PSD não poupa críticas ao relatório preliminar do Banif feito pelo socialista Brilhante Dias. Esquerda aceita conclusões
O tom beligerante das críticas feitas ontem pelo PSD ao relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito ao Banif indicia a dificuldade do esforço do Presidente em fazer baixar a temperatura política no país.
No dia em que Marcelo Rebelo de Sousa recebia os partidos com o objetivo assumido de deitar água na fervura do combate político (ver páginas 10 e 11), o deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim manteve a intensidade dos ataques: o relatório do socialista Eurico Brilhante Dias revela “o pecado capital de uma parcialidade política evidente”.
“É inaceitável uma omissão de críticas ao atual governo”, além de que o texto “passa em branco a prestação enganosa” do ministro das Finanças na comissão de inquérito, “branqueia a incapacidade, talvez a capitulação, do atual governo face à escalada das exigências” de Bruxelas, “ignora que existia uma linha de rumo” para o Banif definida pelo anterior executivo e que “foi abandonada pura e simplesmente”, declarou Carlos Abreu Amorim, antecipando o teor da declaração de voto que o PSD apresenta na quinta-feira se as suas propostas de alteração forem rejeitadas, adiantou o deputado ao DN. Com todos os partidos a anunciarem a apresentação de alterações ao relatório preliminar que serão votadas na quinta-feira, o texto foi bem recebido à esquerda.
Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda) elogiou em particular as referências ao papel do Banco de Portugal, que “não foi claro nas posições que foi tomando ao longo do tempo, não foi claro nas ações que tomou para defender o interesse nacional junto das instituições europeias na altura da resolução” do Banif.
Miguel Tiago (PCP) subscreveu o relatório preliminar “no essencial” porque “faz uma boa descrição dos factos e destaca aspetos” que o partido “também destacaria”. O deputado comunista assinalou, contudo, ser “praticamente impossível conciliar a visão dos diferentes partidos sobre a origem dos problemas identificados” no Banif.
À direita, João Almeida (CDS) identificou “uma diferença de tratamento nos diferentes períodos” analisados da vida do Banif, “não só exclusivamente face às tutelas políticas mas também às instituições europeias” – as quais justificariam críticas “mais profundas” do Parlamento.
Quanto ao protesto do PSD contra a falta de documentos requeridos pela comissão de inquérito às Finanças, só o PS se demarcou com o argumento de que esse partido tenta “criar incidentes desde o dia zero”. João Galamba, além de garantir que o ministério de Mário Centeno “não se recusou a enviar” os papéis requeridos, instou os sociais-democratas a “estenderem [o protesto] aos demais” destinatários internacionais que deixaram o Parlamento sem resposta. Outro ponto quente da reunião de ontem assentou nas críticas do PSD e do CDS ao facto de o relator ter apresentado publicamente – e antes de o fazer aos deputados – a versão preliminar no relatório na sexta-feira. Se Abreu Amorim considerou que a decisão do relator “esvaziou” a reunião de ontem, o centrista João Almeida qualificou-a como “absolutamente dispensável”.
João Galamba (PS) reagiu, lembrando que a deputada do PSD Clara Marques Mendes, enquanto relatora da comissão de inquérito aos swaps, também apresentou a versão preliminar do relatório aos jornalistas antes de o fazer aos deputados. “O PSD tem de ver se é consequente ao longo do tempo”, considerou o deputado socialista.
Eurico Dias Brilhante também reagiu, lembrando haver precedentes e explicando por que o fez: evitar uma “fuga selecionada” da informação por parte de um dos mais de 50 destinatários a quem enviara o relatório na véspera. “Entendi que não dizer nada tinha tanto risco como dizer alguma coisa”, observou.
Segundo o autor do relatório da comissão de inquérito ao Banif, os “primeiros responsáveis” pelo sucedido foram os administradores que o geriram de forma “insustentável” até 2012. No entanto, Eurico Dias Figueiredo também responsabilizou o poder político, o supervisor e as entidades internacionais.
A resolução do Banif foi anunciada na noite de 20 de dezembro de 2015, um domingo. O Banco de Portugal e o governo anunciaram também a venda de alguns ativos ao Santander Totta e a transferência de outros (muitos tóxicos) para a sociedade-veículo Oitante, numa operação em que estão envolvidos cerca de quatro mil milhões de euros de ajudas públicas.
