O fantasma do BPN continuava a pairar e, tal como os investidores privados fugiram com medo de mais buracos escondidos, aqui ninguém podia garantir que não existiam. Nacionalizar o BES seria integrar no Estado tudo o que lá estava.
As razões pelas quais se mudou de ideias entre 30 de Julho e 1 de Agosto, colocando de parte, em dois dias, o plano de capitalização pública, são ainda pouco claras, independentemente de ser ou não a melhor solução. Uma das explicações dadas pelo supervisor é a decisão do BCE, que, no dia 31, anuncia que vai retirar ao BES o estatuto que lhe permite ir ali buscar dinheiro já no dia seguinte, 1 de Agosto. Isso significaria, para o banco, ter de devolver 10 mil milhões de euros a Frankfurt, dinheiro que, manifestamente, não tinha. Consegue-se depois que só faça isso a 4 de Agosto, já com a resolução concretizada.
A preocupação do Governo e também do Banco de Portugal em demonstrar que se salva o BES «sem custos para o contribuinte» desenha-se, contudo, como um factor de peso na decisão. O Governo fez questão de salientar que o Fundo de Resolução não significava custos para os contribuintes. E o próprio governador do Banco de Portugal fez esse raciocínio na declaração pública sobe a resolução. «Quero aqui realçar que os recursos financeiros do Fundo de Resolução não incluem fundos públi- cos», pode ler-se na comunicação de Carlos Costa.
O fantasma do BPN continuava a pairar e, tal como os investidores privados fugiram com medo de mais buracos escondidos, aqui ninguém podia garantir que não existiam. Nacionalizar o BES seria integrar no Estado tudo o que lá estava.
Sem interesse dos investidores privados e sem hipótese, por vontade do Governo ou impossibilidade de facto, de usar a linha de capitalização pública, o BES entrou no processo de resolução. Um plano já previsto nas directivas europeias, no quadro das novas regras que a Zona Euro estava a construir para a União Bancária que pretendia poupar os contribuintes fartos de «salvar bancos». Mas a receita nunca tinha sido aplicada e não existiam ainda regras para isso em Portugal. O que obrigou o Governo a aprovar legislação em pleno fim-de-semana.
No Banco de Portugal, técnicos da instituição e consultores passam as contas do BES pelo pente mais fino possível. Não suficientemente fino, como se verá mais tarde.
A resolução do banco parece ser a única solução, já que o seu encerramento está fora de questão. O BCE convence-se a manter o banco ligado a si até segunda-feira, dia 4 de Agosto. Durante o fim-de-semana, operacionaliza-se a separação dos activos e das responsabilidades. Em 48 horas. Às 8h30 de segunda-feira, 4 de Agosto, é preciso abrir as portas de um BES novo, separado dos activos tóxicos, que possa receber os clientes e actuar normalmente.
Constitui-se um «gabinete de crise», chamam-se pessoas que estavam de férias, fazem-se directas na Rua do Comércio. Entre advogados, consultores, teleconferências com Frankfurt e Bruxelas, desenham-se as soluções. Comunica-se ao Presidente da República. Reúne-se com o Governo porque é preciso dinheiro e são necessárias leis que ainda não existem para enquadrar a solução. No Banco de Portugal, técnicos da instituição e consultores passam as contas do BES pelo pente mais fino possível. Não suficientemente fino, como se verá mais tarde. Separam-se valores. Os accionistas e obrigacionistas subordinados ficavam no «BES mau», assim como os activos problemáticos e relacionados com o grupo familiar. O «BES bom» fica com os activos saudáveis, os depósitos, os obrigacionistas não subordinados e um capital de 4,9 mil milhões de euros.
Os jornalistas são convocados para a declaração do governador do Banco de Portugal quando passam 23 minutos das nove da noite de domingo. Às 23h00, Carlos Costa anuncia a primeira operação de resolução de um banco na Zona Euro. Nasce publicamente o Novo Banco, que era para ser Novo Banco Português antes de alguém se lembrar de que a sigla NBP lembrava BPN. O fantasma aparecia de novo.
