso da Massa Insolvente da T…;
DD) O recurso interposto pela Massa Insolvente da T…, tal como se encontra delimitado nas respetivas conclusões, a respeito da invalidade da Medida de Resolução por violação do princípio da proporcionalidade, vem, senão exclusivamente, pelo menos, maioritariamente, suportado em juízos de censura e imputação de erros de julgamento de facto, e não de natureza estritamente jurídica;
EE) O que significa que o presente recurso – por se tratar de um recurso de apelação judicialmente convertido (com a anuência da Recorrente, lembre-se) em recurso de revista per saltum – tem de ser rejeitado nesta parte, pois que a intervenção direta do STA nesses recursos só é admitida nos termos do art. 151.º/1 do CPTA, para exclusive apreciação de matéria de direito;
FF) Devendo, portanto, considerar-se como não escritas as respetivas conclusões 32 a 42 das alegações de recurso;
Sem conceder,
GG) Um mero relance sobre os factos provados e, mais concretamente, sobre os factos em que o Banco de Portugal se baseou para aplicar a Medida de Resolução ao Banco 1…, como nestas contra-alegações detalhadamente se deu conta, permite concluir que, no caso concreto estavam reunidos todos os pressupostos fácticos para a aplicação de tal medida;
HH) Ou seja, a aflitíssima situação em que se encontrava o Banco 1… não só permitia como impunha uma intervenção resolutiva, como a que foi adotada pelo ora Recorrido;
II) Como esclarecida e unanimemente julgou o Tribunal de 1.ª instância, “ainda que a resolução seja de última ratio, ou seja, um «remédio» muito forte, não significa que o cenário alternativo não seja ainda pior, o da «morte imediata» de um banco, através de um processo de liquidação imediato e desordenado. Em boa verdade, sempre será menos gravoso uma tentativa de «tratar» o que deve ser «tratado», evitando, designadamente um risco de «contágio» a outros organismos que com aquele se relacionem”;
JJ) Por outro Iado, a realização de qualquer operação de capitalização com fundos públicos não competia ao Banco de Portugal, nem dependia da sua exclusiva vontade, mas sim do “membro do Governo responsável pela área das finanças” – tanto em sede de recapitalização voluntária como obrigatória (arts. 13.º/1 e 16.º/9 da Lei n.º 63-A/2008) – não correspondendo, portanto, a uma medida alternativa situada no mesmo patamar da resolução, que pudesse ser equacionada como sucedânea desta, sendo, aliás, a fundamentação do Acórdão do Tribunal a quo absolutamente irrepreensível a este propósito;
KK) O Acórdão recorrido, por conseguinte, não merece qualquer censura nesta parte, improcedendo manifestamente o erro de julgamento que lhe vem assacado nas conclusões 32. a 42. das alegações de recurso da Massa Insolvente da T…;
LL) Em relação à suposta violação pela Medida de Resolução do direito de propriedade privada dos acionistas do banco resolvido e do princípio da proporcionalidade como consagrados no art. 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no art. 1.º do Protocolo Adicional I, constatou-se acima que, na verdade, nada do que aí vem alegado pela Recorrente difere, em termos relevantes, da alegada invalidade da Medida de Resolução por violação do direito de propriedade privada e do princípio da proporcionalidade por referência ao direito português – que se viu ser improcedente -, por isso que, naturalmente, tais direitos e princípios não diferem, no essencial, nomeadamente, quanto ao âmbito e conteúdo da respetiva proteção, do que se estabelece no direito da União Europeia a esse respeito;
MM) Além disso, esclareceu-se ser manifestamente errónea a interpretação que a Recorrente faz do Acórdão recorrido (e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia nele citada), no sentido de aí se ter reconhecido a aplicabilidade direta do princípio no creditor worse off aos accionistas das instituições de crédito resolvidas durante a vigência do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 (ou seja, antes do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/59/UE), o que não corresponde manifestamente à verdade, porque o que o Tribunal a quo decidiu a este respeito foi apenas que, nomeadamente, o facto de o referido princípio não vir consagrado, para os acionistas, no regime nacional aplicável à resolução do Banco 1… não significa que, nomeadamente, “no quadro da responsabilidade civil extracontratual do Estado […] a posição dos accionistas não esteja também incluída no âmbito da proteção da norma, caso existisse alguma degradação da sua posição jurídica por referência ao cenário da liquidação, o que de qualquer forma não vem alegado”;
NN) Nem de resto, como se viu, poderia isso ter sido alegado pela Recorrente, já que, tendo e a medida de resolução bancária cabimento num cenário extremo, de incumprimento pela instituição de crédito dos rácios aplicáveis e de incapacidade de, no imediato ou no curto prazo, honrar as suas obrigações (cf. art. 145.º-C/1 e 3 do RGICSF), conclui-se intuitivamente que, no cenário alternativo ao da adoção a Medida de Resolução do Banco 1… – a da sua imediata insolvência e liquidação desordenada -, a situação dos acionistas seria a mesma, senão pior, do que aquela que, efetivamente, veio a ter lugar na sequência da adoção da tal medida:
OO) Sendo, precisamente, neste cenário que – admitindo a possibilidade de, em concreto, os acionistas se verem numa situação pior do que aquela em que estariam na cenário alternativo da liquidação “não resolutiva” da instituição de crédito, o que não foi demonstrado nos autos – podem assumir um papel relevante a previsão legal do art. 145.º-I/4 do RGICSF, sobre o recebimento do eventual remanescente do produto da venda do banco de transição e, por outro lado, os evidentes benefícios decorrentes da tramitação de um processo ordenado de liquidação do banco resolvido, na medida em que contribuem para a neutralização do impacto de uma eventual (e pouco plausível) diferença da situação dos acionistas num cenário de resolução e num cenário de liquidação em momento imediatamente anterior ao da resolução;
PP) Tudo visto, conclui-se necessariamente que o facto de não vir prevista no direito nacional com base no qual a Medida de Resolução foi adotada uma compensação aos acionistas do banco resolvido não viola os referidos arts. 17.º da Carta e 1.º do Protocolo Adicional 1, na medida em que a eventual compressão do seu direito de propriedade se justifica plenamente face à própria natureza e contornos dos seus investimentos por serem eles donos do banco e deverem, por isso ser os primeiros a sofrer as consequências da deterioração da respetiva situação financeira (exatamente como acontece no regime geral da insolvência);
QQ) Nem, de resto, como se demonstrou, tem qualquer sentido a tese da Recorrente de que, independentemente do que se dispunha no direito nacional aplicável à data da Medida de Resolução do Banco 1…, o Banco de Portugal deveria ter aplicado, no contexto dessa Medida, soluções como as consagradas nos arts. 34.º/6, alínea e), 73.º e 74.º da Diretiva 2014/59/UE (sobre a atribuição de uma eventual compensação ao banco resolvido e aos seus acionistas), por corresponderem tais soluções a exigências do direito de propriedade privada, pelo simples facto de que a Autoridade de Resolução está vinculada a proceder à aplicação de uma medida de resolução com base no regime que, nesse momento, vigore no ordenamento jurídico nacional;
RR) E em relação à alegada falta ou deficiência da transposição da Diretiva 2014/59/UE pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014 – e às consequências em matéria de desaplicação deste último que daí adviriam como consequência do primado do direito da União Europeia -, demonstrou-se também ser o recurso da Massa Insolvente da T… manifestamente improcedente;
SS) Desde logo, porque, como se viu e resulta da jurisprudência do Tribunal do Justiça da União Europeia (que se citou), em 1 de agosto de 2014, o legislador português não tinha de ter transposto qualquer das disposições da Diretiva para a ordem jurídica nacional, não produzindo elas, então, efeito direto, nem estando os tribunais nacionais vinculados, em relação ao que na referida Diretiva se dispõe, ao princípio da interpretação conforme do direito nacional ao direito da União Europeia;
TT) Sendo certo que, por outro lado, é plenamente admissível a transposição parcial, por etapas, de uma diretiva, ainda antes do termo do prazo da respetiva transposição, sem que, quando isso suceda, passe a mesma a produzir efeito direto, muito menos em relação a tudo o que nela se dispõe;
UU) Ainda a este respeito, viu-se acima não ter sido violado pelo legislador do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 o dever de abstenção da adoção de disposições suscetíveis de, após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/59/UE, comprometerem seriamente o resultado nela prescrito, não só porque, como se demonstrou, o (in)cumprimento de tal dever se medir em função dos efeitos de disposições que sejam efetivamente adotadas na ordem jurídica nacional e não em função da não transposição de medidas que ainda não sejam vinculativas, como sucede no caso dos autos;
VV) Mas também porque, entre os objetivos e finalidade primordiais estabelecidos expressamente na Diretiva 2014/59/UE, que acima se anunciaram, não se encontra, nem sequer indireta ou enviesadamente qualquer um respeitante à necessidade europeia de proteção compensatória de instituições de crédito resolvidas e dos respetivos acionistas (contrariamente ao que sucede claramente em relação aos respetivos credores), o que leva a concluir que o facto de no Decreto-Lei n.º 114-A/2014 não se prever o pagamento de eventuais compensações aos bancos resolvidos e aos seus acionistas não compromete, não pode comprometer, a realização futura dos objetivos da referida Diretiva;
WW) De resto, mesmo que a proteção compensatória dos bancos resolvidos e dos seus acionistas fosse, de iure, um dos objetivos essencialmente visados pela Diretiva 2014/59/UE, a verdade é que, nem assim, ele teria ficado comprometido, muito menos seriamente com o Decreto-Lei n.º 114-A/2014, mais não fosse porque, como se demonstrou acima, o que nele se passou a prever não a impediu nem limitou que os bancos que viessem eventualmente a ser resolvidos após o termo do prazo da transposição da referida Diretiva, bem como os respetivos acionistas, passassem a gozar efetivamente de determinadas contrapartidas, desde que verificadas as condições necessárias para o efeito;
XX) A respeito da arguição de inconstitucionalidade orgânica que vem assacada ao Decreto-Lei n.º 114-A/2014, começou por esclarecer-se nestas contra-alegações que, tal como a Recorrente, também o TAC do Lisboa considerou que o direito de propriedade seria um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, encontrando-se, como tal, sujeito ao regime orgânico destes últimos direitos – proposição a que, pelas razões adiantadas, o Banco de Portugal não adere;
YY) Acolhendo-se, sim, ao entendimento de vários matizes de constitucionalistas tão reputados quanto Jorge Miranda, Gomes Canotilho e Vital Moreira;
ZZ) Todavia, mesmo que o direito de propriedade também goze do regime orgânico dos denominados direitos, liberdades e garantias, ainda assim isso não permite concluir pela alegada inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 114-A/2014;
AAA) Deixou-se demonstrado nas presentes contra-alegações que a reserva de competência legislativa do art. 165.º/1 da Constituição respeita, cinge-se, à “exclusiva competência da Assembleia da República para legislar sobre […] direitos, liberdades e garantias”, pelo que, no entendimento do Banco de Portugal, tratar-se-ia, então, de uma competência exclusiva para emitir leis cujo objeto se traduza (no todo ou em parte essencial) na fixação da disciplina do próprio direito, liberdade ou garantia em causa ou em aspetos juridicamente nucleares do respetivo regime;
BBB) Ora, as leis em discussão nestes autos de recurso – em rigor, as normas constantes do título Vlll do RGICSF (“Intervenção corretiva, Administração provisória e Resolução”) nele introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 31-A/2012 e 114-A/2014 – são leis que dispõem sobre o sistema bancário e sobre a necessidade e os meios de se assegurar a estabilidade dele e das suas instituições (as instituições de crédito e as sociedades financeiras) – não sendo, portanto, diplomas em que, como se dispõe no art. 165.º/1 da Constituição, se “legisle sobre” a propriedade ou iniciativa económica privada;
CCC) Na verdade, basta percorrer o elenco dos interesses envolvidos e das finalidades legalmente estabelecidas nos arts. 139.º e 145.º-A do RGlCSF para a adoção de medidas de resolução bancária e não se encontra neles uma única referência ou preocupação com a propriedade dos bancos ou com a iniciativa de sua constituição – sendo o direito de propriedade das respetivas ações submergido, como é natural, quando, face a ele, se agigantam interesses e preocupações públicas de natureza constitucional como os que se destacaram acima nestas contra-alegações;
DDD) Insiste a Recorrente também na imputação de inconstitucionalidade orgânica a todas as normas alteradas pelo Decreto-Lei n.º 114-AI2014, ou seja, como textualmente aí se escreve aos arts. 145.º-B, 145.º-F, 145.º-H. 145.º-I, 153.º-M, 155.º e 211.º do RGICSF;
EEE) Basta confrontar o teor e o sentido ou alcance de várias das normas do RGICSF alteradas pelo referido Decreto-Lei n.º 114-A/2014 para concluir inafastavelmente que não há em muitas delas, subsistentes por si sós, qualquer ofensa ou vestígio de ofensa ao direito de propriedade privada ou à liberdade de iniciativa económica privada dos acionistas (e dos credores subordinados) dos Bancos resolvidos – tendo-se feito eco de vários exemplos desses no n.º 170 das presentes contra-alegações:
FFF) Deste modo, só em relação às alterações à norma do art.145.º-B/1 do RGICSF introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014 – as únicas, aliás, em relação às quais a Recorrente se referiu especificamente – é que poderia suscitar-se o tema da violação dos direitos análogos de propriedade privada e de iniciativa económica privada, por isso que todas as restantes alterações do RGICSF incluídas nesse decreto-lei não bolem manifestamente com tais direitos:
GGG) Por outro lado, confrontando as referidas alíneas a) e b) da versão de 2014 do art. 144.º-B/1 do RGICSF – a respetiva alínea c) não se traduz em qualquer restrição ou compressão de direitos -, é forçoso concluir que aquilo que nelas se fez foi apenas uma clarificação e reasistematização, em relação à posição dos acionistas e dos credores dos bancos resolvidos, do comando legislativo já constante da redação de 2012 do mesmo n.º 1 desse art. 145.º-B, distinguindo-se agora em preceitos separados, constantes de cada uma daquelas alíneas, aquilo que antes já vinha distinguido, mas unitariamente, no tal preceito do n.º 1 dessa primitiva versão do citado artigo do RGlCSF;
HHH) Em bom rigor, dissesse-o ou não o dissesse o referido art. 145.º-B do RGICSF – fosse na versão de 2014, fosse na versão de 2012 ou, até, anteriormente – e dissesse-o ou não o dissesse qualquer outra norma em matéria de resolução bancária, a verdade inquebrantável é que os acionistas assumem sempre, antes de qualquer credor, seja qual for o processo de insolvência, os prejuízos da instituição insolvente;
III) Assim, essa assunção prioritaríssima de prejuízos pelos acionistas traduz-se, como acima se procurou demonstrar, em os direitos inerentes às suas ações só poderem ser exercidos num qualquer processo de liquidação judicial – seja ou não na sequência de uma resolução bancária – depois de terem sido satisfeitas todas as dívidas da instituição insolvente, limitando-se, portanto, o seu direito à partilha do “remanescente” a que se refere o art. 184.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o CIRE;
JJJ) Mais uma razão, portanto, a reforçar a ideia de que na primitiva versão do art.145.º-B/1 do RGICSF já estava ínsita a solução que veio depois a ser clarificada e ressistematizada nas alíneas a) e b) desse artigo na versão do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 – sem que houvesse nessa clarificação e ressistematização, portanto, qualquer violação do que já se dispunha no mesmo art. 145.º-B do RGICSF na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012;
KKK) Como quer que seja, mesmo que assim não se entendesse, o certo é que a superveniência da Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março – pela qual a Assembleia da República estabeleceu, em transposição total da Diretiva 2014/59/UE, um novo regime geral da resolução bancária, adotando ou alargando até as soluções já constantes nesta matéria do art. 145.º-B do RGICSF, na versão do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 -, deve considerar-se, como é lição reiterada da jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional (por exemplo, Acórdãos n.os 485/10 e 397/11) e seguida pela nossa mais importante doutrina, ter existido com isso o propósito de sanação da eventual inconstitucionalidade orgânica de que padecessem as normas correspondentes de um anterior decreto-lei não autorizado;
LLL) Bem andou, portanto, o Tribunal a quo ao não desaplicar, com fundamento na respetiva inconstitucionalidade orgânica, as normas do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 – e também as do Decreto-Lei n.º 31-A/2012 – que serviram de base à adoção da Medida de Resolução do Banco 1…, improcedendo, assim, as conclusões n.os 82 a 94 das alegações de recurso da Massa Insolvente da T…;
MMM) Como se cuidou de explicitar nas presentes contra-alegações, não há, na verdade, nas normas legais da resolução bancária do RGICSF, qualquer violação do direito de propriedade, pois a aplicação de uma medida de resolução não envolve a apropriação pública de qualquer património ou direito dos acionistas do banco resolvido;
NNN) Por esse motivo, como se sublinhou no Acórdão recorrido, a resolução não consiste, nem numa requisição, nem numa expropriação, nem mesmo em “qualquer figura que se assemelhe ao confisco ou esbulho”;
OOO) Mesmo, porém, que se desse de barato que a transferência de ativos do património do Banco 1… para o Banco 2… constitui uma medida ablativa dos direitos dos acionistas (e dos credores subordinados) daquele banco à satisfação dos seus direitos, o que importaria verificar era se daí decorreria, em teoria e na prática, o direito a qualquer indemnização, o preenchimento dos requisitos de que depende a sua atribuição;
PPP) Ora, como acima se viu, tal análise, assinala o Tribunal a quo, “carece de ser aferida por referência a um cenário alternativo de liquidação, [e] não num ambiente normal de atividade bancária, pois que o pressuposto factual manter de uma medida de resolução é efetivamente que esse ambiente de normalidade não se verifique” (cf. pág. 197 do Acórdão recorrido), pelo que, se a medida de resolução de um banco se justifica em virtude de este se encontrar em situação de graves dificuldades financeiras e ser necessário evitar a sua liquidação desordenada não é a seleção de parte dos seus ativos e a transferência deles para o banco de transição que faz diminuir a garantia patrimonial dos seus acionistas e credores;
QQQ) A tudo isto acresce o facto de que, a ter havido diminuição do valor patrimonial dos direitos da Recorrente, isso não resultou da Medida de Resolução, mas sim da precária situação financeira do Banco 1…, não podendo confundir-se “consequências “colaterais” da medida de resolução” com uma afetação do direito de propriedade acionista ou creditício, decorrendo essas consequências “das concretas posições assumidas pelos respetivos sujeitos” (pág. 198 do Acórdão recorrido), não tendo a Medida de Resolução, por outras palavras, implicado qualquer efeito “que não fosse já ter lugar, no quadro da liquidação, como cenário alternativo único à medida de resolução” (cf. pág. 195, idem);
RRR) Em face: de tudo quanto se deixou exposto no capítulo n.º IV.7.2., não resta senão concluir que, qualquer que seja a perspetiva por que, no direito português aplicável, se queira olhar à questão da lesividade efetiva das medidas de resolução do RGICSF e, em particular, da sua aplicação em casos concretos, não houve na resolução do Banco 1… qualquer violação ou ofensa do direito de propriedade dos seus acionistas e credores subordinados:
SSS) Improcedendo, assim, a arguição da Recorrente sobre a alegada inconstitucionalidade das normas do RGICSF – na versão do Decreto-Lei n.º 31-A/2012 ou na do Decreto-Lei n.º 114-A/2014 – por pretensa violação do direito fundamental de propriedade privada, entende-se que o Acórdão recorrido julgou corretamente (também) essa arguição, devendo, por isso, ser integralmente mantido;
TTT) Nos termos que ficaram explanados no n.º V. destas contra-alegações, deve rejeitar-se o pedido de reenvio prejudicial de cujo indeferimento pelo Tribunal de 1.ª instância, a Recorrente interpôs recurso para este Alto Tribunal, por não integrar ele o objeto do presente recurso nem vir incluído nas conclusões das respetivas alegações.
Nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, que respeitosamente se roga, deve o recurso interposto ser
(I) rejeitado – nas partes em que vêm formulados Juízos de censura a respeito do julgamento da matéria de facto realizado pelo Tribunal a quo -, pela circunstância do n.º 1 do art. 151.º do CPTA apenas permitir que, no objeto do recurso de revista per saltum, se suscitem questões de direito;
(ll) rejeitado – nas partes respeitantes à impugnação da decisão sobre a matérIa de facto -, em virtude de a Recorrente não ter cumprido com os ónus processuais previstos no n.º 1 do art. 640.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 140.º do CPTA;
(III) rejeitado na parte que diz respeito ao pedido de reenvio prejudicial por não vir incluído nas conclusões das respetivas alegações;
(IV) em qualquer caso, julgado não provado e improcedente na totalidade».
5.3 – Ainda no recurso interposto pela Massa Insolvente da T…, SA, o Banco 2…, SA, como contrainteressado, contra-alegou, concluindo:
«1) O ato administrativo impugnado, de 22.07.2014, foi praticado ao abrigo de um regime jurídico especial, o RGICSF, o qual estabeleceu diversas exceções às regras e princípios gerais de procedimento administrativo, nomeadamente, o artigo 146.º refletindo-se, porém, em várias dessas normas que o legislador quis dispensar determinadas garantias de procedimento administrativo relacionadas com a proteção dos interesses dos particulares;
2) Foram desencadeadas as necessárias e suficientes diligências instrutórias pelo Banco de Portugal – à luz de um procedimento administrativo específico, constituído também por normas do RGICSF -, após as quais – nomeadamente, face a informações fornecidas pelo próprio Banco 1… – foi tomada a decisão de 22.07.2014;
3) Não houve também nenhuma violação, nomeadamente, do artigo 55.º do CPA, porquanto, além de tal comunicação não ser sempre necessária (v. artigo 55.º do CPA), aquela formalidade foi, em qualquer caso, cumprida em junho de 2014, aquando da solicitação, pelo Banco de Portugal ao Banco 1…, de uma comunicação sobre a exposição daquele Banco a entidades do G 1;
4) Nunca a preterição da comunicação de abertura do procedimento – o que, reitera-se, não aconteceu – geraria uma invalidade do ato impugnado, mas, antes, uma mera irregularidade;
5) A Recorrente reconheceu ter compreendido a fundamentação do ato impugnado, de 22.07.2014 – nomeadamente, que teve “por base a exposição ao G 1” – como resulta da sua argumentação que a mesma não teve nenhuma dificuldade em identificar os fundamentos;
6) O Banco 1…, enquanto destinatário do ato de 22.07.2014, não contestou o valor da referida provisão tendo-se, por isso, conformado e aceitado o conteúdo e fundamentação do ato;
7) A fundamentação da decisão de 22.07.2014 está bem patente no despacho de aprovação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aposto pelo Senhor Vice-Governador sobre a Nota Informativa 940/14 (v. Doc… da Contestação do Banco de Portugal);
8) A situação do Banco 1…, à data da decisão em causa era única, não havendo nenhuma instituição bancária que estivesse exatamente na situação de exposição em que aquele Banco se encontrava, desde logo, por o Banco 1… ser o maior credor do G 1;
9) Não houve nenhum tratamento mais favorável por parte do Banco de Portugal, bem como nenhuma violação do princípio da igualdade, uma vez que se trata de situações diferentes em relação às quais foram feitas abordagens diferentes;
10) Além de não ser verdade que a provisão constituída represente mais de 100 % da exposição creditícia do Banco 1… ao G 1, a exposição (direta e indireta) do Banco 1… era muito superior à de qualquer outro Banco;
11) A semelhança do já invocado pelo Banco 2… (v. artigos 64.º e segs. da Contestação), concordou corretamente o Tribunal a quo que “[…] nenhum vício jurídico concreto é assacado por referência às alegações de causalidade ao ato de constituição de provisão e ao ato final de resolução do Banco 1…, sendo invocado apenas pela autora, de forma totalmente genérica e vaga, a ilegalidade derivada, com o desvalor jurídico mais grave de nulidade, da deliberação da aplicação da medida de resolução enquanto ato consequente da deliberação da constituição de provisões» (v. página 133 do Acórdão);
12) A Recorrente não logrou estabelecer, conforme lhe incumbia, e no que concerne a alegada nulidade da Medida de Resolução enquanto ato consequente da Deliberação de Constituição de Provisões, “qualquer correlação entre os factos causais e o desvalor jurídico que invoca de nulidade”;
13) As alegações da Recorrente mais não configuram do que invocações genéricas, meramente conclusivas, infundadas, especulativas e sem correspondência à realidade, nomeadamente, no que concerne a alegada garantia prestada pelo Estado Angolano;
14) Pese embora as transcrições legais e a tipificação de “medidas alternativas”, a Recorrente não demonstrou na ação – e continuou sem demonstrar nas suas Alegações de Recurso, o mérito, eficácia e suficiência das mesmas, bem como a própria viabilidade jurídica;
15) O douto Tribunal a quo fundamentou claramente, e em termos irrepreensíveis, a não violação do princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes da adequação, necessidade e razoabilidade;
16) Relativamente ao alegado nos artigos 148.º a 211.º das suas Alegações de Recurso, a Recorrente incorreu em manifestas insuficiências de formulação, nomeadamente, ao não concretizar a alegada violação, bem como ao fazer “tábua rasa” do RGICSF, designadamente, dos artigos 145.º-A a 145.º-O;
17) A Recorrente não logrou demonstrar – porque, de resto, a mesma não existe – a alegada violação do direito de propriedade e do princípio da proporcionalidade previstos no artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 1.º do Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
18) Além de o Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, ter procedido a uma transposição parcial da referida Diretiva, os Estados-Membros, de acordo com o respetivo artigo 130.º, tinham até 31.12.2014 para proceder à transposição da Diretiva;
19) A Recorrente não expôs na PI, e não o fez também nas suas Alegações de Recurso, os motivos pelos quais deve ser afastada a aplicação dos artigos 145.º-A a 145.º-O do RGICSF;
20) A Comissão Europeia, tal como o Banco Central Europeu, acompanharam a prática, pelo Banco de Portugal, da Deliberação de 03.08.2014, não se tendo oposto à mesma;
21) A reserva de competência legislativa da Assembleia da República quanto àquelas matérias respeita apenas a direitos, liberdades e garantias inscritos (como tais ou com natureza análoga) nos Títulos I e II da Parte I da CRP, não abrangendo “em contrapartida […] direitos de natureza análoga situados fora daqueles títulos”, como os invocados pela Recorrente, conforme resulta das autorizadas palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros;
22) A reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias restringe-se à disciplina do regime de cada um deles, às normas que dispõem sobre esses direitos, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 165.º da CRP;
23) Estão abrangidos pela reserva constitucional de competências da Assembleia da República os diplomas que disponham sobre o regime dos Direitos, Liberdades e Garantias e excluídos, a contrario, os diplomas em que se legisle sobre outras matérias cujas normas, indireta ou reflexamente, se repercutam em aspetos ligados com o exercício dos referidos Direitos, Liberdades e Garantias;
24) A alegação da Recorrente a este respeito é genérica e abstrata, e como tal infundada e improcedente, não havendo nas suas alegações nada que explique por que razão o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 implicou uma restrição injustificada dos direitos à economia privada e à propriedade daquela;
25) Quanto às normas do n.º 1 do artigo 145.º-B do RGICSF, não é sequer possível afirmar que se trate de uma norma que produza efeitos de forma direta na esfera jurídica de qualquer acionista ou credor, na medida em que aquela norma se limita a enunciar os princípios gerais que orientam a aplicação de qualquer medida de resolução;
26) O n.º 1 do artigo 145.º-B do RGICSF não é suscetível de conflituar com qualquer direito fundamental e, consequentemente não pode padecer da inconstitucionalidade que o Recorrente lhe imputa, nem sequer o n.º 3 do mesmo dispositivo legal ou a alínea a) do n.º 2 e n.º 4, ambos do artigo 145.º-H do RGICSF, respetivamente, aditado e alterados pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014;
27) Não existiu qualquer agravamento da posição/propriedade dos acionistas e credores de instituições bancárias, em comparação com o que resultava da versão anterior do RG não padecendo, consequentemente, qualquer das normas constantes do RGICSF, na versão do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de inconstitucionalidade orgânica que a Recorrente lhes imputa;
28) Não estamos, no que concerne à Medida de Resolução, perante uma expropriação no sentido de ato ablatório ou limitador do direito de propriedade, porque os acionistas e credores não ficaram privados dos ativos que detinham no Banco 1… a 03.08.2014;
29) lmprocede a tese da Recorrente porquanto o n.º 4 do artigo 145.º-I do RGICSF, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012 de 10 de fevereiro, não vai contra o disposto no n.º 2 do artigo 62.º da CRP que “apenas” exige nas situações de “requisição ou expropriação por utilidade pública”;
30) A Recorrente parece esquecer que o Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, não aditou apenas o n.º 4 do artigo 145.º-I ao RGICSF, tendo previsto no n.º 4 do artigo 145.º-H que também foi aditado ao RGICSF por aquele diploma posto em crise pela Recorrente, que “Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados nos termos do n.º 1 devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal em prazo afixar por este, a expensas do instituição de crédito”.
31) Improcede o arguido pela Recorrente quanto à suposta inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, por alegadamente não prever uma “justa indemnização” para os seus credores e acionistas;
32) Um acionista tem uma posição bastante enfraquecida quanto às legítimas expetativas de manutenção do valor económico das suas ações ao longo do tempo, que, aliás, até pode num espaço muito curto de tempo, como no caso do Banco 1…, depreciar brutalmente;
33) Antes da aplicação da medida de resolução a CMVM tinha, a 01.08.2014, ordenado (novamente) a suspensão da negociação das ações representativas do capital do Banco 1…, numa altura em que as mesmas eram negociadas a apenas (euro) 0,12/ação;
34) O pedido de reenvio prejudicial formulado pela Autora, ora recorrente, é totalmente inadmissível, nomeadamente, devido à sua manifesta impertinência.
Termos em que se requer a V. Exas. que se dignem julgar totalmente improcedente, por não provado, o presente Recurso e, em consequência, confirmar o Acórdão recorrido».
6 – O Ministério Público emitiu parecer pugnando pela improcedência dos dois recursos [cf. fls. 8406/8420 dos autos].
7 – Notificadas as partes do referido Parecer, veio o Banco 2… manifestar a sua concordância com o mesmo, enquanto a Massa Insolvente da T…, SA, discordou do referido Parecer e manteve as suas alegações, oportunamente apresentadas [cf. fls. 8430/8445 dos autos].
8 – Por acórdão deste STA de 23.01.2020 foi determinada a suspensão da presente instância nos termos dos arts. 267.º do TFUE, 269.º e 272.º do CPC ex vi do art. 1.º do CPTA, acordando-se em submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pedido de reenvio prejudicial contendo as seguintes questões:
“1. O direito da União, nomeadamente o art. 17.º da CDFUE e a Diretiva n.º 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, e, em especial os seus artigos 36.º, 73.º e 74.º, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a supra enunciada e que foi aplicada pela medida de resolução consistente na criação de uma instituição de transição e instrumento de segregação de ativos, que, transpondo parcialmente aquela Diretiva e no decurso do período total de transposição da mesma:
a) Não preveja a realização de uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição objeto da medida de resolução em momento prévio à sua adoção?
b) Não preveja o pagamento de uma eventual contrapartida, em função da avaliação mencionada na alínea anterior, à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade e que, em lugar disso, se limite a prever que o eventual remanescente do produto da alienação do banco de transição deve ser devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente?
c) Não preveja que os acionistas da instituição objeto da medida de resolução têm o direito a receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência, prevendo tal mecanismo de salvaguarda apenas para os credores cujos créditos não tenham sido transferidos?
d) Não preveja uma avaliação, independente da avaliação referida na alínea a), destinada a avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência?
2 – Considerando a jurisprudência do Tribunal de Justiça afirmada no acórdão de 18.12.1997, «lnterMEnvironnement Wallonie» (Proc. n.º C-129/96, sucessivamente reiterada pelo mesmo Tribunal uma legislação nacional como a enunciada nos autos, enquanto transposição parcial da Diretiva 2014/59/UE, mostra-se, no contexto da aplicação da medida de resolução, como suscetível de comprometer seriamente o resultado prescrito pela Diretiva, em especial dos seus artigos 36.º, 73.º e 74.º?” [cf. fls. 8446/8478 dos autos].
9 – Por Acórdão de 05.05.2022 [Processo C-83/20], o TJUE respondeu ao referido pedido de reenvio [cf. fls. 8818/8842 dos autos].
10 – O processo é submetido à Conferência para julgamento ampliado do recurso [art. 148.º do CPTA] tal como determinado pelo despacho da Senhora Conselheira Presidente do STA de 16.12.2022 [cf. fls. 8954 dos autos].
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
A) O Grupo 1 (doravante G 1) foi “um grupo financeiro universal com o seu centro de decisão em Portugal, o que confere ao território nacional o cariz de mercado privilegiado. Com presença em quatro continentes, atividade em 25 países e mais de 10.000 colaboradores, que incluía o maior banco nacional (cotado em Portugal por capitalização bolsista – (euro) 5,5 mil milhões em 31 de Março de 2014) e a segunda maior instituição financeira privada em Portugal em termos de ativos” (C 80,6 mil milhões em 31 de dezembro de 2013) [cf. doc. n.º …6 junto aos autos com a petição inicial (doravante P.I.) do Proc. n.º 2586/14.3BELSB …].
B) O Banco 1…, (doravante Banco 1.), “era o segundo maior banco privado e o terceiro maior banco do país” [cf. doc. n.º …1 junto aos autos, com a contestação do Proc. n.º 2586/14.3BELSB …].
C) O Banco 1… “deteve uma quota de 11,5 % do total de depósitos captados junto de pessoas ou entidades residentes ou com sede em Portugal e de cerca de 20 % do total de depósitos constituídos por pessoas ou entidades residentes ou com sede fora de Portugal” [cf. Deliberação de 3.08.2014, constante do processo administrativo (doravante P.A.) …].
D) O Banco 1… “deteve cerca de 14 % do total de crédito concedido em Portugal, sendo a quota de crédito concedido a atividades financeiras e segurados de 31 % e de 19 % a percentagem do crédito concedido a sociedades não financeiras”. [cf. Deliberação de 3.08.2014, constante do P.A. …];
E) O Banco 1… “de entre os maiores bancos a operar em Portugal, era aquele cuja carteira de crédito incluía uma maior percentagem e um grande volume de operações de financiamento a empresas, designadamente a empresas do nível PME” [cf. Deliberação de 3.08.2014, constante do P.A. …];
F) O Banco 1… “foi membro direto ou indireto de 31 sistemas de pagamentos de compensação ou liquidação, entre os quais, Target 2 (Portugal e Espanha), Euro1, STEP1, STEP2-SEPA CT, SWIFT, SICOI – Multibanco, SICOI – Cheques e Interbolsa” [cf. Deliberação de 3.08.2014, constante do P.A. …];
G) O Banco 1… “foi detentor de cerca de (euro)38.000 a (euro)45.000 milhões de depósitos de clientes” [cf. doc. n.º … junto aos autos com a contestação do Proc. n.º 2586/14.3BELSB …].
H) A autora, Massa Insolvente da T…, SA, é uma sociedade de direito luxemburguês que, entre outros ativos, detinha uma participação social direta equivalente a 1 % e indiretamente uma participação social indireta de 19,05 % do capital social do Banco 1…
I) A 10.10.2014, a T…, SA, foi declarada insolvente pelo Tribunal de Comércio do Luxemburgo [cf. sentença de insolvência junto aos autos com a P.I., que se concretiza em cópia de original e tradução certificada].
J) As autoras, A… S.a.r.l. e outras, são titulares de obrigações subordinadas, pertencentes à emissão PTBEQJOM0012, por intermédio das suas entidades gestoras [cf. docs. n.os…,…-b, 1-c, 1-d, 1-e, 1-f, 1-g, 1-h, 1-i, 1-j, 1-k, 1-I, 1-n, 1-0, 1-p, constantes da Pasta 3, junto aos autos com o articulado de resposta às exceções].
K) Algumas das obrigações subordinadas a que se refere a alínea anterior do probatório foram adquiridas em momento anterior ao da aplicação da medida de resolução de 3.08.2014 [cf. docs. n.os…,…,…,…,…,…0,…1,…2,…3,…4,…6,…8,…9,…1,…2,…3 junto aos autos pelas AA., por requerimento de 10.05.2018].
L) Algumas das obrigações subordinadas das quais as aqui AA. são titulares, foram adquiridas em momento posterior à da aplicação da medida da resolução [cf. doc. n.os…,…,…,…,…,…,…,…,…2,…3,…4,…5,…7,…8,…9,…0,…1, junto aos autos pelas AA., por requerimento de 10.05.2018].
M) O setor financeiro nacional permanecia em 2011 gravemente afetado pela crise financeira global que teve início no ano 2007, para a qual contribuiu a insolvência do Banco 3… no ano de 2008 [facto público e notório].
N) Em maio de 2012, a União Europeia, o Governo português e o Fundo Monetário Internacional negociaram e aprovaram o Programa de Assistência Económica e Financeira [doravante, “PAEF”], no valor de (euro) 78 mil milhões [facto público e notório].
O) A 17.05.2012, o Governador do Banco de Portugal assinou a Carta de Intenções que capeou o Memorando de Entendimento onde se estabelecem os deveres do Banco de Portugal [BdP] quanto ao sector financeiro de Portugal.
P) Em setembro de 2013, o BdP, decidiu aprofundar a avaliação de um conjunto de 12 grupos económicos através de uma ação transversal ao sistema bancário nacional com vista a garantir que os níveis de imparidade reconhecidos nos seus balanços eram adequados e que os seus cálculos, incluindo a valorização das garantias associadas a exposição de incumprimentos e a outros riscos e contingências do negócio, eram conservadores e estavam em linha com as práticas internacionais, designada por ETRICC 2, incluindo o ramo não financeiro do Grupo 1 [cf. doc. n.º … junto aos autos pela entidade demandada, por requerimento de 15.05.2018, no proc. n.º 2586/14.3BESLB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
Q) A primeira inspeção foi realizada ao abrigo do Programa Especial de Inspeções (SIP) e dirigiu-se à análise das carteiras de crédito, revisão e transversão do processo de cálculo de requisitos de fundos próprios para risco de crédito e avaliação das metodologias e dos parâmetros utilizados nos exercícios de stress test a realizar regularmente pelas instituições [cf. doc. n.º …2, pág. 25, junto aos autos pelas AA. com a P.I.].
R) Esta inspeção foi assegurada pela U…, SA, e pela V…, Lda., as quais validaram a correção dos dados que suportavam a solvabilidade dos grupos visados nas inspeções, podendo ler-se na nota distribuída pelo Governador do BdP por ocasião da Audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública no âmbito do processo de operações de capitalização de instituições bancárias, que “[o]s resultados do SIP, validaram, no essencial, a correção dos dados que suportaram a avaliação da sua solvabilidade à data de 30 de junho de 2011, confirmando a resiliência e a solidez financeira do sistema bancário nacional com referência a essa data” [cf. doc. n.º …2, pág. 27, junto aos autos pelas AA. com a P.I. no proc. 2586/14.3BELSB].
S) Em relatório da V…, Lda., elaborado, na sequência do exercício a que se reporta a alínea anterior do probatório, pode ler-se que “era objetivo do Banco de Portugal desenvolver procedimentos de auditoria focalizados na avaliação da adequação do nível de imparidades alocado às exposições de crédito concedidas pelo Grupo T…, SA (“Banco ou T…”) e pelos restantes Bancos Participantes a um conjunto selecionado de grupos económicos (“Grupos económicos”), com referência a 30 de setembro” [cf. doc. n.º … junto aos autos pela entidade demandada, por requerimento de 14.05.2018, no proc. n.º 2586/14.3BESLB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
T) Na sequência das iniciativas, enquadradas no ETRICC2 a que se referem as alíneas anteriores do probatório, o BdP “determinou de imediato a elaboração de contas consolidadas pró-forma da W…, com referência a 30 de Setembro de 2013, acompanhadas de parecer de auditor externo”[cf. doc. n.º …7, pág. 13, junto aos autos pelas AA., com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e doc. n.º … junto aos autos pela entidade demandada, por requerimento de 14/05/2018, no proc. n.º 2586/14.3BESLB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
U) A função de auditor externo a que se reporta a alínea anterior, tendo em vista a emissão do parecer, foi atribuída à X…, SA (X.) [cf. doc. n.º …7, pág. 13, junto aos autos pelas AA., com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
V) No final de novembro de 2013, em resultado das auditorias/ações inspetivas realizadas pelo BdP, foi detetada uma diferença material nas contas individuais da W… (W.) face à informação anteriormente reportada ao BdP e divulgada ao mercado [cf. doc. n.º …7, pág. 13, junto aos autos pelas AA., com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
W) A 21.11.2013, o Banco 1… emitiu obrigações subordinadas, com um valor de emissão de 750 milhões de euros […cf. doc. n.º …2 junto aos autos pelas AA. com a P.I.].
X) A 3.12.2013, ainda com base no programa de inspeções referido supra, o BdP identificou “uma situação patrimonial séria nas contas individuais da W…” e ordena a implementação de medidas de isolamento dos riscos [“ring fencing”], “em particular, […] determinou a eliminação da exposição do Grupo T… à W… não coberta por obrigações contratuais e colaterais avaliados de forma conservadora e a criação de uma conta dedicada (escrow account) com uma reserva mínima igual ao remanescente do montante de dívida emitida pela W… e colocado junto de clientes do Banco 1…, que deveria ser suportada por cash flows de entidades fora do perímetro do Grupo T…” e “determinou ainda que a não concretizarão das referidas medidas implicaria a obrigação de constituição de uma provisão, com referência a 31 de dezembro de 2013 e que tivesse em consideração as conclusões do auditor externo” […cf. doc. n.º …7, pág. 13 e 14, junto aos autos pelas AA. com a P.I. e doc. n.º … junto aos autos pela entidade demandada, por requerimento de 14.05.2018, no proc. n.º 2586/14.3BESLB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
Y) A 10.12.2013, o Presidente da Comissão Executiva do Banco 1…, endereçou carta ao BdP, com o seguinte teor [cf. doc. n.º …5 junto aos autos pelas AA., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Respondo à carta que V. Exas. me endereçaram no dia 28.11.2013 (v.refs. 4791/13/.), que recebi no dia 3 do corrente mês de dezembro, cujo conteúdo mereceu a minha melhor atenção, afigurando-se-me dizer o seguinte:
(i) A história das instituições, designadamente a do “Banco 1…, SA” (Banco 1.), entidade cujas origens remontam a mais de 145 anos, não se pautou, nem se deve deixar influenciar, no tempo e nas decisões que determinam a sua evolução, por opiniões díspares, a maior parte das vezes especulativas e infundadas, outras revelando estados de espírito atentatórios da ponderação, recato e bom-senso que se impõem à tomada de decisões como sejam a da eleição dos membros dos seus órgãos sociais e, entre estes, dos principais responsáveis.
(ii) Estou certo de que tal como eu, V. Exas., subscrevem, sem hesitar, o que acima deixo dito. Como eu também subscrevo, sem qualquer hesitação o que V. Exas. assinalam – que o processo de eleição dos órgãos sociais do Banco 1…, SA terá de escrutinar ex-ante a capacidade e competência profissional dos membros a eleger, o que deverá ser feito nos termos e de acordo com o acervo legislativo que mencionam na carta em resposta; como terá de ser devidamente ponderada a escolha dos membros a propor para eleição, onde para além daqueles aspetos qualitativos pesam ainda a avaliação da capacidade de efetuar uma gestão sã e prudente que promova a segurança dos fundos confiados à instituição tudo, naturalmente, sujeito à apreciação e aprovação prévia do Banco de Portugal.
(iii) Assim a escolha dos futuros membros da administrado e fiscalização do “Banco 1…, SA” bem como a avaliação da capacidade e disponibilidade e idoneidade de cada um, exige tempo, ponderação, confidencialidade, discrição, bom-senso, não sendo um processo, por todas estas circunstâncias, que se possa e/ou deva precipitar, em resultado de pressões mediáticas espúrias e/ou mal-intencionadas.
(iv) Tudo se fará a seu tempo, em permanente diálogo com V. Exas, e, como não poderia deixar de ser, no interesse do banco, dos mais 9,000 trabalhadores que emprega, da estabilidade da economia nacional e do sistema financeiro e da coesão dos respetivos acionistas a quem, aliás, cabe a última palavra.
(v) Como é do conhecimento de V Exas. o mandato dos atuais membros de órgãos sociais do Banco 1…, termina em 31 de dezembro de 2015. Estes foram, na sua quase totalidade, reconduzidos nas funções que desempenham há alguns mandatos, por deliberação amplamente maioritária (92,62 %) dos acionistas reunidos na Assembleia Geral anual que ocorreu no dia 22 de março de 2012. Eleição efetuada após ter sido concretizado, junto de V. Exas. o registo provisório das respetivas designações.
(vi) De acordo com o Art. 13.º do contrato da sociedade compete à Assembleia Geral “eleger a Mesa da Assembleia Geral, o Conselho de Administração, a Comissão de Auditoria e o Revisor Oficial de Contas, este último sob proposta da Comissão de Auditoria” matérias que lhe serão “submetidas em lista elaborada pelos acionistas de referência, qualificados ou não”.
(vii) E como ocorrido nos últimos 22 anos, até ao termo do mandato em curso, os supracitados acionistas efetuarão os contactos necessários à composição que irão desempenhar funções nos órgãos sociais do Banco 1…, no mandato de 2016 a 2019, observando a todo o momento, os procedimentos que a Lei, os estatutos e a Regulamentação, nacional e internacional, mandam observar, para a respetiva eleição.
(viii) No que respeita a última das questões colocadas não se vislumbram factos e ou razões que motivem a suspensão ou levem à renúncia de quaisquer membros das comissões executivas da T… e do Banco 1…
Todavia, caso estas instituições sejam confrontadas com tal situação serão ativados os mecanismos legais e estatutários pertinentes.
(ix) Por tudo o que antecede não vejo motivos, nem razões para alterar o curso do normal funcionamento dos órgãos sociais que estão a cumprir legitimamente os seus mandatos.
Face ao exposto e com vista a assegurar a desejável e imperiosa estabilidade do “Banco 1…, SA” no respeito por todos os trabalhadores clientes e acionistas, informo que com a confidencialidade que a matéria exige, V. Exas. serão sempre postos ao corrente das iniciativas que venham a ser tomadas, com vista à designação dos futuros órgãos sociais do Banco 1…”.
