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Expresso
Nem ‘25’ nem ‘Lemonade’. O álbum’ de referência na Bolsa de Lisboa chama-se Portuguese Stock Index-20 mas só tem 17 músicas (empresas), após a saída do BPI. Vivem-se dias amargos. Os investidores mantêm-se longe. Tal como as empresas. Depois de escândalos, desilusões, dramas, zangas e perdas, será que a Bolsa poderá fazer uma boa limonada com os limões que tem?
Se a Bolsa de Lisboa fosse um álbum, qual seria? Nos últimos anos, após escândalos, crises e desilusões, os investidores mantêm com o mercado acionista português uma relação fria e distante. Longe vão os tempos áureos de paixão e de ganhos com privatizações. Restaram traumas e mágoas. Falta diversidade, profundidade e liquidez ao mercado, dizem analistas e economistas. Falta confiança. E empresas.
Seria o álbum ‘25’, de Adele, que venceu o Grammy de melhor do ano? Ou ‘Lemonade’, de Beyoncé, que acabou derrotado nos prémios de música?
Na Bolsa de Lisboa, nem sequer existem 25 cotadas de relevo. Nem 20. E quase nem 17, segundo analistas. A saída do Banco Português de Investimento (BPI) do índice principal deixa a Bolsa com um amargo na boca. O PSI-20 luta para conseguir ter o mínimo de 18 cotadas. Agora está reduzido a 17 empresas, até março. Dá para fazer limonada?
APENAS UM BANCO
A data de 10 de fevereiro fica na História como o dia em que o PSI-20 passou a ter apenas um grande banco, o Millennium bcp, que é controlado pela chinesa Fosun.
Cerca de metade da capitalização bolsista do principal índice acionista nacional (53%) corresponde a empresas ligadas ao sector energético. A mais valiosa (10,7 mil milhões de euros) da Bolsa é a Galp Energia, num país que nem petróleo tem.
A segunda (10,2 mil milhões de euros) é a retalhista Jerónimo Martins, cujo principal negócio está na Polónia e cuja sede do acionista controlador (português) está fora de Portugal.
NENHUMA EMPRESA PREENCHE TODOS OS REQUISITOS
Agora, a saída do BPI do PSI-20, na sequência da Oferta Pública de Aquisição do CaixaBank, deixa um vazio difícil de preencher.
“Nenhuma empresa preenche totalmente os requisitos para entrar no PSI-20. Terão de sacrificar alguma coisa para que volte a haver um PSI-18, pelo menos. Nem todas das 17 que lá estão presentes preenchem todos os requisitos”, diz Filipe Garcia, economista da Informação de Mercados Financeiros. “A Sonae Indústria, a Ibersol e a Novabase parecem ser as principais candidatadas a entrar no PSI-20”, aponta.
Para João Queiroz, diretor de negociação do Banco Carregosa, à previsível saída do BPI do índice “pode corresponder a entrada de uma pequena capitalização, como o Montepio Geral, a Sonae Capital, a Sonae Indústria, Sonae.com, Impresa ou Ibersol, apenas para cumprir o mínimo” de 18 cotadas.
SEM LISTA DE ESPERA
Segundo uma porta-voz da Euronext Lisbon, “neste momento, o índice conta com 17 constituintes e assim permanecerá até à próxima revisão, que entra em vigor na terceira segunda-feira do mês de março (dia 20)”.
“Na data de revisão, o índice tem de ter um mínimo de 18 constituintes. Não há lista de espera. A carteira da nova revisão será anunciada no final de fevereiro/ início de março com dados referentes à negociação até dia 24 de fevereiro”, refere.
‘I’M SORRY FOR EVERYTHING THAT I’VE DONE’
Muitos investidores estrangeiros e nacionais afastaram-se da Bolsa portuguesa. Não só pelo risco do país, perante a incerteza interna e externa, mas também por casos traumáticos.
