As ajudas aos bancos são sempre polémicas, principalmente quando correm mal. Mas, mesmo quando correm bem, as coisas complicam-se quando as informações são confusas, muitas vezes com a preciosa ajuda de políticos. Por exemplo, o dinheiro que se perdeu com o Banif é isso mesmo, uma perda, enquanto o capital alocado ao BCP e ao BPI geraram retorno. O cenário podia ser muito melhor com um factor aparentemente simples: transparência pública.
Não sei se uma petição ajudaria, mas o Ministério das Finanças, que até tem uma conta no Twitter para divulgar as políticas do Governo, podia ter uma página no seu site com todos os dados sobre os apoios aos bancos. Talvez então se conseguisse desvendar aquilo que se apresenta como um verdadeiro mistério: o do financiamento às Pequenas e Médias Empresas (PME) a que estavam obrigados os bancos que receberam apoios do Estado através dos chamados Coco’s (capital contingente, ou instrumentos híbridos de capital, essencial para a sua recapitalização e que obrigaram ao pagamento de juros).
Esta quinta-feira, e após o sucesso do aumento de capital, o BCP anunciou ao mercado que conseguira pagar os 700 milhões de euros que ainda devia ao Estado. Foi o símbolo do “regresso à normalização” do banco, com as Finanças, 15 minutos depois do BCP, a enviar um comunicado a destacar a importância da operação, e que uma das suas prioridades é “o robustecimento do sistema financeiro e a melhoria das condições de financiamento das empresas e das famílias portuguesas”.
Pois bem, só é pena é que nem o Governo, nem o BCP, bem como a CGD (que também recebeu 900 milhões em Coco’s, agora absorvidos via aumento de capital), saibam dizer de que forma é que a lei ligada à aplicação dos Coco’s foi cumprida no apoio às PME. Os bancos visados por este apoio público (o BCP chegou a receber 3,5 mil milhões) tinham de aplicar “no quadro do plano de recapitalização estabelecido com o Estado Português, 30 milhões de euros por ano num fundo que investirá em participações sociais em PME e em sociedades com grau de capitalização médio portuguesas”. Que montantes foram de facto aplicados, numa altura crucial em termos de financiamento empresarial? Que empresas foram seleccionadas ou preteridas, e de que forma?
As perguntas, cujas respostas deviam estar desde logo disponíveis sem esforço, encontram um muro de silêncio no BCP, CGD (os que tinham ainda empréstimos activos) e nas Finanças. Foi o anterior executivo quem desenhou o sistema, mas é este quem agora o controla e se mudam as cores de quem governa não mudam as leis nem os organismos do Estado. A informação tem de estar em algum lado, e se se procurou e não achou é porque algo foi muito mal feito. Numa sociedade onde o sistema financeiro se assume como vital, obrigando, por isso, à aplicação de avultadas somas de dinheiro público, este é precisamente o tipo de situações que não devem ocorrer. E a melhor forma de o evitar é pensar, desde logo, numa forma de prestar, de forma clara, todas as informações que possam ser públicas.
Só em Portugal é que cresceu tanto a tese de que a TVI devia ser condenada. Inglaterra tem maior tradição de respeito pela liberdade de imprensa
As comissões de inquérito na Assembleia da República têm um papel na construção da história. O relatório sobre o Banif, por exemplo, será o ponto de partida quando no futuro se estudar o que aconteceu. Pode por isso ser útil lembrar uma história recente: o colapso do Northern Rock no Reino Unido em 2007. Tal como Banif, o Northern Rock não era um dos maiores bancos do seu país.
Tal como o Banif, ele tinha crescido rapidamente, assente numa estratégia com dois pilares. Do lado dos créditos, o Northern Rock especializava-se em hipotecas, em grande expansão no início do século. Do lado dos débitos, tinha uma forte presença online e a maioria dos seus depositantes usava o website para fazer as suas operações bancárias. Já o Banif cresceu à conta do sector da construção civil e dos depósitos dos emigrantes açorianos.
Tal como no Banif, os problemas do Northern Rock começaram com uma crise externa – o subprime americano no caso do banco britânico, a crise da dívida pública no caso do banco madeirense. Tal como o Banif, o Northern Rock foi primeiro gerido pelo Estado durante uns anos e por fim vendido a outro banco em 2012. Os antigos gestores, quer do Northern Rock quer do Banif, ainda hoje acham que com mais algum tempo e uma pontinha de sorte teria acabado tudo bem. No entanto, o Northern Rock precisou de ajuda.
A 14 de setembro de 2007, o Banco de Inglaterra comunicou aos media que tinha aberto uma linha de crédito ao banco. As autoridades concluíram que, com esta ajuda para resolver problemas de curto prazo, o Northern Rock estaria sólido. Só que, nas redações, os jornalistas receberam a novidade de outra forma. Nas notícias dessa noite, a ajuda do Banco de Inglaterra foi descrita não como uma solução, mas antes como um diagnóstico de que se confirmavam problemas. Tal como nos rodapés da TVI sobre o Banif, o tom e a forma como saiu a notícia fez muita diferença. Assustados, alguns depositantes ligaram-se à internet para transferir o seu dinheiro.