Mas como foi possível um banco tão escrutinado, fiscalizado e questionado pelo Banco de Portugal e pelo seu auditor, a KPMG, ter escondido prejuízos daquela dimensão? Há duas transacções que só são identificadas depois de Ricardo Salgado sair, realizadas no último mês e meio da sua liderança. Uma é a sofisticada operação circular envolvendo a Eurofin, uma sociedade suíça que já tinha pertencido à família Espírito Santo. O BES financia-se com dívida através de obrigações que vende à Tranquilidade, que, por sua vez, vende à Eurofin, que, por sua vez, vende aos clientes do BES. Neste caminho, entram no banco 468 milhões de euro; mas o banco assumiu a responsabilidades de 1250 milhões, o montante que foi colocado nos clientes. Quem ficou com a diferença? De acordo com o que foi apurado na comissão parlamentar de inquérito ao caso BES, foi a Eurofin que usou esse dinheiro para comprar dívida de empresas do GES a alguns clientes. Ou seja, à beira da falência, terá ressarcido antecipadamente alguns clientes.
A outra origem dos prejuízos, de menor dimensão, está relacionada com a Venezuela. O BES assumiu a responsabilidade de lhe pagar o que devia de aplicações realizadas no grupo.
No meio do processo de resolução, dia 1 de Agosto, estoira um outro problema. O supervisor angolano, o BNA, comunica ao Banco de Portugal que a instituição dos Espírito Santo em Angola, o BESA, vai ser intervencionada. O BES tem ali mais de 3300 milhões de euros emprestados. Dias antes, apenas se sabia que parte dos créditos do banco ia ser reestruturada.
Só em Junho, quando o Expresso revela que há créditos concedidos no BESA, quando liderado por Álvaro Sobrinho – que foram concedidos sem garantias e alguns nem se sabe a quem –, é que na Rua do Comércio se percebe o que está em causa.
O Banco de Portugal desconheceu até muito tarde os problemas que existiam no BESA. Enquadrava o elevado empréstimo do BES ao seu banco angolano na estratégia de expansão da instituição e no apoio a empresários portugueses naquele país. Outros bancos faziam o mesmo, embora isso tivesse acontecido nas suas participadas na Europa. Em Janeiro de 2014, Ricardo Salgado entrega ao Banco de Portugal uma garantia soberana assinada pelo presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, que segurava 70% dos créditos do BESA. O supervisor considera que o objectivo é poupar capital, reduzindo o risco. Depois de várias peripécias – entre elas o pedido de um parecer que acaba por ser dado por um advogado do escritório de Daniel Proença de Carvalho –, o Banco de Portugal não aceita a garantia.
Só em Junho, quando o Expresso revela que há créditos concedidos no BESA, quando liderado por Álvaro Sobrinho – que foram concedidos sem garantias e alguns nem se sabe a quem –, é que na Rua do Comércio se percebe o que está em causa. Em causa estão financiamentos da ordem dos 5,7 mil milhões de dólares.
Por isso é que Ricardo Salgado tinha ido a Angola a 2 de Outubro de 2013. Recebido pelo presidente José Eduardo dos Santos na companhia de Amílcar Morais Pires, Daniel Proença de Carvalho e Rui Guerra, o presidente executivo do BESA. Na Rua do Comércio, só se percebe oito meses depois que o BES pode perder os mais de 3 mil milhões de euros que emprestou ao seu banco angolano. «A casa dos horrores», assim classificará Salgado o BESA numa das reuniões do conselho superior.
Angola acabará por fazer um acordo com o Novo Banco em Outubro de 2014, pela mão de Eduardo Stock da Cunha. A participação no BESA ficou no «BES mau», mas, no quadro da reestruturação do BESA realizada pelo Banco Nacional de Angola, o Novo Banco recuperou 20% do empréstimo que lá tinha e ficou com 10% do «novo BESA». Agora chama-se Banco Económico.