Z) Na mesma data a que se reporta a alínea anterior do probatório, a T…, SA, endereçou uma carta ao BdP, onde anunciava um plano de venda de ativos e outras medidas para melhorar a situação financeira da W… [cf. doc. n.º …0 junto aos autos pelas AA., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
AA) A 23.12.2013, em resposta à carta a que se reporta a alínea anterior do probatório, o BdP, endereçou ofício, com referência,…18, ao Presidente do Conselho de Administração do T…, SA com o seguinte teor [cf. doc. n.º … junto aos autos pela entidade demandada, por requerimento de 14.05.2018, no proc. n.º 2586/14.3BESLB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“1. Na sequência da carta remetida por V. Exas., datada de 10 de dezembro de 2013, sobre a W… (W.), e em complemento à informação e esclarecimentos adicionais prestados relativamente à matéria em apreço, nomeadamente no âmbito de reunião realizada, a nível técnico, por solicitação do Presidente do Conselho de Administração da T… (T.), o Banco de Portugal vem determinar o seguinte:
a) A geração de meios líquidos resultantes das ações entretanto desenvolvidas e a desenvolver pela W…, em particular a venda de ativos, conforme previsto no plano apresentado, deve ser canalizada para alimentar a conta à ordem (conta “escrow”), a qual deve ser exclusivamente destinada ao reembolso da divida emitida pela W… e detida por clientes do Banco 1… (Banco 1.) na sequência da colocação na respetiva rede de retalho;
b) A linha de crédito a constituir, a afetar exclusivamente à liquidação da divida emitida pela W… e detida por cientes do Banco 1… na sequência da colocação na respetiva rede de retalho, deve ser de montante que permita assegurar a todo o momento, conjuntamente com o saldo disponível na conta “escrow” o reembolso integral da dívida acima referida;
c) A apresentação de declaração assinada pela Comissão Executiva da T… que assegure que o grupo T… não assume qualquer apoio financeiro ou garantia explícita ou implícita relativamente às operações que alimentam a conta “escrow” como à mencionada linha de crédito;
d) A apresentação de declarações assinadas pela Comissão de Auditoria da T… e pela X… confirmando, com base em trabalho de auditoria a realizar de acordo com termos de referência a aprovar pelo Banco de Portugal, que o grupo T… não assume qualquer apoio financeiro ou garantia explícita ou implícita relativamente às operações que alimentam a conta “escrow” bem como à mencionada linha de crédito;
e) O reforço das garantias associadas aos financiamentos concedidos pelo grupo T… à W… e Y… (Y.), de modo a assegurar que a exposição direta e indireta do grupo se encontra, de forma permanente e integral coberta por garantias juridicamente vinculativas, devendo os ativos dados em colateral estar prudentemente valorizados.
f) A apresentação de declarações assinadas pela Comissão de Auditoria da T… e pela X… confirmando, que as garantias associadas aos financiamentos concedidos pelo grupo T… à W… e Y… (Y.), têm uma natureza juridicamente vinculativa, se encontram prudentemente avaliadas e asseguram que a exposição direta e indireta do grupo se encontra, de forma permanente e integral, coberta.
2 – Para efeitos do cumprimento das referidas determinações, solicita-se que sejam apresentados elementos probatórios, designadamente prova documental, sobre o processo negocial da linha de crédito, designadamente, com identificação das contrapartes contactadas, condições requeridas, duração prevista da linha de crédito, responsável do grupo pela condução negocial do processo. Alerta-se V. Exas. para a necessidade de a contratação da linha de crédito dever estar concluída até à terceira semana de janeiro de 2014.
3 – Mais se solicita que as declarações assinadas pela Comissão de Auditoria da T… e pela X…, conforme mencionadas nas alíneas d) e f) do ponto 1 acima, sejam remetidas ao Banco de Portugal até à terceira semana de fevereiro de 2014.
4 – Solicita-se, ainda, a apresentação ao Banco de Portugal de relatório assinado pelos membros da Comissão Executiva da T…, com periodicidade semanal, sobre a realização de cada uma das medidas previstas, acompanhado de evidência documental e de informação discriminada e fundamentada das movimentações (entradas e saídas) e saldo da conta “escrow””.
BB) A 26.12.2013, em nova reunião do BdP discutiu-se a situação da W… e foi determinada a constituição de uma equipa para supervisionar a mesma e reportar os resultados ao BdP.
CC) A T… emitiu uma garantia incondicional e irrevogável de 700 milhões de euros a favor do Banco 1… de modo a assegurar o cumprimento dos instrumentos de dívida emitidos por diversas entidades não financeiras do G 1 e colocados pelo Grupo Banco 1… nos seus clientes de retalho [cf. doc. n.º …7, pág. 14, junto aos autos pelas AA. do Proc. n.º 2586/14.3BELSB, com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
DD) O montante da provisão a que se reporta a alínea anterior do probatório, foi determinada pela X… e confirmado pela V…, tendo em consideração a avaliação económica realizada ao plano de negócio da W… e os riscos de execução identificados [cf. doc. n.º …7, pág. 14, junto aos autos pelas AA. do Proc. n.º 2586/14.3BELSB, com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
EE) No âmbito da implementação do plano estratégico de 2013-2017 e nesse período, o Banco 1… financiou o Banco 4…, num montante total que ascendeu aos 3.3 mil milhões de euros.
FF) A 31.12.2013, o Governo de Angola emitiu uma garantia no valor de USD 5.7 mil milhões [4.2 mil milhões de euros], referente a diversos financiamentos concedidos pelo Banco 4… […cf. doc. n.º …7 junto aos autos, com a P.I. no proc. n.º 2586/14.3BELSB].
GG) A 04.02.2014, o BdP, endereçou ofício, com referência…18, ao Presidente do Conselho de Administração do T…, com o seguinte teor [cf. doc. n.º … junto aos autos pela entidade demandada, por requerimento de 14.05.2018, no proc. n.º 2586/14.3BESLB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Na sequência das conclusões extraídas pela X… no relatório preliminar de progresso sobre os trabalhos de revisão limitada de finalidade especial sobre as demonstrações financeiras consolidadas pró-forma da W… (W.), com referência a 30 de setembro de 2013, remetido ao Banco de Portugal no passado dia 31 de janeiro, determina-se, ao abrigo do artigo 116.º, n.º 11, alínea c) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o envio, no prazo de 3 dias úteis, da seguinte informação:
a) Declaração do Conselho de Administração do T… (T.) que confirme o compromisso de cobertura, de forma direta ou através de garantia juridicamente vinculativa prestada por terceiros, da responsabilidade pelo pagamento dos títulos de dívida emitidos pela W… e detidos por clientes do Banco 1… (Banco 1.) na sequência da colocação na respetiva rede de retalho;
b) Valor da imparidade/provisão a registar nas contas do exercido de 2013 em resultado das conclusões preliminares sobre a situação financeira da W…;
c) Afetação dessa imparidade/provisão entre as instituições que integram o grupo T… (T.), atendendo à exposição direta existente sobre entidades do ramo não financeiro do grupo 1, bem como à necessidade de cobertura de riscos, incluindo reputacionais, decorrentes da comercialização de títulos de dívida destas entidades:
d) No caso de estar prevista a afetação da referida imparidade/provisão exclusivamente às contas da T…, descrição detalhada dos mecanismos que permitirão transferir para esta entidade as perdas subjacentes aos riscos, incluindo reputacionais, imputáveis ao Banco 1…, se for esse o caso, devendo essa descrição ser acompanhada de parecer jurídico que sustente a validade e eficácia legal de tais mecanismos e a legitimidade para a T… assumir responsabilidades potencialmente atribuíveis à sua filial;
e) Descrição dos movimentos financeiros e contabilísticos que teriam lugar caso se materializasse a necessidade de cobertura de riscos, incluindo reputacionais, decorrentes da comercialização pelo Banco 1… de títulos de dívida da W…;
f) Plano de comunicação ao mercado, aquando da divulgação das contas do Banco 1… e da T…;
g) Datas previstas para a aprovação e subsequente divulgação ao mercado das contas do Banco 1… e da T…;
h) Descrição das medidas de salvaguarda da área financeira para fazer face a contingências emergentes do ramo não financeiro do grupo 1 e que ponham em causa a concretização do respetivo plano de negócios;
i) Parecer jurídico que avalie a validade e efeitos da garantia emitida pelo Estado Angolano relativamente a determinadas operações de crédito e imóveis que integram o balanço do Banco 4…, à luz das normas prudenciais em vigor, considerando o prazo da mesma e o facto de a garantia conter cláusulas cujo cumprimento se encontra fora do controlo direto do mutuante e que podem ser invocadas pelo prestador da garantia para não pagar de imediato o valor garantido no caso do devedor inicial não efetuar os pagamentos devidos;
j) Estimativa do rácio Core Tier 1 calculado de acordo com as regras do Banco de Portugal com referência a 31 de dezembro de 2013 e do rácio Common Equiry Tier 1 previsto na CRD IV/ CRR …referência a 31 de janeiro de 2014, após o registo da imparidade/ provisão decorrente da situação financeira da W… e considerando dois cenários alternativos de inclusão e exclusão do efeito da garantia prestada pelo Estado Angolano;
k) Descrição detalhada das medidas de recapitalização que serão adotadas para assegurar o cumprimento dos rácios mínimos de capital aplicáveis.
Adicionalmente, esclarece-se V. Exas. de que o valor definitivo da imparidade/provisão a registar estará dependente das conclusões que venham a ser apuradas pela X… no seu relatório final do trabalho de revisão limitada de finalidade especial sobre as demonstrações financeiras consolidadas pró-forma da W…, com referência a 31 de dezembro de 2013, o qual deverá ser entregue ao Banco de Portugal até 31 de março de 2014.
Por último, deverão V. Exas. assegurar que as contas de todas as entidades do ramo não financeiro do Grupo 1 passam a ser objeto de auditoria externa por empresa de reconhecida competência e com sede em Portugal …”.
HH) A 14.02.2014, o BdP endereçou ofício, com referência…14, ao Presidente do Conselho de Administração do T…, com o seguinte teor [cf. doc. n.º … junto aos autos pela entidade demandada, por requerimento de 14/05/2018, no proc. n.º 2586/14.3BESLB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Através de carta remetida por V. Exas. a 12 de fevereiro, o Banco de Portugal tomou conhecimento das medidas que serão implementadas em reposta às determinações emitidas por carta de 3 de dezembro de 2013 (CRI/2013/…33) e por carta de 4 de fevereiro (CRI/2014/…18), as quais permitirão salvaguardar os clientes de retalho do banco de perdas decorrentes de um eventual incumprimento pela W… (W.) das responsabilidades associadas aos títulos de dívida por esta emitidos.
Não obstante, as referidas medidas não permitem assegurar o “ring-fencing” do Grupo T… (T.) face ao ramo não financeiro do Grupo 1 (G 1), em particular no que se refere à constituição de uma conta “escrow’ alimentada por recursos alheios ao grupo T…, com um montante, no mínimo, equivalente à divida emitida pela W… e detida por clientes do Banco 1… (Banco 1.). De facto, a constituição da provisão nas demonstrações financeiras consolidadas da T…, para a cobertura dos riscos associados à intermediação, efetuada pelas instituições financeiras do grupo, de títulos de dívida da W…, corresponde a uma transferência de potenciais perdas geradas pelo ramo não financeiro do G 1 para dentro do grupo T… Como tal, a constituição desta provisão tem um impacto significativo ao nível do rácio Core Tier 1 do grupo T…, traduzindo-se numa situação de incumprimento, à data de 31 de dezembro de 2013, em face do nível mínimo definido pelo Banco de Portugal, assumindo a não elegibilidade da garantia emitida pelo Estado Angolano, cenário que não pode deixar de ser considerado no momento presente atendendo às dúvidas existentes sobre o enquadramento desta garantia na regulamentação prudencial.
Neste contexto, em face do projetado incumprimento do rácio Core Tier 1 do grupo T…, calculado de acordo com as regras do Banco de Portugal com referência a 31 de dezembro de 2013, determina-se, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 116.º-C e 141.º, n.º 1, alínea a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), a adoção das seguintes medidas corretivas:
a) Não considerar elegível para efeitos prudenciais a garantia emitida pelo Estado Angolano até ao cabal esclarecimento das dúvidas que existem sobre a sua validade, efeitos e âmbito, não devendo os efeitos desta garantia ser considerados, designadamente, ao nível do cálculo dos rácios prudenciais e do apuramento das imparidades até determinação em contrário pelo Banco de Portugal;
b) Reforço de fundos próprios …para um nível superior ao que seria necessário para cumprir o rácio Core Tier 1 mínimo do Banco de Portugal com referência a 31 de dezembro de 2013, bem como constituição de um “buffer” de capital adequado para cobertura dos riscos decorrentes do “comprehensive assessment” a realizar no contexto do SSM;
c) Requerer a apresentação detalhada das medidas de recapitalização a adotar para assegurar o cumprimento dos rácios mínimos de capital aplicáveis, com a indicação, para cada uma das medidas previstas, designadamente da probabilidade da sua execução, do calendário previsto, do respetivo impacto em termos dos rácios prudenciais;
d) Reforço das disposições, processos, mecanismos e estratégias criados no âmbito do governo da sociedade, controlo interno e autoavaliação de riscos que garantam uma adequada independência face ao ramo não financeiro do G 1;
e) Simplificação do grupo T… em cumprimento estrito dos princípios orientadores já definidos pelo Banco de Portugal para este efeito;
f) Desenvolver e implementar as medidas necessárias para garantir uma separação total e definitiva das marcas utilizadas por cada ramo do G 1;
g) Não comercialização, quer de forma direta quer indireta (v.g., através de fundos de investimento, outras instituições financeiras) de dívida de entidades do ramo não financeiro do G 1 junto de clientes de retalho.
O grupo T… deverá, assim, até ao próximo dia 18 de fevereiro, apresentar informação detalhada sobre as ações desenvolvidas e a desenvolver, devidamente calendarizadas, para dar cumprimento à presente determinação, assumindo um compromisso escrito relativamente à sua execução e habilitando o Banco de Portugal com toda a documentação relevante para efeito da análise da adequação das ações apresentadas.
Por último, informa-se V. Exas. de que as medidas corretivas em apreço podem vir a ser complementadas, caso assim seja considerado necessário do ponto de vista prudencial, por outra(s) medida(s) previstas no artigo 141.º do RGICSF”.
II) Na mesma data, o Presidente do Conselho de Administração do T…, endereçou carta ao Banco de Portugal, com o seguinte teor [cf. doc. n.º 40h, junto aos autos pelas AA., no proc. n.º 2586/14.3BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“1. Acuso a receção da carta que V. Exas. me endereçaram no dia 5 do corrente mês de fevereiro, apenas recebida na passada sexta-feira (07.02.2013), cujo conteúdo mereceu a minha melhor atenção.
Procurarei dar respostas concretas às questões que V. Exas. me colocam, na ótica do procedimento administrativo que está em curso relativamente ao registo das funções de membro do órgão de administração do Banco 5…, SA (‘Banco 5…’).
Confirmo o que disse na minha anterior comunicação de 6 de janeiro, relativamente a não possuir mais documentos que aqueles que enviei a V. Exas..
Permitam-me que clarifique melhor este ponto, que em nada contende com o zelo com que sempre conduzi a gestão das Instituições de Crédito em que exerço funções. […]
Por último, e quanto às questões relativas à colocação de produtos emitidos pela W…, SA (‘W…’) através da rede comercial do Banco 1…, segundo o que é do meu conhecimento e o que apurei junto dos pelouros e departamentos respetivos, tenho a dizer o seguinte:
Conhecida esta situação, de imediato a dei a conhecer a V. Exas., tendo sido decidido suspender a colocação do papel comercial doméstico da W…, junto de clientes particulares. E foram encetados todos os mecanismos que garantem o reembolso da dívida emitida, sem nenhum prejuízo para o Banco 1… e respetivos clientes subscritores.
Tais medidas e inerente programa de execução são do conhecimento de V. Exas. pelo que me dispenso de os enunciar aqui.
b) No que se refere à dívida emitida pela W…, subscrita por Clientes Institucionais e Z…, o papel desempenhado pelo Banco 1…, para além de custodiante, consubstancia-se na operacionalização de manifestações de interesse por parte desses investidores/clientes que investiram em dívida emitida pela W… O Banco 1… transmite ao emitente as condições de prazo/taxa/montante solicitadas pelo cliente e caso sejam por este aceites, recebe dele a documentação relativa a cada subscrição de papel comercial ou notes, consoante o caso, remete-a para o investidor/cliente e assegura a respetiva liquidação financeira.
Relativamente às emissões de papel comercial doméstico, a respetiva colocação em Clientes Particulares (private e afluentes) foi aprovada no Comité ALCO de dia 4 de setembro e todo o processo de colocação está enquadrado serviço de receção, transmissão e execução de ordens cuja execução é assegurada pela aplicação Banco 6… Esta aplicação permite o acesso, caraterísticas por todas as estruturas comerciais, às e documentação dos títulos disponibilizados, assim como o controlo operativo das subscrições efetuadas pelos clientes.
Tendo as referidas subscrições ocorrido via oferta particular, o Banco 1… tomou todas as medidas com vista à transparência da informação, nomeadamente através da preparação de uma ficha técnica de entrega obrigatória ao cliente juntamente com a Nota Informativa preparada pelo emitente onde são descritos os diversos fatores de risco inerentes ao investimento.
Nada mais tenho a dizer quanto às questões colocadas por V. Exas., na carta em resposta, cujos esclarecimentos aqui prestados, bem como os já na vossa posse, espero sejam suficientes à conclusão do processo do registo em apreço”.
JJ) A 20.02.2014, o Presidente do Conselho de Administração do T…, endereçou nova carta ao Vice-Governador do BdP, com o seguinte teor [cf. doc. n.º 40i, junto aos autos pelas AA., no proc. n.º 2586/14.3BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
“Acusamos a receção subscrita por V. Exa., da carta datada 14 de fevereiro, pp, […] do Banco de Portugal, recebida por email do próprio dia, 6.ª feira, às 19H40.
Procedemos a uma leitura atenta e iniciámos uma reflexão profunda sobre o que interpretamos serem as potenciais consequências das novas e acrescidas determinações agora impostas pelo Banco de Portugal à T… (T.).
Da análise que fizemos resultam alguns pontos de fundada preocupação quanto ao rumo que o Banco de Portugal pretende agora imprimir ao processo de relacionamento da T… com a área não-financeira do G 1, nomeadamente a W…
O grau de exigência e o perímetro alargado das medidas impostas, algumas das quais, aliás, até agora inéditas, se tomados literalmente, tornarão porventura inexequível o processo de saneamento financeiro e reestruturação societária da área não-financeira do G 1 atualmente em curso.
Não obstante determinados pontos da referida carta terem sido objeto de alguma clarificação na reunião presencial do passado dia 17 do corrente, entendemos, ainda assim, imprescindível trazer ao conhecimento de V. Exas. as seguintes considerações:
1 – Dos parágrafos de enquadramento
Conforme expresso em correspondência anteriormente trocada entre o Banco de Portugal e a T…, nomeadamente a carta de V. Exas. datada de 4 de fevereiro, pp, e a nossa subsequente resposta datada de 12, o conceito de “ring fencing” dos clientes de retalho foi sempre colocado ao nível do Banco 1… (Banco 1.), face ao denominado “risco W…”.
Nesse entendimento, mobilizámos todas as nossas atenções e esforços para dar cumprimento integral a essa exigência do Banco de Portugal, pondo em prática um plano de contingência que, comprovadamente, tem produzido os resultados previstos e desejados.
Através da carta de 6.ª feira passada, vêm agora V. Exas. alargar a exigência de “ring fencing” numa dupla dimensão, considerando esse conceito aplicável, por um lado, ao universo T… e, por outro, face ao “risco G 1 não financeiro”.
Esta alteração de paradigma vem, por si só, obrigar ao desenvolvimento, em tempo reduzido, de um plano, contabilístico e financeiro, que permita dar cumprimento à exigência imposta por V. Exas..
A provisão constituída nas demonstrações financeiras consolidadas da T… foi, aliás, amplamente discutida com V. Exas., em reuniões presenciais e em correspondência trocada, nomeadamente as já referidas cartas de 4 e 12 de fevereiro, pp.
Entendemos esta provisão como a constituição de uma reserva para riscos gerais de atividade bancária, nomeadamente reputacionais, derivada da distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades relacionadas, no caso concreto a W…
Não podemos por isso, subscrever a interpretação que se trata da transferência de potenciais perdas geradas pela área não-financeira do G 1 para dentro do Grupo T… tanto mais que, de facto, até à presente data não se registou qualquer incidente de incumprimento no reembolso das séries de papel comercial emitido.
A decisão tomada por V. Exas. de, no momento presente, não considerarem elegível a garantia autónoma emitida pelo Estado Angolano para efeitos prudenciais poderá colocar a T…, o Banco 1… e o próprio Banco 4… numa situação particular melindre e exposição face às autoridades Angolanas.
Adicionalmente, e numa perspetiva técnica, no ponto a. dos nossos comentários às medidas corretivas, apresentamos argumentos que julgamos suficientes para que a referida garantia seja considerada elegível de imediato para fins prudenciais.
Por outro lado, as consequências desta decisão conduzirão a uma inevitável queda do rácio Core Tier 1 da T… para níveis abaixo dos limites impostos pelo Banco de Portugal, pelo que o plano de reforço dos capitais próprios da T… para o nível que vier a ser definido pelo Banco de Portugal será atingível nos prazos previstos no ponto c) adiante.
2 – Medidas corretivas
a. Determinam que o Banco 1… não deverá:
“… considerar elegível para efeitos prudenciais a garantia emitida pelo Estado Angolano até ao cabal esclarecimento das dúvidas que existem sobre a validade, efeitos e âmbito, não devendo os efeitos desta garantia se considerados, designadamente, ao nível do cálculo dos rácios prudenciais e do apuramento das imparidades até determinação em contrário pelo Banco de Portugal.”
Surpreendem-nos as questões ainda em aberto “sobre a validade, efeitos e âmbito” da Garantia Autónoma e à primeira interpelação, relativa a valores ativos do “Banco 4…, SA” prestada pela República de Angola, após autorização expressa e devidamente fundamentada do titular máximo do poder executivo naquele País, o Presidente da República.
Em anexo tomamos a liberdade de incluir um memorando subscrito pelo Sr. Dr. AA com uma apreciação técnico-jurídica quanto à validade, efeitos e âmbito da Garantia Autónoma e à Primeira Interpelação emitida pela República de Angola.
b. Não obstante a determinação do Banco de Portugal, através da carta em resposta, é convicção do Grupo T… de que as eventuais dúvidas sobre a validade, efeitos e âmbito, da garantia emitida pelo Estado Angolano serão dirimidas a curto prazo, permitindo a elegibilidade prudencial da mesma, designadamente, no respeitante ao cálculo dos rácios prudenciais. Neste sentido, para efeitos do cálculo do reforço de fundos próprios para um nível superior ao que seria necessário para cumprir o rácio Core Tier 1 mínimo do Banco de Portugal, com referência a 31 de dezembro de 2013, não pode deixar de se ter em consideração o impacto da elegibilidade prudencial da referida garantia.
De acordo com o reporte efetuado relativamente a 31/12/2013, após a constituição de uma provisão de 700M(euro) e sem considerar os efeitos prudenciais da garantia emitida pelo Estado Angolano, conforme expressamente determinado pelo Banco de Portugal, o Grupo T… apresenta os seguintes rácios de capital.
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(*) Por se encontrarem ainda em apreciação no Banco de Portugal, não inclui os interesses minoritários na Aa… e o waiver previsto no art. 84.º, n.º 5 do CRR.
Por forma a cumprir com rácio Core Tier 1 mínimo do Banco de Portugal a 31 de dezembro de 2013, o Grupo T… teria de reforçar os fundos próprios em 470M(euro), ou em 86 M(euro) no cenário de elegibilidade prudencial da garantia emitida pelo Estado Angolano.
Adicionalmente a eventual constituição de um “buffer” de capital adequado para cobertura dos riscos decorrentes do “comprehensive assessment” a realizar no contexto do SSM, estará dependente dos resultados que vierem a ser obtidos desse exercício.
C. Convictos do pleno esclarecimento das dúvidas que existem sobre a validade, efeitos e âmbito da garantia emitida pelo Estado Angolano, consideramos a sua plena eficácia no plano prudencial como a primeira medida de assegurar o cumprimento dos rácios mínimos de capital aplicáveis. Como evidenciado acima, de per se esta situação reduzirá a necessidade de fundos próprios em 210M(euro):
Salientamos, também, o pedido do waiver previsto no art. 84.º, n.º 5 do CRR, que irá permitir aproveitar a totalidade dos interesses minoritários do Banco 1…, detidos diretamente e indiretamente através da Aa… Relativamente à classificação do enquadramento legal da Aa… para efeito da aplicação do art. 81.º, n.º 1, do CRR, tendo em consideração que do ponto de vista económico é inquestionável que os interesses minoritários nesta entidade representam, de facto, interesses minoritários no Banco 1…, ainda que de forma indireta, o Grupo está convicto de que uma solução favorável será obtida a curto prazo. O calendário para a resolução destas questões está dependente de uma deliberação por parte do Banco de Portugal, que se traduz num reforço rácio Common Equity Tier 1 em cerca de 30 pb (de cerca de 246pb num cenário de full implementation).
O Grupo T… dispõe ainda de um conjunto de medidas adicionais, também passíveis de serem implementadas num prazo razoável, que lhe permitem reforçar a base de capital. De entre estas medidas, que constam do leque de iniciativas a tomar no âmbito do Plano de Recuperação, destacamos as seguintes com um impacto de 665 M(euro) no Common Equity Tier 1:
. Venda de 100 % do capital da Companhia de Seguros…, SA (CS.).
Impacto estimado: 544 M(euro) no Common Equity Tier I, tendo por base um valor de referência para a Companhia de 700 ME(euro) conforme considerado no ETRICC.
A probabilidade de execução desta medida é considerada elevada e o prazo estimado para concretizar a venda é de cerca de 3 a 4 meses.
Resultante do interesse manifestado por alguns investidores internacionais, decorrem presentemente conversações com os seguintes Fundos de Private Equity: Ab…, Ac…, …, Ad… e Ae… Para o efeito, a CS… procedeu à abertura de um data room, estando prevista para o mês de março uma apresentação a realizar pela gestão.
. Venda da 49 % do capital da Banco 1… – Vida, Companhia de Seguros, SA.
Impacto estimado: 121 M(euro) no Common Equity Tier 1, tendo por base um valor de referência para a Companhia de 700 M(euro).
A probabilidade de execução desta medida é considerada elevada e o prazo estimado para concretizar a venda é de cerca de 3 a 4 meses.
Referimos ainda a possibilidade de realização de um aumento de capital na T… no montante previsto de 250/300 M(euro). Neste âmbito, conforme já vos foi comunicado anteriormente, a T… tem vindo a desenvolver contactos preliminares com investidores institucionais com vista à entrada de um novo acionista de referência através de um aumento de capital.
A probabilidade de execução desta operação de aumento de capital é considerada elevada e o prazo previsto para a sua concretização é de cerca de 3 a 4 meses.
O impacto estimado destas duas operações no Common Equiry Tier 1 ascende a 250 M(euro).
No quadro seguinte apresenta-se um resumo dos rácios de capital pró-forma após as medidas enumeradas acima, nas conjugações possíveis entre as mesmas, considerando a elegibilidade prudencial da garantia prestada pelo Estado Angolano, os interesses minoritários na Aa… e o waiver previsto no art. 84.º, n.º 5 do CRR.
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Por último, referimos novamente a possibilidade de desativação da Aa…, por insistência do Banco 7…, que, no caso de vir a concretizar-se nos obrigará a solicitar o acordo do Banco de Portugal para a desconsolidação do Banco 1… visto a T… passar deter diretamente apenas 27 % do capital do banco.
d. Com o objetivo de reforçar as medidas de governo da sociedade que garantam adequada independência face ao ramo não financeiro do G 1, como solicitado por V. Exas., está a ser elaborada uma proposta para apreciação do Conselho de Administração na reunião que se efetuará no dia 10 de março próximo, onde se sugere ampliar o regime previsto no Art. 109.º do RGICSF, com as necessárias adaptações, a todas as operações de crédito ou outras, nestas incluindo a colocação de papel comercial ou outros valores mobiliários, com titulares de participações qualificadas ou quaisquer empresas integradas no grupo económico em que aqueles se incluam.
O Grupo financeiro criou uma equipa interna para monitorar a exemplo do plano de negócio da área não financeira, na perspetiva do credor, liderada pelo Administrador responsável pelo pelouro de risco do Banco 1… e por um Administrador Executivo da T…
Adicionalmente, a evolução do plano de desalavancagem da área não financeira será alvo de um reporte mensal ao Conselho de Administração. O grupo financeiro garantirá, ainda, que a exposição direta e indireta ao ramo não financeiro seja alvo limites internos específicos e de um capítulo autónomo no âmbito do ICAAP.
e. O processo de simplificação do incluindo do Grupo T…, incluindo os Grupos Banco 1… e Banco 5…, prossegue em ritmo acelerado, de acordo e nos termos apresentados ao Banco de Portugal.
O Plano de simplificação da T…, abrangendo as entidades diretamente participadas pela T…, foi apresentado ao Banco de Portugal em 31/07/13. Na sequência das interações havidas, em resposta a pedidos de informação do Banco de Portugal, foram posteriormente enviados, em 19/09/13, 04/11/13 e 12/12/13, mais três anexos ao plano inicialmente submetido.
O Plano de simplificação do G…1, que incorporou as iniciativas já estabelecidas no âmbito do grupo Banco 5… assim como as apresentadas no Plano da T… e que envolviam entidades do Grupo Banco 1…, foi entregue ao Banco de Portugal de forma faseada, em 18/10/13, 15/11/13 e 13/12/13.
De uma forma global as iniciativas apresentadas nestes planos abrangem mais de 60 empresas, das quais 36 serão extintas.
f. A identidade de cada um dos ramos do G 1 será claramente definida através da separação das marcas com que passarão a operar no mercado.
Assim, e como já adiantado ao Banco de Portugal, a marca 1…” será reservada em exclusivo ao ramo financeiro, enquanto ao ramo não financeiro conduzirá as suas atividades sob a marca 2…”.
As ações legais, corporativas, administrativas e de divulgação inerentes ao lançamento da marca 2…” para a área não-financeira do G 1, mormente nas atividades agora conduzidas com a referência “1”, encontram-se em fase de estudo e planeamento e serão concretizadas no mais curto espaço de tempo possível.
g. Manifestamos a nossa profunda preocupação com esta determinação do Banco de Portugal, inédita e que, caso seja levada às últimas consequências, terá caraterísticas que se nos afiguram extemporâneas e discriminatórias.
De facto, esta nova imposição apresenta duas dimensões particularmente gravosas:
i. A interdição de comercialização aos clientes de retalho de todo o Grupo T…, quando até aqui dito “ring fencing” era posto como circunscrito ao retalho do Banco 1…
ii. O âmbito de aplicação a todo o ramo não financeiro do G 1, quando até aqui a limitação se restringia à W…
A extensão desta medida a entidade de funcionamento perfeitamente regular, com contas auditadas e performance económica e financeira estável e equilibrada, como é o caso da 2, afigura-se-nos incompreensível e discriminatória.
De facto, não haverá muitas entidades, se é que existem algumas, que no mundo inteiro, possam sobreviver a uma interrupção abrupta e por tempo indeterminado, do seu ciclo de funcionamento.
E, no caso concreto da 2, a proibição de comercialização de instrumentos de divida por parte dos bancos do Grupo T… significa efetivamente a interrupção do ciclo de financiamento, uma vez que não estão montados nem disponíveis canais de distribuição alternativos que possam, de imediato, ser acionados.
Conforme nós próprio já adiantámos em correspondência anterior, o plano de recuperação da área não financeira do G 1 pressupõe, precisamente o redesenho do seu ciclo de financiamento, no que respeita a prazos, fontes, meios e plataformas de comercialização externas ao Grupo. Simplesmente, como V. Exas. poderão facilmente admitir, a diversificação dos canais de distribuição dos instrumentos de dívida da 2 configura uma operação cuja montagem não é realizável de imediato.
Entendemos, ainda assim, que sendo a interdição aplicável aos “clientes de retalho”, os clientes da Banco 8… se encontram excluídos, uma vez que se enquadram no segmento PRIVATE/ Institucional.
Não obstante as reflexões que atrás enunciámos, um dos “outputs’ da última versão do exercício ETRICC é exatamente, como é do conhecimento de V. Exas. a evolução da dívida financeira nos perímetros “W…” (em sentido lato, isto é, incluindo as sub-holdings até à 2) e da própria 2.
Essa evolução encontra-se detalhada mensalmente, para o primeiro semestre de 2014 e, a partir dessa data, em termos anuais.
É, portanto, possível construir, desde já, um cenário que evidencie a evolução daquela dívida desagregada por cada um dos perímetros acima mencionados (W…/ 2), por tipo de financiamento (bancário, papel comercial colocado em institucionais ou no retalho, etc.) e por entidade bancária.
Desta forma, partindo do pressuposto que, como é nosso entendimento e que, com base nas conclusões que retirámos da reunião ontem nas instalações do Banco de Portugal, julgamos ser também o de V. Exas. se mantém a intenção de prioritizar a diminuição progressiva, até à respetiva eliminação, da dívida da W… colocada junto dos clientes de retalho do Banco 1… Dentro do mesmo princípio, e relativamente às restantes posições detidas por clientes de segmentos não-retalho, propomos um programa de redução evidenciado no mapa anexo …”.
KK) A 26.02.2014, o BdP endereçou ofício, com referência…25, ao Presidente do Conselho de Administração do T…, com o seguinte teor [cf. doc. n.º … junto aos autos pela entidade demandada, por requerimento de 15.05.2018, no proc. n.º 2586/14.3BESLB, a que corresponde o doc. n.º 40j, junto pelas AA., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“1. Não obstante a natureza e gravidade das preocupações prudenciais que subjazem à determinação das medidas corretivas constante da carta ADM/2014/0014, de 14 de fevereiro, a carta de resposta remetida por V. Exa. no dia 20 de fevereiro, limita-se, no essencial, a apresentar um conjunto de intenções e possibilidades, não endereçando de forma objetiva, detalhada e calendarizada as ações que urge adotar no muito curto prazo pelo grupo T… (T.).
2 – Em face desta resposta, o Banco de Portugal admite a hipótese de não terem sido suficientemente compreendidos o alcance e a gravidade da situação que levou à determinação das referidas medidas corretivas. Assim, de modo a eliminar eventuais dúvidas que possam existir sobre os factos que justificaram a aplicação de medidas corretivas ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 116.º-C e 141. º, n.” 1, alínea a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGlCSF), o Banco de Portugal relembra que:
a) Com referência a 30 de setembro de 2013, e de modo a complementar os trabalhos desenvolvidos no âmbito do Exercício Transversal de Revisão da lmparidade da Carteira de Crédito dos principais grupos bancários nacionais (ETRICC), o Banco de Portugal decidiu aprofundar a avaliação de um conjunto de grupos económicos cuja recuperabilidade da dívida e inerente análise de imparidade é efetuada por via da geração de fluxos financeiros do negócio, acarretando, por si só, incertezas ao nível das projeções financeiras para fazer face ao serviço de dívida (ETRICC2). A amostra de entidades a avaliar incluiu, numa primeira fase, as empresas do ramo não financeiro do Grupo 1 (G 1), tendo sido decidido estender a análise também às entidades financeiras, na medida em que a origem dos fluxos financeiros da W… (W.), a utilizar no reembolso da dívida, provinham de ambos os ramos de negócio (financeiro e não financeiro). Dada a natureza desta avaliação, foi decidido que a mesma seria realizada pela V…, Lda. (V.), ao abrigo do artigo 116.º do RGICSF.
b) Em resultado do ETRICC2, foi identificada uma situação patrimonial grave nas contas individuais da W… causada por um inusitado acréscimo, de materialidade muito significativa, do respetivo passivo financeiro, face à informação anteriormente reportada ao Banco de Portugal e refletida nas demonstrações financeiras dessa entidade. De acordo com a informação disponibilizada, no dia 26 de novembro de 2013, pelo Banco 1… (Banco 1.) no contexto do referido exercício, os passivos financeiros da W… ascenderiam, com referência a 30 de setembro de 2013, a 5,6 mil milhões de euros. Segundo os elementos anteriormente disponibilizados ao Banco de Portugal, os passivos financeiros da W… ascenderiam, em 31 de dezembro de 2012 e 30 de junho de 2013, a 3,4 mil milhões de euros e 3,9 mil milhões de euros, respetivamente.
c) A alteração da situação financeira da W… assumiu particular ênfase pelo seu nível de materialidade, mas também pelo facto de não se coadunar com a determinação efetuada pelo Banco de Portugal, no sentido de ser assegurada uma redução gradual das exposições diretas e indiretas ao G 1 (incluindo as detidas por clientes). Assim, o Banco de Portugal solicitou à T…, através da carta 4804/13/DSP, de 29 de novembro, uma explicação detalhada sobre a evolução ocorrida nas contas da W… entre…13 e…13, com especial ênfase nos passivos financeiros e nas aplicações associadas, incluindo justificação das origens do acréscimo registado.
Adicionalmente, o Banco de Portugal determinou que fossem elaboradas conta consolidadas pró-forma da W… com referência a 30 de setembro de 2013, acompanhadas de parecer do auditor externo.
d) Em face desta situação, o Banco de Portugal determinou, através da carta CRl/2013/…33, de 3 de dezembro de 2013, que o grupo T… deveria promover as necessárias diligências com vista a assegurar um adequado “ring-fencing” dos riscos emergentes do ramo não financeiro, através da: (i) eliminação da exposição, resultante quer do financiamento direto ou indireto, quer da concessão de garantias, do grupo T… à W…, que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas e (ii) constituição de uma conta à ordem (conta “escrow’) alimentada por recursos alheios ao grupo T…, com um montante equivalente à divida emitida pela W… e detida por clientes do Banco 1… na sequência da colocação na respetiva rede de retalho, devendo essa conta ser exclusivamente destinada ao reembolso dessa dívida. Na mesma carta, o Banco de Portugal determinou ainda que o não cumprimento das medidas anteriores implicaria, com referência a 31 de dezembro de 2013, a necessidade de constituição de uma provisão em função das conclusões da avaliação da situação financeira da W…, obrigando ao reforço do capital do grupo T… com vista a assegurar que o rácio Core Tier 1 ao nível da T… se situava num valor não inferior a 50 p.b. acima do rácio mínimo em vigor àquela data.
e) Também através da carta CRI/2013/…33, o Banco de Portugal solicitou a clarificação plena e aprofundada dos factos que terão conduzido à situação descrita na alínea b) supra, das consequências que dela poderão decorrer nos planos prudencial e reputacional e do devido apuramento das responsabilidades pelo sucedido. Relativamente a esta matéria, não foi ainda prestado um esclarecimento cabal, sendo imprescindível que tal venha a acontecer no muito curto prazo, de modo que o Banco de Portugal possa exercer um juízo de valor adequado sobre as circunstâncias que levaram à situação referida.
f) A 10 de dezembro de 2013, a T… apresentou um plano de desalavancagem da W… com vista a dar cumprimento às determinações do Banco de Portugal, o qual foi alvo de várias revisões e ajustamentos até à presente data e objeto de ampla troca de correspondência entre as partes.
g) Em resultado da análise deste plano, o Banco de Portugal reiterou através da carta CRI/ 2013 /…55, de 23 de dezembro, as determinações anteriormente efetuadas, tendo adicionalmente solicitado o envio de (i) declaração assinada pela Comissão Executiva da T…, em que se assegure que o grupo T… não assume qualquer apoio financeiro ou garantia para a execução do plano de desalavancagem, (ii) declarações assinadas pela Comissão de Auditoria da T… e pela X…, SA (X.), a confirmar a não existência de apoio financeiro da T… à execução do plano de desalavancagem e a confirmar que as garantias associadas aos financiamentos da T… à W… e à Y… (Y.) são juridicamente vinculativas, prudentemente avaliadas e cobrem permanente e integralmente estes financiamentos e (iii) um relatório de progresso com periocidade semanal, assinado pelos membros da Comissão Executiva da T…, acompanhado de evidência documental e informação discriminada e saldo da conta “escrow”.
h) A 14 de janeiro de 2014, através da carta CRI/ 2014/…37, o Banco de Portugal frisou novamente a necessidade de serem cumpridas as determinações constantes da carta de 3 de dezembro de 2013, tendo sublinhada que, não dando a T… cumprimento satisfatório às referidas determinações, seriam adotadas as medidas necessárias com vista a assegurar uma gestão sã e prudente do grupo financeiro, preservando-o do impacto da exposição à W… e de potenciais riscos reputacionais causados pela exposição à W… por parte dos clientes de retalho do Banco 1…
i) As medidas geradoras de liquidez previstas no plano de desalavancagem da W… acabaram por não se concretizar no prazo definido, inviabilizando o “ring-fencing” face ao ramo não financeiro do G 1, nos termos determinados pelo Banco de Portugal. Consequentemente, tornou-se necessária a constituição de uma provisão de 700 milhões de euros nas contas consolidadas do grupo T… para a cobertura dos riscos associados à intermediação, efetuada por instituições financeiras do grupo, de títulos de dívida da W… Esta provisão corresponde, na prática, a uma transferência de potenciais perdas geradas pelo ramo não financeiro do G 1 para dentro do grupo T…, situação que se reveste de grande gravidade.
j) O valor da provisão a constituir, com impacto nas contas do exercício de 2013, foi apurado pela X…, tendo em conta as conclusões expressas no relatório preliminar de progresso sobre os trabalhos de revisão limitada de finalidade especial sobre as demonstrações financeiras consolidadas pró-forma da W…, com referência a 30 de setembro de 2013 e disponibilizado ao Banco de Portugal a 31 de janeiro de 2014. Neste relatório, a X… conclui, a título preliminar, que os capitais próprios da W…, após ajustamentos de revisão, se apresentavam negativos em 2,4 mil milhões de euros a 30 de setembro de 2013. Sublinha-se, contudo, que à data do referido relatório não tinha sido disponibilizada informação sobre alguns ativos (e.g. investimentos Eurofin, ativos imobiliários localizados em Angola), justificativa do valor contabilizado, bem como evidência da sua existência, titularidade e valorização. Para a determinação do valor da referida provisão, a X… efetuou análises de sensibilidade ao valor dos capitais próprios da W… ajustado a 30 de setembro de 2013, tendo em consideração os potenciais impactos decorrentes das medidas previstas no plano de negócios da W… É de notar que a X… considera que esta provisão deve ser reavaliada em cada data de balanço e devidamente ajustada em função da capacidade de implementação do plano de negócios da W…, pelo que não se pode excluir que a mesma seja revista em alta, designadamente na sequência da conclusão, prevista para o próximo dia 31 de março, dos trabalhos de revisão das demonstrações financeiras consolidadas pró-forma da W…
k) Por seu lado, a V…, no quadro do ETRlCC2 e em resultado da análise crítica dos modelos económico-financeiros de suporte aos planos de negócio das entidades que compõem o G 1, com vista a aferir sobre a sua adequação para a estimação dos “cash-flows” a libertar no sentido de ser assegurado o pagamento dos compromissos assumidos, considerou que, de modo a assegurar um nível de endividamento sustentável das “holdings” não operacionais do G 1, deveria ser registada uma imparidade sobre as exposições em balanço destas entidades no valor equivalente a 8 %, salvo se fosse constituída uma provisão de montante superior, o que veio a acontecer.
l) A constituição desta provisão teve um impacto significativo ao nível do rácio Core Tier 1 do grupo T…, traduzindo-se numa situação de incumprimento, à data de 31 de dezembro de 2013, do limiar mínimo definido pelo Banco de Portugal, assumindo a não elegibilidade da garantia emitida pelo Estado Angolano, pelos motivos referidos na alínea a) do ponto 3.
m) Por outro lado, o montante desta provisão assenta num plano de negócios da W… particularmente exigente e com riscos de execução significativamente elevados, sendo esta situação realçada nos relatórios elaborados pela X… e pela V… Tais riscos justificam que sejam reforçadas as medidas de “ring-fencing” entre o grupo T… e o ramo não financeiro do Banco 1…, de modo a evitar que fluam novas perdas para as entidades incluídas no perímetro de supervisão do Banco de Portugal.
n) Adicionalmente, no recente exercício de “stress test” realizado pelo Banco de Portugal, os rácios de capital do grupo T… demonstraram uma reduzida capacidade para absorver os choques decorrentes do cenário adverso, situando-se abaixo de um limiar mínimo considerado aceitável.
Este resultado vem acentuar a adoção urgente de medidas de reforço de capital, em face de possível publicação dos resultados do exercício de “stress-test” realizado pelo Banco de Portugal, mas também do “comprehensive assessment” que está a decorrer no contexto do SSM.