Só que quem desenhou o website do Northern Rock não acautelou ter tantas pessoas num curto de espaço de tempo a fazer transferências. O website entrou em crash e não funcionou durante a noite. Milhares de pessoas, incertas com a notícia dos media britânicos, foram à internet verificar e viram o website em baixo. Convenceram-se de que havia mesmo problema, ao contrário do que diziam as autoridades. Na manhã seguinte, estava uma fila à porta da agência do Northern Rock. Num espaço de horas, o website voltou a estar online, as portas do banco abriram, e saíram tantos milhares de milhões que o banco não sobreviveu.
Tal como no Banif, oito anos depois. Os responsáveis do Northern Rock culparam os media e os informáticos pela sua miséria, tal como os responsáveis do Banif culparam a TVI e os reguladores. Mas só em Portugal é que cresceu tanto a tese de que a TVI devia ser condenada pela comissão de inquérito, violentamente censurada na opinião pública, e multada pelo regulador. A Inglaterra tem uma tradição de respeito pela liberdade de imprensa e de combate à censura que nós ainda não temos.
Professor de Economia na Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque
Cada vez é mais evidente que o Banco de Portugal já não é o Banco de Portugal, mas uma agência do Banco Central Europeu, que atua por ordens de Frankfurt e que, quando decide pela sua cabeça, desculpa-se depois com as ordens que supostamente vêm de fora. Os exemplos já são muitos mas hoje surgiu mais um.
Pelo seu estatuto orgânico, o Banco de Portugal apenas obedece ao BCE. O governador é inamovível e não pode ser demitido pelo Governo, a não ser no caso de falha grave (mas até agora nunca tal aconteceu em nenhum país da União Europeia). E quando o país foi obrigado a cortar duramente em salários e reformas, os funcionários do Banco de Portugal mantiveram-se olimpicamente “a latere” desse esforço.
A primeira grande confusão veio, contudo, com a resolução do BES. Supostamente, o BCE decidiu exigir num fim-de-semana uma linha de crédito de três mil milhões concedida ao banco e impedir o seu acesso para se refinanciar junto do Eurosistema. O Governo PSD/CDS não lutou contra esta imposição, o Banco de Portugal também não e o terceiro maior banco do sistema, na altura já liderado por uma pessoa escolhida e convidada pelo próprio governador, Vítor Bento, foi mesmo riscado do mapa, com prejuízos enormes para milhares de depositantes e acionistas e para a economia nacional.
Não contente com isto o Banco de Portugal voltou a ter uma atuação perfeitamente opaca no caso do Banif, cuja resolução impôs em Dezembro de 2015, depois de ter assistido de forma passiva à aparente degradação da situação, tanto mais que tinha um homem nomeado por si na administração do banco, que depois passou a ser o responsável pela supervisão do banco central. Para além do custo para acionistas e clientes, desta vez os contribuintes também receberam uma fatura de três mil milhões para pagar. E o governador atirou responsabilidades para cima de todos (o presidente do Banif, o anterior e o atual Governo, a Comissão e o BCE), menos para si próprio.
Não contente com isso, o Banco de Portugal decidiu de repente passar cinco emissões obrigacionistas que estavam no Novo Banco para o banco mau, o que atraiu as atenções dos investidores internacionais para a situação do país e pressionou as taxas de juro da dívida pública para a alta, além de criar uma desconfiança acrescida na atração de investimento estrangeiro e novas pressões das agências de rating.
Agora, pelos vistos, o Banco de Portugal quebrou uma regra que se repetia anualmente: entregar os seus dividendos ao Estado em Abril, já que fecha as suas contas em Março. Pois bem, este ano passou essa entrega para Maio, o que está a ser um motivo adicional para em Bruxelas se pedir que o país seja alvo de sanções (pelos resultados de 2015) e que ponha em prática novas medidas (porque a evolução orçamental não está em linha com o previsto).
Disse o primeiro-ministro que, se o Banco de Portugal tivesse entregue as verbas em causa em Abril, a evolução orçamental estaria em linha com o previsto e seria mesmo mais favorável. Mais: explicou que bastaria isso para que o défice estivesse com uma evolução melhor, mesmo que o Banco de Portugal, justificando-se com uma alteração de regras, vá entregar este ano ao Estado apenas um terço do que entregou em anos anteriores.
Ora mesmo sem uma pessoa ser adepto das teorias da conspiração, começam a ser casos demais contra os interesses do país. Ou se levarmos a teoria ainda um pouco mais longe, começam a ser casos demais contra o atual Governo, com que obviamente o governador não compartilha as mesmas opções económicas e ideológicas.
Convenhamos, por isso, que Carlos Costa começa a estar a mais na liderança do Banco de Portugal. Mas como manifestamente não se vai demitir, então talvez seja boa ideia começar a chamar-lhe funcionário superior do BCE e não governador do Banco de Portugal – que, como digo, já não existe. O que há é uma casta de funcionários, que não estão sujeitos às leis do país, liderados por um senhor que está sempre do lado de Bruxelas e Frankfurt – e não de Portugal.
Ricardo Mourinho Félix, Secretário de Estado Adjunto do Tesouro e das Finanças, numa atitude de louvar, apresentou num artigo de opinião no Jornal de Negócios, de 4 de Maio de 2016, pela primeira vez, “As contas certas da venda do Banif ao Santander”, que contém alguma informação, até à data, não conhecida. Já antes, em dois artigos de opinião, no Expresso e no PÚBLICO, o Secretário de Estado tinha defendido a medida de resolução aplicada, tendo no artigo no PÚBLICO sustentado que a resolução seria uma solução mais económica do que a liquidação do banco.