«Nunca vi um risco tão grande à minha frente», confessa um banqueiro. Está a referir-se aos 4,9 mil milhões de euros injectados no Novo Banco que pairam sobre o sistema bancário português, o verdadeiro accionista do «banco bom» do BES.
No fim-de-semana em que se decidiu a resolução do BES, os banqueiros tentaram persuadir o Governo a não colocar sobre eles esse peso. A que título iam pagar as asneiras da concorrência? Para alguns, estão também a receber a factura da incapacidade do Banco de Portugal para resolver o problema do BES a tempo, apesar dos alertas que fizeram. Mas a ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque não cedeu. «Sem custos para os contribuintes» era a frase que o Governo queria dizer.
A decisão mais controversa decorreu em finais de 2015. Cinco empréstimos obrigacionistas, com o selo de seniores, foram transferidos para o BES, aliviando as contas do Novo Banco em cerca de 1,9 mil milhões de euros.
A breve história do Novo Banco está já repleta de prejuízos acumulados e reforços de capital directos ou indirectos. O banco bom revelou ser um banco ainda com muita coisa má. A necessitar de mais e mais dinheiro, recheado de imóveis e terrenos, participações em empresas pouco saudáveis, crédito malparado que em parte estava relacionado com as empresas da família Espírito Santo.
O dinheiro inicial ali metido já se eleva a 7500 milhões de euros por via de decisões do Banco de Portugal de transferir para o «BES mau» algumas das dívidas que tinham ficado no banco bom. Só assim tem sido possível ao Novo Banco respeitar os rácios legais de capital.
A decisão mais controversa decorreu em finais de 2015. Cinco empréstimos obrigacionistas, com o selo de seniores, foram transferidos para o BES, aliviando as contas do Novo Banco em cerca de 1,9 mil milhões de euros. Quem tinha dinheiro aplicado nestas obrigações passa a ser credor da massa falida do BES, ao lado de accionistas como a família Espírito Santo, o Crédit Agricole e outros pequenos accionistas e obrigacionistas subordinados. O BES entrou em processo de liquidação no fim de 2015.
Porquê estes credores e não outros? Nas justificações do Banco de Portugal conta o facto de serem títulos destinados a investidores institucionais, os mais qualificados. Mas a decisão gerou uma onda de desconfiança, nos meios financeiros internacionais, em relação à efectiva solidez financeira da banca portu- guesa e do país em geral.
Um acontecimento que ocorreu ao mesmo tempo que, no exterior, se tentava compreender a solução governativa do PS (de aliança com o PCP e o Bloco de Esquerda) e António Costa adoptava um conjunto de medidas que anulavam decisões anteriores, com efeitos em grupos estrangeiros, como foi o caso da reversão das concessões nos transportes e da privatização da TAP.
O caso das «obrigações seniores» foi ainda motivo de outras desconfianças. Para tomar a decisão, o Banco de Portugal teve reuniões com a Comissão Europeia em que esteve na mesa, ao mesmo tempo, o processo do Banif. Razão pela qual há, no uni- verso financeiro, quem admita, como já vimos, que se trocou a salvação do Novo Banco pelo sacrifício do Banif.
Em ano e meio, [o Novo Banco] acumulou prejuízos de quase 1500 milhões de euros e já deu como perdidos mais de mil milhões de euros de crédito. E a limpeza está longe de concluída.
Mais tarde, na sequência da divulgação de uma carta do primeiro-ministro António Costa ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e ao presidente do BCE, Mario Draghi, admite-se ainda que na negociação com as instâncias europeias tenha também estado a capitalização da CGD. Esta era a segunda vez que o Banco de Portugal determinava a transferência de empréstimos para o «BES mau» que em Agosto se tinha decidido que ficariam no Novo Banco. A estreia decorreu em finais de 2014 e envolveu o poderoso banco Goldman Sachs, que, à data da resolução, era accionista do BES. Os accionistas, no quadro da resolução, ficaram ligados ao banco mau.