3 – Esclarecidos os factos que justificaram a determinação das medidas corretivas constantes da carta ADM/2014/0014, de 14 de fevereiro, importa também clarificar o seu alcance de modo a que o grupo T… possa rever as ações que terá de adotar em cumprimento da referida determinação:
a) Relativamente à garantia do Estado Angolano, o Banco de Portugal, tal como já referido em diversas reuniões presenciais, considera que existem fundadas dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos necessários para considerar a garantia elegível para efeitos de proteção do risco de crédito à luz da regulamentação em vigor. As dúvidas já partilhadas com diferentes representantes da instituição, as quais ainda não foram devidamente clarificadas de modo a alterar o entendimento do Banco de Portugal, foram já formalizadas através do envio de comunicação autónoma. Sem prejuízo de se considerar que as dúvidas que existem podem eventualmente vir a ser supridas por um aditamento à garantia que clarifique inequivocamente os termos da mesma de molde a torná-la elegível para o cálculo de requisitos de fundos próprios à luz da regulamentação aplicável, razões de prudência determinam, até que tais dúvidas sejam ultrapassadas, que a mesma não possa ser considerada para os referidos efeitos.
b) No que se refere às medidas de capitalização apresentadas para assegurar o reforço dos fundos próprios para um nível superior ao que seria necessário para cumprir a rácio Core Tier 1 mínimo da Banco de Portugal, com referência a 31 de dezembro de 2013, e constituir um “buffer” de capital adequado para a cobertura dos riscos decorrentes do “comprehensive assessment” a realizar no contexto do SSM, estas revelam-se insuficientes em volume e incertas na concretização. Assim, tal como solicitado na carta ADM/2014/0014, de 14 de fevereiro, torna-se necessário e urgente que o grupo T… apresente um plano rigoroso e detalhado que, para cada uma das medidas de capitalização, identifique claramente (i) o respetivo calendário de implementação, com datas concretas e a descrição pormenorizada de cada uma das etapas necessárias para assegurar a sua execução: (ii) pressupostos, condições de exequibilidade e requisitos legais associados a cada medida; (iii) riscos de execução que podem comprometer a concretização da medida e/ou calendário definido: (iv) cenários (base e conservador} para o respetivo impacto em termos de rácios de capital,’ (v) responsável(eis) pela coordenação e monitorizarão do processo de implementação de cada medida; (vi) Investidores contactados para a realização de cada medida e demonstração da sua intenção e capacidade; (vii) medidas de contingência a adotar em caso de se materializarem os riscos de execução existentes. Os órgãos de administração da T… e do Banco 1… deverão apresentar uma declaração, previamente aprovada em reunião dos respetivos Conselhos de Administração, comprometendo-se a implementar as medidas de reforço de capital na sua total plenitude e envidar todos os esforços para cumprir o calendário definido para a sua implementação.
c) Em matéria de governo interno, a T…, o Banco 1… e, na medida do aplicável, outras entidades do grupo T… que mantenham relações com empresas do ramo não financeiro do G 1 devem adotar medidas concretas e reforçadas tendo em vista: (i) evitar ou mitigar situações de potencial conflito de interesses entre o ramo financeiro e não financeiro do G 1, com procedimentos adequados para deteção atempada de situações de conflito de interesses potenciais ou atuais, (ii) garantir uma monitorização contínua da execução do plano de negócio do ramo não financeiro do G 1, (iii) assegurar um adequado fluxo de informação intragrupo, para os membros dos órgãos de administração (executivos e não executivos) e fiscalização e para o Banco de Portugal, (iv) robustecer as disposições do código de conduta aplicáveis aos membros dos órgãos sociais, bem como (v) atribuir responsabilidades de verificação periódica aos departamentos de auditoria interna, com deveres de acompanhamento reforçados pelo administrador do pelouro, e à respetiva Comissão de Auditoria (ou respetivo órgão de fiscalização) do cumprimento das disposições referidas nas alíneas anteriores. Em particular, devem a T… e o Banco 1… assegurar que os órgãos de administração das instituições que integram o perímetro prudencial de supervisão em base consolidada definem, aprovam e implementam, no curto prazo, as seguintes medidas, devendo, para o efeito, ser revistas, concretizadas ou aprofundadas as medidas já apresentadas neste domínio em anterior correspondência, que foram consideradas insuficientes:
– Medidas destinadas a identificar, tratar e monitorizar potenciais conflitos de interesse decorrentes das relações do Banco 1… e da T… com os seus acionistas e com sociedades do ramo não financeiro do G 1;
– Estabelecimento de uma política interna de avaliação da adequação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, da qual constem as regras sobre prevenção, comunicação e sanação de conflitos de interesses, nomeadamente os materializados no exercício de funções de membros dos órgãos sociais simultaneamente em sociedades do ramo financeiro e não financeiro do G 1. Neste âmbito e no que respeita à avaliação da independência dos membros dos órgãos de administração e fiscalização deverão ser atendidos os seguintes fatores: as relações pessoais, profissionais ou outras de natureza económica com outros membros do órgão de administração e fiscalização, na mesma instituição de crédito, na sociedade-mãe ou nas filiais; e as relações pessoais, profissionais ou outras de natureza económica com os acionistas detentores do controle das mesmas instituições, da sociedade-mãe ou das filiais. Neste quadro, deterá ser promovida, em permanência, a identificação de eventuais situações que possam ser relevantes para a avaliação da idoneidade dos membros dos órgãos de administração e fiscalização, assegurando a comunicação de imediato de tais situações à Comissão de Auditoria, ao compliance officer e ao Banco de Portugal. A este propósito, é fundamental que os membros dos órgãos sociais promovam uma autoavaliação permanente, ponderando a cada momento se existem situações que aconselham uma decisão de suspensão do mandato ou mesmo de afastamento da instituição, de modo a proteger a instituição de eventuais riscos reputacionais que tais situações possam vir a acarretar.
– Medidas destinadas a analisar, aprovar ou rejeitar, monitorizar e reportar aos órgãos de administração do Banco 1… e da T… quaisquer financiamentos ou transações (incluindo, sem limitar, a colocação de instrumentos de dívida através da rede de retalho do Banco 1.) entre o Banco 1… e qualquer acionista titular de mais do que 2 % do capital social do Banco 1… ou uma filial deste acionista ou qualquer membro dos órgãos sociais do Banco 1… ou indivíduo ou entidades com aquelas relacionadas.
– Explicitar as medidas através das quais a T… e o Banco 1… se propõem proceder à ampliação do regime previsto nos artigos 85.º e 109.º do RGICSF a todas as operações de crédito ou outras, nestas incluindo, sem limitar, a colocação de papel comercial e/ou outros valores mobiliários, emitidos por titulares de participações qualificadas ou quaisquer sociedades integradas no ramo não financeiro do G 1;
– Criação de uma estrutura formal de alto nível, constituída por uma maioria de membros independentes, dedicada ao acompanhamento e avaliação da execução do plano de negócio do ramo não financeiro do G 1, bem como à monitorização da formalização e dos mecanismos de implementação da garantia aprovada pela T…, em reunião de Conselho de Administração, de 17 de fevereiro de 2014, para assegurar o reembolso dos títulos de dívida emitidos pela W… e colocados pelo Banco 1… através da sua rede de retalho junto dos seus clientes (Garantia W.) e o tratamento de todos os assuntos com aquela relacionados, incluindo a convocação dos Conselhos de Administração da T… e do Banco 1… para deliberação sobre quaisquer desses assuntos, nomeadamente, mas sem limitar, sobre as matérias que requeiram a aprovação daquelas sociedades neste domínio. O ato constitutivo desta estrutura deve prever:
– Uma definição clara e objetiva do seu objeto, competências e regras de funcionamento, contendo designadamente a identificação da informação que lhe deverá ser remetida pelo ramo não financeiro do G 1, a sua periodicidade e a identificação das medidas de natureza corretiva que a estrutura estará habilitada a impor;
– Definição dos órgãos competentes pela designação dos membros que compõem a estrutura, estipulação da data para a respetiva designação e início de funções;
– Definição dos mecanismos de reporte, com uma periodicidade mínima mensal, aos órgãos de fiscalização e de administração do Banco 1… e da T…, com cópia ao Banco de Portugal, da atividade desta estrutura e das medidas por ela tomadas;
– Definição do modo como esta estrutura se deve articular com os órgãos de administração da T… e do Banco 1…, sempre que as medidas que deva tomar incidam sobre matérias que, nos termos da lei, dos estatutos destas sociedades ou das regras aplicáveis ao seu funcionamento, dependam de deliberação ou intervenção daquele(s) órgão(s).
– Divulgação a todos os membros dos órgãos de administração do Banco 1… e da T… dos relatórios remetidos ao Banco de Portugal e de toda a correspondência trocada com este supervisor sobre a implementação das recomendações e determinações específicas do Banco de Portugal;
– Definição das matérias, para além das referidas no ponto antecedente, cuja divulgação tempestiva, entre os membros dos órgãos de administração do Banco 1… e da T…, deverá ser assegurada;
– Alteração dos atuais códigos de conduta das entidades do grupo T… no sentido de passarem a prever, clara e expressamente, regras destinadas a evitar conflitos de interesse, incidentes sobre o exercício simultâneo de funções de membros dos órgãos sociais em sociedades do ramo financeiro e não financeiro do G 1, bem como a impedir que os membros dos órgãos sociais e os colaboradores do Banco 1… aceitem qualquer benefícios ou ofertas que se relacionem, ou possam de algum modo vir a ser relacionadas, com a sua atividade profissional no G 1.
d) No que respeita à simplificação do grupo T… em cumprimento estrito dos princípios orientadores definidos pelo Banco de Portugal, aguardam-se ainda os resultados da última fase dos trabalhos do plano de simplificação do grupo Banco 1…, que consistiam na avaliação dos impactos fiscais, contabilísticos, legais e prudenciais resultantes da implementação das medidas propostas. A este propósito, importa sublinhar que as medidas de reorganização das entidades do ramo não financeiro do G 1 não deverão implicar um alargamento do perímetro de supervisão prudencial atual, o que comprometeria os objetivos do plano de simplificação do grupo T… já em curso.
e) Com referência às medidas necessárias para garantir uma separação total e definitiva das marcas utilizadas por cada ramo do G 1 (financeiro e não financeiro), deverá ser apresentado um plano detalhado, rigoroso e devidamente calendarizado, que identifique as ações que serão tomadas para atingir este objetivo.
f) Por último, o Banco de Portugal esclarece que a gravidade dos factos descritos no ponto 2 e os riscos de execução associados ao plano de negócio da W…, justificam plenamente a suspensão da comercialização, quer de forma direta quer indireta, de dívida de entidades do ramo não financeiro do G 1 junto de clientes de retalho de entidades do grupo T… A carta remetida por V Exa., no dia 20 de fevereiro, permite indiciar um potencial conflito entre os interesses do grupo T… e do ramo não financeiro do G 1.
Não obstante, esta medida poderá ser reavaliada pelo Banco de Portugal logo que o grupo T… apresente um plano de ações concretas que permitam dar resposta, de forma inequívoca e no curto prazo, às medidas corretivas constantes da carta ADM/2014/0014, de 14 de fevereiro, nos termos clarificados pela presente carta.
4 – A T… e o Banco 1… deverão, assim, no prazo de 10 dias úteis, apresentar informação detalhada sobre as ações desenvolvidas e a desenvolver, para dar cumprimento à determinação constante da carta ADM/2014/00 14, de 14 de fevereiro e clarificada no âmbito da presente carta, assumindo um compromisso escrito relativamente à sua execução e habilitando o Banco de Portugal com toda a documentação relevante para efeitos da análise da adequação das ações apresentadas.
5 – Considerando as responsabilidades e deveres atribuídos nos termos da lei a todos os administradores de sociedades, o Banco de Portugal considera que a matéria objeto da presente carta deve ser levada ao conhecimento de todos os membros dos órgãos de administração da T… e do Banco 1…, devendo a resposta solicitada ser objeto de reflexão e preparação em reunião dos referidos conselhos de administração previamente ao seu envio, no prazo indicado, devendo de imediato ser lavrada ata dessas reuniões e remetida cópia das mesmas ao Banco de Portugal em idêntico prazo.
6 – Atendendo à responsabilidade que o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 104/2001, de 3 de abril, atribui ao Banco 1… por assegurar o cumprimento dos rácios e limites prudenciais com base na situação financeira consolidada da sua companhia financeira-mãe, o Banco de Portugal aconselha a participação ativa do órgão de administração do Banco 1… na definição do plano de ação que o grupo T… terá que desenvolver e implementar para dar resposta às determinações do Banco de Portugal.
7 – Por último, gostaria de reafirmar perante V. Exa. que a atuação do Banco de Portugal se pauta sempre por critérios de objetividade, proporcionalidade e imparcialidade no tratamento das instituições supervisionadas, pelo que qualquer menção sobre uma eventual discriminação é manifestamente infundada”.
II) A 17.03.2014, o Presidente e Vice-Presidente do Conselho de Administração do T…, endereçaram nova carta ao Vice-Governador do BdP com o seguinte teor [cf. doc. n.º …, junto aos autos pelas AA., no proc. n.º 2586/14.3BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Na sequência da carta de V. Exa., ref-ª ADM/2014/0026, de 26 de fevereiro, vimos dar nota das deliberações hoje tomadas pelo Conselho de Administração do Banco 1… com vista a serem acolhidas as orientações de V. EXas. expressas na referida carta.
Por uma questão de sistematização, referimo-nos em seguida e de modo sequencial a cada uma das alíneas especificamente referidas no ponto 3, bem como ao ponto 6 da carta de V. Exas, acima referida.
3.a) Validade e eficácia da garantia do Estado Angolano ao Banco 4…:
Registamos como muito positivo o diálogo estabelecido com V. Exas. na reunião havida no passado dia 7 do corrente, bem como as soluções aí encontradas para, pragmaticamente, clarificar de forma inequívoca o objeto, o montante, a elegibilidade e a denominação da Garantia autónoma e à primeira interpelação emitida pela República de Angola, únicas dúvidas que persistiam à data e que, sendo supridas, nos acordados termos, farão com que V. Exas. considerem estar preenchidos todos os requisitos da Garantia para efeitos de proteção do risco de crédito nos termos da legislação aplicável.
3.b) Plano detalhado de reforço dos capitais do Banco 1…:
No quadro da 10.ª revisão do exercício de stress test do Funding & Capital Plan, o rácio CET1 para o Grupo Banco 1…, após a aplicação dos choques determinados, apontava para os seguintes valores (milhões C) na base de BIS III – Transitional:
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Pese embora o exercício realizado tivesse tido como base de trabalho a eficácia da garantia soberana no valor de 4,2 mil M(euro) e que correspondia a um rácio de 6,1 % em cenário de stress, pode concluir-se que, em dezembro de 2016 (ano com o valor mais baixo atingido pelo rácio), o Grupo Banco 1… apresentaria um rácio CET1 acima do referencial de 5,5 % fixado pelo BCE para efeitos do “comprehensive assessment” mantendo uma folga de capital que atingiria 395 M(euro) considerando prudencialmente os efeitos de garantia soberana prestada pela República de Angola, após os esclarecimentos acordados com V. Exas., nos termos referidos no ponto a) supra.
O relativo baixo impacto da garantia soberana em BIS III (+20p.b.) decorre do facto de a descida nos RWA ser acompanhada de um excesso de capital no Banco 4… que tem como reflexo a desqualificação dos interesses minoritários elegíveis a nível do Grupo Banco 1…
Posteriormente à submissão da referida 10.ª revisão do F&CP, e já no contexto do encerramento das contas do ano de 2013, concluiu-se que o valor da eficácia da garantia era inferior (3,8 mil M(euro)), o que teria os seguintes reflexos (milhões (euro)):
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Ou seja, o Grupo Banco 1… continuaria a manter níveis de solvabilidade acima do referencial de 5,5 %, mantendo praticamente as folgas de capital incluídas no F&CP.
Por outro lado, e como tivemos oportunidade de referir na reunião havida com a “Troika” há um manifesto exagero no exercício de stress no que se refere ao impacto da metodologia de estimação dos ativos ponderados pelo risco indicada pelo Banco de Portugal para os portfolios IRB, v.g. o ajustamento “point in time”. Este impacto é muito material nos cenários apresentados na 10.ª Revisão, devido quer ao agravamento do cenário de stress, quer à melhoria de cenário base, visto ascender a mais de 10 % dos ativos ponderados pelo risco e fazer aumentar o rácio RWA/Ativos para níveis de 100 %. Nessa medida, iremos continuar a insistir junto de V. Exas. no sentido do aperfeiçoamento desta nova metodologia, de modo a evitar o referido exagero do impacto.
Reduzindo em 50 % o impacto constante da 10.ª Revisão do F&CP dos ajustamentos “point in time” e de risco concentração, o rácio de capital do Grupo Banco 1… melhorada em cerca de 50 p.b., o que representa um buffer de segurança adicional que ronda os 280 M(euro).
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Do que antecede conclui-se que, mesmo quando submetido a condições muito adversas, o Banco 1… mostra uma capacidade de resistência significativa capaz de cumprir com o referencial recomendado pelo BCE para cenário de stress.
Não obstante, e face às recomendações entretanto recebidas no quadro dos últimos contactos havidos com o Banco de Portugal e com a “Troika” perspetiva-se a realização de um aumento de capital com vista ao reforço adicional da base de capital do Banco 1…, nos seguintes termos:
. Montante: 750 milhões (euro);
. Calendário de Implementação: 2.º trimestre de 2014, após aprovação pelo Conselho de Administração. Estão já a decorrer estudos preparatórios com vista à realização da operação. Após a publicação da convocatória da próxima Assembleia Geral de Acionistas, realizar-se-á uma reunião do Conselho de Administração para o efeito (recorda-se que, nos termos do artigo …n.º 4 dos Estatutos do Banco, o Conselho de Administração tem poderes para deliberar aumentos de capital até 7,5 mil milhões. i) Uma vez aprovado, os passos e datas indicativas principais da operação seriam:
– Seleção dos Bancos de investimento para estudo da operação e seleção de advogados e conclusão da working party list: 2.ª semana de abril;
– Due Dilligence: última semana de abril;
– Preparação do prospeto (com contas do 1.º Trimestre): 4 semanas (1.ª semana de maio);
– Entrega do prospeto à CMVM: 12 maio;
– Aprovação CMVM: final de maio;
– Preparação de materiais para roadshow/apresentações investidoras: até ao final de maio;
– Reunião do Conselho de Administração para aprovação dos termos da operação;
– Pricing e anúncio: início de junho;
– Roadshow: 1.ª quinzena de junho;
– Período de transação de direitos e Subscrição: 2.ª quinzena de junho;
– Liquidação: final de junho …”.
MM) A 02.04.2014, o Banco 1… comunicou ao BdP que iria promover um aumento de capital de 1.000 milhões de euros.
NN) A 15.05.2014, o Banco 1… divulgou os resultados referentes ao 1.º trimestre de 2014, com perdas líquidas de EUR 89.2 milhões [descida relativa às perdas líquidas do 4.º trimestre de 2013, de EUR 136.6 milhões de Euros] – “o balanço é visto como sólido apresentando um rácio de Capitais Próprios de Nível 1 (Common Equity Tier ratio) de 9,8 %” [cf. doc. n.º …6, junto aos autos pelas AA. no proc. n.º 2586/14.3BESLB …].
OO) A 20.05.2014, foi emitido pelo Banco 1… Prospeto de Oferta Pública de Subscrição e de Admissão à Negociação do Euronext Lisbon gerido pela Af…, SA, com o seguinte teor [cf. doc. n.º …6, junto aos autos pelas AA., no Proc. n.º 2586/14.3BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“2. Fatores de Risco
Os potenciais investidores deverão ponderar cuidadosamente os fatores de risco adiante descritos e demais informação contida neste Prospeto previamente à tomada de qualquer decisão de aceitação de oferta. Qualquer dos riscos que se destacam no Prospeto poderá ter um efeito substancial e negativo na atividade, resultados operacionais, situação financeira, perspetiva futuras do Banco 1… ou do Grupo Banco 1… ou na capacidade para atingir os seus objetivos. Adicionalmente, qualquer dos riscos que se destacam no Prospeto poderá afetar de forma negativa para o futuro preço de mercado das ações representativas do capital social do Banco 1…, incluindo das ações novas ou dos direitos de preferência na subscrição dos acionistas do Banco 1… e, em resultado, os destinatários da oferta poderão perder parte ou a totalidade do seu investimento.
Os potenciais investidores deverão estar cientes de que os riscos descritos no prospeto não são os únicos a que o Banco 1… ou o Grupo Banco 1… estão sujeitos. O Banco 1… apenas descreve aqueles riscos e incertezas relativos à atividade, resultados operacionais, situação financeira, perspetivas futuras ou capacidade para atingir objetivos do Banco 1… e do Grupo Banco 1… que considera serem significativos e de que atualmente tem conhecimento. Poderão existir riscos e incertezas adicionais que o Banco 1… atualmente considere como não significativos ou de que não tenha conhecimento, podendo qualquer desses riscos ter um efeito substancial e negativo sobre a atividade, resultados operacionais, situação financeira, perspetivas futuras do Banco 1… ou do Grupo Banco 1… ou capacidade deste para atingir os seus objetivos. A ordem pela qual os seguintes riscos são apresentados não constitui qualquer indicação relativamente à possibilidade da ocorrência. […]
2.2.4 – Riscos associados à criação do Mecanismo Único de Resolução
Em julho de 2013 a Comissão Europeia propôs a criação de um mecanismo único de resolução (“Mecanismo único de Resolução”), que forma, em conjunto com o Mecanismo Único de Supervisão a base para a criação de uma União Bancária. O principal objetivo deste mecanismo é evitar que os custos associados à resolução bancária sejam suportados na totalidade pelos contribuintes dos Estados-Membros, envolvendo, em primeiro lugar e num montante mínimo, a participação dos acionistas e credores das instituições financeiras. […]
A intervenção do Mecanismo Único de Resolução reduz a possibilidade de um apoio governamental individualizado, aumentando a probabilidade de imputação de perdas aos acionistas e obrigacionistas de uma instituição financeira antes desta intervenção ser iniciada.
Adicionalmente, esta nova regulamentação poderá ter impacto negativo nas notações de risco do sistema financeiro, incluindo do Banco 1…, o que poderá, por sua vez ter um impacto significativo no custo de financiamento e situação financeira do Grupo Banco 1… …”.
PP) A 20.06.2014, os membros do Conselho de Administração do Banco 1…, BB, CC, DD, EE e FF, apresentaram a renúncia aos cargos de administradores [cf. docs. n.os…1 e…2 junto aos autos pelas AA. no proc. n.º 2586/14.3BELSB].
QQ) A 10.07.2014, o Banco 1… informou que “a sua exposição total, direta e indireta, a entidades do ramo não financeiro do Grupo 1, à data de 30 de junho, ascendia a 4.582 milhões de euros e de que dispunha de uma almofada 2.100 milhões de Euros acima do rácio mínimo regulamentar do Common Equity Tier 1 (o rácio de fundos próprios de maior qualidade), a qual permitia acomodar eventuais perdas sem pôr em causa o cumprimento do rácio” [cf. deliberação de 3.08.2014 constante do P.A. …].
RR) A 11.07.2014, o BdP emitiu um comunicado a propósito da situação financeira do Banco 1…, SA, com o seguinte teor [cf. doc. n.º …2, junto aos autos com a P.I. das AA., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Em face do comportamento especialmente adverso no mercado de capitais nacional decorrente da incerteza latente sobre a situação financeira do Banco 1…, S. A. (Banco 1.), o Banco de Portugal esclarece que, tendo em conta a informação reportada pelo Banco 1… e pelo seu auditor externo (X.), o Banco 1… detém um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo 1 (G 1) sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor. A este propósito, relembra-se que a situação do ramo não financeiro do G 1 foi detetada na sequência de uma auditoria transversal realizada por entidade independente por determinação do Banco de Portugal no final de 2013, aos oito maiores grupos bancários portugueses. Recorda-se ainda que, na sequência das conclusões extraídas dessa auditoria, foram determinadas várias medidas destinadas a salvaguardar a posição financeira do Banco 1… relativamente aos riscos emergentes do ramo não financeiro do G 1. Importa sublinhar que esta auditoria concluiu um ciclo de 4 ações transversais de inspeção desenvolvidas pelo Banco de Portugal desde 2011 e que permitiram uma revisão aprofundada das carteiras de crédito dos principais bancos portugueses.
Não existem motivos que comprometam a segurança dos fundos confiados ao Banco 1…, pelo que os seus depositantes podem estar tranquilos”.
SS) A 13.07.2014, o Governador do BdP endereçou ao Presidente do Conselho de Administração do Banco 1…, ofício no qual determina a convocação urgente do Conselho de Administração do Banco 1…, para reunião extraordinária, para efetivação da deliberação de cooptação de novos membros para o Conselho de Administração, consequente designação para a comissão executiva do Banco 1…, nas respetivas funções e para adoção de medidas que permitissem excluir a intervenção dos membros cooptados nas matérias relativas às demonstrações financeiras condensadas e do relatório de gestão intercalar do Banco 1… referentes ao 1.º semestre de 2014 [cf. doc. n.º …2, junto aos autos pelas autoras no Proc. n.º 2586/14.3BELSB].
TT) A 16.07.2014, foi realizada reunião de trabalho entre o BdP e a X…, na presença do Vice-Governador do BdP e do representante da X…, com reporte do ponto de situação relativamente às contas do Banco 1…, designadamente na exposição do Banco 1… ao G 1 [cf. doc. n.º … junto aos autos com a contestação apresentada pela entidade demandada no proc. n.º 2586/14.3BELSB].
UU) Em esclarecimento público, prestado Vice-Governador do BdP, datado de 6 de setembro, pode ler-se, com referência à reunião a que se reporta a alínea anterior do probatório, o seguinte [cf. doc. n.º … junto aos autos com a contestação apresentada pela entidade demandada no proc. n.º 2586/14.3BELSB]:
“…na parte final dessa reunião foi brevemente mencionado pela X… a existência de uma situação de recompra de obrigações do Banco 1… emitidas em 2012, sendo de sublinhar o seguinte:
a) A X… encontrava-se a analisar essas operações, pelo que não se tratava de uma situação esclarecida;
b) A X… não apresentou uma descrição completa e compreensível destas operações, muito menos do seu racional e eventual motivação; e sobretudo
c) não foi referida qualquer ordem de grandeza para eventuais perdas nas contas semestrais;
d) não foi referido ou sugerido que poderia estar em causa o cumprimento dos rácios mínimos de capital em vigor, ou seja, que o buffer de capital existente à data fosse insuficiente;
e) e muito menos, que as perdas associadas a estas operações poderiam atingir os montantes que vieram a atingir”.
VV) A 17.07.2014, foi elaborada pelo Departamento DSP do Banco de Portugal, a nota informativa 940/14, com o assunto “Grupo 1 – Nível de Provisionamento”, e no qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte [cf. doc. n.º …, junto aos com a contestação do BdP, no proc. n.º 2808/14.0BESLB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Avaliação da situação financeira do G 1
Com referência a 30 de setembro de 2013, e de modo a complementar os trabalhos desenvolvidos no âmbito do Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito (ETRICC) dos oito principais grupos bancários reportado a 30 de abril de 2013, o Banco de Portugal decidiu aprofundar a avaliação de um conjunto de grupos económicos cuja recuperabilidade da dívida e inerente análise de imparidade é efetuada por via da geração de fluxos financeiros do negócio, acarretando, por si só, incertezas ao nível das projeções financeiras para fazer face ao serviço da dívida (ETRICC 2). Dada a natureza desta avaliação, foi decidido que a mesma seria realizada pela V…, Lda. (V.), ao abrigo do artigo 116.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). A amostra de entidades a avaliar incluiu, numa primeira fase, as empresas não financeiras do Grupo 1 (G 1) tendo sido decidido estender a análise também às entidades financeiras, na medida em que a origem dos fluxos financeiros da W… (W.), a utilizar no reembolso da divida, provinham de ambos os ramos de negócio (financeiro e não financeiro).
Em resultado do ETRICC 2, foi detetado um acréscimo inusitado e de materialidade expressiva do passivo financeiro da W…, face à informação anteriormente reportada ao Banco de Portugal e refletida nas demonstrações financeiras dessa entidade. De acordo com a informação disponibilizada, no dia 26 de novembro de 2013, pelo Banco 1… (Banco 1.) no contexto do referido exercício, os passivos financeiros da W… ascenderiam, com referência a 30 de setembro de 2013, a 5,6 mil milhões de euros.
Segundo os elementos anteriormente disponibilizados ao Banco de Portugal, os passivos financeiros da W… totalizavam, em 31 de dezembro de 2012 e 30 de junho de 2013, 3,4 mil milhões e 3,9 mil milhões de euros, respetivamente.
Em resultado do agravamento significativo da situação patrimonial da W…, o Banco de Portugal determinou à T… (T.), por carta de 29 de novembro de 2013, a elaboração de contas consolidadas pró-forma da W… com referência a 30 de setembro de 2013, acompanhadas de parecer de auditor externo. Para a realização desta auditoria, a T… selecionou a X…, SA (X.), o que foi aceite pelo Banco de Portugal.
No âmbito do ETRICC 2, verificou-se que, com referência a 30 de setembro de 2013, o total da dívida do ramo não financeiro do G 1 junto dos oito principais grupos bancários ascendia a cerca de 2,4 mil milhões de euros, sendo 1,2 mil milhões de euros referente à exposição do grupo T…
Conclusões da V…
Em traços gerais, o trabalho da V… consistiu: (i) na análise crítica dos planos de negócio (até ao ano de 2023) bem como dos modelos económico-financeiros de suporte aos planos de negócio, relativos às entidades que compõem o G 1, com vista a aferir sobre a sua adequação para a estimação dos “cash-flows” a libertar no sentido de ser assegurado o pagamento dos compromissos assumidos, (ii) na apreciação da adequação da informação de suporte dos referidos modelos e da razoabilidade dos principais pressupostos utilizados, (iii) na análise das condições de financiamento contratadas e planos de pagamento, (iv) na realização de análises de sensibilidade aos resultados, utilizando pressupostos alternativos, considerados mais adequados, (v) na análise dos impactos apurados nos cenários de sensibilidade relativamente aos “cash-flows” estimados no plano de negócios do G 1, (vi) na análise de “benchmark” sobre os principais indicadores de “performance” e de risco (v.g. Net Debt/EBITDA) e (vii) na avaliação do risco de incumprimento do serviço da dívida do G 1 e das entidades que o compõem decorrente dos resultados nos cenários de sensibilidade.
Em resultado das análises de sensibilidade realizadas, assumindo como nível de endividamento indicativo um rácio “Net Debt/EBITDA” de 5x em 2023 e tendo presente as incertezas inerentes aos setores de atividade e geografias em que o G 1 desenvolve a sua atividade, a V… considerou razoável definir um intervalo de imparidade para a exposição sobre o G 1. Como limite inferior a V… concluiu pela não necessidade de registar qualquer imparidade, dado que o rácio “Net Debt/EBITDA” se situaria nos 4,6x e o “equity value” do G 1 em 2018 e em 2023 seria positivo. Relativamente ao limite superior do intervalo de imparidade, a V… considerou, de modo a assegurar um nível de endividamento sustentável do G 1 em 2023 (rácio “Net Debt/EBITDA” de 5x), a necessidade de registo de uma imparidade.
Tendo presente estas conclusões, a V… entendeu que a 2 e algumas das suas subsidiárias operacionais (Hotéis…, Herdade… e entidades do Ag.) apresentavam capacidade de geração de “cash-flows” para fazer face ao respetivo serviço de dívida, não tendo sido apurado qualquer desvio de imparidade. No que respeita às “holdings” não operacionais do G 1, a sua capacidade de cumprir com o serviço da dívida dependerá dos “cash flows” a gerar pelas suas filiais. Dado que não se perspetiva que seja atingido no curto/médio prazo um nível de endividamento razoável, a V… concluiu que deve ser registada imparidade (no limite superior) sobre as exposições em balanço destas entidades no montante mínimo entre 10 % das exposições em balanço e 100 % exposições em balanço líquidas de colaterais.
É de notar que o montante desta provisão assentou num plano de desalavancagem da W… com riscos de execução elevados, os quais têm vindo a avolumar-se, existindo agora um risco material das medidas geradoras de liquidez previstas no plano não permitirem o reembolso da dívida emitida por entidades do ramo não financeiro do G 1 na data do seu vencimento, ao que acrescem as restrições de acesso a liquidez junto das entidades financeiras do G 1 decorrentes das determinações do Banco de Portugal, que visaram inicialmente o “ring-fencing” do grupo T… ao ramo não financeiro do G 1 e subsequentemente o “ring-fencing” do grupo Banco 1… às entidades do G 1 não integradas no grupo Banco 1…
Salienta-se, ainda, que a “reafetação” da dívida entre entidades do G 1 ocorrida entre setembro de 2013 e junho de 2014, com redução da dívida da W… (-2,1 mil milhões de euros,) e aumento da dívida da 2 (+ 1,6 mil milhões de euros), veio alterar o cenário base considerado pela V… aquando da conclusão pela ausência de imparidade para a 2.
Não obstante algumas subsidiárias operacionais da 2 poderem continuar a evidenciar capacidade de geração de “cash-flows” para fazer face ao respetivo serviço de dívida, atenta a deterioração da situação financeira das principais “holdings” do G 1 e o facto de ainda não ser conhecido o plano de reestruturação do G 1, considera-se justificado determinar ao sistema bancário nacional (excluindo o grupo Banco 1.) um reforço significativo da taxa de imparidade das exposições perante as entidades do G 1 não integradas no grupo Banco 1…, correspondendo no mínimo, a 50 % da exposição (incluindo elementos extrapatrimoniais irrevogáveis) líquida de colaterais, avaliados numa perspetiva conservadora e não relevando, para esse efeito, garantias obtidas ou valores mobiliários emitidos pelas entidades do G 1 abrangidas na presente determinação.
Embora a informação mais atualizada careça de validação (dado existirem algumas divergências entre os dados disponíveis na CRC e SIET face à informação reportada pelo ramo não financeiro do G 1), terá existido um ligeiro aumento da exposição direta do sistema ao ramo não financeiro do G 1, explicado fundamentalmente pelo comportamento do Banco 1… (o que justificou a decisão de realizar uma auditoria forense para avaliar o cumprimento das determinações do Banco de Portugal). Relativamente às restantes instituições, terá ocorrido uma redução da exposição da Banco 9… e do Banco 10…, a qual foi compensada pelo aumento da exposição do Banco 11…, do Banco 12… e do Banco 13…
Relativamente a estas três instituições, a análise preliminar indica que mesmo que fosse apurada uma perda total equivalente à exposição perante o ramo não financeiro do G 1, o cumprimento do rácio mínimo do CET1 não estaria em causa. No entanto, no caso específico do Banco 12… uma perda equivalente à totalidade da exposição poderá impactar o reembolso dos instrumentos híbridos no final de 2014, conforme previsto. De qualquer modo, esta avaliação preliminar carece de confirmação, com base no reporte de dados atualizados pelas instituições e tomando em consideração as garantias existentes.
Para além da informação sobre as exposições existentes no caso do Banco 11…, Banco 12… e Banco 13… será solicitada a análise de risco realizada para suportar o aumento da exposição perante o G 1, para avaliar se a decisão foi suficiente ponderada à luz da informação disponível à data em que a mesma foi tomada. No caso específico do Banco 13…, atendendo a que parte significativa da exposição não será direta, mas antes será detida por clientes da instituição, será solicitada confirmação se irão assumir, no todo ou em parte, eventuais perdas imputáveis a esses títulos de dívida, bem como os termos em que o pretendem fazer.
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Especificamente para o grupo Banco 1…, atenta a sua exposição direta de 1,5 mil milhões de euros e o nível de exposição indireta decorrente dos títulos de dívida do G 1 colocados em clientes (3,0 mil milhões de euros, dos quais 2 mil milhões de euros em clientes institucionais), considera-se que devem ser aplicados critérios diferenciados na determinação da imparidade, devendo, no mínimo, ser acomodadas as perdas potenciais associadas às exposições, líquidas de colaterais, resultantes dos financiamentos diretos e dos títulos de dívida detidos por clientes de retalho (atendendo a que o Banco 1… já assumiu que irá assegurar o reembolso desses clientes. Note-se que, no entanto, esta exposição não é diretamente comparável com o valor referente a dezembro de 2013, não só devido ao perímetro ser distinto, mas também por incluir agora a exposição referente à própria T… (que totaliza 927 milhões de euros).
Os valores de exposição considerados baseiam-se no comunicado efetuado pelo Banco 1… no dia 10 de julho de 2014, conforme quadro seguinte:
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Na medida em que a informação disponível sobre os colaterais já formalizados (designadamente ações Banco 1…, Ag…, ES… e.), carece de maior análise, nomeadamente em termos de valorização, e que, de acordo com o Banco 1…, existem garantias em fase de contratualização, considera-se que o Grupo Banco 1… deve constituir, no mínimo, uma provisão de 2,0 mil milhões de euros para acomodar os citados riscos.
Esta provisão corresponde a 77 % do total da exposição direta e indireta ao G 1 (excluindo títulos colocados em clientes institucionais), devendo o seu valor ser objeto de revisão após confirmação do valor e eficácia das garantias obtidas pelo Banco 1… É de notar que de acordo com a avaliação preliminar da X…, o montante de provisões que este auditor irá propor que seja constituído deverá atingir igualmente os 2 mil milhões de euros.
Apresentam-se, a seguir, as propostas de comunicação a efetuar ao sistema e ao Banco 1…:
Sistema bancário (com exceção do Grupo Banco 1.)
“Exmos. Senhores,
Relativamente a exposições de crédito (incluindo garantias e outros compromissos extrapatrimoniais irrevogáveis) assumidas por essa instituição, em base consolidada, sobre as entidades do grupo 1 que não integram o grupo Banco 1…, e enquanto não forem conhecidos os contornos do processo de reestruturação desse grupo, determina-se que seja constituída uma imparidade correspondente, no mínimo, a 50 % da exposição líquida de colaterais, avaliados numa perspetiva conservadora e não relevando, para esse efeito, garantias obtidas ou valores mobiliários emitidos pelas entidades do G 1 abrangidas na presente determinação.
O reforço de imparidade solicitado deverá ter reflexo nas contas dessa instituição com referência a 30 de junho de 2014.
Adicionalmente, solicita-se que, com urgência, nos reportem um inventário atualizado (no mínimo com referência a 30 de junho passado) de tais exposições, em base consolidada, com indicação da instituição mutuante e da entidade mutuária. O referido inventário deverá ainda incluir a identificação e valorização dos colaterais associados a essas exposições, bem como descrição da metodologia que fundamenta a respetiva valorimetria.
Para cada exposição, solicita-se que indiquem o estado da operação, designadamente crédito reestruturado, crédito vencido e crédito em risco, bem como o nível de imparidade alocado.
[Pedido aplicável à Banco 11…, Banco 12… e Banco 13…: Deverá ser ainda remetida cópia da análise de risco realizada pela vossa instituição para suportar o(s) aumento(s) de exposição concretizados durante 2014.
Pedido aplicável apenas ao Banco 13…: Atendendo ao montante de títulos de dívida do ramo não financeiro do G 1 detido por clientes da vossa instituição, solicita-se que informem o Banco de Portugal se irão assumir, no todo ou em parte, eventuais perdas imputáveis a esses títulos de dívida, bem como os termos em que o pretendem fazer].
Os elementos de informação solicitados deverão ser remetidos ao Banco de Portugal no prazo de cinco dias.
Com os melhores cumprimentos”
Banco 1…
“Exmos. Senhores,
Atenta a exposição creditícia (efetiva e potencial) assumida, direta ou indiretamente, por essa instituição, em base consolidada, sobre as entidades do grupo 1 não integradas no grupo Banco 1…, determina-se que seja constituída uma provisão prudentemente avaliada para acomodar os riscos assumidos, determinando-se que, até serem conhecidos e clarificados os termos e consequências do processo de reestruturação daquele grupo, seja constituída uma provisão no valor mínimo de 2,0 mil milhões de euros.
À provisão ora determinada deverá ter reflexo nas contas dessa instituição com referência a 30 de junho de 2014.
Com os melhores cumprimentos”.
WW) Na mesma data a que se reporta a alínea anterior do probatório, a agência de notação financeira Standard & Poor’s baixou a notação de risco do Banco 1… para B- e alerta para possível insolvência.
XX) A 18.07.2014, o Governador do BdP comunicou ao Parlamento que “as irregularidades nas contas de empresas do G 1 só foram descobertas porque o regulador saiu da sua área restrita de supervisão e revela que os novos gestores do Banco 1… foram escolhidos pelos principais accionistas, sem intervenção do supervisor”.
YY) A 22.07.2014, em reunião do Conselho de Administração do BdP, com o ponto de agenda relativo à constituição de imparidades por parte dos bancos com exposição ao G 1, foi deliberado o seguinte [cf. ata de reunião n.º …14, do Conselho de Administração do BdP junto aos autos pela entidade demandada, no P.A. apenso ao proc. n.º 2808/14.0BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“O Conselho deliberou aprovar, nos termos propostos no Doc NTI/20 14/…18, a emissão de determinações ao sistema bancário e ao Banco 1… no sentido de:
(i) Constituição, pelas instituições de crédito que tenham assumido exposições creditícias (incluindo garantias e outros compromissos extrapatrimoniais irrevogáveis), em base consolidada, sobre as entidades do grupo 1 não integradas no grupo Banco 1…, de imparidades correspondentes, no mínimo, a 50 % da exposição líquida de colaterais avaliados numa perspetiva conservadora;
(ii) Constituição pelo Banco 1… de uma provisão no valor mínimo de 2,0 mil milhões de euros, para acomodar os riscos assumidos face à exposição creditícia (efetiva e potencial) assumida, direta ou indiretamente, por aquela instituição, em base consolidada, sobre as entidades do grupo 1 não integradas no grupo Banco 1…”.
ZZ) A 25.07.2014, foi realizada reunião de trabalho entre o BdP e a X…, na qual foram apresentados pela auditora os valores preliminares das contas do primeiro semestre, incluindo a primeira estimativa das perdas associadas às operações de emissão e recompra de obrigações próprias [cf. doc. n.º … junto aos autos com a contestação da entidade demandada, no proc. n.º 2586/14.3BESLB].
AAA) A 29.07.2014, o Vice-Governador do BdP endereçou ao Presidente da Comissão Executiva do Banco 1…, SA, o ofício n.º …82, com referência ao assunto de “adoção de medida de intervenção corretiva -apresentação de plano de reestruturação” e no qual pode ler-se o seguinte [cf. P.A. junto aos autos do proc. n.º 2808/14.0BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“As conclusões preliminares da X…, SA (X.) à análise das demonstrações financeiras do Banco 1…, SA (Banco 1.), tal como partilhadas por V. Exas. em reuniões realizadas nos últimos dois dias, permitem concluir que o Banco 1… irá apresentar resultados negativos de elevada magnitude com referência ao primeiro semestre de 2014.
Esta informação contrasta, por um lado, com aquela que tinha vindo a ser partilhada pelo Banco 1… e pelo seu auditor externo; e, por outro, com aquela que foi comunicada ao mercado pelo Banco 1… no passado dia 10 de julho e que suportou o comunicado público emitido pelo Banco de Portugal, no passado dia 11 de julho, confirmando que o Banco 1… detinha um montante de capital suficiente para acomodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo 1 (G 1) sem pôr em causa o cumprimento dos rácios em vigor. Embora, de acordo com a informação agora partilhada, as perdas emergentes da exposição ao G 1 a reconhecer nas demonstrações financeiras referentes a 30 de junho de 2014 se mantenham dentro dos limites antecipados e em conformidade com o valor da provisão que o Banco de Portugal determinou constituir, factos supervenientes, não identificados pelo auditor externo, vieram alterar materialmente o valor das perdas a reconhecer na conta de resultado do primeiro semestre. Tais factos que indiciam a prática de atos ilícitos de gestão em claro incumprimento das determinações emitidas pelo Banco de Portugal, atingiram um montante muito expressivo suscetível de colocar em causa o cumprimento dos rácios de solvabilidade vigentes.
A avaliação de responsabilidades por tais situações será incorporada na auditoria forense determinada pelo Banco de Portugal, e que se encontra já em curso, a qual permitirá identificar a prática de eventuais ilícitos e extrair as necessárias consequências em material contraordenacional, sancionatória e, porventura, criminal. Independentemente desta iniciativa do Banco de Portugal deve o órgão de administração promover, com justificada urgência, as diligências necessárias para assegurar a defesa dos interesses da instituição.
Neste quadro, antecipa-se, com um elevado grau de certeza, considerando a magnitude dos resultados negativos que deverão ser apurados relativamente ao período em causa, a materialização de uma situação de incumprimento dos rácios de solvabilidade em vigor, a partir do momento em que as conclusões definitivas acima referidas sejam tornadas públicas ainda durante a presente semana. Existe, assim, o risco sério do Banco 1… deixar de cumprir os requisitos de fundos próprios exigíveis para efeitos de supervisão prudencial.
Atenta a factualidade e riscos acima expostos, o Banco de Portugal, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 141.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, deliberou nesta data o seguinte:
– Determinar a apresentação pelo Banco 1…, até ao final do próximo dia 31 de julho, de um plano de reestruturação contendo medidas que, num muito curto prazo de tempo, permitam ao Banco 1… o retorno a uma situação de cumprimento dos requisitos de fundos próprios;
– Determinar que este plano de restruturação deve incluir a apresentação de um plano credível tendo em vista a realização de uma operação de aumento de capital com recurso a capitais privados, com indicação de um calendário detalhado e de garantias de colocação, no montante necessário para, em conjunto com eventuais medidas alternativas, cobrir as necessidades de fundo próprios existentes;
Salienta-se a importância da apresentação atempada do plano de restruturação agora exigido, uma vez que a situação de incumprimento dos requisitos de fundos próprios, para além de poder ter consequências negativas ao nível da manutenção do estatuto de contraparte para efeitos de realização de operações de política monetária com o Eurosistema, ficando seriamente em risco a capacidade do Banco 1… cumprir as normas legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, o que poderá obrigar o Banco de Portugal a ponderar a aplicação de medidas adicionais que salvaguardem a estabilidade do sistema financeiro e a confiança dos depositantes”.
BBB) A 30.07.2014, o Conselho de Administração do Banco 1… aprovou e apresentou o Relatório e Contas Intercalar Consolidado e Individual, referente ao 1.º semestre de 2014, no qual pode ler-se, entre o mais o seguinte [cf. doc. n.º …4 junto aos autos com a P.I. das AA., no proc. n.º 2586/14.3BELSB e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Fatores de natureza excecional ocorridos durante o corrente exercício determinaram a contabilização de prejuízos, de imparidades e de contingências que se refletiram num prejuízo de 3577,3M(euro) (-3488,1M(euro) no 2.º trimestre).
O custo com imparidades e contingências atingiu 4253,5M(euro) influenciado pelos fatores de natureza excecional detalhados no ponto 1. O Conselho de Administração acredita que o reforço realizado fortalece o balanço, cria condições para a recuperação económica do Grupo e mitigará os futuros impactos do AQR (Asset Quality Review) em curso.
Durante o mês de junho concretizou-se uma operação de aumento de capital do Banco 1… de 1045M(euro), fazendo elevar o respetivo capital social para 6085M(euro) representado por 5 624 962 mil ações.
O rácio Common Equity Tier 1 era, em 30 de junho de 2014, de 5,1 % (mínimo fixado pelo Banco de Portugal: 7 %).
O crédito a clientes bruto, no 2.º trimestre, teve um aumento de 280M(euro) e os depósitos apresentaram uma redução de 310M(euro) com o rácio crédito líquido/depósitos a situar-se em 126 % (mar, 14: 129 %); a alteração do método de consolidação do Banco 14… conduziu ao agravamento em +2,4pp.
O crédito vencido há mais de 90 dias aumentou 223M(euro) no 2.º trimestre, com o rácio de sinistralidade correspondente a situar-se em 6,4 % (mar, 14: 6,0 %). Por sua vez, o crédito em risco aumentou no trimestre para 5920M(euro) sendo o respetivo rácio de 11,5 % (mar, 14: 11,1 %).
O rácio de cobertura do crédito total por provisões atingiu 10,5 % (mar, 14: 7,2 %) e do crédito vencido há mais de 90 dias evoluiu para 164 % (mar, 14: 119,0 %).
O produto bancário comercial teve uma queda de 23,8 % face ao semestre homólogo, determinado pelos ajustamentos contabilísticos realizados no Banco 4…; sem este efeito teria um aumento de 2,2 %.
Os custos operativos aumentaram 5,7 % devido ao custo com as reformas antecipadas de 139 colaboradores e a alterações no perímetro de consolidação; excluindo estes efeitos os custos teriam aumentado 0,8 % com redução de 2,1 % na área doméstica”.
CCC) Na mesma data, a 30.07.2014, o Banco 1… emitiu um comunicado, titulado de “Plano do Banco 1… para o Futuro”, no qual pode ler-se o seguinte [cf. doc. n.º … junto aos autos com a P.I. das AA., no proc. n.º 2586/14.3BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“1 – Foram hoje divulgados os resultados do Banco 1… correspondentes ao 1.º semestre do corrente ano. Estes resultados foram significativamente impactados por eventos extraordinários não recorrentes. Dependendo apenas da sua atividade corrente, o Banco teria registado um resultado líquido negativo de 255,4M(euro)
2 – A extensa dimensão destes números não pode ser ignorada e requer ações decisivas para construir um futuro de longo prazo.