Nesta análise, em parte com base nos dados tornados públicos pelo Secretário de Estado, apresento a minha estimativa dos ganhos do Santander Totta com a “aquisição” da parte boa do Banif.
Sumário desta análise:
Ricardo Mourinho Félix defende, nas suas “contas certas”, que o banco limpo (o “Banif bom”) adquirido pelo Santander Totta por 150 milhões de euros (M€) vale, em termos contabilísticos, 809 M€ e que, se a alienação de activos pela Oitante corresse como esperado, os custos da resolução do Banif cairiam dos actuais 2 255 M€ para cerca de 1 700 M€.
Em contraste, estima-se nesta análise que é transferido para o Santander Totta um banco limpo com valor contabilístico de cerca de 1 931 M€, i.e., uma mais valia líquida de 1 187% face aos 150 M€ que o Santander “paga” pelo banco. Acrescem ganhos de sinergias que o Santander Totta pode obter ao juntar as suas operações com a parte do antigo Banif. Os rácios de capital do banco limpo são entre 3,4 e 6,2 vezes os mínimos legais exigíveis. Ou seja, o Santander Totta e o grupo Santander aumentam os seus rácios de capital graças ao dinheiro (involuntariamente) injectado pelos contribuintes portugueses e por investidores privados.
O custo para o erário público poderá ser de cerca de 2 800 M€, se as perspectivas mais optimistas do Secretário de Estado se confirmarem, muito superior portanto aos 1 700 M€ que refere no seu artigo. Mas pode aproximar-se ou mesmo exceder os 4 000 M€, se a venda dos activos do Banif pela Oitante correr mal e se o Estado for forçado a indemnizar accionistas e credores privados que perderam cerca de 750 M€ com a decisão do Banco de Portugal em aplicar a medida de resolução.
Há ainda uma questão técnica, que considero importante, relativamente ao montante de 150 M€ que o Santander “pagou” pelo Banif bom e que se afigura não terá sido contabilizado nas ajudas públicas autorizadas pela Comissão Europeia de que poderá resultar a obrigatoriedade do Santander Totta devolver dinheiro ao Estado.
Vejamos as contas:
Qual o valor do “banco limpo” adquirido pelo Santander Totta?
1- O Santander Totta adquiriu a parte do Banif em que:
— foram retirados 2 469 M€ de activos do antigo Banif, dos quais 2 194 M€ transferidos para a nova sociedade de gestão de activos Oitante, e 275 M€ para o “Banif mau”;
— foram arbitrariamente impostas imparidades de 1448 M€ nos activos transferidos para a Oitante;
— foram injectados 3 330 M€(=1 766+489+150+746+179) de activos, sendo 2 405 M€ em espécie resultantes do aumento de capital de 1 766 M€ pelo Estado, de 489 M€ pelo Fundo de Resolução e de 150 M€ pelo Santander Totta, bem como de 746 M€ de dívida da Oitante contra-garantida pelo Estado e de 179 milhões de activos por impostos diferidos (i.e., créditos fiscais).
2- Segundo o Secretário de Estado do Tesouro, o Santander Totta paga 150 M€ por um “banco” que tem um valor patrimonial de 809 M€ e um balanço de perto de 13 500 M€.[*] Assim, de acordo com o Secretário de Estado, o Santander Totta regista um ganho líquido de 440%. Nada mau.
3- Contudo, as contas são outras. Partindo do balanço consolidado do Banif do final do 3º trimestre de 2015, de cerca de 11 956 M€, corrigido da fuga de depósitos que ocorreu após da divulgação da notícia na TVI (ver Figura 1), após a injecção de 3 330 M€ dinheiros públicos, o banco limpo (“Banif bom”) passaria a ter um balanço de 12 817 M€. Antes da constituição de provisões, ficaria com capitais próprios de cerca de 1 931 M€, possuindo 5 672 M€ de dinheiro e activos de elevada liquidez, e 7 145 M€ de “outros activos” – sobretudo crédito a clientes (ver Figura 2).
Fonte: Estimativas do autor com base no balanço do Banif no 3.º T 2015 e no artigo de opinião de 4.5.2016 do secretário de Estado do Tesouro
Fonte: Estimativas do autor com base no balanço do Banif no 3.º T 2015 e no artigo de opinião de 4.5.2016 do secretário de Estado do Tesouro
4- O Banco de Portugal acordou com o Santander Totta a constituição, no banco limpo, de provisões de 1 133 M€, o que representa um “desconto” de 16,2% do valor contabilístico dos “outros activos” do banco e resulta numa diminuição dos capitais próprios do banco para próximo de 800 M€ (ver Figura 3). Com que fundamento se constituem arbitrariamente provisões de 1 133 M€ nos activos de melhor qualidade do banco? Porque não de outro montante qualquer? Porque é que se constituem provisões dessa ordem de grandeza e simultaneamente se vende o banco muito abaixo do seu valor patrimonial?