Em Junho de 2014, cerca de um mês antes de Ricardo Salgado sair, o fundo de investimento Oak Finance, gerido pelo Goldman, empresta mais de 500 milhões de euros ao BES. O Novo Banco assume a responsabilidade de pagar esse crédito em Agosto. Mas, em Dezembro, o Banco de Portugal considera que quem realmente emprestou foi o Goldman, e que o fundo actuava por sua conta. Como o banco norte-americano era accionista do BES, teria de perder também esse empréstimo, como aconteceu com outros accionistas que eram também credores. Obviamente que o Goldman discordou, e o caso será julgado em Londres, na sequência de um processo interposto por investidores do Oak, entre eles um fundo neozelandês.
O reforço do balanço do Novo Banco é a resposta encontrada para as perdas que se iam detectando e que não se descobriram em Agosto. Em ano e meio, acumulou prejuízos de quase 1500 milhões de euros e já deu como perdidos mais de mil milhões de euros de crédito. E a limpeza está longe de concluída, numa altura em que o banco já vai no seu terceiro presidente em ano e meio e na segunda tentativa de venda.
Vítor Bento e a sua equipa, José Honório e João Moreira Rato, batem com a porta em Setembro. Tinham ficado contra a sua vontade já na altura da resolução, apenas para não criar mais instabilidade. Eram contra a estratégia que estava ser seguida para o Novo Banco. Defenderam, desde a primeira hora, um modelo mais próximo do britânico: devia-se reestruturar o banco e depois vender de uma só vez ou em operações no mercado de capitais. Com tempo. Foram vencidos. Governo e Banco de Portugal queriam uma venda rápida. Sempre o fantasma do BPN a pairar.
Será António Horta Osório a ajudar o Governo a encontrar um sucessor para Vítor Bento. Eduardo Stock da Cunha, com uma carreira iniciada no Santander, vai buscar gestores com experiência na banca.
«Quando é que se resolve o resolvido?» Foi a pergunta de humor negro nesse Verão de 2014 após a resolução. Cada dia que passava o banco perdia depósitos e as equipas tinham baixado os braços. Será António Horta Osório a ajudar o Governo a encontrar um sucessor para Vítor Bento. Eduardo Stock da Cunha, com uma carreira iniciada no Santander, vai buscar gestores com experiência na banca, como Vítor Fernandes e José João Guilherme. Quando entram no banco, a grande prioridade é recuperar a con- fiança. O banco estava a meia dúzia de dias de fechar por falta de liquidez.
Acompanham a primeira tentativa falhada de venda do banco, avançam com uma das medidas mais duras, a dos despedimentos, e deslindam os novelos de financiamentos ao banco e ao GES. Autênticas matrioskas, reconhecerá Eduardo Stock da Cunha em entrevista ao Jornal de Negócios na hora da despedida, em Julho de 2016. A sua equipa consegue resolver alguns problemas de clientes desprevenidos, com especial relevo para os emigrantes que tinham nas mãos dívida do GES mascarada de acções prefe- renciais de um veículo financeiro.
Por resolver ficou o problema dos conhecidos como «lesados do papel comercial», fruto de um equívoco ou erro cometido pelo Banco de Portugal. Na altura em que nasceu o Novo Banco, todas as declarações do Banco de Portugal e de Carlos Costa apontavam para o pagamento dessa dívida por parte do Novo Banco. Só mais tarde os juristas que acompanharam o processo percebem que não o podem fazer. O banco estaria a pagar dívida que não era sua e, com isso, daria armas a credores que foram vítimas da resolução do BES, como os accionistas e, especialmente, os obrigacionistas.