3 – Como consequência destes resultados, o rácio de capital do Banco «Common Equity Tier 1)» situa-se agora em 5,0 %, o que é inferior ao mínimo regulamentar, decorrendo daí a necessidade de se aumentar o capital do Banco. Este Plano de Capitalização deverá, desejavelmente, contemplar uma almofada de precaução.
4 – Nas últimas semanas, o Banco tem assistido a manifestações de interesse de atuais e potenciais acionistas em participar no Plano de Capitalização, alguns expressando mesmo interesse em tomar participações significativas. Esta mesma informação foi transmitida à equipa de gestão pelo consultor financeiro (Banco 15.) que, como recentemente comunicado, foi contratado pelo Banco para assessorar a otimização da estrutura do seu balanço.
5 – Nesse sentido, será desencadeado de imediato um processo visando aumentar o capital do Banco tendo em vista o expresso no ponto 3, devendo para o efeito ser convocada uma Assembleia-Geral para reunir dentro do prazo em que seja razoável concretizar tal aumento.
6 – Por outro lado, a auditoria já anunciada pelo Banco de Portugal e que se deverá iniciar em breve, deverá facilitar e abreviar o processo de avaliação que os investidores normalmente requerem num processo de aumento de capital, reforçando a confiança no Banco.
7 – Paralelamente, a equipa de gestão já iniciou a preparação de um Plano Estratégico de Restruturação do Banco visando a sua adequação à nova realidade do negócio bancário, nomeadamente em Portugal.
8 – Este plano prevê ainda uma avaliação exaustiva dos ativos que seja possível alienar, nomeadamente, mas não só, dos associados a algumas presenças internacionais que não sejam estratégicas. As potenciais alienações serão feitas tendo também em conta a maximização do valor do Banco para os seus stakeholders.
9 – Será sempre salvaguardada a eficácia e a qualidade do serviço a que o Banco 1… acostumou os seus clientes e que o destaca como um prestador de serviços bancários de elevada qualidade.
10 – Finalmente e na medida em que a descrição de alguns dos contributos para esses resultados parece indiciar a existência de eventuais violações de normas legais, tais indícios irão ser devidamente investigados e, se for o caso, comunicados às autoridades competentes para os fins legalmente previstos.
11 – Em suma, apesar de serem tempos difíceis para os stakeholders, estamos totalmente focados em empreender os passos necessários para obter a viabilidade e rentabilidade do Banco 1… reafirmando-se como uma referência no futuro”.
DDD) Na mesma data das alíneas anteriores do probatório, o BdP emitiu um comunicado, no qual pode ler-se o seguinte [cf. doc. n.º …2, junto aos autos com a P.I. do Proc. n.º 2586/14.3BESLB]:
“1 – No passado dia 11 de julho, o Banco de Portugal transmitiu publicamente que, tendo em conta a informação fornecida reportada pelo Banco 1…, SA (Banco 1.) e pelo seu auditor externo (X…, SA) o Banco 1… detinha um montante de fundos próprios suficiente para a comodar eventuais impactos negativos decorrentes da exposição assumida perante o ramo não financeiro do Grupo 1 (G 1) sem pôr em causa o cumprimento dos rácios mínimos em vigor.
2 – De acordo com a informação hoje divulgada pelo Banco 1…, as perdas resultantes da exposição ao G 1, apuradas e reconhecidas nas demonstrações financeiras referentes a 30 de julho de 2014, mantiveram-se dentro dos limites antecipados e em conformidade com a provisão de 2 mil milhões de euros que o Banco de Portugal determinou que fosse constituída para esta exposição. No entanto, factos supervenientes, identificados pelo auditor externo apenas na segunda quinzena de julho e com um impacto negativo de cerca de 1,5 mil milhões de euros, vieram alterar substancialmente o valor das perdas a reconhecer na conta de resultados do primeiro semestre, pondo em causa o cumprimento dos rácios mínimos de solvabilidade vigentes. Estes factos, anteriores à nomeação dos novos membros da Comissão Executiva, indiciam a prática de atos de gestão gravemente prejudiciais para os interesses do Banco 1… e um claro incumprimento das determinações emitidas pelo Banco de Portugal.
3 – A auditoria forense determinada pelo Banco de Portugal, que já está em curso, permitirá avaliar responsabilidades individuais, incluindo as do anterior Presidente da Comissão Executiva, anterior administrador com o pelouro financeiro e outros membros da Comissão Executiva que, entretanto, renunciaram aos cargos exercidos. Caso se confirme a prática de atos ilícitos, serão extraídas as necessárias consequências em matéria contraordenacional e, porventura, criminal.
4 – Independentemente da avaliação das responsabilidades individuais no âmbito da auditoria forense, o Banco de Portugal considera que os indícios da prática de atos prejudiciais aos interesses do Banco 1… e em violação das determinações emitidas não são compatíveis com a manutenção em funções dos titulares dos órgãos de administração com os pelouros de auditoria, compliance e gestão de riscos, bem como dos titulares do órgão de fiscalização. A estes titulares incumbiam deveres reforçados de vigilância, tendo presente a responsabilidade atribuída às funções de controlo pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 05/2008, para permitir a prevenção e deteção tempestiva das situações em causa, o que não veio a ocorrer.
5 – Em face destes factos supervenientes, o Banco de Portugal determina:
. A realização de um aumento de capital por parte do Banco 1…, incumbindo a sua administração de apresentar um plano de capitalização cuja execução permita, a curto prazo, o reforço dos fundos próprios para níveis adequados de solvabilidade;
. Inibir os direitos de voto inerentes à participação qualificada que a T…, S. A. e a Ah…- SGPS, S. A. detêm no Banco 1…, ao abrigo do disposto nos arts. 13.º, n.º 7, 13.º-A e 106.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF);
. Suspender, com efeitos imediatos, os membros dos órgãos de administração com os pelouros de auditoria, compliance e gestão de riscos, bem como os titulares do órgão de fiscalização. A substituição destes membros deverá ser assegurada por proposta dos acionistas, com eventual cooptação pelos membros em funções;
. Designar uma comissão de fiscalização composta por quadros superiores da V…, Lda., nos termos e para os efeitos previstos no artigo 143.º do RGICSF, até que os acionistas promovam a substituição dos membros da Comissão de Auditoria.
6 – Estas alterações ao nível da composição dos órgãos sociais do Banco 1… visam contribuir para a estabilidade da instituição, bem como para uma adequada execução do plano de capitalização determinado pelo Banco de Portugal. O órgão de administração do Banco 1…, com o apoio dos acionistas de referência e do Banco 16… contratado para o efeito, definirá e implementará as soluções de otimização de capital com recurso a fundos privados.
7 – O Banco de Portugal considera desejável que o reforço de capital seja realizado com base em soluções de mercado e reafirma que a solidez da instituição está salvaguardada pelo facto de continuar disponível a linha de recapitalização pública criada no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira para suportar eventuais necessidades de capital do sistema bancário.
8 – O Banco de Portugal reitera que estão reunidas as condições necessárias à continuidade da atividade desenvolvida pela instituição e à plena proteção dos interesses dos depositantes”.
EEE) A 31.07.2014, o Presidente e o Vice-Presidente da Comissão Executiva do Banco 1…, endereçaram ao Vice-Governador do BdP, carta de resposta ao ofício a que se reporta a alínea AAA) do probatório, na qual pode ler-se o seguinte [cf. carta constante do P.A., junto aos autos do proc. n.º 2808/14.0BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Relativamente à carta de V. Exas ADM/2014/0082, de 29 de julho, informamos que é material e fisicamente impossível dar execução à determinação que nos é imposta para ser cumprida até ao final do dia de hoje.
Sobre as duas determinações, a única coisa razoável que nos é possível dizer, neste momento muito difícil da vida do Banco e no meio das várias urgências e emergências a que temos tido de atender diariamente, é, fundamentalmente, o que foi comunicado ontem na sequência da apresentação dos resultados:
1 – Será desencadeado de imediato um processo visando aumentar o capital do Banco tendo em vista repor os rácios regulatórios e, desejavelmente, contemplar uma almofada de precaução.
2 – Para o efeito deverá ser convocada uma Assembleia-Geral para reunir dentro do prazo em que seja realizar tal aumento.
3 – Nas últimas semanas, o Banco tem assistido a manifestações de interesse de atuais e potenciais acionistas em particular no Plano de Capitalização, alguns expressando mesmo interesse em tomar participações significativas. Esta mesma informação foi transmitida à equipa de gestão pelo consultor financeiro (Banco 15.) que, como recentemente comunicado, foi contratado pelo Banco para assessorar a otimização da estrutura do seu balanço. Pelo que se tem a expectativa de que a referida capitalização seja concretizável.
4 – Esperamos que a auditoria já anunciada pelo Banco de Portugal e que se deverá iniciar em breve, possa facilitar e abreviar o processo de avaliação que os investidores normalmente requerem num processo de aumento de capital.
5 – Paralelamente, a equipa de gestão já iniciou a preparação de um Plano Estratégico de Restruturação do Banco visando a sua adequação à nova realidade do negócio bancário, nomeadamente em Portugal.
6 – Este plano deverá prever ainda uma avaliação exaustiva dos ativos que seja possível alienar, nomeadamente, mas não só, dos associados a algumas presenças internacionais que não sejam estratégicas. As potenciais alienações serão feitas tendo também em conta a maximização do valor do Banco para os seus stakeholders.
7 – Quer-se, nesse Plano, que possa ser salvaguardada a eficácia e a qualidade do serviço a que o Banco 1… acostumou os seus clientes e que o destaca como um prestador de serviços bancários de elevada qualidade.
8 – Finalmente e na medida em que a descrição de alguns dos contributos para os resultados ontem divulgados parece indiciar a existência de eventuais violações de normas legais, tais indícios irão ser devidamente investigados e, se for o caso, comunicados às autoridades competentes para os fins legalmente previstos.
Entretanto e como foi oportunamente informado, estamos a tentar negociar com as autoridades angolanas a possível resolução do Banco 4…, estando prevista a deslocação a Luanda na próxima 2.ª feira”.
FFF) Na mesma data a que se reporta a alínea anterior do probatório, o BdP foi informado pela Comissão Executiva do Banco Central Europeu de que, face ao incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios e na impossibilidade de imediato aumento de capital do Banco 1…, iria propor ao respetivo Conselho a suspensão, com efeitos a partir de 4 de agosto seguinte, do estatuto do Banco 1… de contraparte em operações de política monetária do Eurosistema [cf. deliberação de 3/8/2014 e ata da reunião do Banco Central Europeu de 1 de agosto de 2014, junto aos autos com o P.A. do proc. n.º 2808/14.0BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
GGG) A 1.08.2014, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu suspender o estatuto de contraparte do Banco 1…, com efeitos a partir de 4 de agosto de 2014, a par da obrigação de este reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de EUR 10 mil milhões, no fecho das operações no dia 4 de agosto […cf. doc. n.º …2, junto pela entidade demandada no proc. n.º 2586/14.3BESLB].
HHH) A 03.08.2014, o Governador do BdP informou o Vice-Presidente da Comissão Europeia da intenção de aplicação da medida de resolução ao Banco 1… [cf. doc. n.º …5 junto aos autos pela entidade demandada].
III) A 3.08.2014, em reunião extraordinária do Conselho de Administração do BdP foi deliberado o seguinte [cf. ata de reunião, junto aos autos pela A., como doc. n.º …, no proc. n.º 2808/14…, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal
3 de agosto de 2014, 20 horas
Presenças:
Senhor Governador Dr. GG
Senhor Vice-Governador Prof. Doutor HH
Senhor Vice-Governador Dr. II
Senhores Administradores: Dr. JJ e Dr. KK
Agenda:
1 – Constituição do Banco 2…, S. A.
2 – Transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, S. A., para o Banco 2…, S. A.
3 – Designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Banco 2…, S. A.
4 – Nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do Banco 1…, S. A.
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do RGICSF, e em face da necessidade premente das medidas agora tomadas para a salvaguarda da solidez financeira do Banco 1… e do interesse dos seus depositantes, bem como para a manutenção da estabilidade do sistema financeiro português, as presentes deliberações são consideradas urgentes nos termos e pura os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 103.º do Código de Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.
5 – A ata das presentes deliberações é aprovada em minuta, com vista a execução imediata, nos termos do n.º 3 e para os efeitos do n.º 4 do art 27.º do Código do Procedimento Administrativo.
Deliberação:
Considerando que:
1 – No dia 30 de julho de 2014, o Banco 1…, S. A. divulgou mediante comunicação à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), os resultados do Grupo Banco 1… relativos ao primeiro semestre de 2014, que registam um prejuízo de 3577.3 milhões de euros.
Os resultados divulgados em 30 de julho refletiram a prática de atos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do Banco 1…, S. A. e a violação de determinações do Banco de Portugal que proibiam o aumento da exposição a outras entidades do Grupo 1. Estes factos tiveram lugar no decurso do mandato da anterior administração do Banco 1…, S. A., decorrendo essencialmente de atos praticados num momento em que a substituição da anterior administração estava já anunciada e traduziram-se num prejuízo adicional na ordem de 1500 milhões de euros face ao expectável na sequência da comunicação do Banco 1…, S. A. ao mercado datada de 10 de julho.
Estes prejuízos referidos foram justificados pelo Banco 1…, S. A. com diversos fatores de natureza excecional ocorridos ao longo do semestre, com particular incidência no último trimestre (3488,1 milhões de euros). Uma parte substancial destes fatores e das correspondentes perdas, não reportados anteriormente ao Banco de Portugal, determinaram que os prejuízos atingissem um valor largamente superior a almofada (“bufer”) de capital de que o banco dispunha por determinação do Banco de Portugal.
2 – As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do Banco 1…, a nível individual e consolidado, colocando-os globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam atualmente nos 7 % para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8 % para o rácio total, conforme documenta o quadro abaixo:
Rácios de capital a nível consolidado e individual
[IMAGEM]
3 – Verificam-se assim um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco 1…, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), do art. 92.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, de 26 de junho e do Aviso do Banco de Portugal 6/2013.
4 – Em 31 de julho, o Banco 1…, S. A. comunicou ao Banco de Portugal a impossibilidade de promover uma solução de recapitalização do banco, nos termos e nos prazos solicitados pelo Banco de Portugal.
5 – Salienta-se que o Banco 1…, S. A. se encontra em situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de junho até 31 de julho, a posição de liquidez do Banco 1…, S. A. diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros. Na impossibilidade de esta acentuada pressão sobre a liquidez do Banco 1… poder ser acomodada pela instituição com o recurso a fundos obtidas em operações de política monetária, por esgotamento dos ativos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do Banco 1… às operações de política monetária, o Banco 1…, S. A., viu-se forçado a recorrer a cedência de liquidez em situação de emergência (ELA -Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros.
6 – No dia 1 de agosto, o Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu suspender o estatuto de contraparte do Banco 1…, SA, com efeitos a partir de 4 de agosto de 2014, a par da obrigação de este reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 mil milhões de euros, no fecho das operações no dia 4 de agosto.
Assim, a decisão do BCE de suspensão do Banco 1…, S. A., como contraparte de operações de política monetária tomou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excecionalmente, com especial incidência nos últimos dias, a cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.
7 – Os factos descritos nos números anteriores colocaram o Banco 1…, S. A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercido da sua atividade, nos termos dos n.os 1 e 3, alínea c) do artigo 145.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), pelo que, não sendo tomada, com urgência; a medida de resolução ora adotada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira.
8 – Tal situação tomou imperativa e inadiável uma medida de defesa dos depositantes, de forma a evitar uma ameaça a segurança dos fundos depositados. Além deste objetivo primordial, e imprescindível ter em conta que a dimensão do Banco 1…, SA, a sua qualificação como instituição de crédito significativa para efeitos de supervisão europeia e a sua importância no sistema financeiro nacional e no financiamento à economia, são fatores que tem associado um inequívoco risco sistémico.
9 – Com efeito, o Banco 1…, SA detém, em Portugal, uma quota de mercado substancial no segmento da captação de depósitos e no segmento da concessão de crédito. No que respeita a captação de depósitos, o Banco 1… detém uma quota de mercado correspondente a cerca de 11,5 % no total dos depósitos criados junto de pessoas ou entidades residentes ou com sede em Portugal. No que respeita ao total de depósitos constituídos por pessoas ou entidades residentes ou com sede fora de Portugal, o Banco 1…, SA detém uma quota de mercado que corresponde a cerca de 20 % do total.
Por seu turno, no que respeita a quota de mercado detida pelo Banco 1…, SA na concessão de empréstimos, considera-se de sublinhar o facto de o Banco 1…, SA deter cerca de 14 % do total de crédito concedido em Portugal, sendo especialmente relevante o facto de a quota do seu financiamento a atividades financeiras e seguradoras ascender a 31 %, revelando a forte interatividade com o resto do sistema financeiro o risco sistémico dai derivado. Note-se, ademais, que o Banco 1…, SA detém um total de 19 % do crédito concedido a sociedades não financeiras.
Estes dados comprovam o papel primordial desempenhado pelo Banco 1…, SA no domínio do financiamento à economia e, consequentemente, o significativo efeito sistémico que uma interrupção na prestação dos seus serviços financeiros poderia causar.
10 – Relativamente aos serviços de pagamento, de compensação de liquidação, refira-se ainda que o Banco 1…, SA é membro direto ou indireto de 31 sistemas de pagamentos, compensação ou liquidação, entre os quais: Target 2 (Portugal e Espanha); Euro 1; STEP 1; STEP2 – SEPACT; SWIFT; SICOI -Multibanco; SICO Cheques; Interbolsa.
No que respeita aos sistemas de pagamento, e a título de exemplo, o Banco 1…, SA é diretamente responsável por, aproximadamente, 14 % do montante total de pagamentos efetuados através do SICOI.
11 – Na falta de soluções imediatas viáveis de alienação da atividade do Banco 1…, SA, a outra instituição de crédito autorizada, a criação de um banco para o qual é transferida a totalidade da atividade prosseguida pelo Banco 1…, S. A., bem com um conjunto dos seus ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, revela-se como a única medida que garante a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permite isolar, em definitivo, o Banco 2… dos riscos criados pela exposição do Banco 1…, SA a entidades do Grupo 1.
12 – O banco assim constituído, libertado da exposição que conduziu as perdas registadas nos resultados semestrais do Banco 1…, S. A., bem como a uma acentuada desvalorização das suas ações em bolsa, permitirá aos seus depositantes manter um relacionamento estável com a sua instituição e a continuidade do acesso aos serviços por ela prestados.
13 – Por força do artigo 153.º-B do RGICSF, o Fundo de Resolução ficará detentor único do capital social da nova instituição, com o objetivo de permitir a entrada posterior de novos capitais e de reconstituir uma base acionista para este banco, com o inerente reembolso dos capitais gora disponibilizados pelo fundo.
14 – No quadro desta solução, a mobilização dos recursos do Estado assumirá apenas a natureza de uma operação de financiamento ao fundo, e não de capitalização, pondo esses recursos a coberto dos riscos inerentes a uma posição de acionista ou de credor direto de uma só instituição de crédito.
15 – As razões apontadas fundamentam a condução de que esta solução, para além de adequada à realização das finalidades, legalmente definidas, de proteção dos depositantes, de prevenção de riscos sistémicos e de promoção do crédito à economia, é também aquela que melhor salvaguarda os interesses dos contribuintes, nomeadamente por comparação com uma hipotética medida de recapitalização pública, mesmo na modalidade de capitalização obrigatória. Esta última medida, em qualquer caso, não seria viável, dada a situação de urgência reclamada pela atual situação de risco iminente de incumprimento das obrigações do Banco 1…, e não asseguraria nem a necessária segregação em relação ao Grupo 1, nem a proteção dos recursos públicos relativamente aos riscos próprios da atividade bancária. De qualquer modo, assinale-se que acionistas e titulares de instrumentos de capital e de dívida subordinada seriam obrigatoriamente sujeitos a medidas de repartição de encargos (“burden sharing”) como condição “sine qua non” de qualquer operação de capitalização com recurso a fundos públicos.
16 – Com esta deliberação de manifesto e urgente interesse público, procura afastar-se os riscos para a estabilidade financeira, liberta-se o Banco 2… dos ativos de má qualidade que levaram a atual situação, expurgando-se incertezas sobre a composição …do respetivo balanço, e abre-se assim o caminho para a venda da instituição a investidores privados.
17 – A criação de uma instituição capitalizada nos termos expostos constitui, do mesmo modo, uma solução que a Comissão Europeia, depois de notificada ao abrigo do regime dos auxílios de Estado, considerou compatível com o mercado interno.
18 – De acordo com o princípio orientador previsto na alínea a) do artigo 145.º-B do RGICSF, os acionistas devem suportar prioritariamente os prejuízos da instituição. Esta disposição consagra no ordenamento jurídico português o princípio de que se deve tratar de modo equitativo os credores inseridos dentro da mesma classe, prevendo-se que determinados credores recebam tratamento mais favorável que outros, desde que estes últimos não assumam um prejuízo maior do que aquele que assumiriam caso essa instituição de crédito tivesse entrado em liquidação.
19 – Um outro princípio orientador relevante para assegurar a adequação e proporcionalidade da medida é a regra estabelecida no artigo 145.º-I do RGICSF segundo a qual o eventual remanescente do produto da alienação é devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente.
O Conselho de Administração deliberou o seguinte:
Ponto Um
Constituição do Banco 2…, SA
É constituído o Banco 2…, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 a presente Deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o Banco 2…, SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, SA
São transferidos para o Banco 2…, SA., nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação.
Ponto Três
Designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Banco 2…, SA.
Considerando o disposto no n.º 4 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, o Conselho de Administração designa a sociedade V…, Lda. (V… SROC), para, no prazo de 120 dias, proceder a avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão …para o Banco 2…, SA.
Ponto Quatro
Nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do Banco 1…, SA
Nos termos do n.º 2 do artigo 145.º-D do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, são designados os seguintes membros para os órgãos sociais do Banco 1…, SA:
Conselho de Administração:
Presidente – …”.
JJJ) No anexo 2, à deliberação do BdP de 3.08.2014, a que se reporta a alínea anterior do probatório, pode ler-se o seguinte [cf. anexo 2, constante do doc. n.º … junto aos autos pela A. com a P.I., no proc. n.º 2808/14.0BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1… objeto de transferência para o Banco 2…, SA
Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, registados na contabilidade, que serão objeto da transferência para o Banco 2…, SA, de acordo com os seguintes critérios:
(a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do Banco 1… serão transferidos na sua totalidade para o Banco 2…, SA com exceção dos seguintes:
(i) Ações representativas do capital social do Banco 4…, S. A.;
(ii) Ações representativas do capital social do Banco 1… (Miami) e direitos de crédito sobre o mesmo;
(iii) Ações representativas do capital social do Banco 14… (Líbia) e direitos de crédito sobre o mesmo;
(iv) Ações próprias do Banco 1…, S. A.;
(v) Direitos de crédito sobre a W… e seus acionistas, os acionistas da Ai…, as entidades que estejam em relação de domínio ou de grupo, nos termos do disposto do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, com a W… e créditos detidos sobre a T… (doravante designado Grupo 1), com exceção dos créditos sobre entidades incluídas no perímetro de supervisão consolidada do Banco 1… (doravante designada Grupo Banco 1.), e dos créditos sobre as seguradoras supervisionadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, a saber Companhia de Seguros…,… Companhia Seguros,…,… e Seguros…;
(vi) Disponibilidades no montante de dez milhões de euros, para permitir à Administração do Banco 1…, SA, proceder às diligências necessárias à recuperação do valor dos seus ativos.
(b) As responsabilidades do Banco 1… perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Banco 2…, SA, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
(i) passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação seja igual ou superior a 2 % do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham lido participação igual ou superior a 2 % do capital social do Banco 1…; membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores sociais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição; (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores a criação do Banco 2…, SA, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação; (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores; (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado beneficio, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal;
(ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo 1, com exceção das entidades integradas no Grupo 1, excluindo o Banco 4…, SA, Banco 1… (Miami) e Banco 14… (Miami) tendo em vista a preservação de valor dos ativos a transferir para o Banco 2…, SA;
(iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo 1, com exceção das entidades integradas no Grupo Banco 1…;
(iv) Todas as responsabilidades por créditos subordinados resultantes da emissão de instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios do Banco 1…, cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do Banco 1… relativas a emissões de ações ou dívida subordinada;
(vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo 1.
No que concerne às responsabilidades do Banco 1… que não serão objeto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do Banco 1…
(c) Todos os restantes elementos extrapatrimoniais do Banco 1… serão transferidos na sua totalidade para o Banco 2…, SA com exceção dos relativos ao Banco 4…, SA, ao Banco 1… (Miami) e ao Banco 14… (.);
(d) Os ativos sob gestão do Banco 1… ficam sob gestão do Banco 2…, SA;
(e) Todos os trabalhadores e prestadores de serviços do Banco 1… são transferidos para o Banco 2…, SA.
Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o Banco 1… e o Banco 2…, SA, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º-H, n.º 5.
O Banco 1… celebrará com o Banco 2…, SA, um contrato confirmatório de transmissão de ativos e passivos regidos por lei estrangeira e/ou situados no estrangeiro, nos termos definidos pelo Banco de Portugal, que incluirá a obrigação do Banco 1… de assegurar que dá cumprimento a quaisquer formalidades e procedimentos necessários para este efeito.
Tendo em consideração que os sistemas de notação incluídos no âmbito de autorização ao IRB concedida ao Banco 1…, em base consolidada, com referência a partir de 31 de março de 2009, transitam na sua plenitude para o Banco 2…, SA, o Banco de Portugal considerando que se mantém satisfeitos os requisitos estabelecidos no Capítulo 3 do Título II da Parte II do Regulamento n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 (CRR), e que os sistemas em matéria de gestão e notação das posições em risco de crédito permanecem sólidos e são aplicados com integridade, decide, ao abrigo do n.º 1 do artigo 143.º do mesmo Regulamento autorizar o Banco 2…, SA, a calcular os montantes das posições ponderadas pelo risco utilizando o método IRB, com efeitos imediatos e nos mesmos termos da autorização concedida ao Banco 1…
Os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais são transferidos, pelo respetivo valor contabilístico, sendo os ativos ajustados em conformidade com os valores constantes do Anexo 2.º, por forma a assegurar uma valorização conservadora, a confirmar na auditoria prevista no Ponto Três.
Em função desta valorização, apuram-se necessidades de capital para o Banco 2…, SA, de 4900 milhões de euros”.
KKK) No anexo 2A, à deliberação do BdP de 3.08.2014, a que se reportam as alíneas anteriores do probatório, pode ler-se o seguinte [cf. anexo 2A, constante do doc. n.º … junto aos autos pela A. com a P.I., no proc. n.º 2808/14.0BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“BALANÇO COM REFERÊNCIA A 30 DE JUNHO DE 2014 (Banco 1… BASE INDIVIDUAL)
AJUSTAMENTOS NO MOMENTO DA TRANSFERÊNCIA (PRELIMINAR)
[IMAGEM]
LLL) A 04.08.2014, a garantia soberana do Governo de Angola, a que se reporta a alínea FF) do probatório, foi revogada […cf. doc. n.º …4 junto aos autos com a P.I. do proc. n.º 2586/14.3BELSB].
MMM) A 11.08.2014, em reunião extraordinária do Conselho de Administração do BdP foi deliberado o seguinte [cf. ata de reunião, junto aos autos pela A., como doc. n.º …, no proc. n.º 2808/14…, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Presenças:
Senhor Governador Dr. GG
Senhor Vice-Governador Prof. Doutor HH
Senhor Vice-Governador Dr. II
Senhores Administradores: Dr. JJ e Dr. KK
Agenda:
Clarificação e ajustamento do perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, SA, transferidos para o Banco 2…, SA.
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (“RGICSF”), tendo em conta a necessidade inadiável das medidas tomadas pelo Banco de Portugal na sua reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (20.00 horas), a presente deliberação, destinada a clarificar e ajustar determinados aspetos das medidas referidas, é considerada urgente nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 103.º do Código de Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.
A ata da presente deliberação é aprovada em minuta, com vista a execução imediata, nos termos do n.º 3 e para os efeitos do n.º 4 do artigo 27.º do Código do Procedimento Administrativo.
Deliberação:
Considerando que:
1 – A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20.00h), doravante a “deliberação de 3 de agosto” para efeitos dos considerandos abaixo que determinou a constituição do Banco 2…, SA (“Banco 2…”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, SA (‘Banco 1…” ou “instituição originária”), para o Banco 2…, S. A., descritos no Anexo 2 à mesma deliberação;
2 – A transferência abrangeu, nos termos da deliberação de 3 de agosto, todos os ativos do Banco 1…, com exceção de um conjunto de ativos enumerados na alínea (a) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, entre os quais os direitos de crédito do Banco 1… sobre as entidades referidas nas subalíneas (ii) e (iii);
3 – Estes direitos de crédito devem, nos termos da presente deliberação, ser transferidos para o Banco 2…, em coerência com a opção de transferência de depósitos transferida no considerando 18, com vista a não prejudicar as operações comerciais e bancárias entre o Banco 2… e as entidades em causa, sem prejuízo sempre, da não transferência de quaisquer responsabilidades ou contingências;
4 – Entre os ativos não transferidos também se incluem, nos termos da deliberação de 3 de agosto, os direitos de crédito do Banco 1… sobre um conjunto de entidades identificadas na subalínea (v);
5 – As entidades referidas na subalínea (v) incluem a T…, SA (“T…”), no conjunto de entidades globalmente designadas como “Grupo 1”, sem que tenha ficado explícito que neste mesmo “Grupo 1” se compreendem também as entidades que estão em relação de domínio ou de grupo com a T…;
6 – As entidades que estão em relação de domínio ou de grupo com a T… fazem parte do universo de entidades submetidas a uma estrutura de domínio comum, cujas responsabilidades perante o Banco 1… contribuíram de forma determinante para a degradação da situação financeira desta instituição de crédito, por via de uma exposição excessiva e de elevado risco;
7 – Clarifica-se, pois, que os créditos sobre as entidades em relação de domínio ou de grupo com a T… integram o conjunto dos ativos que permanecem no Banco 1…, como contrapartida dos direitos dos acionistas e dos demais credores que, nos termos da lei, devem assumir prioritariamente os prejuízos do Banco 1…, de acordo com os princípios que regem as medidas de resolução (v. especialmente o artigo 145.º-B e o artigo 145.º-H, n.º 3, do RGICSF);
8 – Ainda nos termos da subalínea (v) da alínea (a) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, foram transferidos para o Banco 2… os créditos do Banco 1… sobre as entidades incluídas no perímetro de supervisão consolidada desta última instituição (“Grupo Banco 1…”), em coerência com a transferência para o Banco 2… das participações do Banco 1… em tais entidades;
9 – Razão análoga de coerência determina que seja ainda transferido para o Banco 2… – não obstante a T… ser uma acionista e não uma filial do Banco 1… – o crédito da instituição originária sobre a T… garantido por penhor financeiro sobre as ações da Companhia de Seguros…, SA, em virtude da conexão deste crédito com o desenvolvimento da atividade do Banco 2…;
10 – A subalínea (vi) da alínea (a) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto excluiu da transferência de ativos para o Banco 2… um montante de dez milhões de euros, afeto à satisfação dos encargos relacionados com as diligências necessárias à recuperação do valor dos ativos do Banco 1…;
11 – Importa ressalvar nessa subalínea (vi) que tais disponibilidades podem ser afetas também à satisfação de encargos com a valorização dos ativos e de encargos de natureza tributária ou administrativa do Banco 1…;
12 – No que respeita aos passivos transferidos para o Banco 2…, determinou a subalínea (i) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, em consonância com o n.º 2 do artigo 145.º-H do RGICSF, a não transferência dos passivos do Banco 1… perante “as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do Banco 2…, SA, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação”;
13 – Cabe ao Banco de Portugal nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 145.º-H do RGICSF proceder à identificação das pessoas ou entidades cujos créditos não são transferidos ao abrigo da determinação citada, o que, necessitando de averiguações sobre a conduta passada das pessoas em causa, justificou que cautelarmente se impedisse que os créditos dessas pessoas fossem satisfeitos através de recursos do Banco 2…, utilizando como critério relevante para essa identificação o exercício ou a prestação, em qualquer momento, de funções ou de serviços respetivamente durante o mandato iniciado em 2012;
14 – Ainda na subalínea (i) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, prevê-se a não transferência dos passivos do Banco 1… perante o conjunto de pessoas e entidades referidas na alínea c) do n.º 2 do artigo 145.º-H do RGICSF, onde se incluem os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades enumeradas nas duas primeiras alíneas do referido preceito legal;
15 – Também no que se refere ao conjunto das pessoas incluídas no âmbito da alínea c) do n.º 2 do artigo 145.º-H do RGICSF, se optou por reter, a título cautelar, na instituição originária, as obrigações contraídas por esta instituição perante aquelas pessoas, com a finalidade de evitar a satisfação, pelo banco de transição, de créditos cuja titularidade real pertença às pessoas e entidades referidas nas duas primeiras alíneas do n.º 2 do artigo 145.º-H do RGICSF, mas que se traduzam em saldos de contas cuja titularidade formal pertença a uma terceira pessoa;
16 – De forma a permitir a aplicação da lei às situações mencionadas no número anterior, mediante identificação dos casos em que os saldos das contas de terceiros devem ser transferidos para o Banco 2… em virtude de se apurar que o titular formal dessas contas é também o titular do direito aos respetivos fundos, torna-se necessário definir os procedimentos a adotar em tais situações;
17 – Na subalínea (ii) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve tornar-se claro que os passivos excluídos não integram, salvo se decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais, as obrigações perante entidades que nos termos dos artigos 48.º e 49.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não são considerados como titulares de créditos subordinados, observando o princípio consagrado no n.º 1 do artigo 145.º-B do RGICSF;
18 – Na mesma subalínea deve garantir-se que a transferência de responsabilidades perante entidades do Grupo Banco 1… deve abranger também os depósitos de que sejam titulares as entidades referidas nas subalíneas (i) a ii) da alínea (a) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, com vista a não prejudicar as operações comerciais e bancárias entre o Banco 2… e as entidades em causa, sem prejuízo, sempre, da não transferência de quaisquer responsabilidades ou contingências, em coerência com o considerando 3;
19 – Na subalínea (iii) da alínea (b,) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, devem ser apenas transferidas as garantias prestadas a favor das entidades integradas no Grupo Banco 1… cujas participações sociais tenham sido transferidas para o Banco 2…;
20 – Na subalínea (iv) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, importa ter em conta que devem igualmente ser excluídos da transferência para o Banco 2… os instrumentos que em algum momento tenham sido elegíveis para o cômputo dos fundos próprios do Banco 1…;
21 – Deve ser definido de modo mais preciso as exclusões constantes da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto;
22 – Na subalínea (vi) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que as responsabilidades ou contingências do Banco 1… que não foram transferidas para o Banco 2… podem também resultar de contratos de que o Banco 1… seja parte e não apenas da emissão de ações ou de dívida;
23 – Na subalínea (vii) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que os passivos do Banco 1… nela referidas que não foram transferidos para o Banco 2… abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo 1, embora sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, desde que estas estipulações estejam documentalmente comprovadas nos arquivos do Banco 1… em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas;
24 – As obrigações transferidas para o Banco 2… devem ser acompanhadas das garantias prestadas pelo Banco 1… ou por terceiro para cobertura dessas obrigações;
25 – Para efeitos de segurança jurídica é conveniente estabelecer expressamente que a transferência referida no considerando 1 não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros novos direitos que na ausência dessa transferência não pudessem ser invocados, o Conselho de Administração, ao abrigo do n.º 1 do art. 145.º-G e dos números 1 e 5 do artigo 145.º-R do RGICSF, deliberou clarificar e ajustar o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, SA, transferidos para o Banco 2…, SA, nos seguinte termos …”.
NNN) No anexo à deliberação do BdP de 11.08.2014, a que se reporta a alínea anterior do probatório, que consubstancia o texto consolidado do Anexo 2, com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela referida deliberação, pode ler-se o seguinte [cf. anexo, constante do doc. n.º … junto aos autos pela A. com a P.I., no proc. n.º 2808/14.0BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]:
“Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, SA, objeto de transferência para o Banco 2…, SA
1 – Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, SA (Banco 1.), registados na contabilidade, que são objeto da transferência para o Banco 2…, SA, de acordo com os seguintes critérios:
(a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do Banco 1… são transferidos na sua totalidade para o Banco 2…, SA com exceção dos seguintes:
(i) Ações representativas do capital social do Banco 4…;
(ii) Ações representativas do capital social do Banco 1… (Miami);
(iii) Ações representativas do capital social do Banco 14… (Líbia);
(iv) Ações próprias do Banco 1…, SA;
(v) Direitos de crédito sobre a W… e seus acionistas, os acionistas da Ai…, as entidades que estejam em relação de domínio ou de grupo, nos termos do disposto do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, com a W… e créditos detidos sobre as entidades que estejam em relação de domínio ou de grupo, nos termos do disposto do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliário, com a T… (doravante designado “Grupo 1”), com exceção (A) dos direitos de crédito sobre a T… garantidos por penhor financeiro sobre a totalidade das ações da Companhia de Seguros…, SA, (B) dos créditos sobre entidades incluídas no perímetro de supervisão consolidada do Banco 1… (doravante designado “Grupo Banco 1…”), e (C) dos créditos sobre as seguradoras supervisionadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, a saber: Companhia de Seguros…,…-Companhia de Seguros,… e
(vi) Disponibilidades no montante de dez milhões de euros, para permitir à Administração do Banco 1…, proceder às diligências necessárias à recuperação e valorização dos seus ativos e satisfazer os seus encargos de natureza tributária ou administrativa.
(b) As responsabilidades do Banco 1… perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o Banco 2…, SA, com exceção dos seguintes (‘Passivos Excluídos’):
(i) Passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação igual ou superior a 2 % do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2 % do capital social do Banco 1…, membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do Banco 2…, SA, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação; (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores, (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado benefício, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal;
(ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo 1 e que constituam créditos subordinados nos termos dos artigos 48.º e 49.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas com exceção das entidades integradas no Grupo Banco 1… cujas responsabilidades perante o Banco 1… foram transferidas para o Banco 2…, sem prejuízo quanto a estas entidades, da exclusão prevista na subalínea (v);
(iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo 1, com exceção das entidades integradas no Grupo Banco 1… cujas participações sociais tenham sido transferidas para o Banco 2…, SA;
(iv) Todas as responsabilidades resultantes da emissão de instrumentos que sejam, ou em algum momento tenham sido, elegíveis para o cômputo dos fundos próprios do Banco 1… e cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal;
(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do Banco 1… relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o Banco 1…;
(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo 1, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do Banco 1…, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.
(c) No que concerne às responsabilidades do Banco 1… que não são objeto de transferência, estas permanecem na esfera jurídica do Banco 1…
(d) Todos os restantes elementos extrapatrimoniais do Banco 1… são transferidos na sua totalidade para o Banco 2…, SA com exceção dos relativos ao Banco 4…, SA, ao Banco 1… (Miami) e ao Banco 14… (Líbia);
e) Os ativos sob gestão do Banco 1… ficam sob gestão do Banco 2…, SA;
f) Todos os trabalhadores e prestadores de serviços do Banco 1… são transferidos para o Banco 2…, SA;
g) Qualquer garantia relacionada com qualquer obrigação transferida para o Banco 2…, SA também é transferida para o Banco 2…, SA. Qualquer garantia relacionada com qualquer obrigação não transferida para o Banco 2…, SA também não será transferida para o Banco 2…, SA.
2 – Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o Banco 1… e o Banco 2…, SA, ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º-H, n.º 5.
3 – O Banco 1… celebrará com o Banco 2…, SA, um contrato confirmatório de transmissão de ativos e passivos regidos por lei estrangeira e/ou situados no estrangeiro, nos termos definidos pelo Banco de Portugal, que incluirá a obrigação do Banco 1… de assegurar que dá cumprimento a quaisquer formalidades e procedimentos necessários para este efeito.
4 – Tendo em consideração que os sistemas de notação incluídos no âmbito de autorização IRB concedida ao Banco 1…, em base consolidada, com referência a partir de 31 de março de 2009, transitam na sua plenitude para o Banco 2…, SA, o Banco de Portugal considerando que se mantêm satisfeitos os requisitos estabelecidos no Capítulo 3 do Título II da Parte II do Regulamento n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 (CRR), e que os sistemas em matéria de gestão e notação das posições em risco de crédito permanecem sólidos e são aplicados com integridade, decide, ao abrigo do n.º 1 do artigo 143.º do mesmo Regulamento autorizar o Banco 2…, SA, a calcular os montantes das posições ponderadas pelo risco utilizando o Método IRB, com efeitos imediatos e nos mesmos termos da autorização concedida ao Banco 1…
5 – Os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais são transferidos pelo respetivo valor contabilístico, sendo os ativos ajustados em conformidade com os valores constantes do Anexo 2A, por forma a assegurar uma valorização conservadora, a confirmar na auditoria prevista no
Ponto Três.
6 – Em função desta valorização, apuram-se necessidades de capital para o Banco 2…, SA, de 4900 milhões de euros.
7 – Mantém-se em vigor, para as pessoas que exerceram funções nos órgãos de administração e fiscalização do Banco 1…, durante os mandatos iniciados em 2012 e até conclusão das necessárias averiguações, as medidas operacionais e cautelares de execução da presente deliberação, que impedem a transferência para o Banco 2…, SA das responsabilidades perante essas pessoas.
8 – A comprovação de que as pessoas a que se refere o ponto (c) da subalínea (i) da alínea (b,) do presente Anexo não atuam por conta das pessoas ou entidades referidos nos pontos anteriores e de que, em consequência, o direito aos fundos depositados pertence ao titular formal das contas deve obedecer às seguintes regras: a) a comprovação compete ao Banco 2…, SA; b) a comprovação deve ter em conta, entre outras circunstâncias relevantes, as atividades profissionais das pessoas em causa, o seu grau de dependência em relação às pessoas referidas nos pontos anteriores, o seu nível de rendimentos e o montante depositado; c) a comprovação deve ser documentada e arquivada em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas. Enquanto estas decisões não forem tomadas mantêm-se em vigor as medidas operacionais de execução da presente deliberação.
9 – A transferência decretada (e, conforme aplicável, confirmada pela celebração do contrato confirmatório de transferência determinado pelo Banco de Portugal) não pretende conferir a quaisquer contrapartes ou terceiros quaisquer novos direitos nem permitir exercer quaisquer direitos que na ausência dessa transferência não existissem ou não pudessem ser exercidos sobre ou com relação aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1…, assim transferidos, incluindo quaisquer direitos de denúncia, resolução ou de decretar o vencimento antecipado ou de compensar (netting/set-off), nem dar lugar a (i) qualquer incumprimento, (ii) alteração de condições, direitos ou obrigações, ou (iii) sujeição a aprovações ou (iv) direito a executar garantias, (v) direito a efetuar retenções ou compensações (netting/set-off) entre quaisquer pagamentos ou crédito de tais ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos”.
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DO DIREITO
I. Recurso da Massa Insolvente da T…, SA relativo ao juízo de improcedência que recaiu sobre a impugnação da deliberação do Banco de Portugal (BdP) de 22.07.2014 – constituição de provisões
Vem a recorrente Massa Insolvente T…, SA invocar que o tribunal a quo só poderia ter decidido com base em factos resultantes de documentos constantes dos processos administrativos relativos às duas decisões que impugna.
Refere a mesma que: «…Em primeiro lugar, no Acórdão recorrido, refere o Tribunal a quo, no que à motivação dos factos provados diz respeito, que a decisão assentou no teor dos documentos juntos aos autos, nos documentos constantes dos processos administrativos e, bem assim, no acordo das partes, tendo ainda salientado o facto de terem sido “desconsiderados, por não terem interesse para a decisão da causa, os factos que tiveram lugar em momento posterior à adoção dos atos impugnados, pois não se relacionam com as questões decidendas em apreço nos presentes autos”. …Com efeito, os factos que relevam para a apreciação da legalidade dos atos impugnados e, por inerência, para a apreciação do mérito da causa, são os que constam do processo administrativo que esteve na base da prática desses atos, sendo apenas com base nos documentos que o Tribunal poderia averiguar e comprovar se os atos que constituem o objeto do pedido são ou não legais. …Acontece que, não obstante a aparente bondade e correção do Acórdão recorrido a este respeito, a verdade é que a aplicação que o Tribunal fez do Direito aos factos não parece espelhar essa circunstância, uma vez que a pobreza do quadro factual subjacente às deliberações impugnadas tornava evidente a necessária procedência da ação proposta pela Recorrente e a inerente necessidade de reposição da legalidade. …Com efeito, perante os parcos documentos constantes dos processos administrativos subjacentes ao ato de constituição de provisões e à medida de resolução do Banco 1… e, consequentemente, perante os factos escassos que poderiam ser levados em consideração para a apreciação da legalidade daqueles atos, o Tribunal a quo concluiu, ainda assim, no sentido da sua validade, sendo manifestamente evidente que uma grande parcela das conclusões retiradas em sede de Direito não tem qualquer suporte nos factos provados, os quais não poderiam, por isso, sustentar a legalidade dos atos impugnados».
1 – Ora, como resulta do art. 94.º, n.º 4, do CPTA que o juiz “aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ressalvados os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial e aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Ainda que o recurso seja per saltum não deixamos de estar perante um recurso de revista, o que obsta a que nesta sede se possa conhecer de um pretenso erro no julgamento de facto, tal como resulta dos arts. 150.º e 151.º do CPTA.
Tanto assim que os presentes recursos foram admitidos considerando que estavam apenas em causa questões de direito, tal como resulta do despacho de fls. 8171/8172.
É certo que inicialmente a Massa Insolvente T…, SA interpôs recurso de apelação para o TCA/S, mas, na sequência de despacho convite de fls. 7698, veio a manifestar a sua aceitação quanto a estar-se perante um recurso de revista nos termos do art. 151.º do CPTA e que se cumpriam os requisitos daquele tipo de recurso.
Assim, foi vontade das partes deduzir um recurso de revista e, nessa medida, tudo o que sejam alusões/considerações que ponham em causa o julgamento de facto realizado pelo TAC, quanto a factos a considerar ou a desatender/eliminar, estão fora do objeto de recurso [art. 150.º, n.os 3 e 4 do CPTA], ficando estabilizada a factualidade.
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B. Ilegalidades da deliberação do Conselho de Administração BdP de 22.7.2014 de constituição de provisões pelo Banco 1…
B.1) Falta absoluta de procedimento
Vem a recorrente invocar erro do acórdão recorrido alegando que «o Banco de Portugal decidiu impor ao Banco 1… uma provisão de 2 mil milhões de euros sem ter iniciado e levado a cabo um procedimento administrativo de acordo com a lei geral aplicável (CPA) temperada pela lei especial aplicável (RGICSF) que apenas lhe permitia prescindir da fase da audiência prévia dos interessados».