Fonte: Estimativas do autor com base no balanço do Banif no 3.º T 2015 e no artigo de opinião de 4.5.2016 do secretário de Estado do Tesouro
5- Se as novas provisões foram exageradas e forem completamente revertidas nos próximos meses e anos, então o valor patrimonial do banco limpo subiria dos cerca de 800 M€ referidos pelo Secretário de Estado para um valor próximo dos aqui estimados 1 931 M€ (Figura 2). Ou seja, o valor patrimonial do banco limpo adquirido pelo Santander é provavelmente próximo de 1 931 M€. Acresce que:
— o banco limpo estará provavelmente “muito limpo”, ou seja, deverá ter uma percentagem muito baixa de activos problemáticos que caracterizam a actividade bancária normal e, por conseguinte, deverá estar numa situação melhor do que a generalidade da banca portuguesa;
— os ganhos de sinergias que o Santander possa obter em fundir as duas operações (Santander Totta e Banif);
e ainda o facto de desta forma o Santander Totta ter obtido ganhos de quota de mercado que de outro modo seria muito difícil (e muito dispendioso) obter.
6- Também a tese do Secretário de Estado – da alegada deterioração dos rácios de capital do Santander Totta em resultado da aquisição do “Banif bom” -, não se afigura correcta, mesmo admitindo as referidas provisões de 1 133 milhões. Isto porque o Banif bom vendido ao Santander Totta, foi um banco “cheio” de activos de elevada liquidez (e.g., dinheiro, dívida pública) com um balanço ineficiente. Esse dinheiro fresco poderia ser utilizado para pagar dívida, reduzindo a dimensão do balanço e melhorando os rácios de capital do banco limpo: assim sendo, as estimativas do Secretário de Estado, do rácio de capital do banco limpo, estão muito subestimadas.
7- Considerando o balanço do banco limpo já optimizado (ver Figura 4), o Santander Totta multiplica por quase 13 vezes o capital utilizado na aquisição do banco limpo (excluindo sinergias), um ganho líquido de 1 187% do “investimento” de 150 M€ realizado. O banco limpo, que o Santander Totta adquiriu, teria um rácio de alavancagem de 18,5% – ou seja, 6,2 vezes o mínimo legal – e um rácio de solvência e de capital CET1 de 27%, i.e. 3,4 e 6 vezes o mínimo legal exigível, respectivamente.
Fonte: Estimativas do autor com base no balanço do Banif no 3.º T 2015 e no artigo de opinião de 4.5.2016 do secretário de Estado do Tesouro
Quais os custos da resolução para os contribuintes?
8- Se a Oitante for capaz de vender os 2 194 M€ de activos provenientes do antigo Banif por 746 M€, mais juros que a Oitante está entretanto obrigada a pagar ao Santander Totta, mais custos de funcionamento e comissões pagas pela Oitante; então as perdas totais para o erário público atingiriam 3 259 M€ (=2 405+179+825-150), já incluindo os 825 M€ que o Estado tinha “investido” em 2013 em acções e “CoCos” e considerando que terá recebido os 150 M€ pela venda do banco bom.[**]
9- Se, como refere o Secretário de Estado, a Oitante for capaz de vender esses activos por cerca de 1 200 M€ (a que se subtraem juros pagos ao Santander e outros custos de funcionamento da Oitante), então as perdas para o erário público serão próximas de 2 800 M€ (= 3 259-(1 200-746)), muito distantes, por conseguinte dos 1 700 M€ de custos estimados por Ricardo Mourinho Félix no seu artigo de opinião.
10- Se a Oitante vender esses activos por um valor inferior a 746 M€ ou se os custos da Oitante forem significativos, as garantias públicas poderão vir a ser exercidas e a factura para o erário público será superior a 3 259 M€.
11- Acrescem ainda perdas para privados – muitos cidadãos portugueses – que Mourinho Félix não refere no seu artigo de opinião, de cerca de 750 M€ (450 M€ dos aumentos de capital de 2013 e 2014 e cerca de 300 M€ de dívida subordinada). E é ainda provável que alguns desses privados ganhem as acções que interpuseram contra o Banco de Portugal e contra o Estado, agravando a factura pública.
O Banco de Portugal doou o banco limpo ao Santander Totta?
12- O artigo do Secretário de Estado do Tesouro vem confirmar a informação avançada pelo Jornal de Negócios de que os 150 M€ que o Santander pagou são injectados no Banif bom. Ora das duas uma:
— Ou o Santander pagou ao Estado 150 M€ e as ajudas do Estado aumentam em 150 M€ (e por conseguinte são superiores ao autorizado pela DG-Comp a 21 de Dezembro de 2015).
— Ou então o Santander pagou 0 (zero) euros pelo Banif bom e as ajudas de Estado são (“mais ou menos”) as autorizadas por Bruxelas. Note-se que não se compreende porque motivo os 179 M€ de activos por impostos diferidos concedidos ao Santander Totta aparentemente não são considerados ajudas estatais pela DGComp.