O problema dos lesados do BES gerou um violento conflito na praça pública entre os «Carlos», o governador do Banco de Portugal e o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). No início de 2016, ainda estava por resolver. O Governo de António Costa conseguiu acalmar os ânimos dos pequenos investidores e acabar com as manifestações. Apesar de terem nas mãos um crédito sobre as empresas da família Espírito Santo, era à frente da agora sede do Novo Banco que se manifestavam, ou mesmo à porta do governador do Banco de Portugal.
António Ramalho é o sucessor de Eduardo Stock da Cunha. Nasce na banca, tendo trabalhado com António Champalimaud, e, no BCP, com Carlos Santos Ferreira. Nos últimos anos, estava na Infraestruturas de Portugal, empresa que gere as estradas e faz a gestão dos contratos de auto-estradas. Será com ele que decorrerá a venda do Novo Banco.
«Sem custos para os contribuintes» parece manifestamente impossível. Numa altura em que o BCP vale cerca de mil milhões de euros, pensar que se consegue que alguém compre o Novo Banco por 4,9 mil milhões de euros é uma ilusão. Como os bancos que sobreviveram a esta mortandade estão a lutar por se man- terem à tona de água, é mínima a probabilidade de serem eles a suportar a salvação dos depositantes do BES.
O banqueiro preso
Preso durante oito meses. À espera das sentenças em casa. Foi responder à comissão parlamentar de inquérito em carro celular. José Oliveira e Costa, agora com mais de 80 anos, era um homem acima de qualquer suspeita. Tinha trabalhado na área de supervisão do Banco de Portugal e assumira a pasta dos Assuntos Fiscais com Miguel Cadilhe como ministro nos governos de Aníbal Cavaco Silva entre 1985 e 1991. É, até agora, o único banqueiro que esteve numa cela. As contas da nacionalização continuam a cair nos bolsos dos contribuintes.
O BPN será o primeiro e o pior exemplo do que accionistas e gestores podem fazer com os depósitos dos seus clientes. Aqui, levou-se ao limite o que aconteceu no BCP e no BES. Parte do que ali se passava era do conhecimento do Banco de Portugal, pelo menos, desde 2002. É por isso também um caso exemplar dos problemas do modelo de supervisão, muito baseado na con- fiança nas pessoas e nas conversas de persuasão realizadas nos salões.
O menu de irregularidades e de uma gestão de elevadíssimo risco é bastante completo – sempre com o produto mais básico de um banco, o crédito. Os empréstimos são concedidos a accionistas para serem accionistas (sim, não é gralha), e a accionistas e amigos para negócios no imobiliário, que depois eram comprados pelos fundos do BPN, para depois os accionistas e os seus amigos realizarem uma boa mais-valia.
Para disfarçar o que fazia, o BPN tinha quase uma centena de sociedades offshores, suas ou da sua empresa accionista, a SLN. Por aí podia passar, por exemplo, o dinheiro que depois era usado por empresas ou por clientes individuais para comprarem acções do BPN, tornando-se seus donos com o dinheiro dos depositantes.
É, como salienta quem acompanhou os casos da banca, uma versão mais rústica do que se fez no BCP, quer para financiar a sua expansão na última década do século xx como, mais tarde, quando a CGD e o próprio BCP se envolveram em empréstimos para controlar o banco fundado por Jardim Gonçalves.
Só se consegue fazer o que se fez no BPN quando não se cumprem as regras mínimas de análise de crédito e se mantêm contabilidades paralelas. Era exactamente isso que acontecia. Havia empréstimos que não passavam pela análise de risco e eram decididos pela administração centralizada em José Oliveira e Costa. Existia um balcão virtual, que não entrava nas contas, e o Banco Insular, que muito se discutiu se pertencia ou não ao BPN.
A participação directa ou indirecta de ex-ministros completava a lógica de um banco com o desenho certo para usar o dinheiro dos depositantes para financiar os accionistas.