O BdP contra-alega referindo que: «… a Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de julho de 2014 não padece do vício de falta absoluta de procedimento (.) o facto de o RGICSF afastar expressamente a regra da audiência prévia no contexto da adoção de medidas corretivas ou de resolução (cf. o respetivo art. 146.º) não significa que só nesse caso tenha o legislador querido afastar a aplicação das regras procedimentais do CPA (.) significando antes que, até por maioria de razão, a instrução procedimentalizada e faseada do procedimento, com todos os passos previstos no CPA, corresponde a uma formalidade não essencial do iter de formação de medidas de intervenção corretiva ou de resolução. Em qualquer caso, (.) a determinação do Banco de Portugal (.) surge no contexto de uma série de interações entre o Regulador, a T… (que integrava o Grupo Banco 1.) e o próprio Banco 1…, na sequência do ETTRIC que visava, justamente, a análise da exposição do Grupo Banco 1… ao ramo não financeiro do G 1 – e, portanto, não surgiu nem para o Banco 1…, nem para as restantes instituições de crédito que receberam determinações semelhantes, como uma surpresa, como o resultado de ações e de inspeções levadas a cabo pelo Banco de Portugal sem qualquer conhecimento das partes visadas. Por outro lado, como é evidente, nos procedimentos cuja preparação passe pela realização de fases, diligências ou operações inspetivas, a notificação do inspecionado para uma fase do procedimento cobre, natural e logicamente, a notificação própria e específica para efeitos do desenrolar ou da conclusão desse procedimento…».
Extrai-se das contra-alegações do Recorrido “Banco 2…, SA” quanto a esta questão: «… Foram desencadeadas as necessárias e suficientes diligências instrutórias pelo Banco de Portugal – à luz de um procedimento administrativo específico (.). Não houve também nenhuma violação, nomeadamente do artigo 55.º do CPA, porquanto, além de tal comunicação não ser sempre necessária (v. art. 55.º/2 do CPA), aquela formalidade foi, em qualquer caso, cumprida em junho de 2014, aquando da solicitação, pelo Banco de Portugal ao Banco 1…, de uma comunicação sobre a exposição daquele Banco a entidades do G 1…».
A decisão recorrida entendeu que: «Vem invocada a violação do artigo 55.º, n.º 1 do CPA (.) – na sua versão em vigor à data da prática do acto impugnado e a que doravante faremos referência, aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15/11, na versão que lhe foi dada pelo DL n.º 18/2008, de 29/1. (.) É por demais evidente que o acto administrativo em causa surge no âmbito de um ramo especial de direito administrativo, no caso o direito administrativo bancário e financeiro (.). Compulsado o RGICSF verifica-se, efectivamente, a existência de um conjunto de normas que afastam as normas do procedimento geral ou comum (.). No caso concreto de um acto administrativo de imposição de constituição de uma provisão por parte do Banco de Portugal, da forma como vem previsto, do ponto de vista sistemático, no RGICSF, tudo parte, na fase da propulsão procedimental, de uma indagação oficiosa por parte do Banco de Portugal, no âmbito dos procedimentos de supervisão previstos no artigo 116.º e segs. do referido diploma (.) e que, por esta razão, considerando a urgência, eficiência e eficácia inerente ao procedimento acarretam um procedimento especial, sem a exigência de todas as fases procedimentais previstas no CPA, designadamente a de comunicação do início do procedimento, ao invés do invocado pela aqui autora. Ou seja, a aplicação da medida correctiva desta natureza, emerge de um procedimento administrativo de cariz “inspectivo” ou de “auditoria” que, por si só, colige os factos necessários à tomada de decisão, e que, por critérios de urgência e celeridade procedimental, acarretam uma tomada de decisão imediata, inclusivamente, com a compressão de formalidades de elevada importância no âmbito das relações procedimentais, como é o caso da audiência de interessados, nos termos do artigo 146.º do RGICSF. Contudo, não se pode confundir a compressão, legalmente prevista, de determinadas formalidades procedimentais ou simplesmente a sua falta, com a falta ou ausência total de procedimento administrativo. (.) resulta provado que o acto de imposição de provisões surge na sequência de diligências instrutórias do Banco de Portugal, levadas a cabo no âmbito das suas competências de supervisão e monitorização da exposição do sistema bancário português ao Grupo 1, desde o terceiro trimestre de 2013, através dos denominados exercícios transversais de revisão de imparidades das carteiras de crédito (ETRICC), o que originou a solicitação do Banco de Portugal ao Banco 1…, em Junho de 2014, e que veio culminar – após análise e ponderação dos dados fornecidos na sequência de tais diligências (que são procedimentais) – na aplicação da medida impugnada, de imposição de uma provisão no valor mínimo de 2,0 mil milhões de euros (cf. alínea p) do probatório a yy) do probatório). Ou seja, no caso concreto, verifica-se a existência de um procedimento administrativo que, ainda que descaracterizado ao nível das démarches administrativas ou com um móbil expresso em cada contacto existente entre o regulador e o regulado, não deixa de ser, ainda e sempre, um procedimento administrativo, na acepção jurídica do conceito. Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente o alegado vício da falta absoluta de procedimento».
Então vejamos.
Não tem razão a recorrente quando alega que devia ter sido reconhecido o vício de falta de procedimento relativamente à imposição ao Banco 1…, por parte do BdP, em 22.07.2014, de uma provisão de 2 mil milhões de euros.
É que nunca esteve em causa uma “falta absoluta de procedimento”, relativamente à deliberação do Conselho de Administração BdP de 22.07.2014, mas antes um procedimento específico resultante do DL n.º 298/92, de 31.12 [na redação à data vigente, in casu, a dada pelo DL n.º 63-A/2013, de 10.05] [doravante RGICSF], atento o relevante interesse público que estava em causa.
Ou seja, porque estava em causa um procedimento com natureza inspetiva e urgente na aplicação da medida corretiva, critérios de urgência e celeridade procedimental, impuseram uma tomada de decisão imediata, inclusivamente, com a compressão de formalidades de elevada importância no âmbito das relações procedimentais, como é o caso da audiência de interessados, nos termos do artigo 146.º do RGICSF.
Contudo, não se pode confundir a compressão, legalmente prevista, de determinadas formalidades procedimentais ou simplesmente a sua falta, com a falta ou ausência total de procedimento administrativo.
Desde logo, a concreta ilegalidade invocada aqui em causa tem a ver com a alegada ausência de comunicação ao então Banco 1… do início oficioso do procedimento por parte do BdP em violação dos n.os 1 e 3 do art. 55.º do CPA/91.
Ora, como resulta do n.º 2 do art. 55.º do CPA/91: “Não haverá lugar à comunicação determinada no número anterior nos casos em que a lei a dispense e naqueles em que a mesma possa prejudicar a natureza secreta ou confidencial da matéria, como tal classificada nos termos legais, ou a oportuna adopção das providências a que o procedimento se destina”.
Ou seja, as comunicações podem ser dispensadas quando estiver em causa a suscetibilidade de se pôr em causa a eficácia/utilidade do fim tido em vista a realizar pela própria decisão.
E, no caso sub specie, tendo em conta o regime específico definido pelo RGICSF no quadro do exercício das várias competências e poderes do BdP em matéria de intervenção corretiva, administração provisória e resolução [título VIII do RGICSF – arts. 139.º e segs.] e dos concretos procedimentos e atos a proferir nos mesmos, e tendo em conta as particulares e específicas exigências que este tipo de procedimentos implica, com definição e estruturação de procedimentos e mecanismos expeditos e céleres, justifica-se a dispensa de comunicação prévia de início do procedimento ou, pelo menos, a uma mais leve e menos burocratizada leitura da exigência referente àquela diligência de comunicação ante a natureza e fins do tipo de procedimento em causa e da própria eficácia da decisão.
É que a decisão do BdP que profere/determina a concreta medida em causa – imposição de constituição de provisões pelo então Banco 1… [art. 141.º, n.º 1, alínea g) do RGICSF] – surge no contexto e desenvolvimento da atividade de supervisão por parte do BdP e daquilo que são as sucessivas e permanentes trocas e recolhas/obtenções de informação por parte de vários entes e sujeitos do e no sistema bancário.
O BdP não podia emitir qualquer comunicado público sobre o que lhe foi requerido porque não tem o dever de comunicar ao público este tipo de situações (a W… não está sob sua supervisão), além de que, a divulgação de tal informação poderia inclusivamente traduzir-se numa violação do segredo a que o BdP está obrigado nos termos do art. 80.º do RGICSF.
Também não podemos esquecer que o Banco 1… só transmitiu ao BdP informação e elementos sobre a situação financeira da W… em 26.11.2013, no âmbito do ETTRIC quando o acordo comercial subjacente à emissão dessas obrigações é de data anterior.
E, atendendo a todos os atos procedimentais, nomeadamente as várias comunicações havidas/trocadas e as respostas, bem como as sucessivas decisões que foram sendo tomadas que resultam descritas nas als. P) a YY) dos factos provados, com o regime do CPA invocado e o RGICSF na redação aplicável [in casu a dada pelo DL n.º 63-A/2013, de 10.05] que disciplina todo o concreto procedimento, não se impunha comunicação ao então Banco 1… do início oficioso do procedimento por parte do BdP.
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B.2) Falta de fundamentação
A recorrente alega que o acórdão recorrido deveria ter reconhecido que a decisão do BdP de 22.07.2014 é inválida por falta de fundamentação, como fora invocado.
O recorrido BdP contra-alegou: «… o Banco 1…, que é o destinatário do acto – não a Massa Insolvente da sua accionista T… – revelou ter compreendido os fundamentos em que assentou a referida determinação, só isso explicando que tenha determinado a constituição, nas suas contas do 1.º semestre de 2014, de uma provisão de montante inclusivamente superior ao indicado pelo Banco de Portugal. Por outro lado, viu-se inteiramente pertinente e acertada a referência pelo tribunal a quo à relevância da dialética entre a Administração e o destinatário do acto a propósito da densidade da fundamentação concretamente exigível, tendo em conta que se está aqui, no âmbito da regulação e supervisão bancária, num contexto altamente técnico e sofisticado, que se exprime necessariamente na forma em que se desenrolam as interacções entre o Regulador (o Banco de Portugal) e as instituições de crédito (como o Banco 1.), com reflexos evidentes na própria forma como a fundamentação das determinações do Regulador se apresenta».
O recorrido “Banco 2…, SA” contra-alegou referindo: «A Recorrente reconheceu ter compreendido a fundamentação do acto impugnado de 22/7/2014 – nomeadamente que teve “por base a exposição ao G 1” -, como resulta da sua argumentação (.). O Banco 1…, enquanto destinatário do acto de 22/07/2014, não contestou o valor da referida provisão, tendo-se, por isso, conformado e aceitado o conteúdo e fundamentação do acto (.)».
O acórdão do TAC/LSB recorrido disse a este propósito: «… está em causa um acto de imposição de provisões, que surge na sequência de um conjunto de exercícios de supervisão levados a cabo pelo Banco de Portugal, e que veio a culminar, após análise da situação de exposição do Banco 1… ao G 1, tal como de outras instituições financeiras e bancos, na imposição da constituição de provisões, por forma a acautelar eventuais riscos. (.) considerando que o principal interessado na fundamentação é o próprio destinatário do acto (.) há que ter em consideração o contexto da relação jurídica administrativa previamente existente à prática do acto (.) não foi a aqui autora, mas sim o Banco 1…, o destinatário do acto ao qual assaca o vício de falta de fundamentação. (.) a questão que se coloca é se o verdadeiro destinatário do acto, e não outro, apreendeu ou não os fundamentos de tal decisão, e a resposta é inegavelmente afirmativa, pois que não resulta dos autos que em algum momento a administração do Banco 1… tenha suscitado junto da Administração o esclarecimento ou apresentado qualquer dúvida relativamente à constituição da provisão determinada pelo Banco de Portugal, nos termos da deliberação em causa. (.) Por outro lado, tal acto administrativo surge e tem como fundamento a nota informativa n.º 940/14 do Banco de Portugal, na qual são avançadas as razões de facto e de direito subjacente à motivação, que se encontrava ao alcance do Banco 1…, destinatário do acto, se assim o tivesse solicitado em caso de dúvidas, o que não se vislumbra ter tido (.). Nestes termos, improcede o alegado vício de falta de fundamentação».
Ora, sendo a fundamentação de um ato administrativo um conceito relativo e flexível e, por isso, necessariamente adaptável às circunstâncias de cada ato, nomeadamente ao seu objeto, procedimento em que se insere e destinatários, o que releva é a sua compreensibilidade pelos destinatários assim como para um destinatário normal colocado na posição do concreto destinatário.
E resulta claro, no caso sub specie, não só que o ato era objetivamente compreensível por um qualquer destinatário colocado na posição da aqui recorrente como que o seu destinatário concreto o compreendeu.
Não nos podemos esquecer que a deliberação impugnada remete expressamente para uma informação o «doc/ NTI/2014/…18» – que consta de YY) da factualidade provada e onde se remete para o «P.A.» apenso ao Proc. n.º …4, e de onde se extrai: «A 22/07/2014, em reunião do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com o ponto de agenda relativo à constituição de imparidades por parte dos bancos com exposição ao G 1, foi deliberado o seguinte (cf. acta de reunião n.º …, do Conselho de Administração do Banco de Portugal, junto aos autos pela entidade demandada, no PA apenso ao proc. 2808/14.0BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
“O Conselho deliberou aprovar, nos termos propostos no Doc NTI/2014/…18, a emissão de determinações ao sistema bancário e ao Banco 1… no sentido de:
(i) Constituição, pelas instituições de crédito que tenham assumido exposições creditícias (incluindo garantias e outros compromissos extrapatrimoniais irrevogáveis), em base consolidada, sobre as entidades do grupo 1 não integradas no grupo Banco 1…, de imparidades correspondentes, no mínimo, a 50 % da exposição líquida de colaterais avaliados numa perspectiva conservadora;
(ii) Constituição pelo Banco 1… de uma provisão no valor mínimo de 2,0 mil milhões de euros, para acomodar os riscos assumidos face à exposição creditícia (efectiva e potencial) assumida, directa ou indirectamente, por aquela instituição, em base consolidada, sobre as entidades do grupo 1 não integradas no grupo Banco 1…».
E, como consta de VV) da matéria de facto, já em 17.07.2014, tinha sido elaborada pelo Departamento DSP do BdP, a nota informativa 940/14, com o assunto “Grupo 1 – …”, e de onde se extrai:
«Avaliação da situação financeira do G 1
Com referência a 30 de setembro de 2013, e de modo a complementar os trabalhos desenvolvidos no âmbito do Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito (ETRICC) dos oito principais grupos bancários reportado a 30 de abril de 2013, o Banco de Portugal decidiu aprofundar a avaliação de um conjunto de grupos económicos cuja recuperabilidade da dívida e inerente análise de imparidade é efetuada por via da geração de fluxos financeiros do negócio, acarretando, por si só, incertezas ao nível das projeções financeiras para fazer face ao serviço da dívida (ETRICC 2). Dada a natureza desta avaliação, foi decidido que a mesma seria realizada pela V…, Lda. (V.), ao abrigo do artigo 116.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF). A amostra de entidades a avaliar incluiu, numa primeira fase, as empresas não financeiras do Grupo 1 (G 1) tendo sido decidido estender a análise também às entidades financeiras, na medida em que a origem dos fluxos financeiros da W… (W.), a utilizar no reembolso da dívida, provinham de ambos os ramos de negócio (financeiro e não financeiro).
Em resultado do ETRICC 2, foi detetado um acréscimo inusitado e de materialidade expressiva do passivo financeiro da W…, face à informação anteriormente reportada ao Banco de Portugal e refletida nas demonstrações financeiras dessa entidade. De acordo com a informação disponibilizada, no dia 26 de novembro de 2013, pelo Banco 1… (Banco 1.) no contexto do referido exercício, os passivos financeiros da W… ascenderiam, com referência a 30 de setembro de 2013, a 5,6 mil milhões de euros.
Segundo os elementos anteriormente disponibilizados ao Banco de Portugal, os passivos financeiros da W… totalizavam, em 31 de dezembro de 2012 e 30 de junho de 2013, 3,4 mil milhões e 3,9 mil milhões de euros, respetivamente.
Em resultado do agravamento significativo da situação patrimonial da W…, o Banco de Portugal determinou à T… (T.), por carta de 29 de novembro de 2013, a elaboração de contas consolidadas pró-forma da W… com referência a 30 de setembro de 2013, acompanhadas de parecer de auditor externo. Para a realização desta auditoria, a T… selecionou a X…, SA (X.), o que foi aceite pelo Banco de Portugal.
No âmbito do ETRICC 2, verificou-se que, com referência a 30 de setembro de 2013, o total da dívida do ramo não financeiro do G 1 junto dos oito principais grupos bancários ascendia a cerca de 2,4 mil milhões de euros, sendo 1,2 mil milhões de euros referente à exposição do grupo T…
Conclusões da V… (.)
Apresentam-se, a seguir, as propostas de comunicação a efetuar ao sistema e ao…:
Banco 1…
“Exmos. Senhores,
Atenta a exposição creditícia (efetiva e potencial) assumida, direta ou indiretamente, por essa instituição, em base consolidada, sobre as entidades do grupo 1 não integradas no grupo Banco 1…, determina-se que seja constituída uma provisão prudentemente avaliada para acomodar os riscos assumidos, determinando-se que, até serem conhecidos e clarificados os termos e consequências do processo de reestruturação daquele grupo, seja constituída uma provisão no valor mínimo de 2,0 mil milhões de euros.
À provisão ora determinada deverá ter reflexo nas contas dessa instituição com referência a 30 de junho de 2014.
Com os melhores cumprimentos».
Ou seja, está claramente identificada a motivação/fundamentação da deliberação impugnada, já que com a mesma se visou a emissão de medida destinada a acomodar os riscos assumidos face à exposição creditícia (efetiva e potencial) assumida, direta ou indiretamente, pela instituição destinatária da decisão.
Não procede, pois, este fundamento de ilegalidade invocado, não assistindo razão à recorrente na discordância do julgado pelo TAC/LSB.
*
B.3) Violação do princípio da igualdade
Alega a Massa Insolvente T…, SA que o ato impugnado viola o princípio da igualdade já que o BdP determinou ao Banco 1… a constituição de uma provisão de valor correspondente a 77 % da sua exposição muito superior à que foi imposta a outros credores (77 % para 50 %).
O recorrido BdP contra-alegou alegando: «(.) o Banco de Portugal determinou ao Banco 1… a constituição de uma provisão de valor correspondente a 77 % da sua exposição a entidades do G 1 – contra os 50 % impostos aos restantes bancos – por causa quer da dimensão muitíssimo superior dessa exposição, quer das especiais consequências que o incumprimento pelas referidas entidades do G 1 poderia ter na esfera do Banco 1…, a que acima se fez referência».
O recorrido “Banco 2…, SA” contra-alegou neste sentido: «A situação do Banco 1…, à data da decisão em causa era única (.) não houve nenhum tratamento mais favorável por parte do Banco de Portugal, bem como nenhuma violação do princípio da igualdade (.) a exposição (directa e indirecta) do Banco 1… era muito superior à de qualquer outro Banco».
O acórdão recorrido entendeu que: «… nas situações de facto desiguais é lícito tratar de forma desigual (.) nas respectivas estimativas das imparidades a constituir no valor de 50 % da exposição impostas às demais entidades foram desconsideradas as garantias ou colaterais ligados ao Grupo 1 (cf. alínea vv) e yy) do probatório). Para mais, não pode a autora afirmar o seu juízo de igualdade perante realidades substancialmente distintas, mormente pela situação objectiva de exposição directa, indirecta ao Banco 1…, por comparação às demais instituições, na medida em que este banco, de modo isolado, apresentava uma exposição directa ao G 1 em valor de 50 % superior à soma da exposição de todas as demais instituições bancárias a operar em Portugal. (.) Ora, este é o facto que legitima objectivamente a diferença na medida correctiva (.). Acresce ainda, como factor legalmente diferenciador, no montante de provisão imposta ao Banco 1…, a exposição indirecta deste ao G 1 através das obrigações decorrentes da venda aos seus balcões, a clientes de retalho, de papel comercial de entidades do Grupo 1 (.) (cf. alínea vv) do probatório). (.) Tal como se explica na nota informativa n.º 940/14 (cf. alínea vv) do probatório) (.). Neste sentido, é considerando as manifestas diferenças existentes entre o Banco 1… e as demais instituições visadas, no âmbito do controlo de exposição creditícia ao G 1 (.). Aliás, violador do princípio da igualdade teria sido a imposição pelo Banco de Portugal da constituição de provisões, por referência a um valor igual de exposição, às demais instituições bancárias, que em nada se comparam com o Banco 1…, sem se cuidar de criar as assimetrias necessárias à verificação da igualdade. Nestes termos, sem necessidade de mais considerações, por despiciendas, improcede a alegada violação do princípio da igualdade».
Então vejamos.
Segundo o princípio da igualdade “nas suas relações com os particulares, a Administração Pública” deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão da ascendência, sexo, raça, língua [art. 5.º do CPA/91].
Mas também viola este princípio aquela diversidade de tratamento que não encontre justificação e fundamento na realização de outros interesses e princípios constitucionais e legais, também eles conformadores da atividade da Administração, e considerados preferentes, em abstrato pelo legislador, em concreto pelo autor do ato quando agindo no âmbito da sua discricionariedade.
Ora, este princípio releva autonomamente quando a lei confere à Administração uma margem de autonomia decisória, constituindo um limite material interno ao poder discricionário, que é o caso.
Se o ato for vinculado a eventual injustiça resulta diretamente da lei, que o juiz não pode deixar de aplicar, salvo em caso de inconstitucionalidade.
Contudo, no caso sub specie e como se extrai dos próprios termos/teor do ato impugnado as instituições por ela visadas estavam ou encontravam-se perante situações de facto ou realidades diversas como muito bem se refere na parte supratranscrita da decisão recorrida.
Com efeito, o BdP ao determinar para o Banco 1… a constituição de uma provisão de valor correspondente a 77 % da sua exposição contra os 50 % impostos aos restantes bancos teve por base a dimensão superior da exposição assim como as especiais consequências que os incumprimentos das referidas entidades do G 1 poderiam ter na esfera do Banco 1…, sem que haja uma qualquer fundamentação a posteriori dado que essa motivação resultava dos elementos instrutórios em que a deliberação do BdP impugnada relativa à constituição de provisões por parte, nomeadamente do Banco 1…, se fundou.
Na verdade, e como consta de VV) e YY) da matéria de facto e que consta do «P.A.» apenso ao Proc. n.º …4 a situação do Banco 1… era muito diversa da das restantes instituições bancárias.
Como resulta dos autos, no dia 23.07.2014, o BdP notificou as diversas instituições de crédito do sistema bancário português para procederem ao provisionamento da sua exposição ao G 1.
E, como resulta do documento junto com o n.º 2, a deliberação do BdP sobre a constituição de provisões bancárias, aprovada em 22.07.2014, distinguiu entre a situação do Banco 1… a quem determinou a constituição de uma provisão no montante mínimo de 2.000 milhões de euros – equivalente a 77 % do total da exposição direta e indireta ao G 1 (excluindo títulos colocados em clientes institucionais) e dos restantes bancos, a quem determinou a constituição de uma provisão mínima correspondente a 50 % do total da exposição direta ao G 1.
Como muito bem se refere nos artigos 129.º a 132.º da contestação do BdP no Proc. n.º …4 a adoção de critérios de constituição de provisões mais prudentes no caso do Banco 1… do que no caso dos restantes bancos justificava-se, desde logo, pelo facto de a dimensão da exposição direta só do Banco 1… (cerca de 1.536 milhões de euros) ser superior ao montante global da exposição de todas as outras instituições do sistema bancário nacional (cerca de 1.000 milhões de euros).
Na verdade, os outros bancos de dimensão comparável ao Banco 1…, como a Banco 9…, o Banco 17…, o Banco 10… e o Banco 18…, tinham exposições de, respetivamente, 355, 366, 11,8 e 37,6 milhões de euros enquanto a exposição do Banco 1… era de 1.536 milhões de euros, o que “evidenciava a manifesta superioridade do impacto que, em termos relativos, a exposição ao G 1 poderia vir a ter nos resultados do Banco 1…”
Havendo um fundamento material objetivamente atendível, como acontece, não se pode falar de violação do princípio da igualdade.
Conclui-se, portanto, como na decisão recorrida, que as diferenças entre o Banco 1… e as demais instituições visadas, no âmbito do controlo de exposição creditícia ao G 1 são manifestas já que a situação do Banco 1… e das outras instituições bancárias não era a mesma quanto à exposição, direta e indireta, das entidades do G 1, o que justifica o tratamento desigual do BdP já que também desigual era a situação/posição dos visados pelo e no ato, observando-se, assim, o princípio da igualdade, tanto mais que um igual tratamento daqueles envolveria isso sim uma violação do referido princípio dado se tratar igual o que era desigual.
Improcede, pois, também, a alegada violação do princípio da igualdade nos termos alegados e o consequente erro de julgamento acometido ao acórdão recorrido.
*
II. Dos recursos dirigidos ao juízo de improcedência que recaiu sobre a impugnação da deliberação do Conselho de Administração do BdP de 03.8.2014 – aplicação da medida de resolução ao Banco 1…
Das ilegalidades da referida deliberação do BdP:
A) Nulidade da Medida de Resolução enquanto ato consequente da deliberação de constituição de provisões e a diminuição de capitais próprios do Banco 1… como consequência da atuação do BdP e como evento catalisador para a verificação dos restantes fundamentos invocados na medida de resolução
A recorrente Massa Insolvente T…, SA alega que o tribunal devia ter anulado a decisão do BdP que impôs ao Banco 1… uma provisão de 2 mil milhões de euros, pelo que, como resultado, teria de ter declarado a nulidade da medida de resolução.
A seu ver, a medida de resolução padece de invalidade derivada da deliberação que impôs ao Banco 1… a constituição de uma provisão no valor de 2.000 milhões de euros, a qual acarretou a apresentação de um resultado de 3.500 milhões de euros negativos, o que originou um afastamento dos rácios de capitais próprios dos rácios de capitais legalmente exigidos, no final do primeiro semestre de 2014, por via da Diretiva 2013/36/UE e do Regulamento n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013.
Ou seja, sem a imposição de uma provisão de 2 mil milhões de euros, o Banco 1… não incumpriria os ratios de solvabilidade e, como tal, não haveria lugar à medida de resolução, padecendo esta, por isso, de nulidade em consequência de um ato anulado face à alínea i) do n.º 2 do art. 133.º do CPA/91, em articulação com o art. 173.º do CPTA.
Pelo que, a decisão recorrida errou ao assim não entender.
O recorrido BdP contra-alegou: «… a Medida de Resolução não constitui, como pretende fazer crer a Massa insolvente da T…, um acto consequente do acto do banco de Portugal de 22 de Julho de 2014, de imposição ao Banco 1… da constituição de uma provisão de 2.000 milhões de euros, pelo que – além de a mesma não ser ilegal, como se demonstrou – uma sua eventual ilegalidade nunca contaminaria consequentemente aquela Medida. (.) actos consequentes de actos anulados (.) eram, para efeitos da alínea i) do art. 133.º do CPA (.) aqueles actos que só existiam no ordenamento jurídico por força da prática do acto anulado – sem este, ou anulado este, eles perdiam o seu fundamento lógico e ontológico, não podiam sequer ter sido praticados. Não se trata, portanto, apenas de um acto (antecedente) ser pressuposto de outro (subsequente), mas de ser a única causa, a única razão de ser, da sua prática, sem o qual não se concebia sequer a existência deste».
O recorrido “Banco 2…, SA” contra-alegou dizendo: «A Recorrente não logrou estabelecer, conforme lhe incumbia, e no que concerne à alegada nulidade da Medida de Resolução enquanto acto consequente da Deliberação de constituição de provisões, “qualquer correlação entre os factos causais e o desvalor jurídico que invoca de nulidade».
O acórdão recorrido do TAC/LSB julgou a este propósito: «… tal como invoca o contra-interessado Banco 2… (.) nenhum vício jurídico concreto é assacado por referência às alegações de causalidade ao acto de constituição de provisão e ao acto final de resolução do Banco 1… (.) não invoca nem associa a tal demonstração a violação de qualquer norma ou princípio jurídico (.). Mesmo tendo em consideração o princípio iura novit curia, bem como o dever de pronúncia que emerge do n.º 2 do artigo 95.º do CPTA (.) não pode, nem consegue, o Tribunal pronunciar-se sobre factos sem que sobre eles recaia a mínima alegação de desvalor jurídico, a não ser que seja manifesto, o que não é o caso. (.) a autora mais não faz do que relatar um conjunto de ocorrências factuais, aduzindo-lhe considerações conclusivas, mas em lado algum invoca a violação de qualquer regra ou princípio que possibilite o juízo de desvalor jurídico de nulidade que pretende atribuir à medida de resolução por referência à deliberação que impôs ao Banco 1… a constituição de provisões. (.) o que interessa são as circunstâncias de facto existentes à data da prática do acto impugnado, designadamente os pressupostos para a aplicação da medida de resolução. (.) a situação de desconformidade e ocultação nas contas do Banco 1… da verdadeira realidade em que se encontrava desde o início de 2014, que só veio ao conhecimento do Banco de Portugal nos 5 dias anteriores ao da apresentação de resultados no dia 30/7/2014 (cf. alínea zz) e bbb) do probatório), não possibilitam, por agora, vislumbrar qualquer actuação ilegal, e bem assim, no quadro da regulação em que se encontra, uma actuação diferente da que teve, pois que firmou a sua actuação na plena convicção do cumprimento e conformação ao direito e na veracidade das contas apresentadas pelo Banco 1…, o que veio a verificar-se não estarem em consonância com a realidade que lhe era transmitida, situação esta que terá as eventuais repercussões na parcela de justiça que cabe à jurisdição comum, no âmbito penal e contra-ordenacional. Nestes termos, sem necessidade de mais considerações, inexistindo a demonstração ou invocação de qualquer desvalor jurídico associado à deliberação do Banco de Portugal, de 22/7/2014, nem sendo invocado qualquer nexo ilegal daquela deliberação ou por via da falta de aceitação da “Garantia Angola”, por referência à medida de resolução, improcede o referido fundamento de ilegalidade derivada ou consequente».
Então vejamos.
Nos termos da alínea i) do n.º 2 do art. 133.º do CPA/91 atos consequentes são aqueles que só existem no ordenamento jurídico por força da prática do ato anulado, que sem eles perderiam o seu fundamento lógico e ontológico [ver, entre outros, os Acs. do STA de 30.01.2007 – Proc. n.º 040201A, de 08.01.2009 – Proc. n.º 0962/08, de 13.05.2009 – Proc. n.º 0473/08, de 29.02.2012 – Proc. n.º 037/12, de 03.03.2016 – Proc. n.º 0905/15, de 16.02.2017 – Proc. n.º 0420/16, de 15.11.2018 – Proc. n.º 01282/14.6BEPNF, de 26.01.2023 – Proc. n.º 0168/13.6BEMDL].
Não se trata de um ato antecedente pressuposto de outro subsequente, mas antes de ser a única causa da sua prática.
A medida de resolução do Banco 1… aprovada pela deliberação do BdP impugnada não constitui um ato consequente do ato do BdP de 22.7.2014 de imposição ao Banco 1… da constituição de uma provisão de 2.000 milhões de euros já que não tem esta como sua causa.
Nem a recorrente o demonstra.
Na verdade, desde logo a medida de resolução do Banco 1… aprovada pela deliberação do BdP impugnada não se baseou na anterior deliberação de imposição de provisão nos termos e para os efeitos da alínea i) do n.º 2 do art. 133.º do CPA/91.
Como também se refere na decisão recorrida: «Por outro lado, também resulta evidente na sequência dos acontecimentos que ressaltam do probatório que aquela deliberação administrativa não se constituiu como um acto isolado, nem se firmou num único e simples pressuposto para a sua aplicação, mas sim num conjunto de circunstâncias – circunstâncias estas anormais – que se precipitaram desde 28 de Julho de 2014, e levaram o Banco de Portugal a tomar a medida que, de acordo com juízos de oportunidade e conveniência, se lhe ofereceu como a mais adequada face à gravidade da situação em que se encontrava aquele Banco.
Em bom rigor, se a questão relacionada com um qualquer nexo causal existente entre a actuação do Banco de Portugal e os “eventuais” danos gerados pela medida de resolução poderia ser relevante no âmbito de uma qualquer acção indernnizatória, no quadro estritamente impugnatório, em que nos encontramos nos presentes autos, tal nexo é totalmente irrelevante, pois que o que interessa são as circunstâncias de facto existentes à data da prática do acto impugnado, designadamente os pressupostos para a aplicação da medida de resolução.
Assim, os nexos causais alegados pela autora, firmados gramaticalmente nas conjunções subordinativas causais “se”, “se” o Banco de Portugal não tivesse exigido a provisão ou “se” o Banco de Portugal tivesse aceitado a garantia de Angola, irrelevam no quadro da legalidade própria da medida de resolução, apresentando-se como suposições de uma realidade alternativa, meramente hipotética e não concretizável».
Em suma, sendo duas decisões juridicamente independentes uma da outra a anulação de uma não acarreta qualquer desvalor jurídico da outra, independentemente do relacionamento factual entre as duas.
Sendo que, e como vimos, não resulta dos autos demonstrada ou sequer verificada qualquer das ilegalidades acometidas à deliberação do BdP de imposição de constituição de provisões, termos em que inexiste qualquer desvalor jurídico desta deliberação que possa ser transmitido à deliberação do BdP que aprovou a medida de resolução do Banco 1…
Improcede, pois, a ilegalidade suscitada e o consequente erro de julgamento acometido ao acórdão recorrido.
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B) Da inconstitucionalidade do DL n.º 114-A/2014 por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República (AR)
1 – Quer a Massa Insolvente T…, SA, quer as AA. nesta ação invocam que ocorre inconstitucionalidade orgânica das normas do DL n.º 114-A/2014, que alteraram o RGICSF, por não terem sido precedidas de autorização legislativa da AR, uma vez que introduzem restrições ao direito de propriedade, que é um direito fundamental de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias [art. 17.º da CRP], nos termos do art. 165.º, n.º 1, al. b), da CRP em conjugação com o seu art. 62.º, n.º 1, sendo a Massa Insolvente T…, SA invoca, ainda, a ofensa ao direito à iniciativa económica privada [art. 61.º].
E que também é fundamento dessa inconstitucionalidade orgânica o facto de estarmos perante realidade que integra a previsão dos arts. 83.º e 165.º, n.º 1, al. l), da CRP por alegadamente nos encontrarmos em presença de meio/forma de intervenção e nacionalização dos meios de produção.
E, ainda, que o DL n.º 114-A/2014 altera normas do DL n.º 31-A/2012, de 10.2, diploma autorizado, pelo que também as normas daquele careceriam de autorização da AR, por aplicação do princípio do paralelismo das formas.
Os recorridos BdP e “Banco 2…, SA” contra-alegaram sustentando a improcedência.
As questões que se mostram colocadas nesta sede prendem-se, assim, com o saber:
– se o DL n.º 114-A/2014 ao alterar o RGICSF sem que para tal tenha sido precedido de habilitante autorização legislativa da AR comporta introdução de restrições aos direitos de propriedade e à livre iniciativa económica privada, enquanto direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias [art. 17.º da CRP], padecendo de inconstitucionalidade por violação dos arts. 165.º, n.º 1, al. b), 61.º e 62.º da CRP;
– se no caso tal autorização legislativa se impunha também, nos termos dos arts. 83.º e 165.º, n.º 1, al. l), da CRP, por estar em causa disciplina de meios e formas de intervenção e nacionalização de meios de produção;
– se o DL n.º 114-A/2014 ao alterar as normas do DL n.º 31-A/2012, de 10.02, diploma produzido no quadro de autorização legislativa, por isso também careceria de autorização da AR por aplicação do princípio do paralelismo das formas.
Analisemos, convocando previamente o pertinente quadro normativo.
No plano dos comandos constitucionais a atender resulta do n.º 1 do art. 161.º da CRP [relativo à «competência política e legislativa» da AR] que “compete à Assembleia da República: …c) Fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo; d) Conferir ao Governo autorizações legislativas”, prevendo-se no n.º 1 do art. 165.º [respeitante à «reserva relativa de competência legislativa» da AR] que é “da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: …b) Direitos, liberdades e garantias; …l) Meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações”, sendo que no art. 198.º [relativo à «competência legislativa» do Governo] se preceitua que “compete ao Governo, no exercício de funções legislativas: a) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República; b) Fazer decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta; c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam” [n.º 1] e que os “decretos-leis previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 devem invocar expressamente a lei de autorização legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual são aprovados” [n.º 3].
Decorre, por sua vez, do art. 17.º da CRP [«regime dos direitos, liberdades e garantias»] que o “regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga”.
Ainda no quadro da Lei Fundamental resulta do art. 61.º, n.º 1 que a “iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” e do art. 62.º [respeitante ao «direito de propriedade privada»], que a “todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição” [n.º 1] e que a “requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” [n.º 2], ressaltando do art. 83.º [relativo aos «requisitos de apropriação pública»] que a “lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização”.
Para a economia do objeto de dissídio e da questão sob apreciação importa ainda convocar aquilo que constitui o regime normativo que se mostra aportado pelo DL n.º 114-A/2014, diploma que procedeu à alteração do RGICSF, mormente “procedendo a diversos ajustamentos ao regime previsto no Título VIII relativo à aplicação de medidas de resolução” e que transpôs parcialmente a Diretiva n.º 2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio [que havia estabelecido um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento] [cf. art. 01.º do referido DL], tendo sido produzido e emanado nos “termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição” tal como consta do seu próprio teor.
Assim, como alterações trazidas pelo referido diploma ao RGICSF extraem-se as relativas aos seus arts. 145.º-B, 145.º-F, 145.º-H, 145.º-I, 153.º-M, 155.º e 211.º [cf. seu art. 02.º], relevando apenas como de especial interesse para a discussão do litígio o que resultou disciplinado nos arts. 145.º-B, 145.º-F, n.os 6 e 19, e 145.º-H, n.os 2 e 4.
Com efeito, quanto às alterações operadas nos arts. 155.º e 211.º do RGICSF não se pode afirmar ou sequer concluir que as mesmas tenham aportado uma qualquer alteração normativa, porquanto as alterações por eles levadas a cabo reconduzem-se a uma mera adequação formal do enunciado normativo considerando a alteração que havia sido realizada na numeração de outras disposições, sem que dessa adequação ressalte ou derive na e para a ordem jurídica uma modificação substancial do conteúdo normativo, não constituindo, pois, matéria que resulte abrangida como de reserva de competência da AR e que assim resulte violada [cf., entre outros, os Acs. do Tribunal Constitucional (TC) n.os 340/2005, 211/2007, 114/2008, 310/2009, 479/2010, 859/2014, 195/2016, 159/2018].
E, de igual modo, irrelevam para a economia do julgado, mormente ante as questões nele suscitadas pelas partes, as modificações aportadas aos arts. 145.º-F, n.os 7, 9 e 17, 145.º-H, n.º 6, 145.º-I e 153.º-M do RGICSF já que não diretamente respeitantes à disciplina do regime de aplicação da medida da resolução posta em causa nos autos, não constituindo normas-fundamento na e para a impugnação, soçobrando a assacada inconstitucionalidade.
Daí que normativamente em termos inovatórios para o RGICSF ressalta do referido DL com relevância para o dissídio a previsão:
– do art. 145.º-B onde se passou a disciplinar que “na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar-se que: a) Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa; b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores; c) nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação” [n.º 1] e que “caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução” [n.º 3];
– do art. 145.º-F onde se passou a disciplinar que “para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 145.º-B, a avaliação a que se refere o número anterior inclui também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução” [n.º 6] e de que “na seleção dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a alienar nos termos do presente artigo, aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 145.º-H” [n.º 19];
– do art. 145.º-H onde se passou a disciplinar que não podem ser transferidas para o banco de transição quaisquer obrigações contraídas pela instituição de crédito originária perante “os respetivos acionistas, cuja participação no momento da transferência seja igual ou superior a 2 % do capital social, as pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2 % do capital social, os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, os revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou as pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição” [al. a) do n.º 2] e que “os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão selecionados nos termos do n.º 1 devem ser objeto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 145.º-B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução” [n.º 4].
Presente o quadro normativo acabado de convocar importa, então, analisar do acerto do julgado firmado pelo TAC/LSB e apreciar da bondade da argumentação expendida pelas recorrentes neste segmento.
Avançando o nosso juízo sobre a questão nas suas várias dimensões temos que será de julgar improcedente o acometido erro de julgamento ao acórdão recorrido.
Motivando o juízo firmado ressalta como primeira nota a de que o regime de resolução das instituições de crédito surgiu como instrumento/mecanismo de regulação em resposta àquilo que foi o contexto surgido com a crise do “subprime” iniciada em 2007/2008 e que, à escala global, acabou por afetar as instituições financeiras, bem como do que foi a experiência vivida e impacto da insolvência do “Banco 3…” e da constatação, por um lado, de que o regime comum da insolvência com liquidação/extinção das empresas não constituía uma via/resposta minimamente adequada para a situação de uma instituição de crédito em risco de iminente insolvência ou mesmo insolvente, especialmente quando a mesma assume ou detém uma posição de grande influência na vida económica de um país [apelidada de “too big to fail”] sendo elevados os riscos sistémicos e de contágio decorrentes da quebra de confiança não só relativamente à instituição creditícia, mas ao sistema bancário no seu conjunto, e, por outro lado, de que se impunha evitar que os custos da insolvência de uma instituição de crédito fossem ou tivessem de ser suportados em primeira linha pelos orçamentos públicos [via resgate/nacionalização com recurso a fundos públicos – denominado “bail out”], estes também fragilizados pela referida crise.
É neste contexto que o RGICSF, através da alteração produzida pelo DL n.º 31-A/2012, de 10.02 [diploma que fora precedido da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 58/2011, de 28.11], passou a prever o instrumento/mecanismo da resolução de uma instituição de crédito [cf. arts. 145.º-A a 145.º-O do RGICSF integrados no capítulo IV relativo à «Resolução» que fazia parte do Título VIII «Intervenção corretiva, administração provisória e resolução»], podendo ler-se com pertinência no seu preâmbulo de que a “recente crise financeira internacional e os seus efeitos no setor bancário suscitaram uma profunda reflexão internacional sobre as insuficiências dos mecanismos jurídicos e poderes de intervenção dos supervisores em instituições de crédito cuja situação financeira começa a exibir sinais de deterioração”, de que se constatou “que os mecanismos existentes não permitem a adoção de medidas conducentes à recuperação financeira da instituição em causa, evitando-se dessa forma o risco de contágio a outras instituições” e de que “a recente experiência internacional e a consequente discussão das suas possíveis repercussões no plano da regulação bancária têm evidenciado a necessidade de implementar mecanismos que permitam, em situação de grave desequilíbrio financeiro, recuperar a instituição de crédito ou preparar a sua liquidação ordenada, de modo a salvaguardar o interesse essencial da estabilidade financeira”, pelo que o “presente diploma …vem concretizar os propósitos acima enunciados, substituindo o regime de saneamento atualmente previsto no título viii do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92 …por uma nova disciplina legal caracterizada pela existência de três fases de intervenção distintas – intervenção corretiva, administração provisória e resolução”, em que esta última fase/medida da resolução “compreende a possibilidade de aplicação de dois tipos de medidas de último recurso destinadas a defender interesses essenciais como os da estabilidade financeira e o da continuidade de funcionamento dos sistemas de pagamento. O primeiro tipo corresponde à alienação total ou parcial da atividade de uma instituição de crédito a outra ou outras instituições a operar no mercado. O segundo corresponde, por seu turno, à transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais ou ativos sob gestão para um banco de transição criado para o efeito. Estas medidas estão reservadas para a eventualidade extrema de uma instituição de crédito se encontrar em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade e não ser previsível que a mesma consiga, num prazo apropriado, executar as ações necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais. A sua aplicação depende ainda de tais medidas se mostrarem necessárias para evitar o contágio sistémico ou eventuais impactos negativos no plano da estabilidade financeira, para minimizar os custos para o erário público ou para salvaguardar a confiança dos depositantes. Por outro lado, a sua aplicação deve procurar assegurar que os acionistas da instituição de crédito, bem como os credores, assumem prioritariamente os seus prejuízos, de acordo com a respetiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores”.
O DL n.º 114-A/2014 publicado, como referido supra, para proceder a ajustamentos ao regime da medida de resolução tal como havia sido definido pelo DL n.º 31-A/2012 e para transpor parcialmente a Diretiva n.º 2014/59/UE, veio dar concretização apenas ao princípio do “no creditor worse off” [cf. arts. 145.º-B e 145.º-F], enquanto proteção última dos direitos e interesses patrimoniais dos credores afetados pela aplicação de medidas de resolução e da consequente regulação e clarificação dos procedimentos de avaliação prévia dos ativos transferidos destinadas a assegurar praticamente a efectividade daquela garantia [cf. arts. 145.º-F e 145.º-H], sem que haja introduzido no quadro normativo nacional, em transposição da referida Diretiva, nomeadamente a medida de resolução da recapitalização interna [cf. arts. 37.º, n.º 3, al. d), 43.º e 44.º da aludida Diretiva].
Ora ante o seu concreto conteúdo normativo temos que o mesmo não representa uma qualquer invasão à área de reserva relativa de competência legislativa da AR tal como a mesma se mostra delimitada no art. 165.º, n.º 1, als. b) e l), na sua conjugação/articulação com o disciplinado nos arts. 17.º, 61.º, 62.º, 83.º, 161.º, als. c) e d), e 198.º, n.º 1, todos da CRP.
Com efeito, uma vez cotejadas as previsões normativas supra postas em evidência ressalta que o regime pelas mesmas aportado ao RGICSF envolve ou se traduz na introdução de alterações que, ou se apresentam como meras precisões ou clarificações, ou se revelam vantajosas para acionistas e credores da instituição de crédito originária, dado que não constituem, nem representam, uma qualquer restrição do seu direito de propriedade e/ou da liberdade de iniciativa económica privada, ou então surgem como neutras, não interferindo com esses direitos fundamentais, não resultando ou não assumindo, por isso, natureza restritiva.
Desde logo, não deriva ou resulta do DL n.º 114-A/2014 um prejuízo para os acionistas pelo facto de se estabelecer que os mesmos respondem pelos prejuízos antes dos credores [cf. art. 145.º-B, n.º 1, als. a) e b), do RGICSF/2014 no seu confronto com a anterior redação introduzida pelo DL n.º 31-A/2012 ao n.º 1 do mesmo preceito], já que o regime aportado constitui uma “clarificação” daquilo que era o regime jurídico inserto no RGICSF, não o alterando substancialmente, nem constituindo uma novidade, tanto mais que embora antes se dissesse apenas que os acionistas e os credores respondiam em primeira linha pelos prejuízos, tal afirmação era seguida da locução “de acordo com a respetiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores”, dela derivando, assim, que não respondiam nem no mesmo plano/posição, nem em igual medida, visto os acionistas eram afetados na sua qualidade de investidores em capital social e os credores na qualidade de detentores de um crédito considerando a hierarquia para eles legalmente estabelecida.