13- Isto pode ser, por alguns, considerado um insignificante pormenor de 150 M€. É todavia uma ponta solta que se afigura tecnicamente importante. Porque:
— se o Santander nada pagou, então não comprou o Banif bom nem este foi vendido – foi, quando muito, doado ao Santander Totta;
o Decreto-Lei que regula a resolução, não confere ao Banco de Portugal poderes para “doar” activos e passivos de bancos resolvidos; só prevê a “alienação parcial ou total da actividade” (art. 145º-E);
— o mais provável é que o Santander tenha pago 150 M€ ao Estado e que este tenha injectado esse montante no banco limpo; mas sendo assim, mesmo não considerando os 179 M€ de activos por impostos diferidos que constituem igualmente ajuda estatal, as ajudas de Estado são de 3 151 M€ (=3 001+150), superiores ao autorizado pela DG-Comp a 21 de Dezembro de 2015 (até 3 000 M€);
— em consequência, o Estado português estará, de minimis, obrigado a solicitar nova autorização para o auxílio de Estado concedido de 3 151 M€;
seria muito pouco provável que a DGComp autorizasse essa ajuda estatal adicional pelo que, se assim for, o Santander Totta ficaria obrigado a devolver ao Estado 150 M€ de ajuda estatal;
— é ainda interessante constatar que, a confirmar-se essa informação, o Santander literalmente pode ter “pago” a si próprio 150 M€ e … ainda recebe um banco limpo e “cheio” de dinheiro público fresco.
Em suma, um excelente negócio para o Santander Totta!
Economista
[*] Não se percebe como é que nas contas apresentadas a 4 de Maio de 2016 pelo Secretário de Estado do Tesouro o balanço do Banif cresce mais de 1 000 M€ nas vésperas da resolução.
**] Como referiu Jorge Tomé, num debate no Porto em que participei em 28.4, moderado por Rui Rio, e organizado pela Vida Económica e pela Ordem dos Contabilistas Certificados, a mera imposição de um haircut de 66% a esses activos e a venda forçada e apressada dos mesmos pela Oitante, deteriora o preço de negociação e de venda desses activos. Os activos estão valorizados no balanço da Oitante a 33% do seu valor líquido original e essa será a “base” de licitação, cristalizando enormes perdas para o erário público.
A meio do inquérito já se adivinham conclusões: pressão europeia, supervisão macia, e um resgate público, à luz de hoje, ruinoso. Mas falta aqui qualquer coisa. Se calhar Bruxelas tem mesmo razão.
É como num mau filme de suspense ou de barra de tribunal – ainda vamos a meio do segundo ato e já adivinhamos o final. E esse epílogo é um cocktail ao qual falta um ingrediente fundamental. Mas vamos primeiro aos que lá estão.
O primeiro é a pressão da Comissão Europeia, que nunca acreditou na viabilidade do Banif e fez, desde o início, pressão para que o banco, tal como o conhecíamos, terminasse.
O segundo ingrediente é o modelo de supervisão. O Banco de Portugal, que garantia em 2013 que a injeção de 1100 milhões de euros no Banif iria dar um lucro de 10% ao Estado, e que noutra ocasião assegurava uma “supervisão intrusiva”, tinha uma equipa permanente na instituição. Parte do problema está no modelo e não na ação de Carlos Costa – mas isso não livra o governador de ser o rosto de uma instituição que não previu nem evitou o colapso do Banif.
O terceiro é a decisão de recapitalização pública no final de 2012. Nessa altura já um relatório do Citigroup dizia que o banco era inviável. Em 2013 o próprio banco de Portugal apontava a nacionalização como a opção menos cara para o Estado.
Quarto ingrediente: as dificuldades adicionais colocadas pelo Banco de Portugal e por Bruxelas no pior momento possível: em outubro de 2015, logo após a equipa de Jorge Tomé ter feito o Banif regressar a lucros pelo primeira vez desde 2012.
Quinto: a desproporção de forças entre as autoridades nacionais e europeias. Governo e Banco de Portugal pouco ou nada conseguiram fazer para levar a sua avante. No final, a ideia de Bruxelas prevaleceu.
E isto leva-nos ao ingrediente que não tem estado presente – pelo menos em quantidade suficiente – nesta Comissão: o período que vai até 2012. Esse é o tempo em que o Banif se terá tornado um “banco péssimo”. Foi escutado Marques dos Santos, antigo presidente do banco, que admitiu que houve créditos “que correram mal” porque para crescer e impor-se no sistema, o banco tinha de arriscar mais do que os outros. Houve o Banif Brasil – um negócio ruinoso. Houve os créditos cruzados com o BES, desenhados de forma a enganar o regulador. Houve tudo isto e não se fez nada.
A Comissão tem gasto muito tempo a discutir quem tem mais culpa: Passos e Maria Luís, ou Costa o primeiro-ministro, ou Costa o governador. Mas pouco ou nada se falou de Horácio Roque e pouco ou nada se insistiu com Marques dos Santos. Talvez esteja aí uma parte fundamental da resposta para o colapso do Banif. Esse seria um final alternativo deste filme série B que temos visto na Assembleia. Não seria um final à Leicester. Se calhar seria mais à Se7en – Sete pecados mortais. Mas pelo menos não defraudaria tanto os espetadores.
José Ribeiro e Castro tece duras críticas à atuação dos deputados que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito.
O ex-presidente do CDS, José Ribeiro e Castro deixou palavras pouco simpáticas no que diz respeito à Comissão Parlamentar de Inquérito ao processo que conduziu à venda e resolução do Banif.