O BPN tinha uma estrutura accionista peculiar, que só por si propiciava os financiamentos a negócios dos accionistas, que mais tarde foram identificados com mais rigor, violando todas as regras. No topo estava a Sociedade Lusa de Negócios (SLN), que na altura se estimava que teria quase quatro centenas de accionistas, a maioria deles pequenas e médias empresas. O ex-presidente da República Aníbal Cavaco Silva chegou a ser um dos accionistas da SLN, em 2001 e 2003, tendo comprado as acções a um euro e vendido por 2,4 euros.
A participação directa ou indirecta de ex-ministros completava a lógica de um banco com o desenho certo para usar o dinheiro dos depositantes para financiar os accionistas. Como ex-governantes do PSD, além de José Oliveira e Costa, Manuel Dias Loureiro é outra das personalidades envolvidas nos negócios do BPN. Do lado dos devedores encontra-se o ex-ministro Arlindo Carvalho, acusado no âmbito do caso Pousa Flores. Também Duarte Lima foi beneficiário de um empréstimo para construir a sede do IPO em Oeiras, que acabou por não concretizar, tendo ficado com parte do dinheiro, de acordo com o que foi para já provado em tribunal.
Seis anos antes da nacionalização do BPN para evitar a sua falência, o Banco de Portugal identifica pela primeira vez problemas graves. Numa inspecção de 2002, pode ler-se que existe no banco uma elevada concentração de crédito ao sector imobiliário. Mais grave ainda: as aquisições de imobiliário ou de empresas desse sector são financiadas e depois compradas pelos fundos geridos pelo BPN, dando uma mais-valia ao vendedor.
Nessa altura, os técnicos do Banco de Portugal dizem ainda que a concessão de crédito é pouco prudente, que há casos em que não se fez análise de risco e que o financiamento é directamente decidido pela administração. Identificam-se vendas de empresas a sociedades offshores, só assim conseguindo o banco respeitar os limites de financiamento a sociedades do próprio grupo. Concluem que 18 grupos económicos concentram 17% do crédito e que há dossiês de financiamento incompletos.
Em 2005, o Banco de Portugal regressa, e acaba por detectar basicamente os mesmos problemas. Agora é 19% do crédito que está em 18 clientes, representando 2,4 vezes os fundos próprios do banco: mais de metade dos empréstimos estão no sector imobiliário, 19% do crédito foi concedido a accionistas ou a entidades com eles relacionadas.
Tudo isto pode ler-se na primeira comissão parlamentar de inquérito ao BPN realizada logo após a nacionalização, em finais de 2008. Porque nada fez o Banco de Portugal? Vítor Constâncio era nessa altura governador e os vice-governadores com a área da supervisão foram, primeiro, António Marta, entretanto falecido, em 2015, e Pedro Duarte Neves, que será o responsável da super- visão a partir de 2006 e acompanhará depois todos os outros casos em Portugal.
O que não se compreendia era porque nada tinha feito o Banco de Portugal, apesar dos dados fornecidos pelas inspecções. António Marta foi o único a assumir falhas “pessoais”.
O Banco de Portugal foi um dos principais visados desta primeira comissão de inquérito, com Nuno Melo, deputado do CDS, a assumir um grande protagonismo nas críticas a Vítor Constâncio. Tal como o ex-ministro das Finanças Miguel Cadilhe, que, meses antes da nacionalização, tinha assumido a liderança do BPN, em substituição de José Oliveira e Costa.
O que não se compreendia era porque nada tinha feito o Banco de Portugal, apesar dos dados fornecidos pelas inspecções. António Marta foi o único a assumir falhas «pessoais». Admite que poderia ter ido mais longe. Mas considera que a lei só dá ao supervisor «pequenos mísseis» ou «bombas atómicas».
O vice-presidente do BCE desde 2010, Vítor Constâncio, refutou todas as críticas, seguindo, basicamente, o raciocínio de que era impossível detectar a contabilidade paralela que o banco tinha. «A supervisão não é uma polícia» e «não sou polícia» são as mensagens básicas deixadas por Vítor Constâncio sobre esse tema.