Assim, limitando-se a alteração legislativa a afirmar expressamente a natural prioridade da assunção dos prejuízos pelos acionistas em relação aos credores que já resultava do anterior regime fixado no quadro de autorização legislativa importa fazer valer aqui igualmente o entendimento sufragado pela jurisprudência do TC citada (Ac. n.os 340/2005, 211/2007, 114/2008, 310/2009, 479/2010, 859/2014, 195/2016, 159/2018], tanto mais que tal norma não reveste um cariz inovador, não necessitando, por isso de estar coberta por nova autorização parlamentar.
Por outro lado, a expressa consagração do princípio do “no creditor worse off” [ou seja, de “nenhum credor ficará em pior situação”] [cf. arts. 145.º-B, n.º 1, alínea c) do RGICSF/2014] envolve ou aporta um claro benefício para os credores da instituição de crédito em liquidação, contribuindo para o reforço ou garantia/tutela dos respetivos interesses patrimoniais, conclusão válida igualmente para delimitação das obrigações contraídas pela instituição em liquidação perante os seus acionistas e que não podem ser transferidas para a instituição de transição [cf. art. 145.º-H, n.os 2 e 4, do RGICSF/2014], já que até à entrada em vigor do DL n.º 114-A/2014 todas as obrigações eram insuscetíveis de poderem ser transferidas, sendo com este diploma isso só passou a ocorrer com as dos acionistas com montante de participação no capital igual ou superior a 2 %, termos em que, com o regime introduzido pelo referido DL, ninguém no conjunto dos acionistas viu a sua situação ser prejudicada ou desfavorecida e inclusive a posição dos acionistas com uma participação inferior a 2 % até viram a sua melhorada.
E mesmo quanto à situação das obrigações contraídas perante ex-acionistas que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2 % do capital social, que passam também a ser insuscetíveis de transferência, ressalta que um eventual caráter restritivo desta alteração temos que os mesmos não tinham um qualquer “direito à transferência”, mas, quando muito, tinham uma mera expetativa não juridicamente protegida de que tal pudesse vir eventualmente a ocorrer, pelo que o regime normativo aportado pelo DL em referência e sua entrada em vigor não envolvem uma efetiva alteração da sua situação jurídica, na certeza de que o direito de crédito que tinham face à instituição de crédito em liquidação permanece inalterado e sem que possam imputar ao novo regime normativo a responsabilidade na deterioração/depreciação da sua situação pelo efeito da permanência numa instituição com o valor depreciado já que essa consequência desvantajosa deriva não da alteração ao RGICSF produzida em 2014 mas daquela que havia sido operada, ao abrigo de autorização legislativa, pelo DL n.º 31-A/2012.
Considerando e tendo presente a natureza e o alcance das alterações introduzida no RGICSF pelo DL n.º 114-A/2014 não se descortina, portanto, a introdução de um qualquer conteúdo normativo inovador de caráter restritivo dos direitos fundamentais tidos como lesados e suscetível de poder envolver invasão da competência reservada da AR nos termos definidos no art. 165.º, n.º 1, al. b), da CRP para esse efeito fazendo apelo ao regime do art. 17.º da CRP entendendo como direitos análogos a direitos, liberdades e garantias o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa económica privada, consagrados na nossa Constituição como direitos económicos.
Acresce que, mesmo que se admita que aquelas normas são suscetíveis de afetar a posição jurídica dos seus destinatários, nomeadamente dos acionistas e credores da instituição bancária em questão, o TC vem sustentando, em jurisprudência constante e reiterada [cf., entre muitos outros e considerando apenas os proferidos no quadro de discussões em torno ou envolvendo alegadas ofensas aos arts. 61.º ou 62.º da CRP, os acórdãos n.os 329/1999, 187/2001, 491/2002, 289/2004, 444/2008, 14/2009, e 75/2013], que o regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias só é aplicável aos chamados direitos análogos quando esteja em causa o respetivo “conteúdo essencial” que corresponda à “dimensão negativa” dos “direitos de liberdade”.
Assim, e apreciando da constitucionalidade de norma produzida com o comando constante do art. 61.º da CRP o TC no Acórdão n.º 75/2013 afirmou-se que tem “sido reiteradamente afirmado que a mera inserção do artigo 61.º no Título relativo a «direitos, sociais e económicos» não o priva de uma certa dimensão de «direito à não intervenção estadual», que é típica dos «direitos, liberdades e garantias» (cf. Acórdãos n.º 187/01 e n.º 304/10). Não se trata, portanto, de um mero «direito à atuação estadual», mas antes de um direito que, em certa medida, exige que o Estado (e os demais poderes públicos) se abstenha(m) de o colocar em causa, mediante intervenções desrazoáveis ou injustificadas. Tal direito fundamental compreende, em si mesmo, uma «vertente decisório/impulsiva», que resulta na faculdade de formação da vontade de prosseguir determinada atividade económica e de lhe dar início, e uma «vertente organizativa», que pressupõe a liberdade de determinar o modo de organização e de funcionamento da referida atividade económica (cf. Acórdãos n.º 358/2005 e n.º 304/2010). …Porém, a verificação de que o «direito à livre iniciativa privada» partilha de algumas características dos «direitos, liberdades e garantias» não significa que todo o respetivo conteúdo normativo possa beneficiar da integralidade daquele específico regime constitucional. Para tanto, imperioso se torna que seja possível extrair do conteúdo daquele direito um «conteúdo essencial» que corresponda à «dimensão negativa» dos «direitos de liberdade». Dito de outro modo, só a parcela do «direito à livre iniciativa privada» que corresponda a um dever de abstenção do Estado face àquela livre conformação do indivíduo (ou da pessoa coletiva) é que beneficia do regime específico dos «direitos, liberdades e garantias», ficando assim sujeito à reserva legislativa parlamentar fixada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, da CRP. Neste sentido, constitui referência incontornável o Acórdão n.º 289/04”.
E no ante norma aprovada pelo Governo, sem autorização legislativa, que inovadoramente consagrara restrição direta aos direitos de propriedade dos sócios [norma que previa a possibilidade de aquisição potestativa, por parte da sociedade que detivesse mais de 90 % do capital social de outra, das ações ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente, mediante declaração unilateral seguida da celebração da correspondente escritura] temos que o TC considerou no citado Acórdão n.º 491/02 que não existia invasão da reserva relativa da competência legislativa da AR nos termos em que a mesma se mostra delimitada no art. 165.º, n.º 1, al. b), da CRP, extraindo-se do seu discurso fundamentador na parte aqui relevante que “sem dúvida que, tal como outros direitos patrimoniais, as «partes sociais» são abrangidas pela tutela constitucional da propriedade privada”, mas essa “circunstância não significa […] que o correspondente direito, ou os correspondentes direitos, sejam vistos à imagem e semelhança da proprietas rerum, para avaliar do significado dos «condicionamentos» ou «restrições» de que sejam objecto. Esta avaliação tem de ser feita tendo em conta a especificidade da titularidade desse tipo de direitos, e a partir da sua natureza própria, considerando, designadamente, a específica natureza de direitos corporativos, isto é, de direitos incindivelmente ligados (desde a sua génese até à sua extinção, passando por diversas vicissitudes que os podem atingir) a uma organização ou ente social”, pelo que “o instituto previsto no artigo 490.º, n.º 3, do CSC não deve ser concebido como uma medida «expropriativa». O que está em causa é, antes, a conformação pelo legislador do próprio alcance da titularidade de participações (da «propriedade corporativa»), no plano das relações privadas entre os accionistas – ou seja, algo que, afinal, ainda respeita àquele mesmo conteúdo e natureza, e deve ser visto no «interior» dele. O regime do artigo 490.º, n.º 3, do CSC, constitui, pois, um elemento conformador do alcance da titularidade sobre participações sociais – um elemento definidor dos limites dessa titularidade -, que, por outro lado, apenas toca a configuração qualitativa da específica «propriedade» em questão, e não o seu lado de valor patrimonial. …Ora, será que estamos aqui perante matéria relativa àquele núcleo essencial, ou àquela garantia, do direito de propriedade que são de considerar análogos aos direitos, liberdades e garantias, e aos quais é aplicável o regime destes? Entende-se que é de responder negativamente a esta questão”.
Secundando-se tal entendimento e transpondo-o para a situação sub specie ressalta, do atrás exposto, que o regime normativo aportado pelo DL n.º 114-A/2014 ao RGICSF, em termos da sua natureza e do seu alcance, não é sequer comparável com aquele regime que havia sido introduzido no Código das Sociedades Comerciais [CSC], porquanto este regime antes quadra mais com o regime que havia sido introduzido em 2012 no RGICSF quando se consagraram as medidas de resolução [através do DL n.º 31-A/2012 produzido no uso ou ao abrigo de lei de autorização habilitante] e já não relativamente a normas que, como referido supra, têm um caráter ou vantajoso ou neutral relativamente ao tipo de direito em questão, sem que se possa sustentar que as mesmas afetam o conteúdo essencial do direito de propriedade de credores e de acionistas e, assim, sejam violadoras da reserva de competência legislativa da AR, conclusão esta igualmente válida, por inteiramente transponível, para o direito à livre iniciativa privada.
Nessa medida, independentemente das concretas dificuldades que possam surgir e surgem na identificação e definição do que seja o “conteúdo essencial” de um direito fundamental temos que, na situação vertente, considerando o caracter “periférico” das alterações introduzidas no RGICSF pelo DL n.º 114-A/2014, não ressalta ter existido uma qualquer afetação ou intervenção restritiva daquele “conteúdo essencial” de direito ou liberdade fundamental passível de invasão da reserva de competência reservada da AR [arts. 61.º, 62.º, 161.º, al. c), 165.º, n.º 1, al. b), e 198.º, n.º 1, todos da CRP], pelo que soçobra este segmento impugnatório dos recursos das recorrentes dirigido ao acórdão recorrido que assim se mantém nos termos da motivação explicitada.
E a idêntica conclusão importa chegar quanto à pretensão inconstitucionalidade orgânica das normas do DL n.º 114-A/2014 por violação da alínea l) do n.º 1 do art. 165.º da CRP, comando respeitante à garantia institucional que se mostra constitucionalmente conferida à propriedade dos meios de produção e solos relativamente à intervenção e apropriação públicas, reservando-se para a AR quer a regulação primária sobre os meios e formas dessa intervenção, quer a regulação dos critérios de fixação da indemnização dos proprietários quando tais medidas ocorram.
Na verdade, se o que se mostra ou está em causa na garantia prevista na referida al. l), do n.º 1, do art. 165.º da CRP são apenas as intervenções restritivas ou ablativas na propriedade e na gestão de empresas privadas quando estas assumam uma gravidade análoga à expropriação [regulação dos requisitos de apropriação pública disciplinados no art. 83.º da CRP] então ante a referida natureza e conteúdo aportado ao RGICSF pelo DL n.º 114-A/2014 temos que no e do mesmo não resultam disciplinados quaisquer requisitos de apropriação pública e/ou de intervenção restritiva análoga já que a consagração desse regime a tal respeitante havia sido fixado e/ou regulado através do DL n.º 31-A/2012, tendo, por isso, este diploma carecido e sido produzido ao abrigo de lei de autorização habilitante.
Do DL n.º 114-A/2014 não resulta, por um lado, regulado qualquer requisito, meio ou forma de intervenção restritiva, de expropriação ou de nacionalização de empresas privadas, ciente de que o mesmo apresenta, como já afirmado, um caráter vantajoso, mormente quanto aos acionistas, não pondo em questão, nem detendo sequer qualquer sentido inovatório quanto à sua situação jurídica na empresa em liquidação.
E, por outro lado, temos que as disposições do mesmo DL respeitantes à compensação dos credores no quadro da aplicação do princípio “no creditor worse off” não podem confundidas ou relacionadas com a reserva disciplinada na al. l), do n.º 1, do art. 165.º da CRP para efeitos dos critérios de fixação de indemnizações dado que os credores não são proprietários, não resultando abrangido por aquele comando na sua articulação com o art. 83.º da CRP, soçobrando este segmento impugnatório respeitante ao erro acometido ao acórdão recorrido que assim se mantém nos termos da motivação explicitada.
Ressuma, também, como totalmente improcedente a alegação de inconstitucionalidade orgânica do DL n.º 114-A/2014 derivada do simples facto do mesmo se tratar de decreto-lei que, feito sem lei habilitadora, procedeu a alteração de outro decreto-lei que havia sido feito no uso de autorização legislativa [in casu o DL n.º 31-A/2012] com apelo ao princípio do paralelismo de formas, já que não só o Governo dispõe/detém competência legislativa própria relativamente a matérias não reservadas à AR [cf. art. 198.º, n.º 1, al. a), da CRP] e, nessa medida, não carece de, para esse efeito, obter ou ter de se munir de autorização legislativa para alterar normas contidas em diploma produzido no uso de autorização legislativa ou mesmo aditar novos elementos normativos a uma lei ordinária da AR, como resulta dos próprios termos do referido DL n.º 31-A/2012 que o mesmo, em simultâneo, contém ou encerra disciplina normativa de matérias reservadas à AR e de outras não abrangidas por essa reserva e daí que o mesmo foi produzido pelo Governo quer no uso de autorização legislativa [art. 198.º, n.º 1, al. b), da CRP] quer no uso de competência legislativa própria [art. 198.º, n.º 1, al. a), da CRP].
É que a competência legislativa não seja reservada não veda, nem impede, através da produção de um DL não autorizado se possa modificar um DL autorizado ou mesmo uma Lei da AR, tanto mais que o princípio do paralelismo de formas não interfere ou amputa o Governo na sua competência legislativa em matéria não reservada à AR.
De referir, também, que as disposições insertas no quadro de lei de autorização legislativa não gozam ou possuem valor vinculativo para qualquer outro decreto-lei produzido no quadro de competência legislativa própria, não se extraindo isso do n.º 2 do art. 112.º da CRP, visto aí se disciplinar que as “leis e os decretos-lei têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos”, termos em que as leis de autorização apenas e só condicionam o respetivo decreto-lei autorizado e já não quaisquer outros atos legislativos.
De notar, todavia, que não procede uma argumentação/motivação que passa pelo afastamento em sede de competência legislativa dos comandos constitucionais insertos, mormente nos arts. 161.º e 165.º da CRP, pelo facto de o Governo estar a proceder a transposição de diretiva da União Europeia [UE], já que mesmo nesse domínio da transposição de diretivas da UE que não contenham normas “claras, precisas e incondicionais” o legislador governamental está vinculado à observância das regras constitucionais de competência legislativa.
Com efeito, e tal como considerado pelo TC no seu Acórdão n.º 75/2013 a “circunstância de os decretos-lei em causa procederem a uma mera transposição de ato legislativo da União Europeia que, nessa qualidade, vincula o Estado português não desonera o Governo da República de acautelar o estrito cumprimento das regras constitucionais de distribuição de competência legislativa. Apesar de tal transposição poder ocorrer mediante «lei», «decreto-lei» ou «decreto legislativo regional» (artigo 112.º, n.º 8, da CRP), tal não significa que haja uma liberdade incondicionada de opção pela forma de ato legislativo, antes se impondo aos órgãos constitucionais com competência legislativa a adoção do ato adequado, segundo as normas constitucionais de distribuição de competência. Tal já foi, aliás, afirmado por este Tribunal, a propósito da transposição de diretivas pelas assembleias legislativas das Regiões (cf. Acórdão n.º 423/2008 …). Em suma, a verificação de um dever internacional de adequação do ordenamento jurídico português a normas de fonte europeia não desonera o Governo da República de acatar o sistema constitucional de distribuição de competências legislativas” [cf., no mesmo sentido, entre outros o Ac. do TC n.º 102/2016].
Em face de tudo o exposto, não podemos, assim, concluir, como pretendem as recorrentes, que sejam organicamente inconstitucionais as normas constantes do DL n.º 114-A/2014 por pretensa infração do art. 161.º, alínea c) e 165.º, n.º 1, als. b) e l) da CRP em conjugação com os arts. 17.º, 61.º, 62.º, 83.º e 198.º da CRP.
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C) Da inconstitucionalidade da Lei n.º 58/2011 e do DL n.º 31-A/2012
Alegam as recorrentes AA. nesta ação de que não foi reconhecido, a título subsidiário, a inconstitucionalidade das normas dos n.os 2 e 3 do art. 145.º- H do RGICSF [na redação dada pelo DL n.º 31-A/2012] em virtude das mesmas violarem o sentido da lei de autorização legislativa constante do art. 05.º, n.º 11, da Lei n.º 58/2011, mormente ao terem restringido as amplas prerrogativas de apreciação e decisão que a lei queria ver conferidas ao BdP e ao terem determinado a permanência na esfera jurídica da instituição intervencionada das posições passivas correspondentes aos direitos dos acionistas e seus familiares, aos direitos dos titulares dos órgãos de administração ou fiscalização, aos direitos dos titulares de obrigações subordinadas e aos direitos dos pretensos responsáveis pelo estado da instituição, tendo o Governo infringido o disposto nos arts. 112.º, n.º 2, e 165.º, n.º 2, da CRP.
Invocam as recorrentes ainda a inconstitucionalidade, por violação do princípio da reserva de lei [art. 165.º, n.º 1, alínea b) da CRP], do n.º 1 do art. 145.º-G e dos n.os 1 e 5 do art. 145.º-H do RGICSF na redação dada pelo DL n.º 31-A/2012, enquanto entendidos como a permissão dada ao BdP para selecionar e transferir do banco intervencionado para o banco de transição e vice-versa, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, segundo os seus próprios critérios, atribuindo-lhe o poder de estabelecer critérios normativos para a transferência de ativos e passivos, sustentando que o referido DL não define esse quadro normativo primário, nem densifica os termos da atuação do BdP conferindo-lhe, assim, “carta branca” para dispor sobre o património das entidades privadas.
Por último, defendem as recorrentes que a Lei n.º 58/2011 enferma de inconstitucionalidade por se limitar a enunciar finalidades genéricas para as medidas de resolução e princípio orientador relativamente à repartição dos prejuízos delas resultantes, deixando para o Governo, através de decreto-lei, a restrição de direito fundamentais patrimoniais dos cidadãos/empresas e atribuindo vastos poderes ao BdP.
Em sede das contra-alegações produzidas pugnou-se pela improcedência deste fundamento recursivo.
O acórdão recorrido julgou a este propósito que: «confrontadas que sejam as normas de “autorização” com as normas “autorizadas” não se vislumbra em que medida as mesmas não estejam em conformidade ou não sejam compatíveis ou que de alguma forma extravasem o sentido ou o alcance da lei de autorização (.). Uma coisa é a definição do regime legal da resolução na Lei, outra coisa é a margem livre de apreciação que deve ser dada à Administração para a concretização efectiva desse mesmo regime. (.) resulta evidente que a Lei n.º 58/2011 encerra, em si mesma, nas normas supra descritas, uma autorização ao Governo para atribuir amplos poderes discricionários de selecção de activos e passivos ao Banco de Portugal, no caso concreto da aplicação da medida (cf. n.º 2 e n.º 11 do art. 5.º) e uma autorização para constituir e edificar o próprio regime, de forma abstracta (cf. n.º 1 do art. 5.º), não prejudicando a “abstracção” do regime – que caracteriza qualquer norma jurídica – a discricionariedade administrativa que serve essa mesma “abstracção” na aplicação “concreta” da norma, em pleno cumprimento do princípio da legalidade».
De que como «premissa prévia de análise, (.) não procede a alegação de que a matéria da resolução se integre no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, pelo que a questão da reserva de lei que invoca não se correlaciona com qualquer reserva de lei, da competência exclusiva da Assembleia, mas eventualmente no âmbito de matéria legislativa concorrencial. (.) não há discricionariedade administrativa sem norma (.). Só na aplicação “concreta” da realidade jurídica “abstracta” da figura da medida da resolução, levada a cabo pelo Banco de Portugal, em respeito pelo regime erigido a partir da vontade legislativa primária da Assembleia da República é que surge essa efectiva discricionariedade. (.) Em bom rigor, e no caso concreto, a reserva de lei existente encontra-se nas referidas normas até ao limite da sua capacidade abstracta de regulação, limite a partir do qual “remete” e habilita a função administrativa à posterior definição concreta da aplicação do direito ao caso concreto, e fá-lo utilizando expressões na estatuição da norma, como por exemplo “pode determinar”, ou “para um ou mais bancos”, “selecciona” ou “pode, a todo o tempo […] a) transferir outros activos”, que se encontram nos artigos 145.º-G e 145.º-H do RGICSF (.) esse espaço de margem de livre decisão não é exercido no quadro das funções primárias do Estado, mas sim no quadro de funções secundárias, que são levadas a cabo por instituições constitucionalmente previstas, in casu, conforme dispõe o artigo 102.º da Constituição, o Banco de Portugal, que se encontra apto, obviamente, à aplicação concreta do direito à luz da finalidade normativamente prosseguida».
E de que: «Antes de mais, cumpre referir que a invocação da supra referida alegação de inconstitucionalidade, por parte das autoras, não deixa de estar em contradição com o que alegam, designadamente nos seus artigos 231.º e 232.º da sua petição, porquanto ali expressamente invocam que a Lei n.º 58/2011 traduz “uma evidente intenção de delimitar fortemente o âmbito das valorações do Governo, descendo a detalhes que antes seria insólito num diploma desta natureza”, e que a propósito das medidas de resolução a referida Lei de autorização estabeleceu um regime tão denso “que pouco ficou para as opções tomadas em sede de decreto-lei”. É que, em boa verdade, analisada que seja a Lei n.º 58/2011, não se pode deixar de concordar com o que as autoras invocam quanto à “delimitação forte” dos poderes legislativos conferidos para a medida de resolução, o que vota ao insucesso o argumento da inconstitucionalidade da referida lei de autorização legislativa. (.) Basta analisar o que dispõe o artigo 5.º da Lei n.º 58/2011 …, sob a epígrafe “sentido e extensão legislativa quanto às medidas de resolução” para se concluir pela manifesta improcedência do fundamento de inconstitucionalidade arguida. (.) Em boa verdade, nos 17 números do artigo 5.º, a lei de autorização legislativa concretiza um conjunto de finalidades muito concretas, com a definição clara e precisa do que deve ser a medida de resolução (.). Em suma, sem necessidade de mais considerações, verifica-se uma elevada densificação de regime que preenche as exigências constitucionais quanto à definição do sentido da autorização legislativa e que vota, manifestamente, à improcedência a arguição de inconstitucionalidade», concluindo sentido de que, nas suas várias dimensões e considerando os vários parâmetros constitucionais convocados, improcedem as alegadas inconstitucionalidades.
Vejamos, cotejando o quadro normativo convocado e que se mostra posto em confronto.
Dispôs-se no art. 05.º, n.os 2 e 11, da Lei n.º 58/2011 [preceito respeitante ao sentido e extensão da autorização legislativa quanto às medidas de resolução] [diploma da AR que procedeu à concessão ao Governo de autorização legislativa para estabelecer mecanismos de intervenção preventiva e corretiva, para criar uma fase de administração provisória e para definir os termos e a competência para a resolução e liquidação pré-judicial de instituições sujeitas à supervisão do BdP, bem como para regular outros aspetos relacionados com o processo de liquidação daquelas mesmas instituições] que fica o Governo autorizado “a determinar que, no âmbito da aplicação de qualquer medida de resolução, o Banco de Portugal procura assegurar que os acionistas e os credores das instituições assumem prioritariamente os prejuízos em causa, de acordo com a respetiva hierarquia, com exceção dos depósitos garantidos nos termos dos artigos 164.º e 166.º do RGICSF” [n.º 2] e “para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, a regular a transferência parcial ou total da atividade para um ou mais bancos de transição, a estabelecer o regime dos bancos de transição e a atribuir competência ao Banco de Portugal para definir as regras aplicáveis à criação e ao funcionamento dos bancos de transição, nos seguintes termos: a) O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão das instituições para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação a outras instituições autorizadas a desenvolver a atividade em causa; b) O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de duas ou mais instituições incluídas no mesmo grupo para um ou mais bancos de transição, com a mesma finalidade prevista na alínea anterior; c) O capital social do banco de transição é detido pelo Fundo de Resolução; d) Os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição devem ser objeto de uma avaliação realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, a expensas das instituições objeto de medidas de resolução; e) Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: i) Transferir outros ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão das instituições originárias para o banco de transição; ii) Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para as instituições originárias; f) O Banco de Portugal determina o montante do apoio financeiro a prestar pelo Fundo de Resolução, caso seja necessário para a criação e o desenvolvimento da atividade do banco de transição, nomeadamente através da concessão de empréstimos ao banco de transição para qualquer finalidade ou da disponibilização dos fundos considerados necessários para a realização de operações de aumento de capital do banco de transição; g) O Banco de Portugal pode convidar o Fundo de Garantia de Depósitos ou, no caso de medidas aplicáveis no âmbito do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo, o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, a cooperar no processo de transferência de depósitos garantidos, nos termos dos artigos 164.º e 166.º do RGICSF ou dos artigos 4.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 345/98 …, de acordo com as seguintes regras: i) A intervenção de cada um dos fundos deve ter como limite máximo o montante necessário para cobrir a diferença entre os depósitos garantidos que sejam transferidos para o banco de transição e o valor dos ativos transferidos, não podendo exceder o valor dos depósitos suscetíveis de reembolso pelo Fundo verificando-se uma situação de indisponibilidade de depósitos; ii) A intervenção nos termos do disposto na alínea anterior confere a cada um dos fundos um direito de crédito sobre as instituições participantes objeto de medidas de resolução, no montante correspondente a essa intervenção e beneficiando dos privilégios creditórios previstos na alínea c) do artigo 7.º; h) As instituições originárias, bem como qualquer sociedade inserida no mesmo grupo e que lhe preste serviços no âmbito da atividade transferida, devem disponibilizar todas as informações solicitadas pelo banco de transição, bem como garantir a este o acesso a sistemas de informação relacionados com a atividade transferida e, mediante remuneração acordada entre as partes, continuar a prestar os serviços que o banco de transição considere necessários para efeitos do regular desenvolvimento da atividade transferida; i) A transferência produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência; j) A decisão de transferência não depende do prévio consentimento dos acionistas das instituições ou das partes contratuais envolvidas nos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir; k) Quando considerar que se encontram reunidas as condições necessárias para alienar, parcial ou totalmente, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão que tenham sido transferidos para o banco de transição, o Banco de Portugal convida outras instituições autorizadas a desenvolver a atividade em causa a apresentarem propostas de aquisição; l) O produto da alienação deve ser prioritariamente afeto, em termos proporcionais, à devolução de todos os montantes disponibilizados pelo Fundo de Resolução e pelo Fundo de Garantia de Depósitos ou pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo; m) Após a devolução dos montantes previstos na alínea anterior, o eventual remanescente do produto da alienação é devolvido às instituições originárias ou à sua massa insolvente, caso tenham entrado em liquidação” [n.º 11].
Por sua vez, passou a dispor-se no art. 145.º-G do RGICSF/2012, respeitante à disciplina da “transferência parcial ou total da atividade para bancos de transição” [na redação dada pelo DL n.º 31-A/2012 – diploma produzido no uso da referida Lei n.º 58/2011], no que aqui importa analisar, que o BdP “pode determinar a transferência, parcial ou total, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa” e no art. 145.º-H do RGICSF/2012, sob a epígrafe de “Património e financiamento do banco de transição” [na mesma redação dada pelo referido DL], também no que aqui importa analisar, que o BdP “seleciona os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição” [n.º 1], que “não podem ser transferidas para o banco de transição quaisquer obrigações contraídas pela instituição de crédito originária perante: a) Os respetivos acionistas, membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição; b) As pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores à criação do banco de transição, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação; c) Os cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores; d) Os responsáveis por factos relacionados com a instituição de crédito, ou que deles tenham tirado benefício, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal” [n.º 2], de que “não podem ainda ser transmitidos para o banco de transição os instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios da instituição de crédito cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal” [n.º 3] e de que “após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo: a) Transferir outros ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição; b) Transferir ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária” [n.º 5].
Resulta, por seu turno, do n.º 2 do art. 165.º da CRP que as “leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada”, cientes “da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa” [cf. art. 112.º, n.º 2, da CRP].
Temos para nós que as medidas de resolução, em geral, e as decisões de seleção de ativos e de passivos a serem transferidos para uma instituição de transição, em especial, constituem atos e/ou meios/mecanismos dotados de potencialidade e suscetibilidade de afetação de direitos e de interesses patrimoniais de acionistas e de credores da instituição de crédito em liquidação, pelo que, em decorrência, estando e gozando esses direitos e interesses de proteção por normas constitucionais de direitos fundamentais, nomeadamente o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa económica privada, então as normas editadas no plano da lei ordinária nas quais se consagra a possibilidade e respetivos termos/pressupostos para a adoção de medidas de resolução [cf. art. 145.º-C do RGICSF/2012] e que habilitam o BdP, enquanto autoridade de resolução, a fazer a respetiva seleção de ativos e responsabilidades a serem transferidos para a instituição creditícia de transição [cf. art. 145.º-H do RGICSF/2012], constituem e, assim, podem ser qualificadas como normas restritivas de direitos fundamentais.
Nessa medida, tais normas devem observar aquilo que constituem os requisitos constitucionais exigidos para as restrições a direitos fundamentais.
Ora analisados lei habilitante e decreto-lei autorizado em referência não se vislumbra assistir razão às recorrentes AA. nos acometidos erros de julgamento dirigidos ao acórdão recorrido quando no mesmo se desatendeu todas as questões de constitucionalidade aqui sob análise.
Desde logo, o DL n.º 31-A/2012 contém uma suficiente enumeração de critérios que devem orientar, nesse domínio, a seleção de responsabilidades a transferir e de limites que condicionam de forma muito pormenorizada a margem de decisão do BdP, resultando dos n.os 2 e 3 do seu art. 145.º-H a enunciação de todo um conjunto preciso e concretamente determinado de responsabilidades que não podem ser transferidas, bem como fixando limites atinentes à necessária existência de um equilíbrio entre valor de ativos e de passivos objeto de transferência, cientes de que, no que tange aos critérios orientadores da seleção das responsabilidades potencialmente elegíveis após aquela delimitação legal negativa, os n.os 1 e 5 do preceito referido não podem deixar de ser lidos naquilo que são outras disposições do mesmo diploma e dos objetivos e princípios que devem justificar a tomada de medidas de resolução e da respetiva implementação pelo BdP, mormente incluindo os atos de seleção de ativos e de responsabilidades a serem transferidos.
Para além disso a autorização para a adoção pelo Governo da solução normativa constante do n.º 1 do art. 145.º-G e dos n.os 1, 2, 3 e 5 do art. 145.º-H ambos do RGICSF/2012 resulta, desde logo, da habilitação conferida pelo disposto nos n.os 1, 2 e 11 do art. 05.º da Lei n.º 58/2011, já que os efeitos visados eram a responsabilização dos acionistas e dos demais credores obrigados abrangidos pelos prejuízos decorrentes da medida de resolução.
E não se apresenta como acertado sustentar que houve da parte do Governo excesso no quadro normativo produzido no DL n.º 31-A/2012 por não estar expressamente autorizada pela AR a proibição de transmissão das obrigações em causa, porquanto se não merece controvérsia a consideração de que a lei de autorização legislativa deve obedecer aos requisitos estipulados no n.º 2 do art. 165.º da CRP, estando a mesma obrigada a definir o objeto, o sentido e a extensão da autorização, e que, nessa medida, releva o princípio da especialidade, no sentido de que são proibidas autorizações legislativas genéricas, temos que estamos perante situação na qual o legislador decidiu densificar o princípio da responsabilidade de primeira linha dos acionistas e credores relativamente aos prejuízos decorrentes da medida de resolução, identificando e elencando um conjunto de elementos que não podem passar para o banco de transição, assim reduzindo a margem de seleção do BdP sem que possa afirmar que tal densificação de critérios no plano normativo se traduz numa intromissão da função legislativa no domínio da função administrativa, tanto mais que estamos no quadro de disciplina/regulação de matéria que substancialmente contende com direitos fundamentais, justificando-se até onde ela seja adequada e possível a densificação do regime por parte do legislador.
É que se não se apresenta como dubitativa a possibilidade de o Governo/legislador poder estabelecer limites à Administração [in casu ao BdP], então não poderá sustentar-se que, tendo-o feito, e feito legitimamente, isso possa implicar a existência de uma alegada inconstitucionalidade.
Atente-se o Governo foi autorizado a criar legislativamente um regime de resolução das instituições de crédito de molde a, nomeadamente, se prevenir “eventuais impactos negativos no plano da estabilidade financeira, salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público e a confiança dos depositantes” [cf. n.º 1 do art. 05.º da Lei n.º 58/2011] pelo que se para tal fosse permitido que acionistas e equiparados, gestores e pessoas que, direta e indiretamente, hajam sido responsáveis pela deterioração financeira da instituição crédito e que dela beneficiaram pudessem ser salvos pelo BdP tal seria, além de premiar o infrator, contribuir para estimular comportamentos análogos no futuro, pondo em questão e mesmo contrariando o desiderato e objetivos preconizados.
Assim, a limitação dos poderes do BdP fixada nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do art. 145.º-H do RGICSF/2012 mostra-se em sintonia com os objetivos fixados na lei de autorização, no que tange aquele princípio orientador, sem que no seu conteúdo normativo haja qualquer desconformidade relativamente ao sentido e à extensão da autorização legislativa contida na Lei n.º 58/2011.
Note-se que o poder de seleção conferido pelo legislador ao BdP mostra-se como expressamente previsto pela lei de autorização legislativa [in casu, a Lei n.º 58/2011], pelo que não se pode dizer que exista uma discrepância entre a lei de autorização legislativa e o decreto-lei autorizado neste segmento [cf., nomeadamente, arts. 145.º-G e 145.º-H].
Temos, por outro lado, que não se descortina ocorrer qualquer postergação pelo regime introduzido pelo DL n.º 31-A/2012 ao RGICSF das exigências postas pelos comandos constitucionais convocados.
As exigências de determinabilidade e de densificação das normas restritivas de direitos fundamentais não podem ser analisadas/aferidas em abstrato e indiferenciadamente, tanto mais que são essencialmente condicionadas, na sua concretização, pela própria natureza das intervenções restritivas para que habilitam a Administração, para além de que a decisão do BdP se mostra suficientemente determinada pela prévia fixação legislativa de todo um conjunto pormenorizado de responsabilidades que não podem ser transferidas, bem como, no que tange ou diz respeito à seleção dentro das potencialmente elegíveis, através da enunciação dos fins a prosseguir e dos princípios orientadores do desenvolvimento do processo de resolução.
Se o n.º 2 do art. 165.º da CRP exige/reclama que a lei de autorização defina o objeto sobre que recai a autorização e, em seguida, predetermine o sentido político da legislação que vai ser emitida pelo Governo [cf. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. II, pág. 337] e a respetiva amplitude [cf. Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucional”, Tomo V, 4.ª ed., pág. 344], ou seja, por outras palavras que indique/defina a orientação que deverá nortear a legislação a criar pelo Governo e quais os limites até onde o mesmo poderá ir nessa disciplina normativa, temos, todavia, que a lei de autorização não tem de ter uma determinabilidade e densidade que lhe permita constituir critério ou parâmetro judicial de decisão, exigência a observar no e pelo quadro normativo a produzir pelo Governo sob tal habilitação e que se mostra ou resulta observada no caso pelo DL n.º 31-A/2012 de forma adequada e com inteira suficiência.
Valendo-nos da jurisprudência constante do TC, temos que uma lei de autorização legislativa cumpre as exigências de determinabilidade e de densificação impostas pelo n.º 2 do art. 165.º da CRP desde que permita reconhecer publicamente a perspetiva genérica das transformações a aportar no ordenamento jurídico por parte da posterior legislação que venha a ser aprovada pelo Governo ao abrigo dessa autorização.
E na situação em presença tais exigências não podem deixar de serem reconhecidas como verificadas e presentes na lei de autorização em crise [Lei n.º 58/2011] quer em termos do seu conteúdo quer da opção político-legislativa.
De facto, estamos ante disciplina de medida regulatória [medida de resolução] relativamente à qual na sua definição e aplicação existem específicas e especiais razões a considerar, envolvendo ainda para além de complexidade técnica a consideração de resposta decisora e de operacionalidade e eficácia em contextos e circunstâncias de crise e urgência, realidades que reclamam o reconhecimento e consagração de um espaço de discricionariedade à autoridade administrativa reguladora responsável pela sua aplicação.
É que de forma mais genérica ou mais concretizada, pela positiva ou pela negativa, encontramos no referido DL n.º 31-A/2012 suficiente enumeração de critérios que, no quadro da aplicação de medida de resolução, devem orientar a seleção de responsabilidades a transferir e de limites que condicionam de forma muito pormenorizada a margem de decisão do BdP, sendo que esta deverá sempre mostrar-se norteada, desde logo, pelos princípios gerais e objetivos enunciados no art. 139.º do RGICSF, ou seja, salvaguardando a solidez financeira da instituição de crédito e dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro e observando os princípios da adequação e da proporcionalidade, isto é, que deve ser apta, idónea e indispensável à realização da continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais, ao acautelar o risco sistémico, à salvaguarda dos interesses dos contribuintes e do erário público e da confiança dos depositantes.
No que se reconduz à alegada ausência de autorização para legislar e decorrente invasão da reserva de lei parlamentar importa ter presente que o regime normativo definido no art. 145.º-H, mormente nos seus n.os 1, 2, 3 e 5, corresponde a uma limitação da margem de decisão do BdP e não à restrição de quaisquer direitos fundamentais de acionistas ou dos credores da instituição de crédito em liquidação.
Na verdade, a previsão normativa respeitante aos poderes do BdP em termos de delimitação/definição do conjunto de responsabilidades a transferir para a instituição de transição aquilo que faz é manter inalterada e inalterável a situação jurídica existente no que se refere ao conjunto de créditos aí referidos, ou seja, os mesmos continuam a ser da instituição que originariamente os constituiu na situação jurídica em que esta se encontrar, cientes de que inexiste um qualquer direito a ser transferido para a instituição de transição, porquanto a ninguém assiste o direito a ser salvo pelo BdP das consequências da insolvência da instituição creditícia, em e com particular enfase para os responsáveis e beneficiários, diretos ou indiretos, da deterioração financeira da instituição em questão.
Note-se que o n.º 11 do art. 05.º da Lei n.º 58/2011 não pode ser interpretado, nem assim, constitui, uma norma de habilitação do BdP que estabeleça um domínio de reserva de administração, antes de tratando de uma norma de competência que autoriza o Governo a investir o BdP nos poderes de resolução, poderes abstratos esses carecidos da necessária e possível densificação normativa, cientes de que a autorização do Governo a atribuir competência ao BdP neste domínio não poderia deixa de estar condicionada nos termos a que alude o art. 05.º, n.º 11 da referida Lei.
E também não se diga que ocorre violação do estatuto constitucional do Governo já que o facto de o BdP poder resolver instituições bancárias isso em nada não interfere ou belisca com o facto de o Governo ser e continuar a ser o órgão superior da Administração Pública [cf. art. 182.º da CRP], sendo que a Constituição não impede o reconhecimento e a possibilidade existência de entidades reguladoras [cf., v.g., o art. 102.º da CRP relativo ao próprio BdP] e do exercício da função administrativa pelas mesmas dotando-as de competências nesse âmbito.
Por tudo o exposto, soçobram in totum os invocados erros de julgamento conducentes à alegada inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 145.º-G e dos n.os 1, 2, 3 e 5 do art. 145.º-H ambos do RGICSF/2012 e, bem assim, da própria Lei n.º 58/2011, já que os termos e a matéria neles regulada não ofende os princípios e comandos constitucionais enunciados nos arts. 17.º, 18.º, 62.º, 112.º, n.º 2, 161.º, 165.º, n.os 1, al. b), e 2, 182.º e 198.º, n.º 1, al. a), da CRP.
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D) Da inconstitucionalidade do regime normativo do DL n.º 31-A/2012 e do DL n.º 114-A/2014 por violação do princípio da igualdade, do direito à propriedade privada e à livre iniciativa económica privada
Alegam as AA., que o regime normativo introduzido no RGICSF pelos DL’s n.os 31-A/2012 e 114-A/2014 [mormente o constante do art. 145.º-H] viola o princípio da igualdade [art. 13.º da CRP] já que impõem aos titulares de obrigações subordinadas o mesmo ou pior regime do que o estabelecido para os responsáveis pelas dificuldades do banco intervencionado, tratando de forma igual situações desiguais.
E de que o mesmo regime aportado pelos referidos diplomas [mormente o constante dos arts. 145.º-C, 145.º-G, n.os 1 e 2, 145.º-H e 145.º-I, n.º 4, do RGICSF/2012 e dos arts. 145.º-B, n.os 1, als. a) e c), e 3, 145.º-H do RGICSF/2014] ofende o seu direito de propriedade dado corresponder a medida similar a uma expropriação sem que na lei tivesse prevista a atribuição uma justa indemnização, em violação do disposto no art. 62.º da CRP, alegação esta em que são acompanhadas pela Massa Insolvente T…, SA.
Esta sustenta ainda a inconstitucionalidade do aludido quadro normativo [mormente o constante dos arts. 145.º-B, n.os 1, als. a) e c), e 3, 145.º-H do RGICSF/2014] por alegada ofensa do direito à livre iniciativa económica [art. 61.º da CRP], bem como a violação do princípio da igualdade já, nomeadamente permitindo-se a decisão do BdP de transferência para o “Banco 2…” dos melhores ativos do Banco 1… sem indemnizar esta instituição ou os seus acionistas tal permite que estes, em consequência da resolução, fiquem numa situação financeira pior do que ficariam se houvesse antes liquidação do Banco 1…, tratando-os de forma desigual, ou seja, de que o quadro normativo ao contemplar um tratamento igual – a proibição de transferência de créditos para o “banco bom” – perante situações e qualidades subjetivamente diferentes [no caso, acionistas e credores obrigacionistas], colocando-os num patamar de igualdade de tratamento violaria o referido princípio da igualdade.
Em sede das contra-alegações produzidas pugnou-se pela improcedência deste fundamento recursivo.
O acórdão recorrido desatendeu a invocação das inconstitucionalidades em referência para o efeito afirmando que: «… o parâmetro comparativo invocado pelas autoras firma-se num critério subjectivo, por reporte à qualidade dos sujeitos, pelo que é exactamente esse parâmetro que cumpre analisar, o que passa por compreender as reais diferenças entre aqueles por forma a aferir se, como defendem, não podiam ter o mesmo tratamento que a lei lhes dá, o que se alcança através da compreensão da natureza de um accionista e a natureza de um obrigacionista, no caso subordinado. (.) Assim o accionista é aquele que é detentor de uma participação social, que compõe o capital próprio de uma sociedade, isto é, as acções que compõem as participações sociais são do ponto de vista financeiro consideradas como capitais próprios, concretizando os meios de financiamento que têm origem nos detentores do capital social e que, nessa medida, apresentam um carácter definitivo, pois que não são objecto de restituição, não têm prazo, não obrigam a pagamentos regulares que possam gerar incumprimento, são reembolsados, sendo caso disso, apenas e após o pagamento aos restantes credores, aos quais, por definição e conceito se contrapõem os capitais terceiros ou alheios, cujas características se firmam em pagamentos regulares associados, com prazos de vencimento e que são pagos com prioridade relativamente aos capitais. […] Com estes, contudo, não se comparam efectivamente os obrigacionistas, enquanto detentores de obrigações. (.) O credor obrigacionista, após subscrição do instrumento financeiro, tem o dever de entregar fundos à entidade emitente e esta fica vinculada à obrigação sinalagmárica de restituir o montante mutuado e, sendo convencionado, os respectivos juros. […] A emissão de obrigações, ao significar o recurso a capitais alheios, implica um endividamento da entidade emitente […]. […] As obrigações que titulam créditos privilegiados asseguram uma posição preferencial na graduação de créditos em caso de liquidação da sociedade emitente, as obrigações representativas de dívida subordinada são aquelas em que o titular da obrigação, havendo insolvência do emitente, apenas se pode pagar sobre o património depois de satisfeitos todos os credores comuns. […] Contudo, as obrigações dos quais as aqui autoras são titulares, não se inserem nos conceitos clássicos de obrigações. E não se inserem no conceito clássico e puro de obrigação, porque se encontram adstritas a uma cláusula de subordinação – daí a denominação de “obrigações subordinadas” – como supra descrito e que preveem, efectivamente, que, em caso de liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsados após os demais credores por dívida não subordinada, tendo, todavia, prioridade sobre os accionistas. […] Como é óbvio, tais obrigações subordinadas apresentam um risco acrescido aos seus detentores, o que tem como contrapartida, uma remuneração superior à de uma obrigação de dívida não subordinada. […] E é exactamente esta característica de subordinação que faz com que a obrigação subordinada se afaste da figura do credor clássico comum e se aproxime da figura do accionista, situando-se tal forma de financiamento na estrutura financeira da sociedade, num patamar intermédio entre os capitais próprios (p.ex. acções) e os capitais alheios (p. ex. divida sénior ou não subordinada), razão pela qual a doutrina a tem classificado como instrumentos híbridos, pois que se apresentam com características mistas de capitais próprio e de capitais alheios […]. (.) E é exactamente pelo simples facto de esta dívida poder caracterizar-se, em função de determinadas regras nacionais e internacionais, como capitais próprios, que merece um tratamento semelhante, na medida de resolução; à semelhança do tratamento os detentores de obrigações subordinadas teriam em caso de liquidação, pois que foi essa a subordinação – com a consequente obtenção de uma remuneração superior – a que voluntariamente se vincularam e que, obviamente, não poderia deixar de ser tomada em linha de conta, por congruência de sistema, aquando da aplicação da medida, com a sujeição a idêntico tratamento. […] É exactamente esta lógica financeira, que resulta da própria natureza dos créditos, que faz com que, quanto maior a contrapartida, maior seja o risco, com inerente capacidade de absorção de perdas em caso de liquidação, e que, por maioria de razão, mantém tal capacidade de absorção de perdas na medida de resolução. […] Por esta razão, nos termos do artigo 145.º-B, do RGICSF, se prevê, como princípio, que “na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar-se que os accionistas e os credores das instituições de crédito assumem prioritariamente os prejuízos em causa, de acordo com a respetiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de toda a classe de credores” […], numa perspectiva de princípio ubi commoda ibi incommoda, segundo o qual aquele que desfruta vantagens ou benefícios de uma dada situação deve também suportar os prejuízos dela decorrentes. […] Só assim se entende que esses créditos não sejam transferidos para o banco de transição, sendo certo que, a razão da igualdade de tratamento, não está na qualidade do sujeito – accionista ou obrigacionista – mas sim na semelhança objectiva das características intrínsecas das realidades financeiras abrangidas pela norma, no caso – as participações sociais e as obrigações subordinadas – enquanto capitais próprios ou quase próprios da sociedade e no risco assumido pelos sujeitos. […] Neste sentido, sem necessidade de discorrermos sobre o conteúdo do princípio da igualdade, se conclui pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade por violação daquele princípio, porquanto a igualdade de tratamento prevista na lei se encontra plenamente justificada, perante a desigualdade das situações em causa, por referência ao objectivo que a norma pretende atingir».