Na sua página pessoal do Facebook, José Ribeiro e Castro escreveu: “Acumulam-se dúvidas e questões sobre a fase final do processo Banif antes da resolução. Não me parece mal que os deputados dos diferentes partidos queiram esclarecer todos os passos procedimentais e quem tem responsabilidade sobre o quê. Mas parece-me mais adequado e importante que concentrem a indignação sobre quem ludibriou, quem geriu mal, quem malbaratou, quem furtou, quem burlou, quem desviou, quem encobriu, quem branqueou, quem num ambiente deplorável do sistema financeiro que nos trouxe a este estado e centenas de milhar à ruína pessoal”.
“Isso, sim, é que é preciso. O inquérito ao BES pareceu um passeio e, realmente, realmente, não aconteceu nada aos que prevaricaram gravemente. Houve muitos que escaparam até ao juízo severo da opinião pública”, considera, lembrando que já na Comissão de Inquérito ao BES não foi possível apurar responsabilidades.
As declarações do ex-deputado surgem depois de na sexta-feira o PS ter pedido para voltar a interrogar o governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, por causa da revelação de que partiu do BdP a proposta para que o Banco Central Europeu limitasse o financiamento ao Banif, na última semana de existência do banco.
Já o PSD e o CDS quiseram voltar a ouvir o ministro das Finanças que terá mentido à comissão na audição da semana passada, segundo o PSD.
Quase dez anos após o início da crise, o livro das regras de funcionamento bancário continua a ser escrito e reintrepretado, confirmando que a banca abusou, cresceu demais, e continua a ameaçar o nosso futuro, como prova o Banif.
Misture complacência da troika e das autoridades nacionais durante os dois primeiros anos para com o sistema financeiro, junte a confusão gerada por um desastre bancário chamado BES e reserve. No terceiro ano, durante os primeiros 11 meses, envolva lentamente várias pitadas de cálculo eleitoral, incluindo a decisão sobre a recondução na liderança do banco central. Termine com um choque inédito de perda de soberania nacional sobre o sistema bancário. O resultado, já imagina, é uma factura de mais de três mil milhões de euros paga pelos contribuintes para garantir a estabilidade do sistema financeiro português, com a subsequente entrega do banco a um gigante espanhol a mando de Bruxelas e Frankfurt.
Esta é, traços largos, a receita do desastre chamado Banif que continua a ser investigada pela comissão parlamentar de inquérito. Há ainda muita informação a recolher e a analisar, mas entre as cartas e as informações já divulgadas, e as audições de Jorge Tomé, António Varela e Carlos Costa, Mário Centeno e Maria Luís Albuquerque é já possível tirarmos algumas conclusões.
A História dá conta de uma aflitiva incapacidade de Jorge Tomé, Luís Amado e Maria Luís Albuquerque em reestruturarem o banco fundado por Horário Roque, um falhanço claro face ao objectivo que assumiram no final de 2012.
A seu favor, gestores e accionistas têm a difícil situação em que o banco se encontrava e o contexto económico e financeiro que o país atravessou, agravados pelo desastre do BES no Verão de 2013. É difícil, no entanto, compreender que tenham protelado o problema até não haver mais tempo.
O Banif ficará por isso para a História como mais um exemplo da complacência do Governo, da troika e do Banco de Portugal em limpar e recuperar o sector financeiro durante o programa de ajustamento. Nem mesmo instituições geridas por famílias que indiciavam colocar os bancos ao serviço dos respectivos grupos económicos motivaram actuações das autoridades. Não é demais lembrar que BES e Banif rebentaram após a saída limpa do programa em Junho de 2014, a qual deixou nos cofres públicos 6,4 mil milhões de euros, e nos balanços dos bancos mais de 20 mil milhões de euros crédito malparado – um problema que nos continua a perseguir.
Pior, em 2015, há indícios de que cálculos eleitorais adiaram uma acção mais enérgica por parte do Governo, possivelmente com a conivência do governador do Banco de Portugal que foi reconduzido no cargo nesse ano, apesar do desastre no BES e da oposição dos três partidos que vieram a formar Governo meses depois.
Finalmente, na dimensão nacional, o caso Banif evidencia ainda a fragilidade de Carlos Costa que, desde 2014, viu a sua credibilidade manchada pelo desastre no BES, ao mesmo tempo que a união bancária europeia transferia muito do seu poder para Bruxelas e Frankfurt. O homem que chegou a ser falado para líder de um governo de salvação nacional acabou a permitir que mais um banco à deriva se afundasse numa corrida aos depósitos.
Mas o Banif é ainda interessante em duas outras dimensões que se afirmaram já com o novo Governo e com a resolução e venda do Banif ao Santander.
O episódio exibe, por um lado, o grau de cedência de soberania para Bruxelas e Frankfurt – a maior desde a perda do escudo – que resulta da união bancária. Sendo claros, BCE e a Comissão Europeia decidiram o futuro de um banco contra a vontade do Governo, entregando-a a capital espanhol, e fizeram-no usando dinheiro dos contribuintes portugueses, não prestando as devidas explicações no Parlamento.
Por outro lado, mostra a desconfiança europeia em relação às novas regras europeias de resolução de bancos, criadas para defender os contribuintes com a promessa de impor antes perdas a obrigacionistas e depositantes acima de 100 mil euros. A verdade é que nem o Governo de António Costa, nem o BCE, nem a Comissão Europeia quiseram experimentar a liquidação do banco, ou as novas regras.