Tal como a letra de ‘Hello’, uma das músicas de Adele, analistas e economistas dizem que, se tivesse de haver pedidos de desculpas à Bolsa portuguesa, teriam de vir de várias frentes: gestores, acionistas controladores, reguladores e mesmo governantes.
Os ‘ataques’ à Bolsa portuguesa têm vindo de vários lados. Não tem sido apenas a conjuntura externa e a atual incerteza política na Europa ou o fraco crescimento económico do país ou a sua dívida elevada.
“Não há qualquer interesse pela Bolsa nem da parte dos investidores nem de empresas. Não há empresas a querer ir para a Bolsa”, aponta Filipe Garcia. “Temos um mercado muito pouco líquido”, diz Luís Tavares Bravo, sócio da DIF Broker.
Do lado dos investidores, há toda uma sequência de traumas passados. E não foi só o colapso do BES e o fim da Portugal Telecom e a liquidação do Banif. Também casos envolvendo empresas como a Cimpor, a Brisa e a Sonae Indústria. “Os investidores perderam muito dinheiro com várias empresas”, diz Garcia.
O afastamento de investidores, sobretudo estrangeiros, na sequência da decisão do banco de Portugal de resolução do Banif, foi uma das últimas machadadas na confiança em relação a investir em Portugal.
O Banif foi excluído do índice a 23 de dezembro de 2015, na sequência do comunicado do Banco de Portugal de 20 de dezembro de 2015, referente à decisão de alienação do banco no contexto de uma medida de resolução.
A saída do BPI é, mesmo assim, uma das menos dramáticas. O BES saiu do PSI-20 a 11 de agosto de 2014 com um preço de referência de zero.
Ainda assim, um dos acionistas do BPI, o grupo Violas, afirmou na semana passada ao Expresso estar a estudar processar a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). O ex-acionista português do BPI considera que a CMVM aprovou uma Oferta Pública de Aquisição que não tem as mesmas condições para todos os investidores. E aponta que um dos acionistas, Isabel dos Santos, ficou a controlar o maior ativo do BPI, o Banco de Fomento Angola, para a seguir permitir o avanço da OPA, ao autorizar a desblindagem de estatutos no banco.
MESMO OS ESTREANTES DEIXAM A DESEJAR
Portanto, também poderá ficar na História da Bolsa como mais uma mancha. De mancha em mancha, de desilusão em desilusão, a Bolsa portuguesa está deserta. Não só de investidores mas também, e cada vez mais, de empresas cotadas.
E mesmo as estreias em Bolsa deixam muito a desejar. No caso dos CTT, a última grande estreia em Bolsa, já desceu abaixo do preço de Oferta Pública Inicial. As ações dos CTT negoceiam em mínimos históricos.
E não há empresas a querer entrar no mercado. “No caso das empresas, não veem a Bolsa como uma oportunidade, há pouca liquidez e muita regulação, que implica custos e recursos”, diz Garcia.
Agora, do sector financeiro presente no PSI-20, restam assim o BCP e as unidades de participação da Caixa Económica Montepio Geral, cujo valor em Bolsa ronda os 165 milhões de euros.
Das telecomunicações, em tempos um dos setores top da Bolsa e do PSI-20, só resta a NOS. No índice continua representados o sector da pasta e papel (Semapa, Altri e Navigator), o turismo e imobiliário (Sonae Capital). E há ainda o caso da Pharol, que não tem operações.
Desde o início do ano, o PSI-20 acumula perdas de quase 2% com as maiores perdas a ser registadas nas ações dos CTT (-23%) e BCP (-21%). Regista-se uma queda de aproximadamente 15% no volume negociado, em comparação com igual período do ano passado.
A performance até ao final de 2017 é incerta. “Os eventos internos que podem vir a ter consequências para os investidores são a evolução da (re)capitalização da CGD, a alienação do Novo Banco e os resultados do Millennium (09 de março)”, afirma João Queiroz. “Externamente, o novo quadro fiscal dos EUA, evolução da inflação na zona euro, eleições na Europa e desempenho da economia chinesa são os factores a ter em conta”, destaca.