De que «diferente questão é a que se relaciona com a violação do princípio da protecção da propriedade privada, que encontra guarida no artigo 62.º da Constituição. (.) Contudo, a compreensão exacta dos propósitos da medida de resolução, mormente os pressupostos da sua aplicação, demonstram que o raciocínio e constatação supra descritas são uma mera aparência de diminuição do valor patrimonial e não relevam para a análise da questão, pois que não é por referência ao período “ex ante” à aplicação da medida de resolução que se avalia o valor desse mesmo direito de crédito, enquanto direito de propriedade, mas sim por referência ao cenário alternativo de liquidação da instituição, no qual os accionistas e os credores subordinados seriam os últimos a receber qualquer pagamento dos seus créditos. (.) De qualquer forma sempre se dirá que os obrigacionistas subordinados não ficam em pior ou igual posição do que os accionistas, como parecem defender, pois que aqueles serão sempre os últimos da hierarquia falimentar, ficando na posição imediatamente acima, recebendo antes daqueles. Releva igualmente chamar à colação que a forma de proteger o erário público é precisamente o de serem os sujeitos que se colocam nestas posições a assumirem as perdas. Neste sentido, não se verifica qualquer violação do art. 62.º da Constituição, dos direitos de propriedade dos accionistas nem dos credores subordinados, pelos Decreto-Lei n.º 32-A/2014 e Decreto-Lei n.º 114-A/2014, porquanto não existe qualquer afectação do núcleo essencial desse mesmo direito que não fosse já ter lugar no quadro da liquidação, como cenário alternativo único à medida de resolução».
E de que «as normas dos Decretos-Leis n.os 31-A/2012 e 114-A/2014 também não violam o princípio da igualdade nem o direito de propriedade privada dos recorrentes por estar em causa uma situação com especificidades que legitima uma diferenciação para com os accionistas da instituição resolvida, primeiro, e os seus credores subordinados, depois, para que assumam prioritariamente os prejuízos da instituição e a diminuição do valor dos créditos dos recorrentes não ter resultado da Medida de Resolução, mas sim da situação económica/ financeira do Banco 1…».
Analisemos, tendo aqui presente o teor do quadro normativo aqui ora pertinente e que supra foi sendo convocado/reproduzido em sede de análise dos antecedentes fundamentos recursivos.
Avançando na apreciação da bondade da argumentação aduzida pela recorrente Massa Insolvente T…, SA quanto à alegada ofensa ao direito à livre iniciativa económica privada [art. 61.º da CRP] temos que a mesma não pode proceder, impondo-se desatender a alegada inconstitucionalidade.
Motivando este nosso juízo temos que tal como sustentado por Gomes Canotilho e Vital Moreira a “liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma atividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e atividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade do empresário, liberdade empresarial)” [in: “Constituição República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição, pág. 790; vide, ainda, Jorge Miranda, in: “Manual de Direito Constitucional – Direitos Fundamentais”, 3.ª edição, Tomo IV, págs. 515/516].
É que, por apelo ao princípio geral da liberdade, enquanto decorrência da liberdade económica, a regra seria o livre exercício das atividades produtivas pela generalidade dos sujeitos económicos, mormente, dos agentes privados perante o Estado.
Ocorre, porém, que nos próprios termos constitucionais [cf., no caso e para a situação em presença, o n.º 1 do art. 61.º da CRP] o direito em referência, na parte e dimensão correspondente ao dever de abstenção do Estado face aos indivíduos ou às pessoas coletivas, partilha de algumas características dos direitos, liberdades e garantia e beneficia do competente regime enquanto direito de natureza análoga [cf. arts. 17.º e 18.º da CRP], sendo que o mesmo sofre de restrições que decorrem dos “quadros definidos pela Constituição e pela lei” e terá de ter “em conta o interesse geral”.
Na verdade, quanto ao direito em questão, é a própria Constituição que, desde logo, lhe enuncia limites/restrições, sendo a mesma, ainda, que “remete para a lei ordinária … a determinação do conteúdo” do direito, a ponto do conteúdo constitucional ficar “autolimitado em face da liberdade constitutiva do legislador” e do núcleo essencial se configurar “como um «conteúdo mínimo» do direito” [cf. J. C. Vieira de Andrade, in: “Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 2012, 5.ª edição, págs. 166/167].
E, como é defendido por Gomes Canotilho e Vital Moreira, a definição deste direito “deixa uma ampla margem para a delimitação e configuração legislativa, em função da «constituição económica»”, sendo que tais limitações ou restrições “terão de ser justificadas à luz do princípio da proporcionalidade e sempre com respeito de um «núcleo essencial» que a lei não pode aniquilar (art. 18.º), de acordo, aliás, com a «garantia institucional» de um setor económico privado (cf. art. 82.º-3 …). […] Em certas áreas, a iniciativa económica privada, embora não sendo vedada, está todavia, sujeita constitucionalmente a restrições especiais […]. Se a lei pode delimitar negativamente o âmbito da liberdade de iniciativa económica privada, stricto sensu, também pode conformar com grande liberdade, por maioria de razão, a organização e a atividade empresarial, estabelecendo restrições mais ou menos profundas” [in: ob. cit., págs. 790/791] [sublinhados nossos].
Esta leitura vem sendo, aliás, sustentada pelo TC em várias das suas decisões nas quais se pronunciou sobre a matéria.
Assim, refere-se, nomeadamente, no acórdão do TC n.º 471/2001 que “não se está perante um direito absoluto, pois no próprio preceito se acrescenta que o mesmo deve ser exercido «nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral»”, e no Acórdão n.º 289/2004, para além de reiterar o acabado de reproduzir, se sustenta que a “norma constitucional remete, pois, para a lei a definição dos quadros nos quais se exerce a liberdade de iniciativa económica privada”, tratando-se duma “previsão de uma «reserva legal de conformação» (a Constituição recebe um quadro legal de caraterização do conteúdo do direito fundamental, que reconhece)”, sendo que a “lei definidora daqueles quadros deve ser considerada, não como lei restritiva verdadeira e própria, mas sim como lei conformadora do conteúdo do direito”.
Também no Acórdão n.º 254/2007 do mesmo Tribunal afirmou-se, na mesma linha, que “o conteúdo constitucional do direito à livre de iniciativa económica privada […] se divide numa dupla vertente. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma atividade económica – direito à empresa, liberdade de criação de empresa – e, por outro, na liberdade de gestão e atividade da empresa – liberdade de empresa, liberdade de empresário, liberdade empresarial (nesse sentido, designadamente, os Acórdãos n.os 187/2001, 348/03 e 289/04 …)” [cf., mais recentemente, no mesmo sentido, ainda, os Acs. do TC n.os 304/2010, 75/2013 e 294/2014], extraindo-se do citado Ac. n.º 75/2013 que “a mera inserção do artigo 61.º no Título relativo a «direitos, sociais e económicos» não o priva de uma certa dimensão de «direito à não intervenção estadual», que é típica dos «direitos, liberdades e garantias» (cf. Acórdãos n.º 187/01 e n.º 304/10). Não se trata, portanto, de um mero «direito à atuação estadual», mas antes de um direito que, em certa medida, exige que o Estado (e os demais poderes públicos) se abstenha(m) de o colocar em causa, mediante intervenções desrazoáveis ou injustificadas. Tal direito fundamental compreende, em si mesmo, uma «vertente decisório/impulsiva», que resulta na faculdade de formação da vontade de prosseguir determinada atividade económica e de lhe dar início, e uma «vertente organizativa», que pressupõe a liberdade de determinar o modo de organização e de funcionamento da referida atividade económica (cf. Acórdãos n.º 358/2005 e n.º 304/2010)”.
Também o Pleno deste STA, no seu acórdão de 09.11.2006 [Proc. n.º 0262/02], afirmou a propósito do direito à livre iniciativa privada “não é um direito absoluto, mas sim um direito que pode ser objeto de limites mais ou menos apertados. A iniciativa privada pressupõe o respeito pelas regras que sectorialmente definem cada atividade económica”, sendo que a mesma “não corresponde a fazer-se o que se quer quando se quer” [vide, igualmente, o Ac. deste STA de 13.12.2018 – Proc. n.º 077/16.7BALSB].
Assim e cientes dos contornos expostos quanto ao direito à livre iniciativa económica privada não se descortina, no nosso juízo, que o quadro normativo em concreto posto em crise envolva a definição de requisitos ou condições que contendam com o disposto nos arts. 17.º, 18.º e 61.º, n.º 1, da CRP.
Desde logo, temos que com a consagração do princípio do “no creditor worse off” procura-se assegurar de uma forma juridicamente incontestável a observância de uma plenitude de proteção da livre iniciativa económica privada no quadro das regras do Estado de Direito, cientes de que, como já afirmado anteriormente, o concreto regime normativo que foi aportado ao RGICSF pelo DL n.º 114-A/2014 em nada inovou a ponto de afetar restritivamente o direito à livre iniciativa económica privada, muito menos o afetando no seu núcleo essencial, e na certeza de que eventuais perdas patrimoniais que possam ser reconduzidas ou produzidas por alegadas limitações ou restrições decorrentes da medida não relevam para efeitos de aferição de uma alegada violação do direito à iniciativa privada, pelo que sem necessidade de mais desenvolvimentos soçobra a pretensa ofensa ao art. 61.º da CRP.
Idêntica conclusão se impõe extrair quanto à alegada inconstitucionalidade por ofensa aos direitos de propriedade [art. 62.º da CRP], nomeadamente de acionistas e de credores subordinados, que se mostra acometida aos regimes normativos aportados ao RGICSF quer pelo DL n.º 31-A/2012 quer também pelo DL n.º 114-A/2014.
Na verdade, no referido comando constitucional enuncia-se a trave-mestra do regime de proteção do direito à propriedade privada, regime este que depois importa ser cotejado e articulado com vários outros preceitos do texto constitucional [cf., entre outros, os arts. 65.º, n.os 2, alínea c) e 4, 82.º, n.º 3, 93.º, n.º 1, 94.º, n.º 2, da CRP], sendo que estamos em presença de direito que, ainda que integrado no Título III relativo aos «direitos e deveres económicos, sociais e culturais», possui uma dimensão de direito “de defesa” e que se apresenta como dotado de uma estrutura complexa, mercê das múltiplas faculdades no mesmo compreendidas, gozando, em algumas das suas dimensões, de equiparação à força jurídica dos direitos, liberdades e garantias [vide o citado Ac. deste STA de 13.12.2018 – Proc. n.º 077/16.7BALSB].
De entre as faculdades e os poderes abrangidos contam-se os de uso e fruição, tanto mais que a titularidade de um bem só se mostra efetiva e ganha sentido se ligada à possibilidade de, no interesse próprio, se poder proceder à utilização livre do mesmo bem.
Ocorre, contudo, que importa ter presente que, logo no plano constitucional, o direito de propriedade não se mostra consagrado como um direito que confere ao seu titular a possibilidade de usar e fruir de modo irrestrito de um bem, sendo que a jurisprudência constitucional vem afirmando, reiteradamente, a «função social» da propriedade [cf., entre outros, os Acs. do TC n.º 322/2000, n.º 138/2003, n.º 148/2005, n.º 127/2013, e n.º 468/2022] e a existência de “uma cláusula legal da conformação social da propriedade” ainda que “a Constituição lhe não faça uma referência textual” [cf., entre outros, os Acs. do TC n.º 187/2001, n.º 421/2009, e n.º 525/2011].
É, assim, que o direito em referência não é garantido tal como já aludido em termos e com valor absoluto, mas dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares do texto constitucional, visto ter de se “compaginar com outros imperativos constitucionais, sofrendo as limitações impostas por estas exigências” [cf. Ac. do TC n.º 345/2009], de harmonia, aliás, com o n.º 1 do art. 62.º da CRP quando se estipula que o aludido direito é garantido “nos termos da Constituição”, sendo que tal garantia “não inclui, só por si, a garantia da liberdade de empresa, pois a Constituição estabelece uma clara distinção entre direito de propriedade e iniciativa económica privada” e que “terá de se considerar que os limites constitucionais estabelecidos para a iniciativa económica privada implicam uma autorização constitucional para as necessárias restrições ao uso e fruição da propriedade” [cf., entre outros, os Acs. do TC n.º 257/92 e n.º 187/2001].
Concluímos, assim, que não foi violado o direito de propriedade [art. 62.º da CRP] atento o concreto regime normativo introduzido pelo DL n.º 114-A/2014 ao RGICSF.
Mas, para além disso, se é certo que não merece discussão que no âmbito da garantia de proteção conferida pelo conceito de “propriedade” inscrito do art. 62.º da CRP se encontram abrangidas quaisquer posições jurídicas patrimoniais, incluindo os “direitos/participações sociais”, bem como a propriedade científica, literária ou artística e outros direitos de valor patrimonial [v.g., direitos de autor, direitos de crédito], e não apenas a propriedade das coisas [mobiliárias e imobiliárias] [cf., entre outros, os Acs. do TC n.º 491/2002, n.º 398/2019, n.º 218/2020, n.º 468/2022, e n.º 695/2022], ressalta, todavia, que o quadro normativo posto em questão nos termos definidos quer pelo DL n.º 31-A/2012 quer pelo DL n.º 114-A/2014 pelo facto de não se mostrar acompanhado da previsão de uma justa indemnização não ofende aquele comando, nem o direito nele garantido.
Com efeito, importa fazer notar, desde logo, de que nem ato impugnado nos autos sub specie, nem o regime normativo do RGICSF ao abrigo do qual o mesmo se mostra produzido e em concreto posto em crise, envolvem para acionistas e credores subordinados uma qualquer extinção do seu direito de propriedade sobre as obrigações e os direitos/participações sociais detidos, tal como, minimamente, não representam uma apropriação forçada daqueles bens.
De notar que, de facto, nem o ato impugnado, nem o concreto quadro normativo, envolvem e corporizam uma expropriação na aceção clássica e estrita do conceito, não sendo legítima a sua qualificação como tal, pelo que presente o disposto n.º 2 do art. 62.º da CRP e aquilo que vem sendo afirmado como “uma relação biunívoca entre expropriação e indemnização”, importa que estejamos cientes de que se todas as expropriações requerem indemnização, já esta pode ser devida ou não e quanto a outro tipo de intervenções que não possam ser qualificadas como tal.
Ora presentes os contornos e decorrências das restrições ou limitações que advêm do ato/medida de resolução e daquilo que constitui o respetivo regime normativo, já supra considerados e analisados, temos que, da ausência de previsão legal no próprio diploma legal de um mecanismo de compensação e reparador de potenciais ou eventuais perdas patrimoniais, não deriva uma violação do direito de propriedade, e, em especial, do disposto no n.º 2 do art. 62.º da CRP.
Não constitui elemento constitutivo da garantia específica do direito de propriedade privada consagrado no n.º 2 do art. 62.º da CRP a exigência, no quadro normativo introdutor da possibilidade de restrição ou de limitação daquele direito, de uma previsão conjunta dum mecanismo indemnizatório [cf. os Acs. do TC n.º 444/2008, n.º 525/2011, n.º 480/2014, n.º 608/2017 e n.º 83/2022], não assumindo uma tal previsão, no juízo de conformidade com o comando constitucional, uma qualquer função ou condição de legitimidade constitucional da medida [vide, também, o já citado Ac. deste STA de 13.12.2018 – Proc. n.º 077/16.7BALSB].
Tal como o TC afirmou no seu Acórdão n.º 480/2014 não pode “entender-se que a concessão da indemnização é condição da sua licitude constitucional”, já que tal só sucederia “se a lei em causa pudesse vir a ser tida, não como lei conformadora da propriedade mas como lei ablativa da mesma, porque geradora para o particular de um sacrifício grave e especial valorativamente idêntico ao previsto pelo instituto que o n.º 2 do artigo 62.º da CRP consagra”, pelo que “nesse caso e só nesse, seria a concessão de uma indemnização a conditio sine qua non da licitude constitucional da medida legislativa”.
Frise-se que o direito ao recebimento de uma indemnização por eventuais prejuízos sofridos não é uma exigência do disposto no art. 62.º, n.º 2, da CRP, mas sim de um princípio geral, do qual este preceito é uma refração, e que se mostra consagrado no art. 02.º, da CRP e de que são também expressão os direitos de indemnização que se mostram previstos ainda nos arts. 22.º, 37.º, n.º 4, 60.º, n.º 1, do mesmo texto constitucional [vide, sobre esta problemática, também, os Acs. do TC n.º 444/2008 e n.º 525/2011].
Atente-se que da constatação de que nalgumas das normas constantes do regime de resolução das instituições de crédito introduzido em 2012 no RGICSF e mantido em 2014 assumem o carácter de normas restritivas de direitos fundamentais, envolvendo restrições, ou intervenções restritivas, ou limitações ao direito de propriedade dos seus acionistas e dos credores da respetiva instituição, daí não deriva que sejam juridicamente configuráveis como intervenções equivalentes ou análogas a expropriação ou de quase expropriação, tanto mais que a medida de resolução prevista legalmente e que foi imposta justifica-se pela necessidade de prevenção dos efeitos diretos/indiretos decorrentes de uma insolvência iminente da instituição de crédito alvo daquela medida, afetando todos os acionistas uniformemente, nada tendo que ver, nem se podendo sequer confundir, ou equiparar, com a situação típica das intervenções restritivas equivalentes a expropriação que se traduzem, diferentemente, na imposição a um particular de um sacrifício anormal e especial.
E mesmo observando sob o prisma do sacrifício imposto e da respetiva não vislumbramos como adequada uma equiparação à expropriação, porquanto, como já referido, através e com a adoção de medidas de resolução não se visa, em si mesmo o desapossamento/apropriação por parte do Estado, a extinção, a privação da titularidade de um direito de propriedade ou o seu esvaziamento, a exemplo do que ocorre e se passa, ao invés, com a expropriação.
Com a adoção de medidas de resolução dirigidas a instituição de crédito estamos ante uma apropriação pública meramente temporária, de uma transferência de ativos e passivos, com a qual funcionalmente se visa promover e concretizar uma liquidação ordenada/controlada daquela instituição, envolvendo ou correspondendo a uma situação de conformação legal da propriedade através da delimitação genérica do seu conteúdo e limites [cf. Ac. do TC n.º 491/2002]
Note-se, ainda, que idêntica conclusão importa extrair mesmo admitindo ou considerando como atos análogos ou equivalentes a expropriação todos os atos legislativos ou administrativos que afetam a substância do direito de propriedade, já que na situação vertente, respeitante à adoção de medidas de resolução, mostra-se como claramente dubitativa a consideração em substância da relevância do valor de uma participação social no capital de uma empresa, in casu de uma instituição de crédito, que já se encontra em situação de insolvência ou na de iminência da mesma de concretizar a curto prazo, visto se apresentar como notoriamente contraditório o considerar-se, por um lado, como seriamente afetada a substância de um direito/participação social quando temos/devemos equacionar, por outro lado, que aquele valor patrimonial ou estava já esvaziado ou se encontrava em risco iminente de tal se vir a materializar.
Aferindo do concreto quadro normativo posto em crise atente-se, desde logo, que o regime normativo aportado ao RGICSF pelo art. 145.º-I, n.º 4 [considerando a redação introduzida pelo DL n.º 31-A/2012 e que se mostra mantida pelo DL n.º 114-A/2014], não significa ou se traduz na negação de um eventual direito dos acionistas a compensação, antes constituindo uma decorrência do próprio regime de resolução, garantindo-se, assim, que não há, afinal, medida equivalente a expropriação da instituição de crédito em liquidação sem a devida compensação, ciente de que este esquema de compensação [residual] dos acionistas, constituindo um instrumento de realização do princípio da igualdade perante os encargos públicos, que não configura a imposição de um sacrifício especial e anormal aos acionistas, integrando, por isso, uma forma de conformação legal da propriedade através da delimitação genérica do seu conteúdo e limites, sem que, com isso, resulte ofendido o direito à propriedade privada tal como o mesmo se mostra garantido pelo art. 62.º da CRP.
E quanto ao que deriva do demais quadro normativo em crise, mormente inserto nos arts. 145.º-C, 145.º-G, n.os 1 e 2, 145.º-H do RGICSF/2012 e dos arts. 145.º-B, n.os 1, als. a) e c), e 3, 145.º-H do RGICSF/2014, impõe-se chegar, de harmonia com o atrás exposto, a idêntica conclusão, tanto mais que este novo regime jurídico se, por um lado, trouxe inovadoramente para as instituições de crédito a previsão de um processo de liquidação com o qual se tenta a sua “salvação”, por outro lado, mantém-se a hierarquização dos créditos e das consequências patrimoniais que hipoteticamente resultariam daquela liquidação para acionistas, credores ou potenciais credores, com a afirmação e enunciação de um princípio da responsabilização financeira principal [de acionistas e sujeitos/entes equiparados] decorrente da sua responsabilidade pela situação de insolvência a que a instituição financeira chegou, impondo-lhes um sacrifício patrimonial, justo, equilibrado e adequado, já que o ressarcimento dos seus direitos patrimoniais sobre a instituição fica dependente da existência de um saldo positivo no fim da operação de liquidação.
De referir, ainda, que a situação de alegada perda de direitos patrimoniais invocada por acionistas e credores como sendo em decorrência da medida de resolução imposta e do regime normativo na qual a mesma se estriba se apresenta como insubsistente já que tal alegada perda não será uma consequência direta da medida de resolução, mas antes do que foram as suas ações/omissões conducentes ou que contribuíram para a situação de risco de iminente insolvência/liquidação da instituição de crédito, situação essa que constitui pressuposto da medida de resolução, ou do risco assumido, em vista dos benefícios que, em situação normal obteriam da sua posição.
É que com a medida resolução visa-se, no fundo e a seu modo, promover e assegurar realização do princípio da igualdade perante os encargos públicos, já que, de um lado, procura-se manter a instituição financeira a funcionar regularmente, realizando-se o próprio interesse público na garantia da estabilidade do sistema financeiro e na prevenção do risco de contágio sistémico minimizando impactos [na economia e, nomeadamente, nos depositantes, bem como na vida, no bem-estar e nos direitos fundamentais de milhões de pessoas/empresas], e, do outro lado, chama-se à primeira linha de responsabilização todos aqueles que deram causa aos prejuízos e/ou que, objetivamente, são responsáveis pela situação financeira a que chegou a instituição de crédito a ponto de ter de ser adotada a medida de resolução, responsabilização essa hierarquicamente ordenada.
Daí que, ante tudo o atrás motivado, não resulta ofendido pelo regime normativo da medida de resolução abstratamente previsto, nem pelo ato impugnado, o direito à propriedade privada tal como o mesmo se mostra garantido pelo art. 62.º da CRP, soçobrando, nessa medida, a inconstitucionalidade suscitada e o acometido erro de julgamento.
Passando, agora, à análise da invocação da pretensa inconstitucionalidade decorrente da ofensa do princípio da igualdade refira-se, desde já, que também a mesma se revela como claramente insubsistente, sendo de improceder os acometidos erros de julgamento.
Cotejando os preceitos constitucionais resulta do art. 13.º, sob a epígrafe de «princípio da igualdade», que “[t]odos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” [n.º 1] e que “[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” [n.º 2], sendo que “[o]s órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé” [art. 266.º, n.º 2, da CRP].
E deriva, por seu turno, do n.º 1 do art. 05.º do CPA/91, sob a epígrafe de «princípios da igualdade e da proporcionalidade”, que “[n]as suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.
O princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente e que o mesmo se manifesta não só na proibição de discriminações arbitrárias e irrazoáveis ou diferenciadas em função de critérios meramente subjetivos, mas também na obrigação de diferenciar o que é objetivamente diferente, constituindo o mesmo um comando que, com diferentes graduações, vincula legislador e Administração, cientes de que o princípio não exige uma igualdade absoluta, em abstrato.
É certo que quanto a esta, no âmbito do exercício de poderes discricionários, o princípio da igualdade impende sobre a Administração, exigindo a esta a utilização de critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sob pena de total desrazoabilidade, falta de justificação e aceitabilidade, e consequente infração do mesmo princípio e comandos constitucionais que o afirmam, sendo que no quadro do exercício de poderes estritamente vinculados o referido princípio reconduz-se a uma questão de mera ilegalidade, estando a Administração subordinada à lei, não podendo deixar de cumpri-la nas suas várias vertentes.
Ora na situação que cumpre analisar temos que pese embora na redação do art. 145.º-B, n.º 1, do RGICSF/2012 se afirmar que “os acionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa” isso não significa que o legislador os tivesse equiparado ou igualado em termos absolutos, já que como resulta do ali demais previsto sempre seria necessário, como referido já anteriormente, que a seguir a chamada de uns e de outros fosse feita segundo alguma ordem de prioridades [na terminologia do próprio legislador “de acordo com a respetiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores”], prioridades que os distinguem, inexistindo, nessa medida, um tratamento igualitário de situações que seriam absolutamente desiguais, presente que será de acolher a motivação que se mostra explicitada no acórdão recorrido justificadora da natureza da situação dos credores obrigacionistas e também da sua responsabilização no contexto.
Daí que quando no DL n.º 114-A/2014 explicitou a opção por uma ordem de prioridades que “sobrecarrega” os acionistas da instituição de crédito, colocando-os na primeira prioridade, face aos credores da mesma instituição que figuram na segunda, tal opção mostra-se como razoável, atendível e encontra justificação na diferente situação dos sujeitos em presença, retirando-lhe, no mínimo, o caráter não arbitrário de uma tal opção, cientes de que, se é certo que necessariamente teria de existir uma hierarquização até para observar as exigências do princípio da igualdade, a escolha feita para além de não ostensivamente arbitrária, mostra-se em linha, ou inteira sintonia, com os objetivos e opções político-legislativas enunciadas pelo DL n.º 114-A/2014 e, bem assim, também com a ordenação de prioridades acolhida na Diretiva 2014/59/UE, em que existe também uma diferença de tratamento entre os acionistas e os credores, já que estes últimos respondem apenas subsidiariamente pelos prejuízos decorrentes da medida de resolução em relação aos primeiros, sendo que ambos acabam por beneficiar do limite da cláusula que proíbe um tratamento mais desvantajoso do que aquele que resultaria de uma situação de insolvência.
Frise-se que do regime jurídico da liquidação e da insolvência já resultava esta diferença de tratamento em virtude de estarmos ante detentores de capital e de credores, o que significa que a consagração expressa desta diferença de tratamento, nomeadamente pelo DL n.º 114-A/2014, não possuirá sequer conteúdo inovador.
E não tendo sido com o DL n.º 114-A/2014 que veio a ser introduzido no RGICSF a medida de recapitalização interna [“bail-in”] não era, por isso, imediatamente exigível a ampliação do âmbito de aplicação do princípio do “no creditor worse off” aos acionistas, tendo sido nesse circunstancialismo que, também quanto a este princípio, o legislador em 2014 procedeu apenas a uma transposição parcial da Diretiva 2014/59/UE, mediante a garantia da sua aplicação aos credores, nada referindo quanto aos acionistas.
Por tudo o exposto, não contrariando o quadro normativo em crise do RGICSF o disposto nos arts. 13.º, 17.º, 18.º, 61.º e 62.º da CRP soçobram as invocadas inconstitucionalidades, pelo que o ato impugnado, considerando os seus termos e enquanto fazendo aplicação do mesmo regime, não padece das apontadas ilegalidades/inconstitucionalidades, não o infringindo, impondo-se, em decorrência, manter o decidido nos termos aqui ora explicitados.
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E. Carência de base legal da medida de resolução em consequência das inconstitucionalidades
Alegam as AA. recorrentes que em consequência das inconstitucionalidades alegadas do regime da medida de resolução constante do RGICSF é de concluir que ficou sem base legal a medida de resolução aplicada ao banco intervencionado.
Ora não ocorrendo as inconstitucionalidades alegadas impõe-se, como concluído já supra, no sentido da total improcedência deste fundamento recursivo por pretensa carência de base legal daquela deliberação do BdP impugnada.
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F. Violação do princípio da proporcionalidade
Alega a recorrente Massa Insolvente T…, SA que o acórdão recorrido do TAC/LSB julgou desacertadamente o fundamento impugnatório acometido ao ato impugnado, por não ter verificado as hipóteses alternativas à medida de resolução menos gravosas – designadamente, recapitalização privada ou pública -, pois que, se assim fosse, teria concluído pela violação do princípio da proporcionalidade na aplicação da medida de resolução.
E que o quadro normativo invocado [mormente o constante dos arts. 145.º-C, 145.º-G, n.os 1 e 2, 145.º-H e 145.º-I, n.º 4, do RGICSF/2012 e dos arts. 145.º-B, n.os 1, als. a) e c), e 3, 145.º-H do RGICSF/2014] se mostra ofensivo do princípio da proporcionalidade.
O recorrido BdP contra-alegou sustentando também a improcedência deste fundamento recursivo.
Entendeu-se no acórdão recorrido que: «cumpre compreender que, não obstante o esforço que as autoras despendem na demonstração de um conjunto de soluções hipotéticas, estas não passam disso mesmo, meras hipóteses alternativas que não logram demonstrar que os pressupostos da concreta medida de resolução aplicada não se verificavam a 3 de Agosto de 2014. Por outro lado, a comparabilidade com outras soluções de planos de restruturação ocorridos noutras instituições de crédito, não se vislumbra sequer relevante como um cenário alternativo, pois que não é demonstrado, na data da aplicação da medida de resolução, que a situação do Banco 1… e toda a conjuntura económica e financeira que se verificou nas outras instituições fosse sequer semelhante. É que avançar hipóteses de “soluções” que se poderiam ter alcançado, em raciocínios hipotéticos alternativos, que não passam de uma mera álea, cujos efeitos futuros seriam também desconhecidos, e que de nada vale para os propósitos da estrita análise, que é jurídica, da validade da deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, que aplicou ao Banco 1… uma medida de resolução».
Então vejamos.
O princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público ancorado no princípio geral do Estado de Direito, mostra-se erigido como princípio com dignidade constitucional [cf., v.g., os arts. 18.º e 266.º, n.º 2, da CRP] e aplica-se a todas as espécies de atos emanados dos poderes públicos, constituindo padrão de aferição da razoabilidade da atuação/decisão em termos da sua ponderação, da sua calculabilidade e mensurabilidade, da racionalidade de fins prosseguidos e dos meios empregues.
Encontrava-se igualmente concretizado na lei ordinária no n.º 2 do art. 05.º do CPA/91, aí se estipulando que “[a]s decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar”.
Analiticamente desdobra-se, em termos da ideia valorativa central, em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos, ou seja, a adequação das medidas aos fins [princípio da conformidade ou adequação de meios], a necessidade das medidas [princípio da necessidade] e o equilíbrio ou «justa medida» [princípio da proporcionalidade em sentido estrito], impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projetada ação aos fins pretendidos e não adotar medidas que se revelem desadequadas, desnecessárias ou excessivamente restritivas.
Ora, não se vislumbra nem que medida de resolução, nem que o respetivo quadro normativo em que se sustentou, envolva uma violação do princípio da proporcionalidade.
Desde logo, no plano do quadro normativo não se descortina qualquer ofensa daquele princípio, porquanto quanto ao regime de resolução e finalidades através do mesmo prosseguidas [garantia da estabilidade financeira, prevenção do risco sistémico e segurança dos depositantes sem recurso a dinheiros públicos dos contribuintes] temos que, por um lado, a medida se mostra apta/adequada aos fins pretendidos/prosseguidos com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos [princípio da conformidade ou adequação de meios], que, por outro lado, não se descortina existir uma qualquer outra alternativa para o legislador que, comparativamente, se mostrasse como igualmente eficaz na realização daqueles objetivos/finalidades e ainda assim fosse menos restritiva dos direitos fundamentais lesados [princípio da exigibilidade ou da necessidade], e nem de que a mesma se revele como excessiva, injusta, por descalibrada com os fins prosseguidos atendendo mormente à magnitude da importância dos benefícios que se procuram atingir que tornam os sacrifícios impostos como não sendo manifestamente desproporcionados [princípio da proporcionalidade em sentido estrito].
E mesmo adotando uma metodologia de controlo sustentada no princípio em causa com apelo à comparação dos efeitos potencialmente produzidos pelo regime de resolução aplicado quando comparados com os efeitos análogos que se teriam sido produzidos se a instituição de crédito em crise resolvida tivesse sido sujeita ao regime comum de insolvência/liquidação anteriormente vigente a idêntica conclusão chegamos.
Com efeito, a alternativa aportada pelo regime de resolução apresenta-se como clara e indiscutivelmente preferível já que a aplicação/sujeição ao regime comum de insolvência não produziria, na perspetiva da avaliação dos benefícios, um qualquer acréscimo marginal positivo, pois, por um lado, não só os efeitos da alternativa da resolução se mostram como claramente favoráveis para todo os credores cujas situações/posições tivessem sido salvas pela autoridade de resolução com a sua transferência para uma instituição de crédito de transição ou com a sua alienação a um sujeito/ente privado, como, por outro lado, a vantagem substancial desequilibradora operada na prossecução do interesse público subjacente com o assegurar e o realizar das garantias de continuidade da atividade bancária, da estabilidade financeira e da prevenção do risco sistémico considerando o papel/peso detido pelas instituições de crédito alvo.
Assim, na perspetiva da observância do princípio da proibição do excesso, não resultando, nem se apresentando como demonstrado, que com a instituição e a aplicação do regime de resolução alguém fique em pior situação do que aquela em que ficaria/estaria se e com a aplicação do regime comum de insolvência, e sendo que os interesses públicos de garantia prosseguidos, da maior importância, magnitude e relevância, bem como o dos depositantes, ficam substancial e significativamente favorecidos, temos que naufraga a alegação de inconstitucionalidade por ofensa do princípio da proporcionalidade [art. 18.º da CRP] e, bem assim, a pretensão impugnatória assim estribada.
Convoque-se como acréscimo motivacional no sentido da total improcedência da alegação de ofensa ao princípio da proporcionalidade o entendimento firmado pelo TC no seu Acórdão n.º 391/2002 quando, apreciando pretensa ofensa do princípio em referência no quadro de normativo inserto do então denominado Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, afirmou com pertinência para o caso vertente que “cabe realçar que a alienação forçada de participações sociais, contra a qual a recorrente se insurge, constitui, no âmbito da recuperação económica de uma qualquer empresa uma medida que visa possibilitar a viabilidade financeira da empresa e, nessa medida, assegurar os postos de trabalho de quem na empresa exerce a sua atividade profissional, garantir os investimentos já realizados e, em última análise, permitir a subsistência da recorrida como agente relevante e atuante no mercado económico e empresarial nacional” e de que “consequentemente, a não concretização do plano de recuperação da empresa, nomeadamente da medida de alienação parcial de participações, comprometendo a própria estratégia de viabilização económica da empresa recorrida, com todas as consequências sociais, financeiras e políticas inerentes, repercute-se também na esfera dos detentores das participações sociais cuja alienação se pretende, na medida em que a falência da empresa implica, necessariamente, a desvalorização das participações dos sócios, isto é, dos direitos cuja tutela agora é reclamada”, cientes de que a “tutela constitucional do direito à propriedade não significa, porém, que o legislador não possa consagrar em determinados casos limitações ou restrições a esse direito”, pelo que na se “perspetiva dos titulares das ações que irão ser alienadas, estão em causa naturalmente os respetivos interesses patrimoniais que se concretizam nos direitos inerentes a essa titularidade. É assim afetada uma dimensão do direito de propriedade (o facto de estarem em causa participações sociais não colide com tal afirmação …). Mas a afetação de uma dada dimensão do direito de propriedade – direito esse de resto economicamente menos valorizado pela falência da empresa – ocorre para salvaguardar, como se mencionou, a subsistência de uma unidade produtiva relevante no mercado empresarial, de postos de trabalho e, em última instância, de um fator de desenvolvimento regional e, nessa medida, nacional”, razão pela qual “em face destes fatores de ponderação, há que concluir pela não inconstitucionalidade da norma em questão”, já que “na verdade, o sacrifício solicitado aos titulares das participações sociais alienadas é adequadamente justificado no plano constitucional pela relevância dos valores salvaguardados com a medida, nomeadamente os inerentes à viabilização de um agente económico, à preservação de postos de trabalho e à manutenção de uma unidade produtiva no mercado nacional …”, cabendo “ainda sublinhar mais uma vez que a procedência da tese da recorrente traduzir-se-ia numa desvalorização significativa das participações sociais, uma vez que seria inviabilizado o plano de recuperação da empresa […], podendo mesmo ficar definitivamente comprometida a possibilidade de recuperação do capital investido. Assim, e de acordo com esta perspetiva, a não concretização da alienação, impedindo a recuperação económica da empresa, implicaria uma afetação do próprio direito de propriedade dos titulares das ações (no caso, o seu valor económico), uma vez que estes passariam a ser titulares de participações numa empresa falida”.
No plano da legalidade do ato impugnado temos que também terá de ser julgada improcedente a pretensa infração do princípio da proporcionalidade já que, vista a factualidade que resulta apurada, os pressupostos da ativação do mecanismo da resolução mostram-se integralmente preenchidos, já que a instituição não cumpria os requisitos para a manutenção de autorização para o exercício da respetiva atividade [artigo 145.º-C, n.º 1 do RGICSF], considerando os critérios previstos no n.º 3 do referido art. 145.º-C, não apresentando como minimamente expectável ou verosímil que se viesse lograr conseguir, num prazo adequado, executar as ações necessárias para regressar às condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais [artigo 145.º-C, n.º 2], pelo que demonstrada a incapacidade de o Banco 1…, SA poder, por si, vir a recuperar as condições para operar a intervenção pública do BdP impunha-se não só como adequada, mas como mandatória/necessária.
Importa atentar que na economia do quadro normativo vigente que importa equacionar e considerar e uma vez fracassada uma solução alternativa no seio da própria instituição de crédito e/ou com recurso a outros sujeitos/entes privados [nomeadamente, um aumento de capital pelos acionistas ou por terceiros que seja suficiente para repor integralmente a viabilidade da instituição], a única alternativa detida pelo BdP e que estava no quadro das suas competências e com que pode ser feito o juízo jurídico comparativo para efeitos de aferição da proporcionalidade da medida de resolução é com a entrada em insolvência/liquidação e já não com a injeção de fundos/dinheiros públicos, através da recapitalização pública [resgate/nacionalização], visto esta não corresponder a uma qualquer obrigação, mas, quando muito, a um juízo de oportunidade política alheio às atribuições, funções e competências do BdP, tanto mais que era e é apenas ao Governo a quem cabe e compete decidir se o Estado resgata ou não uma instituição de crédito que esteja em dificuldades.
De harmonia com tudo o exposto e sem necessidade de outros considerandos e/ou desenvolvimentos impõe-se concluir no sentido da total improcedência da alegação de ofensa do princípio da proporcionalidade que se mostra invocada, soçobrando, por conseguinte, o acometido erro de julgamento, com decorrente da manutenção do julgado nos termos aqui fundamentados.
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G. Violação do direito da União Europeia e da CEDH
1 – Sustentam as recorrentes que a decisão recorrida viola o direito da União Europeia dada a infração do direito de propriedade [arts. 17.º CDFUE e 1.º do Protocolo Adicional n.º 1 à CEDH] e do princípio da proporcionalidade.
Para tanto alegam que à luz dos princípios reconhecidos pelo direito da UE qualquer restrição ao direito de propriedade tem de ser justificada por razões de utilidade pública, ser adotada nos casos e condições previstos por lei, ser compensada por justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil, e observar o princípio da proporcionalidade.
E que o regime de salvaguarda de credores previsto no artigo 145.º-B, n.º 3 do RGICSF, inserido pelo DL n.º 114-A/2014, não cumpre o disposto na Diretiva 2014/59/UE na medida em que “(i) não prevê a realização de duas avaliações separadas; (ii) não prevê obrigações de celeridade da avaliação (iii) determina que o pagamento aos credores da diferença que haja sido apurada em sede de avaliação deve ser efetuado apenas após o encerramento da liquidação da instituição objeto da medida de resolução.”
Sendo que, de qualquer forma o processo que rodeou a medida de resolução pelo Banco de Portugal afetou incontornavelmente a possibilidade de os acionistas serem colocados na situação em que se encontrariam caso tivesse havido liquidação total da instituição financeira objeto da medida de resolução.
E essa falta de proteção dos acionistas do benefício decorrente do recebimento do eventual remanescente do produto da alienação da instituição de transição à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente, tal como previsto no n.º 4 do artigo 145.º-I do RGICSF, não se aproxima da que resultaria da aplicação do princípio “no creditor worse off” aos acionistas, pelo que foram violados os direitos de propriedade e do princípio da proporcionalidade.
Para além disso a transposição parcial realizada pelo referido DL incumpre as obrigações decorrentes dos arts. 04.º, n.º 3 e 288.º do TFUE, devendo o regime inserto nos arts. 145.º-A a 145.º-O do RGICSF, por violador do Direito da UE ser totalmente afastado por força do primado do direito da UE.
O Recorrido BdP contra-alegou dizendo a este respeito que: «(.) como se viu e resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (que se citou), em 1 de Agosto de 2014 o legislador português não tinha de ter transposto qualquer das disposições da Directiva para a ordem jurídica nacional, não produzindo elas, então, efeito directo (.) por outro lado, é plenamente admissível a transposição parcial, por etapas, de uma directiva, ainda antes do termo do prazo da respectiva transposição, sem que, quando isso suceda, passe a mesma a produzir efeito directo, muito menos em relação a tudo o que nela se dispõe. (.) entre os objectivos e finalidade primordiais estabelecidos expressamente na Directiva 2014/59/UE, que acima se enunciaram, não se encontra, nem sequer indirecta ou enviesadamente, qualquer um respeitante à necessidade europeia de protecção compensatória de instituições de crédito resolvidas e dos respectivos accionistas (.) o facto de no Decreto-Lei n.º 114-A/2014 não se prever o pagamento de eventuais compensações aos bancos resolvidos e aos seus accionistas não compromete a realização futura dos objectivos da referida Directiva».
O acórdão do TAC recorrido disse a este propósito que: «Antes de mais, cumpre compreender, como já referimos que, à data da propositura da presente acção, qualquer invocação de falta de transposição da Directiva 2014/59/UE, é intempestiva, na medida em que o seu prazo de transposição para os Estados-Membros se encontrava fixado até 31 de Dezembro de 2014 (.) a falta de menção da categoria dos accionistas no mecanismo de salvaguarda introduzido com o Decreto-Lei n.º 114-A/2014 irreleva no quadro em apreciação visto que, àquela data, não terminara o prazo para a transposição, sendo certo que a Lei 23-A/2015, que efectivamente procede à transposição total da Directiva, já contempla a abrangência dos accionistas, no âmbito do princípio “no creditor worse off” (.). Por outro lado, há também que compreender que, no direito da União Europeia, nada impede que a transposição de uma directiva, por parte dos Estados-Membros, seja feita de forma faseada e progressiva, sendo o mais relevante que durante o prazo em que decorra essa transposição os Estados-Membros não adoptem medidas contrárias aos objectivos fixados pela Directiva, conforme decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (.). […] Mas o Tribunal foi mais longe, e pronunciou-se também sobre o direito à compensação dos accionistas, tendo entendido que o interesse público prosseguido com a medida de nacionalização do banco, nomeadamente a protecção de um sector-chave da economia nacional, justificava a decisão da autoridade de resolução de não compensar os accionistas. […] Ora, considerando as razões que subjazem à aplicação da medida de resolução ao Banco 1…, já supra expostas, bem como o mecanismo de compensação já supra referido, introduzido com o Decreto-Lei n.º 114-A/2014, verifica-se inexistir violação…pois que a “compressão” dos direitos de propriedade das autoras, se encontra plenamente justificada…».
Passando à análise deste fundamento de recurso temos que a emergência do Direito da União, que, nos termos do art. 08.º, n.º 4, da CRP, vigora automaticamente na nossa ordem jurídica interna, impôs uma alteração do paradigma do nosso sistema e regime jurídico, até por força, designadamente, dos princípios comunitários da primazia do Direito da União, da lealdade e da interpretação conforme aos Tratados e às normas jurídicas da União.
Conforme vem sendo reiteradamente afirmado pelo TJUE do primado do direito da União sobre o direito nacional decorre a recusa de aplicação do direito nacional incompatível com o direito da UE, a supressão ou reparação das consequências de um ato nacional contrário ao direito da União e a obrigação dos Estados-Membros o fazerem respeitar, o princípio do efeito direto das normas europeias, o princípio da interpretação conforme e o princípio da responsabilidade do Estado por violação das obrigações europeias.
Em consonância com o princípio da interpretação conforme ou compatível com o Direito da União, o intérprete e aplicador do direito nacional devem atribuir às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições europeias, sendo que a “obrigação de interpretação conforme do direito nacional exige que o órgão jurisdicional nacional tome em consideração todo o direito nacional para apreciar em que medida este pode ser objeto de uma aplicação que não conduza a um resultado contrário ao direito da União” [cf., entre outros, Acs. do TJUE de 13.11.1990 («Marleasing SA», C-106/89), de 04.07.2006 («Adeneler», C-212/04), de 28.07.2011 («Samba Diouf», C-69/10), de 5.9.2012 («Lopes da Silva Jorge», C-42/1), de 28.7.2016 («JZ», C-294/16 PPU), de 24.06.2019 («(ver documento original)», C-573/17), de 12.05.2021 («technoRent International e o.», C-844/19), e de 13.10.2022 («HUMDA», C-397/21)], impondo-se aos órgãos jurisdicionais nacionais que façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração o direito interno, considerado no seu todo, e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena efetividade dos normativos do Direito da União que estejam em causa e chegar a uma solução conforme com a finalidade pelos mesmos prosseguida, cientes de que “o princípio da interpretação conforme do direito nacional está sujeito a certos limites”, pois “a obrigação que incumbe ao juiz nacional de se reportar ao conteúdo do direito da União quando interpreta e aplica as regras pertinentes do direito interno está limitada pelos princípios gerais do direito, incluindo o princípio da segurança jurídica, e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional” [cf., entre outros, Acs. do TJUE de 12.05.2021 («technoRent International e o.», C-844/19), de 30.6.2022 («IR», C-105/21), e de 13.10.2022 («HUMDA», C-397/21)].