Ricardo Mourinho Félix, o novo secretário de Estado, num exercício de transparência que deve ser destacado, escreveu recentemente a perspectiva do Governo, defendendo, com números, que a resolução foi melhor do que a liquidação. Falta explicar e debater por que razão entendeu que gastar três mil milhões de euros dos contribuintes foi preferível a queimar 2,8 mil milhões de euros dos depositantes não seguros.
O actual Governo argumenta com os efeitos devastadores para a confiança no sistema financeiro português e para as economias da Madeira e dos Açores. Se assim é, somos forçados a concluir que mesmo um banco que pesava 6% no PIB português e 0,1% da Zona Euro pode ser demasiado grande para falir ou para impor perdas aos obrigacionistas e depositantes – a ponto de forçar um aumento significativo da dívida pública de um país já muito endividado.
Quase dez anos após o início da crise, o livro das regras de funcionamento bancário continua a ser escrito e reintrepretado, confirmando que a banca abusou, cresceu demais, e continua a ameaçar o nosso futuro.
A União Bancária é de novo um dos casos em que receamos – com fundadas razões e exemplos – a má utilização dos novos poderes que se transferem e que se confiam a instâncias europeias.
É certo que a tarefa das instituições europeias no que se refere à União Bancária não é fácil: durante demasiados anos “empurrou-se o problema com a barriga” e os supervisores nacionais foram condescendentes com os “campeões nacionais” (i.e., os bancos nacionais).
Contudo, as soluções não podem ser decisões arbitrárias, não devidamente fundamentadas e explicadas. E não podem ser decisões à revelia de direitos e princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático. Não podem ser farsas, como referido por dois deputados à Assembleia da República na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif.
Não se pode aceitar que tendo sido criados dentro (e fora) do BCE mecanismos para procurar isolar o processo de decisão da política monetária, dos processos de decisão da supervisão bancária (Mecanismo Único de Supervisão) e dos processos de decisão relativos a resolução bancária (Mecanismo Único de Resolução), na prática seja o Conselho de Governo do BCE – responsável exclusivamente pela política monetária – a tomar sozinho e de forma arbitrária todas as decisões importantes para a supervisão bancária e para a resolução bancária, à revelia dos órgãos competentes.
Com efeito, como evidencia o que já veio a público na Comissão de Parlamentar de Inquérito ao Banif, foi isso que aconteceu: o Conselho do BCE determina o congelamento do financiamento ao Banif numa semana, mas segundo António Varela, terá determinado e informado o Banco de Portugal (mas não o próprio Banif ou a CMVM) que retiraria o financiamento ao Banif na segunda-feira seguinte, dando assim sinais de que pretendia que se aplicasse a medida de resolução ao Banif durante esse fim-de-semana.[1] Ou, no caso da recapitalização do Novo Banco, em que terá sugerido ao BdP que se impusessem perdas a alguns credores seniores.
São estas as formas certas de tomar decisões, nos bastidores, sem assumir responsabilidades, sem qualquer transparência, escolhendo os compradores?
Certo é que toda esta arbitrariedade dificilmente terá bons resultados. Está a resultar em “activismo”, ou seja, em movimentações não se sabe bem com que sentido e em que direcção no sistema bancário, em que accionistas de bancos, gestores de bancos e governos sentem que têm de fazer algo rapidamente: em quedas e volatilidade nas bolsas, em fusões, em injecções de capital, em criação de fundos públicos e outros instrumentos públicos para “apoiar” a banca, etc.
Em Itália, o governo de Matteo Renzi pretende criar um banco mau, para ficar com 200 mil milhões de euros de crédito mal parado da banca e criar um fundo público para injectar capital na banca italiana.
Em Portugal, o primeiro-ministro sugere medida similar para a banca portuguesa e preparam-se grandes fusões na banca, com o BPI a ser adquirido pelo La Caixa espanhol, a perspectivar-se a aquisição do BCP por empresa do grupo angolano de Isabel dos Santos, e a aquisição do Novo Banco pelo La Caixa. Ou seja, uma enorme concentração do mercado bancário.
Na Grécia, a Direcção Geral da Concorrência (DGComp) da Comissão Europeia deu o seu aval a injecções de capital público em grandes bancos privados no final do ano passado, considerando que não ocorreu ajuda estatal ilegal, uma vez que as injecções de capital contaram com uma grande participação do sector privado. Ora, entre os accionistas “privados” que participaram no aumento de capital de alguns desses bancos gregos, estão: fundos soberanos de riqueza, o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento e a International Finance Corporation do Banco Mundial. Ou seja, esses fundos soberanos e esses bancos multilaterais públicos utilizam dinheiros públicos para “investir” em acções da banca grega apostando, naturalmente, em mais-valias. Mas, numa pequena parte graças a esses investimentos, a ajuda estatal passa de “ilegal” a “legal”, de acordo com a Comissão Europeia e com a Comissária Margrethe Vestager. E alguns desses bancos têm planos de reestruturação e de recapitalização que se sucedem há anos.