DEZ CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
1. As culpas distribuídas por (quase) todos
O relatório preliminar preparado pelo relator socialista Eurico Brilhante Dias começa por distribuir culpas pelos acionistas e pelos gestores do banco até à intervenção. Depois, critica a supervisão portuguesa e europeia, a Direção-Geral da Concorrência e o anterior governo. “Quando temos quatro mil milhões de euros de ajuda é porque quase tudo falhou.”
2. As culpas da gestão e dos acionistas do Banif
Nas suas conclusões preliminares, Eurico Brilhante Dias aponta desde logo o dedo à gestão e aos donos do banco: “Os primeiros responsáveis são os acionistas e aqueles que foram responsáveis pela administração, que conduziram o banco até 2012 para um negócio insustentável, com vários problemas procedimentais que não foram capazes de superar o embate.”
3. Os problemas do banco antes da injeção
Segundo o relator, o Banif apresentava “uma estratégia errada e a contraciclo”, tinha “fragilidades organizacionais e procedimentais”, com um “sistema de informação débil” e “más práticas na gestão do risco”. A isto juntava-se uma “exposição setorial excessiva” e a cada vez mais difícil “captação de recursos”, com prémios cada vez mais elevados.
4. A supervisão do Banco de Portugal
O relatório aponta também o dedo ao Banco de Portugal, não fechando as responsabilidades ao atual governador Carlos Costa, já que lembra que “a supervisão prudencial em particular até 2010 foi ineficaz”. Além disso, o BdP assegurou que o Banif era viável e defendeu a solução que foi seguida pelo então ministro das Finanças, Vítor Gaspar. O recurso à supervisão intrusiva “foi tardia”.
5. A tutela do anterior Ministério das Finanças
Eurico Brilhante Dias lembra no relatório que “o Estado era acionista do Banif desde 2013” e que, mesmo assim, conduziu o banco a um colapso que custou três mil milhões de euros aos contribuintes. “O governo não era apenas o governo, era o acionista, e os acionistas têm a responsabilidade de zelar pelo património, e este é responsável pelo nosso património.”
6. Banco de Portugal não quis banco de transição
O relatório aborda também a questão da criação de um banco de transição extraído do Banif. Esta solução chegou a estar em cima da mesa de Passos Coelho em 2012 mas foi vetada pelo Banco de Portugal. “No seu entender, existia um sério risco material de ocorrerem perturbações suscetíveis de colocar em risco a estabilidade do sistema”, diz o relatório. Em 2014, acabou por ser a opção no BES.
7. A notícia da TVI: criou stress mas não matou
O relatório preliminar refere a polémica sobre a notícia da TVI24 que, em rodapé, garantia que iria ser aplicada uma medida de resolução ao banco, com custos para os depositantes. Ora, segundo as conclusões, a notícia “não era verdadeira, criou um stress na liquidez do banco” mas, porém, não leva a concluir que a “TVI24, por alguma razão, tenha determinado a resolução do Banif”.
8. O Banco Central Europeu e as opções riscadas
Para o deputado socialista, também o BCE partilha responsabilidades no colapso do Banif. “Na forma como o BCE afastou um banco de transição também foi responsável.” Brilhante Dias revelou, aliás, que vai enviar o relatório “para o Parlamento Europeu”, já que “é preciso que as instituições sejam escrutinadas sobre a arbitrariedade que parece transparecer nalgumas decisões”.
9. As propostas finais que nunca o foram
Analisada toda a documentação entregue aos deputados, o relatório preliminar conclui que as quatro propostas pelo Banif que surgiram nas semanas finais apresentavam todas “valor líquido negativo”, pelo que o banco acabou por avançar para a resolução. Nessa altura, o Santander, e dada a urgência em fechar o dossiê, ficou sozinho na “corrida” e tomou o banco.
10. Recomendações feitas pelo relatório
São 16 as recomendações avançadas nas conclusões preliminares, a começar pelo aumento da transparência nas instituições europeias. A alteração de rácios, a clarificação dos modos de funcionamento dos mecanismos europeus de resolução e supervisão ou a separação de poderes do Banco de Portugal, que tanto é supervisor como autoridade de resolução, são algumas das sugestões.