Ora as questões que se mostravam suscitadas nos autos em torno da violação do direito da UE vieram a ser objeto de pedido de reenvio junto do TJUE, tendo o pedido corrido termos naquele Tribunal sob o processo C-83/20 e que culminou com o acórdão de 05.05.2022 daquele Tribunal, supra citado, onde se decidiu responder ao referido pedido declarando que:
«1) O artigo 17.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional aplicável no contexto de uma medida de resolução, que permite, em princípio, assegurar a neutralidade económica desta medida de resolução e que consiste na criação de uma instituição de transição e instrumento de segregação de ativos, que não preveja, expressamente numa disposição:
– a realização de uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e dos passivos da instituição objeto da medida de resolução em momento prévio à sua adoção;
– o pagamento de uma eventual contrapartida, em função da avaliação mencionada no travessão anterior, à instituição objeto de resolução ou, consoante o caso, aos titulares das ações ou de outros instrumentos de propriedade;
– que os acionistas da instituição objeto da medida de resolução têm o direito a receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência, prevendo tal mecanismo de salvaguarda apenas para os credores cujos créditos não tenham sido transferidos; e
– uma avaliação, independente da avaliação referida no primeiro travessão, destinada a avaliar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a instituição objeto de resolução tivesse entrado em processo normal de insolvência.
2) A transposição parcial por um Estado-Membro, para uma legislação nacional relativa à resolução de instituições de crédito, de certas disposições da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, antes de expirado o prazo de transposição desta última não é, em princípio, suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito pela referida diretiva, na aceção do Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter-Environnement Wallonie (C-129/96, EU:C: 1997:628)».
Presente a interpretação que se mostra firmada pelo TJUE no citado acórdão, interpretação que aqui se acolhe, tanto mais que vinculativa para este órgão jurisdicional de reenvio como, aliás, valendo como “precedente vinculativo” para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da UE, temos que, em consonância com os princípios da lealdade, do primado e da interpretação conforme, resulta insubsistente a argumentação expendida pelas AA./recorrentes quanto aos erros de julgamento acometidos à decisão recorrida e, em consequência, improcedente a pretensão anulatória dirigida ao ato impugnado enquanto estribada na alegada violação do quadro normativo e principiológico do direito da UE aludido.
Com efeito, soçobra, desde logo, toda argumentação expendida pela recorrente A./Massa Insolvente da T…, SA, e assente na deficiente e/ou parcial transposição da Diretiva 2014/59/UE e do seu comprometimento ante a publicação e alteração operada no quadro do direito nacional pelo DL n.º 114-A/2014 com decorrente violação do direito da UE.
Tal como afirmou neste âmbito o TJUE no seu acórdão de 05.05.2022 [C-83/20, §§ 22 a 24, 63 a 74] constitui jurisprudência constante que “antes de expirar o prazo de transposição de uma diretiva, os Estados-Membros não podem ser acusados de ainda não terem adotado medidas de implementação desta diretiva para a sua ordem jurídica” e de “que uma diretiva só pode ter efeito direto após expirar o prazo fixado para a sua transposição na ordem jurídica dos Estados-Membros”, razão pela qual e transpondo tal entendimento para o concreto julgamento da situação sub specie “as recorrentes no processo principal não podem invocar perante o órgão jurisdicional de reenvio os artigos 36.º, 73.º e 74.º da Diretiva 2014/59, porque estas disposições não são aplicáveis ao litígio no processo principal”, ou seja, tal quadro normativo não constitui parâmetro ou padrão válido de compatibilidade para aferição da conformidade/legalidade da legislação nacional vigente à data dado o efeito direto de uma diretiva operar apenas com o término do seu prazo de transposição, impondo-se concluir que como “o prazo de transposição da Diretiva 2014/59, que entrou em vigor em 2 de julho de 2014, expirou em 31 de dezembro de 2014, … a República Portuguesa não pode ser acusada de na data em que foi adotada a Medida de Resolução, isto é, em 3 de agosto de 2014, não ter adotado medidas de implementação desta diretiva na sua ordem jurídica”.
E, de seguida, afirma aquele Tribunal que pese embora incumbir “ao órgão jurisdicional nacional apreciar se as disposições nacionais cuja legalidade é contestada são suscetíveis de comprometer seriamente o resultado prescrito por uma diretiva […], sendo que tal verificação deve ser necessariamente conduzida com base numa apreciação global, tendo em conta o conjunto das políticas e das medidas adotadas no território nacional em causa”, resulta, todavia, que lhe assiste competência “para se pronunciar sobre a questão de saber se a transposição parcial por um Estado-Membro de certas disposições de uma diretiva antes de expirado o seu prazo de transposição é, em princípio, suscetível de comprometer seriamente a realização o resultado prescrito por essa diretiva”, sendo que o mesmo “já declarou que os Estados-Membros dispõem da faculdade de adotar disposições transitórias ou de dar execução a uma diretiva por etapas. Nestas hipóteses, a não conformidade de disposições transitórias do direito nacional com essa diretiva ou a não transposição de determinadas disposições da diretiva não compromete obrigatoriamente o resultado nela prescrito (Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter-Environnement Wallonie, C-129/96 …)” visto que “há que considerar, nessas hipóteses, que tal resultado poderia sempre ser alcançado através da transposição definitiva e completa da referida diretiva nos prazos fixados”, para além de que “a obrigação de abstenção a que o Tribunal de Justiça se referiu, nomeadamente no n.º 45 do Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter-Environnement Wallonie (C-129/96, …), deve ser entendida no sentido de que visa a adoção de qualquer medida, geral e específica, suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito pela diretiva em causa”, pelo que “quando a adoção de uma medida por um Estado-Membro vise transpor, ainda que parcialmente, uma diretiva da União e essa transposição tenha sido corretamente efetuada, não se pode considerar que a adoção de semelhante medida parcial de transposição é suscetível de produzir esse efeito negativo, uma vez que esta opera necessariamente uma aproximação entre a legislação nacional e a diretiva que aquela legislação transpõe e contribui, dessa forma, para a realização dos objetivos dessa diretiva”, daí derivando que “a transposição, meramente parcial, por um Estado-Membro, de certas disposições de uma diretiva antes de expirar o seu prazo de transposição não é, em princípio, suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito por essa diretiva”.
Do assim considerado ressalta, desde logo, que em termos abstratos, no plano dos princípios, não se tem como suscetível de comprometer seriamente a realização do resultado prescrito pelas disposições em crise da Diretiva 2014/59/UE que a transposição haja sido realizada parcialmente e antes de se mostrar expirado o prazo de transposição.
E a idêntica conclusão chegamos na apreciação realizada quanto às disposições nacionais produzidas no quadro da transposição parcial efetuada pelo DL n.º 114-A/2014 e cuja conformidade/legalidade é contestada ou se mostra posta em crise.
Na verdade, impondo-se uma verificação por parte do órgão jurisdicional nacional dessa conformidade/legalidade e de que esse juízo deve ser necessariamente conduzido com base numa apreciação global, tendo em conta o conjunto das políticas e medidas adotadas no território nacional em causa, temos que, como assinala o TJUE no acórdão proferido no quadro do pedido de reenvio, que cada Estado-Membro [in casu o Estado Português] dispõe da faculdade de dar execução à referida Diretiva por etapas, bem como de adotar disposições transitórias, sem que isso possa comprometer obrigatoriamente o resultado por ela prosseguido/prescrito, visto, nessas hipóteses, tal resultado poderá vir a ser alcançado com e através da transposição definitiva e completa quando realizada nos prazos pela mesma fixados [cf. ainda, entre outros, os Acs. do TJUE de 18.12.1997 («Inter-Environnement Wallonie, C-129/96), de 26.05.2011 («Stichting Natuur en Milieu e o.», C-165/09 a C-167/09), de 11.09.2012 («Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o.», C-43/10)].
Ora a legislação nacional produzida em matéria de resolução bancária, em especial a constante do DL n.º 114-A/2014, aportava/aporta soluções que, visando a transposição ainda que parcial da Diretiva 2014/59/UE, não só com a mesma não conflituam minimamente, não pondo sequer em causa aquilo que são os seus objetivos e propósitos, como, aliás e ao invés, constituem um seu desenvolvimento e com a mesma se mostram consonantes/conformes, antecipando a produção de alguns dos efeitos no quadro normativo nacional, mormente, em sede de previsão do princípio “no creditor worse off”, bem como mediante a imposição de uma avaliação/estimativa de recuperação de créditos num cenário de liquidação do banco no momento anterior à resolução [cf. arts. 145.º-B e 145.º-H do RGICSF/2014].
De notar que pelo simples facto de a legislação nacional vigente à data da medida de resolução não corresponder total e integralmente àquilo que era o regime previsto na Diretiva 2014/59/UE isso não significa, nem muito menos implica, que aquela legislação comprometesse ou fosse suscetível de comprometer seriamente aquilo que eram os pretendidos resultados ou objetivos a prosseguir pela mesma, tanto mais que tal legislação continha previsões através das quais se mostravam garantidos, nomeadamente os interesses dos acionistas da instituição de crédito [cf. art. 145.º-I do RGICSF/2014].
Assim, assiste aos mesmos a possibilidade de intentarem uma ação indemnizatória contra o Estado ante uma eventual hipótese que venha a ser demonstrada de que a medida de resolução os colocou numa situação pior daquela em que se encontrariam no âmbito de liquidação em processo de insolvência.
E, por outro lado, acolhendo-se e secundando-se o afirmado pelo Advogado-Geral nas conclusões produzidas no processo C-83/20 a propósito do quadro normativo respeitante às avaliações a desenvolver temos que “o artigo 145.º-H, n.º 4, do RGICSF, conforme alterado em 2014, previa que a avaliação independente a realizar por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal devia incluir igualmente uma estimativa, reportada ao momento da transferência, do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida por lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução”, sendo que “[e]sta estimativa devia ser efetuada tendo em consideração o princípio «no creditor worse off», expresso no artigo 145.º-B, n.º 1, alínea c), do RGICSF (exclusivamente) a favor dos credores” e que “esta avaliação correspondia, em grande parte, à avaliação prevista no artigo 74.º da Diretiva 2014/59“, para além de que “[d]iferentemente do artigo 74.º da Diretiva 2014/59, a disposição nacional não prevê que as duas avaliações [a referida na alínea a) e a referida na alínea d) da primeira questão prejudicial, correspondentes respetivamente às referidas nos artigos 36.º e 74.º da Diretiva 2014/59] devessem ser distintas” e “a legislação nacional não proibia que fossem efetuadas de forma distinta”.
De tudo o exposto, decorre que a legislação nacional em crise não comprometeu, nem se mostra suscetível de comprometer seriamente a realização do “resultado prescrito” pela Diretiva 2014/59/UE.
Mostra-se, por outro lado, como igualmente improcedente a alegada violação do direito da UE, mormente dos arts. 17.º da CDFUE, 01.º do Protocolo Adicional n.º 1 à CEDH, 36.º, 73.º, 74.º, 130.º e 131.º da Diretiva 2014/59/UE, que alegadamente havia sido operada pela alteração do RGICSF efetuada através da publicação do DL n.º 114-A/2014.
Com efeito, o TJUE no seu acórdão de 05.05.2022 [C-83/20, §§ 36 a 62] considerou, por um lado, que “nos termos do artigo 17.º, n.º 1, da Carta, todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral”, que “[e]m conformidade com o artigo 52.º, n.º 3, da Carta, na medida em que esta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos pela CEDH. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla. Daqui resulta que, para efeitos da interpretação do artigo 17.º da Carta, há que tomar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 1.º do Protocolo n.º 1 da CEDH, que consagra a proteção do direito de propriedade como limiar de proteção mínima”, e que “[c]onforme declarado reiteradamente pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a respeito do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 da CEDH, há que precisar que o artigo 17.º, n.º 1, da Carta contém três normas distintas. A primeira, expressa no primeiro período e que reveste um caráter geral, concretiza o princípio do respeito pela propriedade. A segunda, que figura no segundo período desse número, visa a privação da propriedade e submete-a a certas condições. Quanto à terceira, que figura no terceiro período do referido número, reconhece aos Estados o poder, nomeadamente, de regulamentar a utilização dos bens em conformidade com o interesse geral. Não são, contudo, regras sem relação entre si. A segunda e terceira regras dizem respeito a exemplos particulares de violação do direito de propriedade e devem ser interpretadas à luz do princípio consagrado na primeira destas regras”, sendo que a proteção conferida pelo art. 17.º da CDFUE “tem por objeto os direitos que têm um valor patrimonial do qual decorre, tendo em conta a ordem jurídica em causa, uma posição jurídica adquirida que permite o exercício autónomo desses direitos pelo e a favor do seu titular” e que “resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 1.º do Protocolo n.º 1 da CEDH que as ações e as obrigações negociáveis nos mercados de capitais devem ser consideradas «bens» suscetíveis de beneficiar da proteção garantida por este artigo 1.º”, pelo que as “ações ou obrigações negociáveis nos mercados de capitais como as que estão em causa no processo principal estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 17.º, n.º 1, da Carta”.
De seguida, passando à apreciação sob se a medida de resolução adotada constituía ou não uma privação da propriedade no quadro do referido art. 17.º da CDFUE considerou que “é facto assente que a medida de resolução adotada em conformidade com a legislação em causa no processo principal não previu uma privação da posse ou uma expropriação formal das ações ou das obrigações em causa. […] esta medida não privou, de maneira forçada, integral e definitiva os seus titulares dos direitos decorrentes destas ações ou destas obrigações”, sendo que a suscetibilidade de uma “diminuição substancial do valor …instituição de crédito” por efeito da medida de resolução “não se pode necessariamente deduzir desta circunstância que a medida de resolução adotada em conformidade com a legislação nacional em causa no processo principal constitui uma expropriação de facto” tanto mais que “a perda de valor dos ativos que possam beneficiar da proteção garantida pelo artigo 17.º, n.º 1, da Carta não decorre da Medida de Resolução, mas da situação de insolvência ou do risco de insolvência em que a instituição de crédito se encontra” termos em que daí “resulta que uma medida de resolução adotada em conformidade com uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não constitui uma privação de propriedade, na aceção do artigo 17.º, n.º 1, segundo período, da Carta”, pelo que “não há que examinar …se semelhante medida preenche as condições previstas naquele segundo período, relativas, nomeadamente, à existência de razões de utilidade pública para a privação de propriedade e ao pagamento de uma justa indemnização em tempo útil”.
Mas, para além disso, considera o TJUE que se “a adoção de uma medida de resolução em conformidade com a legislação em causa no processo principal, que prevê, nomeadamente, a transferência de elementos dos ativos de uma instituição de crédito para um banco de transição, constitui uma regulamentação da utilização dos bens, na aceção do artigo 17.º, n.º 1, terceiro período, da Carta, suscetível de lesar o direito de propriedade dos acionistas da instituição de crédito, cuja posição económica é afetada, e a dos credores, como sejam os titulares de obrigações, cujos créditos não foram transmitidos para a instituição de transição” temos, contudo, que “decorre do artigo 52.º, n.º 1, da Carta que podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos consagrados pela Carta, desde que essas restrições estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros”.
Daí interpretar e concluir aquele Tribunal e, assim, vinculando este nosso juízo que “o artigo 17.º, n.º 1, terceiro período, da Carta não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que não contém uma disposição expressa que garante que os acionistas não sofrem perdas superiores às que teriam sofrido se a instituição tivesse sido liquidada na data em que foi adotada a medida de resolução (princípio «no creditor worse off»)”, motivando-se tal conclusão no facto das “restrições ao exercício dos direitos previstos no artigo 17.º, n.º 1, da Carta que a Medida de Resolução comporta estão previstas na lei, de acordo com as disposições aplicáveis do RGICSF, conforme alteradas pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014“, não resultar “uma privação de propriedade, constituindo uma regulamentação da utilização dos bens […] semelhante medida de resolução não pode afetar a substância em si mesma do direito de propriedade”, que “semelhante medida corresponde a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, na aceção do artigo 52.º, n.º 1, da Carta”, pois que “resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a adoção de medidas de resolução no setor bancário responde a um objetivo de interesse geral prosseguido pela União, a saber, o de assegurar a estabilidade do sistema bancário da zona euro no seu conjunto (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C-8/15 P a C-10/15 P …), bem como o de evitar um risco sistémico (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C-686/18 …)”, sendo que “no que respeita à questão de saber se as restrições que a medida de resolução comporta ao exercício dos direitos referidos no artigo 17.º, n.º 1, da Carta vão além do que é necessário para atingir os objetivos de interesse geral em causa no processo principal, importa recordar que, atendendo ao contexto económico particular, os Estados-Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação quando adotam decisões em matéria económica e são quem está em melhor posição para definir as medidas suscetíveis de realizar o objetivo prosseguido (Acórdão de 13 de junho de 2017, Florescu e o., C-258/14 …)” e que se “o Tribunal de Justiça já declarou que existe um interesse geral claro em assegurar, em toda a União, uma proteção forte e coerente dos investidores, salientou, todavia, que não se pode considerar que esse interesse prevalece em todas as circunstâncias sobre o interesse geral que consiste em garantir a estabilidade do sistema financeiro (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C-526/14 …). Ora, a defesa deste interesse pelos Estados-Membros exige que lhes seja reconhecida, neste contexto, uma margem de apreciação [TEDH, 7 de novembro de 2002, Olczak c. Polónia, … TEDH, 10 de julho de 2012, Grainger e o. c. Reino Unido …]”, termos em que, no caso em apreço, “afigura-se …que a legislação aplicável à medida de resolução em causa no processo principal continha disposições que tomaram suficientemente em consideração a posição dos acionistas e dos credores da instituição de crédito em causa, bem como os seus interesses no âmbito dos procedimentos de resolução tramitados em conformidade com essa legislação” já que “aos credores da instituição em causa no processo principal, resulta com efeito das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que os credores cujos créditos não foram transferidos têm o direito de receber um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a instituição tivesse sido totalmente liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência”, que “no que se refere aos acionistas da instituição em causa no processo principal, há que recordar, por um lado, …que resulta da redação do artigo 145.º-C do RGICSF que uma medida de resolução só é aplicada a uma instituição de crédito em caso de insolvência manifesta ou de risco de insolvência. Além disso, nos termos do artigo 145.º-B, n.º 1, alínea a), do RGICSF, atendendo aos objetivos das medidas de resolução, procura-se, quando da aplicação de uma medida de resolução, garantir nomeadamente que os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa. Ora, …há que considerar que, em princípio, as perdas sofridas pelos acionistas dos bancos em dificuldade terão a mesma dimensão, independentemente de se saber se a sua causa assenta numa sentença de declaração de insolvência ou numa medida de resolução (v., por analogia, Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C-526/14 …)” e que, “[p]or outro lado, decorre do artigo 145.º-I do RGICSF que esta disposição contém um mecanismo específico de salvaguarda dos direitos dos acionistas, prevendo o n.º 4 deste artigo que o remanescente do produto da alienação do banco de transição, após a devolução dos montantes disponibilizados ao Fundo de Resolução e aos fundos de garantia, é devolvido ao banco objeto de resolução ou à sua massa insolvente. Ora, … afigura-se que semelhante disposição permite, em princípio, assegurar a neutralidade económica da ação de resolução e não privar a instituição de crédito originária ou a sua massa insolvente do montante resultante da alienação dos ativos do banco de transição após a devolução dos montantes disponibilizados a título de empréstimos pelos diferentes fundos”.
Em sintonia com o supra referido podemos concluir que não há desconformidade com o direito da União quer no desenho da medida de resolução bancária tal como ela se encontrava consagrada no nosso sistema jurídico em agosto de 2014 quer nos termos em que foi aplicada ao Banco 1…, SA (Banco 1.).
Ora presentes o quadro factual apurado e os §§ 47, 57 e 60 do acórdão do TJUE de 05.05.2022 [C-83/20] e as exigências neles contidas temos que a medida de resolução bancária ocorreu num ambiente de incumprimento pela instituição de crédito em causa dos rácios aplicáveis e de incapacidade de, no imediato ou no curto prazo, honrar as suas obrigações no enquadramento do art. 145.º-C, n.os 1 e 3 do RGICSF, encontrando-se aquela instituição ante uma situação no mínimo de risco ou de inevitável insolvência senão mesmo já de insolvência manifesta, cientes de que instituição de crédito estava em risco sério de incumprir “os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade” [arts. 22.º e 145.º-C, n.º 1, do RGICSF] sem que houvesse demonstração da possibilidade de uma rápida ou célere recuperação que permitisse lograr regressar às condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais e, assim, evitar as graves consequências sistémicas daí advenientes, tanto mais que a instituição de crédito em causa teria caminhado inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e teria entrado em processo de liquidação.
Daí que se impunha a emissão da medida de resolução da instituição bancária em causa como único meio de travar uma liquidação desordenada e os riscos sistémicos de contágio.
Nesse e num tal contexto que se mostra documentado nos autos temos, por um lado, que atenta a natureza e contornos da posição detida pelos acionistas não se mostra como desproporcional que sejam os primeiros a sofrer ou a ter de absorver das perdas ou as consequências da deterioração da situação financeira do banco resolvido [cf. art. 145.º-B do RGICSF nas redações introduzidas quer pelo DL n.º 31-A/2012 quer pelo DL n.º 114-A/2014] tal como acontece no regime geral da insolvência, cientes de que um acionista tem uma posição bastante enfraquecida quanto às legítimas expetativas de manutenção do valor económico das suas ações ao longo do tempo, podendo as mesmas desvalorizar drasticamente num espaço muito curto de tempo.
E o mesmo se mostra como válido para os credores detentores de títulos de dívida subordinada, porquanto tal como se sustenta no Ac. do TJUE de 22.1.2020 [«Baldonedo Martín», C-526/14] “[r]esulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os títulos de dívida subordinada são instrumentos financeiros e partilham algumas características dos produtos de dívida e dos títulos de participação no capital. Em caso de insolvência ou de liquidação da entidade emitente, os titulares de dívida subordinada (a seguir «credores subordinados») são reembolsados depois dos titulares de dívida ordinária, mas antes dos acionistas. Como contrapartida do risco financeiro assim assumido pelos respetivos titulares, estes instrumentos financeiros têm um rendimento mais elevado”.
De notar e tal como frisado pelo TJUE no acórdão proferido no quadro do pedido de reenvio formulado nos autos “resulta dos termos do artigo 145.º-I, n.º 4, do RGICSF que, após a devolução dos montantes disponibilizados pelo Fundo de Resolução ou pelos fundos de garantia, o eventual remanescente do produto da alienação é devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente, caso aquela tenha entrado em liquidação” e de que, como atrás já referido, “não tendo sido tomada, com urgência, a medida de resolução em causa no processo principal, a instituição de crédito em causa teria caminhado inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e teria entrado em processo de liquidação”.
A possibilidade de resolução das instituições de crédito constituiu desta forma, e antecipando o que veio posteriormente a constar da diretiva mas em sintonia com os trabalhos que a precederam, uma das medidas que, ao lado da intervenção corretiva e da administração provisória, o BdP, autoridade a quem cabe em Portugal a supervisão das instituições de crédito, em especial a supervisão prudencial, passou a poder aplicar, após o DL n.º 31-A/2012, a todo o tempo, tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro.
Por outro lado, resulta do mesmo acórdão do TJUE que o princípio “no creditor worse off” não constitui a única via abstratamente adequada para a tutela do direito de propriedade dos acionistas dos bancos resolvidos, sendo que a legislação nacional para além de prever a aplicação daquele princípio aos credores da instituição de crédito [cf. art. 145.º-B, n.º 1, alínea c) do RGICSF] garantia, ainda, a neutralidade dos efeitos da resolução já que, nos termos do art. 145.º-I, n.º 4, do RGICSF, havendo remanescente do produto da venda do banco de transição depois de recuperados os montantes disponibilizados pelo Fundo de Resolução, o mesmo terá de ser devolvido ao banco resolvido, garantindo-se, desta forma, que a massa insolvente não será privada de quaisquer montantes resultantes do produto daquela alienação, protegendo-se, assim, também os direitos dos acionistas e dos credores no quadro do processo de insolvência, sendo que este instrumento, visando realizar os objetivos da resolução bancária, não configura a imposição de um sacrifício especial, anormal e desproporcionado, antes se mostrando conforme com o quadro normativo garantidor do direito de propriedade.
Para além disso, na hipótese de os acionistas (e os credores) de um banco resolvido poderem vir a ficar numa situação pior daquela que decorreria do cenário alternativo da insolvência/liquidação, ou de que não se teriam verificado os pressupostos para a tomada da medida de resolução, resulta do disposto nos arts. 145.º-B, n.os 1 e 3, 145.º-F, 145.º-I, n.º 4, 145.º-H, n.º 4, do RGICSF e 16.º do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas [RRCEEEP, publicado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31.12] que aqueles gozam de mecanismos e de instrumentos tendentes a assegurar seus direitos e interesses mesmo considerando o facto de o princípio “no creditor worse off” à data não vir consagrado para os acionistas, sendo que, por último, os lesados dispõe igualmente dos meios contenciosos destinados e adequados a assegurar e tutelar aqueles seus direitos e interesses tal como previsto no art. 145.º-N do RGICSF.
Importará fazer notar que a posição dos acionistas no quadro de medida de resolução de instituição bancária mesmo sem uma expressa previsão à data do princípio “no creditor worse off” não aportará uma violação do quadro normativo e principiológico do direito da União invocado como concluiu o TJUE, tanto mais que o art. 145.º-I do RGICSF assegura e confirma que a situação dos mesmos no caso de resolução é mais favorável do que no de insolvência/liquidação, já que ali se prevê que, após os reembolsos legalmente impostos, sempre o remanescente do produto da alienação do património do banco de transição é devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente, cientes de que, considerando em geral a natureza de que reveste a qualidade de acionista, os seus direitos e interesses não se apresentam ou se mostram penalizados ou prejudicados de forma desproporcional e desigualitária no confronto com a posição que os mesmos teriam enquanto acionistas da mesma instituição bancária no caso de liquidação fundada em insolvência da mesma.
É que ante cenário como este último os acionistas são de igual modo chamados prioritariamente a assumir os prejuízos da instituição bancária em causa, não tendo o direito a recuperar o que investiram, pois face ao princípio da conservação do capital social as entradas não são restituíveis, para além de a existir lucro de liquidação no quadro de insolvência não estarão em pior posição face à que estariam com a resolução.
De referir, ainda, que tal como já havia considerado o TJUE no seu acórdão de 19.7.2016 [Kotnik e o., C-526/14] “[e]mbora exista um claro interesse geral em assegurar, em toda a União, uma proteção forte e coerente dos investidores, não se pode considerar que esse interesse prevaleça, em todas as circunstâncias, sobre o interesse geral que consiste em assegurar a estabilidade do sistema financeiro”, sendo que “no que respeita aos acionistas dos bancos, recorde-se que, segundo o regime geral aplicável ao estatuto dos acionistas das sociedades anónimas, estes assumem plenamente o risco dos seus investimentos. Com efeito, decorre do considerando 5 da Diretiva 2012/30 que esta visa conservar o capital social, que constitui uma garantia dos credores” e que “[u]ma vez que os acionistas são responsáveis pelas dívidas do banco até ao montante do capital social deste, não se pode considerar que afeta o seu direito de propriedade o facto de os pontos 40 a 46 da comunicação sobre o setor bancário exigirem que, para superar o défice de capital de um banco, esses acionistas contribuam, previamente à concessão de um auxílio estatal, para absorver as perdas sofridas pelo banco na mesma medida que se não tivesse sido concedido esse auxílio estatal”, tanto mais que “[a]s perdas dos bancos em dificuldades teriam, em todo o caso, a mesma dimensão, independentemente da questão de saber se a sua causa assenta numa sentença de declaração de insolvência em razão da falta de concessão de um auxílio estatal ou num procedimento de concessão desse auxílio sujeito à condição prévia de repartição dos encargos”.
E já anteriormente o TEDH no seu acórdão de 10.7.2012 [Grainger v. UK, Proc. n.º 34940/10, §§ 38 a 43] havia assinalado como sendo um “setor chave”, uma “área sensível” a da “estabilidade do sistema bancário” e na qual as autoridades nacionais detêm uma “maior margem de apreciação” no que toca à proporcionalidade das medidas de restruturação, justificando as derrogações dos direitos dos acionistas com base no “interesse público”, sem que exista na previsão do art. 1.º do Protocolo Adicional n.º 1 à CEDH e/ou que, assim, possa ser interpretada, como contendo uma obrigação genérica para os Estados signatários da Convenção de que os mesmos teriam de suportar ou de cobrir as dívidas de entidades privadas [vide também, neste mesmo sentido, os Acs. do TEDH de 3.4.2012 (Kotov v. Rússia, proc. n.º 54522/00), de 16.7.2014 ((ver documento original) e o. v. Bósnia e Herzegovina e o., proc. n.º 60642/08), de 15.12.2022 (Gherardi Martiri v. São Marino, proc. n.º 35511/20)], assim negando a pretensão dos investidores que ao mesmo se dirigiram.
Muito recentemente o TEDH, uma vez chamado a pronunciar-se sobre queixa/pretensão de um lesado do Banco 1, proferiu acórdão datado de 31.01.2023 [Freire Lopes v. Portugal, Proc. n.º 58598/21] a rejeitar a pretensão de alegada violação do art. 01.º do Protocolo Adicional n.º 1 à CEDH.
Com efeito, não obstante a situação ali objeto de litígio se mostrar abrangida pela previsão normativa invocada [cf. seus §§ 75/85 e 87] não resultou demonstrada a sua violação, para o efeito considerando que em “relação a medidas gerais em questões económicas ou sociais, a Convenção geralmente concede aos Estados uma ampla margem de apreciação (Fábián v. Hungria [GC], n.º 78117/13, …, Hämäläinen v. Finlândia [GC], n.º 37359/09, …, e Andrejeva c. Letônia [GC], n.º 55707/00…). Graças ao conhecimento direto de sua sociedade e de suas necessidades, as autoridades nacionais estão, em princípio, mais bem posicionadas do que o juiz internacional para determinar o que é de interesse público em matéria económica ou social, e o Tribunal respeita, em princípio, a maneira como o legislador concebe os imperativos de utilidade pública, a menos que seu julgamento prove ser «manifestamente carente de base razoável» (Broniowski…, ver também Olczak c. Polónia (dec.), n.º 30417/96”, e, convocando/acolhendo a jurisprudência do TJUE produzida no citado acórdão de 05.05.2022 [C-83/20] [cf., entre outros, §§ 70/71, 87, 95, 99/100 do citado acórdão do TEDH], afirmou ainda que “a medida de resolução foi tomada pelo BdP …no quadro do poder de controle exercido no sistema bancário nacional e teve como objetivo garantir seu funcionamento adequado” e que “a medida de resolução objeto de litígio foi adotada ao abrigo dos artigos 144.º-B e 145.º-C do RGICSF e que, por outro lado, a liquidação da Banco 1… decidida oficiosamente pelo BDP fundada no artigo 145.º-M do RGICSF […]. As medidas objeto de litígio estão, portanto, em conformidade com a lei interna (ver, em contraste, (ver documento original) Holding A.(ver documento original). et (ver documento original) c. Turquia, n.os 31833/06 e 37538/06 …)”, sendo que “não há dúvida de que estas medidas se inscrevem igualmente no quadro das medidas implementadas pela União Europeia, após a crise financeira de 2008, para harmonizar e melhorar os instrumentos de regulação das crises bancárias ao nível europeu” e de que as mesmas perseguiram “um objetivo de interesse geral já que visavam assegurar a continuidade da prestação de serviços financeiros essenciais, prevenir o risco para o sistema, preservar os interesses dos contribuintes e do erário público e salvaguardar a confiança dos depositantes […], considerando que o BCE ter acabado de suspender a qualidade da contraparte ao Banco 1… dentro da estrutura da política monetária do euro sistema”, concluindo ter existido no caso “um equilíbrio justo entre o interesse público perseguido e o direito de propriedade do requerente e de todos quantos se encontram na mesma situação daquele (ver, mutatis mutandis, Trajkovski c. ex-República Jugoslava da Macedónia …n.º 53320/99, ECDH 2002-IV)” [tradução nossa].
Resulta, pois, como suficientemente considerada no quadro normativo nacional disciplinador da matéria a posição de acionistas e de credores de uma instituição bancária, cientes de que os mesmos são tratados, no que tange à imputação das perdas da instituição bancária resolvida, em observância pela hierarquia dos seus créditos em insolvência, que é um dos objetivos fulcrais do princípio “no creditor worse off”, sem que se faça recair sobre os acionistas da instituição de crédito em situação de insolvência [ou em risco de insolvência] um encargo desproporcionado e excessivo, cumprindo-se de forma clara as exigências constantes dos arts. 17.º e 52.º da CDFUE e 1.º do Protocolo Adicional n.º 1 à CEDH, bem como do princípio da proporcionalidade.
Quanto à questão suscitada pela recorrente de que a Diretiva 2014/59/UE prevê uma panóplia de instrumentos de resolução e na fundamentação da medida de resolução não há qualquer alusão a qualquer juízo de ponderação de alternativa que preservasse a integridade patrimonial do Banco 1…, ou seja, a recapitalização interna, com base em instrumentos de capital relevantes cumpre dizer que não possuindo a Diretiva efeito direto, como supra referido, resulta como insubsistente esta alegação e ilegalidade assim estribada, sendo que relativamente à pretensa violação do art. 41.º n.º 2, al. a), da CDFUE temos que a mesma resulta suscitada pelas recorrentes apenas em sede de alegações de recurso o que conduz ao seu não conhecimento tanto mais que não se trata de questão que se apresente como passível de conhecimento oficioso.
*
Em face de todo o exposto acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo, em julgamento ampliado determinado por despacho da Senhora Conselheira Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de dezembro de 2022, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º do CPTA, em negar provimento aos recursos de revista “per saltum” das AA. da presente ação e da Massa Insolvente T…, SA, A. na ação n.º 2808/14.0BELSB, mantendo-se com a motivação antecedente a decisão recorrida.
Custas dos recursos a cargo das respetivas AA./recorrentes.
Comunique-se ao TJUE a presente decisão com cópia da mesma [cf. § 32 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais junto TJUE (JOUE de 08.11.2019 – 2019/C 380/01) e o solicitado no ofício do TJUE de fls. 8794 dos presentes autos].
Lisboa, 9 de Março de 2023. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Cláudio Ramos Monteiro.
Instalado o Mecanismo Nacional Anticorrupção
Junho 6th, 2023Portaria n.º 155-B/2023, de 6 de junho
Portaria n.º 155-B/2023
de 6 de junho
O Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, no âmbito da Estratégia Nacional Anticorrupção, criou o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), com a missão de promover a transparência e a integridade na ação pública e de garantir a efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas. O MENAC é uma entidade administrativa independente, com personalidade jurídica de direito público e poderes de autoridade, dotada de autonomia administrativa e financeira.
Ao abrigo do disposto no artigo 26.º do referido decreto-lei, os termos da instalação do MENAC são fixados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça.
A Portaria n.º 164/2022, de 23 de junho, foi o primeiro instrumento a regular a instalação do MENAC, com vista à criação das condições materiais necessárias ao início da sua atividade e à sua entrada em funcionamento, que, com a presente portaria, se revisitam e se dão, nos termos agora definidos, por verificadas. Encontra-se também já publicada a Portaria n.º 292-A/2022, de 9 de dezembro, que fixa o respetivo mapa de pessoal de apoio técnico e administrativo.
A Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2023, atribuiu ao MENAC a dotação orçamental de cerca de 2,1 M (euro) para cobrir as suas despesas de funcionamento.
Os seus órgãos, previstos nas alíneas a) a d) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, já se encontram constituídos, estando designadamente preenchidos todos os lugares da Comissão de Acompanhamento.
O MENAC informou encontrarem-se já preenchidos parte dos lugares do mapa de pessoal e estarem a decorrer os procedimentos necessários tendo em vista o preenchimento dos restantes, prevendo que até setembro se encontrem preenchidos mais de metade dos lugares fixados no respetivo mapa de pessoal.
Tendo presente esta factualidade, o presidente do MENAC declarou estarem já reunidas as condições para o seu pleno funcionamento, tendo apresentado proposta para o reconhecimento da respetiva instalação definitiva.
Face ao exposto, consideram-se efetivamente reunidas as condições humanas e materiais necessárias para que seja declarada, pela presente portaria, a instalação definitiva do MENAC.
Assim:
Manda o Governo, pela Ministra da Justiça e pelo Ministro das Finanças, ao abrigo do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, e sob proposta do presidente do Mecanismo Nacional Anticorrupção, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
A presente portaria visa declarar a instalação definitiva do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC).
Artigo 2.º
Requisitos para a instalação definitiva
A instalação definitiva do MENAC é declarada pelos Ministros da Justiça e das Finanças, sob proposta do presidente, dispondo o MENAC de dotação orçamental que cubra as suas despesas de funcionamento, encontrando-se constituídos os seus órgãos previstos nas alíneas a) a c) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, e estando preenchidos, pelo menos, metade dos lugares da Comissão de Acompanhamento, o que deve ter lugar em data anterior ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro.
Artigo 3.º
Declaração de instalação definitiva
Encontrando-se reunidas as condições humanas e materiais necessárias ao pleno funcionamento do MENAC, declara-se, pela presente portaria, sob proposta do respetivo presidente, definitivamente instalado o MENAC, com efeitos a 6 de junho de 2023.
Artigo 4.º
Norma revogatória
É revogado o n.º 2 do artigo 5.º da Portaria n.º 164/2022, de 23 de junho.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente portaria entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
A Ministra da Justiça, Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro, em 5 de junho de 2023. – O Ministro das Finanças, Fernando Medina Maciel Almeida Correia, em 6 de junho de 2023.
Junho 3rd, 2023
Publicação: Diário da República n.º 91/2023, 1º Suplemento, Série I de 2023-05-11,
Portaria n.º 120-A/2023
Cria e estabelece as regras gerais de uma medida excecional e temporária de compensação pelo acréscimo de custos de produção da atividade agrícola e pecuária ao abrigo do Decreto-Lei n.º 28-A/2023, de 3 de maio, e do ponto 2.1. da Comunicação da Comissão 2023/C 101/03, de 17 de março de 2023, que institui o atual «Quadro temporário de crise e transição relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia na sequência da agressão da Ucrânia pela Rússia»
Portaria n.º 120-B/2023
Regulamenta as medidas extraordinárias de apoio aos agricultores do continente, destinadas a mitigar o efeito da subida dos preços dos custos de produção, para o ano de 2023
Novos certificados de aforro Série F
Junho 3rd, 2023Portaria n.º 149-A/2023, de 2 de junho
Portaria n.º 149-A/2023
de 2 de junho
Atentas as circunstâncias verificadas nos mercados financeiros, nomeadamente a subida rápida e acentuada das taxas de juro do mercado monetário, o que tem causado um desalinhamento entre a remuneração dos certificados de aforro «série E» e as restantes fontes de financiamento da República Portuguesa, justifica-se proceder à criação de uma nova série de certificados de aforro, adaptada ao atual contexto de custo de financiamento. Procurando garantir o equilíbrio entre os objetivos definidos para a gestão da dívida pública e o incentivo à poupança de longo prazo das famílias, procede-se à criação de uma nova série de certificados de aforro, designada «série F», com as características constantes do anexo à presente portaria.
À semelhança dos certificados da «série E», os certificados de aforro da «série F» são valores escriturais nominativos, sem possibilidade de designação de um movimentador para a subscrição.
Assim:
Nos termos do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de maio, manda o Governo, através do Ministro das Finanças, o seguinte:
1 – É terminada a subscrição da «série E» de certificados de aforro, criada pela Portaria n.º 329-A/2017, de 30 de outubro.
2 – É criada uma nova série de certificados de aforro, designada «série F», com as características constantes da ficha técnica anexa à presente portaria, com início de subscrição no dia 5 de junho de 2023.
3 – A presente portaria entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
O Ministro das Finanças, Fernando Medina Maciel Almeida Correia, em 2 de junho de 2023.
ANEXO
Certificados de aforro – «Série F»
Ficha técnica
Valores de subscrição:
Valor nominal – (euro) 1,00;
Mínimo de subscrição – 10 unidades;
Mínimo de certificados da «série F» por conta aforro – 100 unidades;
Máximo de certificados da «série F» por conta aforro – 50 000 unidades. Este valor poderá ser alterado por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças;
Máximo de certificados da «série F» acumulado com certificados da «série E» por conta aforro – 250 000 unidades. Este valor poderá ser alterado por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças.
Prazo e juros:
Prazo – 15 anos;
Taxa de juro – soma da taxa base na data de início do trimestre com o prémio de permanência atribuível à subscrição;
Taxa base – determinada mensalmente no antepenúltimo dia útil do mês, para vigorar durante o mês seguinte, segundo a fórmula:
E3
em que E3 é a média dos valores da Euribor a três meses observados nos 10 dias úteis anteriores, sendo o resultado arredondado à terceira casa decimal.
A taxa base não poderá ser superior a 2,50 % nem inferior a 0 %.
Período de contagem de juros:
Cada subscrição vencerá juros com uma periodicidade trimestral. O vencimento dos juros ocorre no dia do mês igual ao da data-valor da subscrição. No caso de esse dia não existir no mês de vencimento, o vencimento terá lugar no 1.º dia do mês seguinte.
Prémio de permanência em pontos percentuais:
0,25 do 2.º ao 5.º ano;
0,50 do 6.º ao 9.º ano;
1,00 no 10.º e 11.º;
1,50 no 12.º e 13.º ano;
1,75 no 14.º e 15.º ano.
Capitalização:
Capitalização automática dos juros vencidos (líquido de IRS).
Reembolso:
Reembolso de capital e juros capitalizados no 15.º aniversário da data-valor da subscrição. No caso de esse dia não existir no mês de vencimento, o crédito terá lugar no 1.º dia do mês seguinte. Caso o reembolso ocorra em dia não útil, o respetivo crédito tem lugar no dia útil seguinte. O valor de reembolso é creditado no número internacional de conta bancária (IBAN) associado à conta aberta junto do IGCP, E. P. E.
Resgate antecipado:
Total ou parcial a partir da data em que ocorra o primeiro vencimento de juros da subscrição. O resgate determina o reembolso do valor nominal das unidades resgatadas e do valor dos juros capitalizados até à data do resgate. O valor é creditado até ao 7.º dia após a instrução de resgate para o IBAN associado à conta aberta junto do IGCP, E. P. E.
Forma de representação:
Os certificados de aforro da «série F» são valores escriturais (nominativos) na medida em que são representados unicamente por registos em conta.
Titularidade e movimentação:
Só podem ser titulares pessoas singulares. Não é possível a indicação de movimentador.
Cada pessoa singular só pode ser titular de uma conta aforro e a cada conta aforro estará associado um IBAN.
A subscrição dos certificados de aforro da «série F» pode ser realizada através do AforroNet (aforronet.igcp.pt), nas lojas dos CTT – Correios de Portugal, S. A., na rede de Espaços Cidadão da AMA – Agência para a Modernização Administrativa, I. P., ou nas redes físicas ou digitais de qualquer instituição financeira ou de pagamentos inscrita no Banco de Portugal e indicadas para o efeito pelo IGCP, E. P. E. Os canais de subscrição dos certificados de aforro da «série F» podem ser alterados, pelo IGCP, E. P. E., mediante informação disponibilizada no seu sítio na internet (www.igcp.pt).
Garantia de capital:
Garantia da totalidade do capital.
Programa Mais Habitação terá prédios devolutos da Segurança Social
Junho 3rd, 2023Resolução do Conselho de Ministros n.º 51/2023, de 2 de junho
Resolução do Conselho de Ministros n.º 51/2023
O programa Mais Habitação, aprovado a 16 de fevereiro de 2023 pelo Conselho de Ministros, tem por objetivo, entre outros, aumentar a oferta de imóveis para habitação e alargar o mercado de arrendamento, no cumprimento do desígnio constitucional do direito à habitação.
A gestão e administração do património imobiliário da segurança social compete ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.), e as respetivas receitas revertem para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
O IGFSS, I. P., tem em curso um plano de reabilitação do património imobiliário sob sua gestão que abrange 120 fogos habitacionais de regime de renda livre e que são passíveis de integrar o programa Mais Habitação na componente de arrendamento ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., para subarrendamento.
A promoção de políticas de habitação converge com o propósito de rentabilização do património imobiliário da segurança social, designadamente através de contratos de arrendamento estáveis, sendo, assim, de incluir no programa Mais Habitação, após integral reabilitação, os fogos devolutos habitacionais de regime de renda livre da segurança social sob gestão do IGFSS, I. P.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 – Determinar a afetação, após integral reabilitação, dos fogos devolutos habitacionais de regime de renda livre da segurança social sob gestão do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.), bem como os imóveis com aptidão habitacional que integram o património do IGFSS, I. P., a que se refere o anexo iii ao Decreto-Lei n.º 30/2019, de 26 de fevereiro, ao programa Mais Habitação.
2 – Estabelecer que a afetação prevista no número anterior é concretizada através da celebração de um protocolo de cooperação entre as áreas governativas do trabalho, solidariedade e segurança social e da habitação (Protocolo).
3 – Prever que no Protocolo são identificados os imóveis a recuperar, prazos e condições, com os seguintes pressupostos:
a) Garantia das condições adequadas de rentabilização do património da segurança social, devendo a renda a fixar resultar da taxa de rentabilidade que for concordante com o praticado no mercado para imóveis de idêntica natureza em semelhantes condições e resultante de avaliação dos imóveis feita de peritos inscritos na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, após a realização das obras;
b) Previsão da possibilidade de subarrendamento nos contratos de arrendamento dos fogos habitacionais de renda livre, a celebrar entre o IGFSS, I. P., e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU, I. P.);
c) Celebração dos contratos de subarrendamento pelo IHRU, I. P., com beneficiários que preencham os requisitos e sejam elegíveis no quadro dos programas em vigor.
4 – Autorizar, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho, na sua redação atual, da alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, na sua redação atual, do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21 de junho, na sua redação atual, do n.º 1 do artigo 109.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual, e dos artigos 44.º e 46.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, na sua redação atual, o IGFSS, I. P., a realizar a despesa relativa à contratação de serviços e empreitadas de obras públicas para reabilitação dos fogos habitacionais de renda livre identificados no Protocolo, na componente arrendamento para subarrendamento, para o período entre os dias 1 de abril de 2023 e 31 de março de 2026, até ao montante máximo global de (euro) 15 000 000.
5 – Determinar que os encargos resultantes do disposto no número anterior não podem exceder, em cada ano económico, os seguintes montantes, acrescidos de imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor:
a) 2023 – (euro) 3 000 000;
b) 2024 – (euro) 5 000 000;
c) 2025 – (euro) 5 000 000;
d) 2026 – (euro) 2 000 000.
6 – Estabelecer que o montante fixado no número anterior, para cada ano económico, pode ser acrescido do saldo apurado no ano que lhe antecede.
7 – Prever que os encargos financeiros decorrentes da presente resolução são satisfeitos pelas verbas adequadas inscritas e a inscrever no orçamento do IGFSS, I. P.
8 – Delegar, com faculdade de subdelegação, no membro do Governo responsável pela área do trabalho, solidariedade e segurança social a competência para a prática de todos os atos subsequentes a realizar no âmbito da presente resolução.
9 – Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação.
Presidência do Conselho de Ministros, 18 de maio de 2023. – O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.