‘LEMONADE’
Mas é possível inverter a atual tendência de queda do PSI-20 e o deserto em termos de investidores e de empresas? O panorama é desafiante.
“O PSI-20 atingiu o seu máximo acima dos 15.000 pontos em 2000. Atualmente está abaixo dos 5.000. Já o DAX, alemão, alcançou o seu máximo de sempre em 2015 e está a 5% desse nível histórico”, sublinha Filipe Garcia.
Analistas anteveem um ano desafiante para a Bolsa portuguesa. O crescimento económico é fraco, o nível de dívida é muito elevado face ao Produto Interno Bruto (PIB) e o rating da República continua em nível de ‘lixo’ nas grandes agências de rating. E a incerteza política na Europa, com eleições em vários países, é muito elevada. A Bolsa reflete o risco do país, que tem vindo a subir, como se comprova com a escalada dos juros da dívida soberana a 10 anos.
Para a Euronext Lisbon, a saída do BPI do índice preocupa. Mas não é fim. “Encaramos esta saída do índice como mais um desafio. Seria irreal dizer que não nos preocupa. É claro que sim; mas a nossa preocupação vai muito mais além: na realidade o Portuguese Stock Index é um reflexo da empresas, em particular, e da economia, em geral”, aponta uma porta-voz da Euronext Lisbon.
“Continuamos a trabalhar para preencher o PSI-20 com 20 empresas que cumpram os requisitos para o integrarem. E esse é o nosso foco”, frisa. Lembra que a Euronext lançou “recentemente uma ação dedicada às empresas familiares, exatamente para preparar essas mesmas empresas para o recurso ao mercado de capitais como forma de financiamento, crescimento, sucessão”. E “está igualmente em curso um projeto de formação para empresas tecnológicas”, diz a mesma porta-voz.
Mas hoje as empresas, incluindo as pequenas e médias, têm outras alternativas além da Bolsa e dos bancos para encontrar financiadores e investidores. Entre financiamento de privados e todo um mundo de soluções Fintech, há opções. E, num mundo de taxas de juro baixas, as empresas, mesmo as grandes, emitem dívida. Estreias em Bolsa são cada vez mais escassas. “E mesmo algumas empresas portuguesas que afirmam ter interesse em ir para a Bolsa apontam mais para Nova Iorque ou Frankfurt”, aponta Filipe Garcia.
Chegou a falar-se de a TAP poder ir para a Bolsa, tal como o Novo Banco. Mas nenhuma das hipóteses se concretizou. Para analistas e economistas, a Bolsa portuguesa vai continuar a sofrer por ter poucas empresas cotadas de dimensão relevante. Mas pior é a perceção de risco do país e o fraco crescimento económico. Insuficiente para colocar o índice PSI-20 no mapa dos investidores. “Há algumas empresas que vão suscitando interesse por parte de alguns fundos. O índice em si, não é muito transacionado”, aponta Filipe Garcia.
Como é que um país europeu periférico, com uma história recente de relação tóxica com investidores na Bolsa, vai conseguir vender a sua ‘limonada’? Num gesto que se tornou viral, a cantora Adele acabou a partir ao meio o seu prémio de melhor álbum do ano para o dividir com a sua ‘rival’. Será possível em Portugal construir-se uma ponte, encontrar uma solução, que transforme todos em vencedores: o país, a Bolsa, as empresas e os investidores? Insistir num compromisso com a disciplina nas contas públicas, para reduzir a perceção de risco do país, e num comportamento e atitude que ajudem a reconquistar a confiança dos investidores, podem ajudar muito, dizem economistas e analistas. Compromisso, confiança e consistência. Para construir uma nova relação. Mais doce. E muito mais sumarenta.