A resolução do Banif em dezembro de 2015 tem sido discutida por diversos analistas com base em pressupostos falaciosos. O conhecimento dos pressupostos em que decorreu o processo de resolução são essenciais para avaliar a solução escolhida e as alternativas. O debate sobre o custo de qualquer decisão tem que ser feito por comparação com as alternativas disponíveis. No caso da resolução do BANIF, muito do debate tem-se centrado na comparação da solução escolhida com uma alternativa sem custos para o contribuinte, cujos contornos nunca se especificam. Portanto, uma falácia. Fruto de más decisões passadas e oportunidades perdidas, não existiam soluções sem custos quando foi imperativo decidir. No momento da tomada da decisão, o dia 18 de dezembro, a questão era: a resolução ou a liquidação?
Neste contexto, uma análise séria da decisão tem que comparar o custo da resolução com o de uma liquidação. O custo de uma liquidação é sempre difícil de avaliar. Para além do custo direto, que só é conhecido após a liquidação, existem custos indiretos que não são facilmente quantificáveis.
O custo do processo de resolução foi significativamente menor do que o que decorreria de uma liquidação, ainda que se considerem apenas os impactos financeiros diretos. Acresce que, no contexto em que se procedeu à resolução do BANIF, a incerteza sobre o sistema bancário era elevada pelo que uma liquidação lançaria suspeitas sobre a totalidade do sistema, com implicações no financiamento da economia, na produção e no emprego.
O apuramento do custo direto da liquidação é elucidativo. A liquidação implicaria a perda da posição acionista do Estado no valor de 825M€, idêntica à que sucederia no contexto da resolução. Este custo é independente da decisão e decorre da absorção de imparidades não reconhecidas prévias à resolução do Banif.
Numa liquidação, o Estado seria chamado a responder por 2900M€ de depósitos garantidos. O Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) dispunha de fundos que cobririam 1500M€ de depósitos, pelo que o Estado teria que assegurar, com recurso ao Orçamento 1400M€, para cobrir todos depósitos garantidos. O esgotamento do FGD implicaria que deixasse de existir cobertura dos depósitos garantido noutros bancos, criando uma desconfiança generalizada sobre todos os depositantes e riscos significativos. Alternativamente, teriam que ser aportados fundos públicos adicionais ao FGD gerando necessidades de financiamento dificilmente comportáveis. (ver, no quadro abaixo, estimativa de custos de resolução vs. liquidação).
Adicionalmente, uma proteção dos depósitos não-garantidos, idêntica à que foi assegurada no cenário de resolução, implicaria custos adicionais para o Estado de 2800M€. Alternativamente, o Governo poderia decidir não assegurar o pagamento destes depósitos. Tal decisão geraria uma enorme desconfiança, em particular numa situação em que o FGD deixasse de estar capitalizado. Assim, ainda que toda a dívida (sénior e subordinada) fosse também chamada a responder por imparidades não reconhecidas, a garantia de todos os depósitos teria um custo para o Estado de 5700M€.
Para calcular o custo líquido é necessário subtrair ao custo de liquidação uma estimativa do valor dos ativos do Banif em venda forçada, o qual é muito incerto. A generalidade dos ativos bancários apenas tem valor significativo num contexto de continuidade do negócio. A venda forçada decorrente de uma liquidação penaliza sempre o vendedor e a sua materialização implica custos com os serviços necessários. Aplicando uma taxa de depreciação (líquida de custos) de 85%, um valor comum para estimativas deste teor, a venda dos ativos atingiria 1892M€. Resultado deste balanço, o custo direto de uma liquidação estimar-se-ia em 5107M€.
O custo da resolução foi de 3565M€, dos quais 3259M€ suportados pelo Estado e 306M€ por obrigacionistas subordinados. O encargo para o Estado decorrente da resolução foi de 2255M€, o custo remanescente é determinado por decisões anteriores. Alternativamente, o custo direto estimado de uma liquidação é de 5107M€, cabendo ao Estado um custo de 4633M€ e aos obrigacionistas de 474M€. Da comparação resulta claro que a resolução foi a solução que melhor protegeu o interesse dos contribuintes.
Os custos indiretos, apesar de não serem facilmente quantificáveis, podem ser especificados. Desde logo dizem respeito a custos sociais. A liquidação do Banif implicaria a destruição de cerca de 2000 empregos e o pagamento de subsídios de desemprego e prestações substitutivas do rendimento. Uma parte significativa destes empregos seria destruída nas ilhas da Madeira e Açores, onde o BANIF tem um papel sistémico. O Governo não poderia deixar que o colapso do banco destruísse emprego e riqueza em regiões ultraperiféricas e em que um aumento do desemprego significativo do desemprego seria difícil de dissipar.
Adicionalmente, a liquidação do Banif implicaria a destruição de poupanças de muitos emigrantes, dado o papel que a instituição desempenhava junto das comunidades emigrantes na Venezuela, Estados Unidos e Brasil. Por fim, tendo em conta as dúvidas prevalecentes sobre o sistema bancário, uma liquidação do Banif poderia despoletar uma desconfiança com efeitos difíceis de prever.
A resolução foi claramente a solução que melhor protegeu os contribuintes portugueses e a estabilidade financeira. Uma liquidação implicaria custos superiores, destruiria mais empregos e riqueza, contribuiria para um aumento da incerteza e para a deterioração da confiança na economia portuguesa. A decisão tomada foi a que melhor protegeu contribuintes, trabalhadores e depositantes.