A informação que o Banco de Portugal já detinha em 2005 é considerada pelos críticos como mais do que suficiente para uma intervenção mais activa. As inspecções de 2002 revelaram práticas arriscadas.
A defesa do Banco de Portugal apoia-se no desconhecimento absoluto do Banco Insular de Cabo Verde e na existência de créditos não registados (o balcão que era um computador), elemen- tos determinantes para o colapso do banco. A que se junta cerca de uma centena de sociedades offshores directa ou indirectamente ligadas à instituição.
A informação que o Banco de Portugal já detinha em 2005 é considerada pelos críticos como mais do que suficiente para uma intervenção mais activa. As inspecções de 2002 revelaram práticas arriscadas, a de 2005 mostrou que pouco ou nada tinha sido feito para as corrigir. Paralelamente, houve artigos nos jornais sobre o que se estava a passar no banco e várias personalidades dão conta de alertas feitos ao Banco de Portugal.
José Manuel Durão Barroso, primeiro-ministro entre 2002 e 2004, dirá, numa entrevista ao Expresso, em Março de 2014, que chamou Vítor Constâncio três vezes a São Bento por causa do BPN. Constâncio dirá que não se recorda. Também João Salgueiro, na altura presidente da Associação Portuguesa de Bancos, alertou o então governador, dando especial relevo ao facto de o BPN estar a praticar taxas de juro superiores às do mercado nos depósitos e inferiores no crédito (ou seja «comprava» dinheiro mais caro e «vendia» mais barato).
O argumento de base usado pelo Banco de Portugal é simpático: «Não podíamos fazer mais do que fizemos.» Foram realizadas sucessivas inspecções e foi exigido mais capital do que aos outros bancos. O que estava escondido era impossível de detectar.
A equipa liderada por Miguel Cadilhe, que entra no BPN meses antes de ele ser nacionalizado, discorda destes argumentos. João Carvalho das Neves e Manuel Meira Fernandes apontam, por exemplo, a possibilidade – conferida pela lei – de o supervisor nomear uma administração provisória e, ainda, de decretar uma auditoria externa a todo o grupo assim que tomou conhecimento da existência do Banco Insular em Cabo Verde. Ou ainda a nomeação de administradores delegados ou de uma comissão de fiscalização, como permitia a lei já nessa altura.
Miguel Cadilhe será ainda muito crítico em relação ao facto de Vítor Constâncio nada lhe ter dito sobre a situação em que se encontrava o BPN. O ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva assume a liderança do grupo BPN em Junho de 2008, já quando o supervisor conhecia a existência do Banco Insular.
Inicia-se nesse dia, 2 de Novembro de 2008, uma história de facturas aos contribuintes que ainda não terminou em 2016. Havia alternativas? Ninguém o pode garantir.
A actuação do Banco de Portugal no caso do BPN contrasta com aquela que tinha tido meses antes no BCP. Em finais de 2007, Vítor Constâncio impediu Filipe Pinhal de se candidatar à presidência do banco e chamou à Rua do Comércio um conjunto de accionistas para se encontrar uma solução para o banco, que acabou por ser construída num sábado, na sede da EDP, no Marquês de Pombal.
Era um domingo de sol de Novembro, a seguir ao Dia de Todos-os-Santos e às romarias nos cemitérios. Inesperadamente, é convocada uma conferência de imprensa. Tinha havido um Conselho de Ministros extraordinário. Fernando Teixeira dos Santos anuncia: o Governo decidiu nacionalizar o BPN. Esclarecimentos serão dados mais tarde, no Ministério das Finanças, com o governador do Banco de Portugal ao lado.
Inicia-se nesse dia, 2 de Novembro de 2008, uma história de facturas aos contribuintes que ainda não terminou em 2016. Havia alternativas? Ninguém o pode garantir. O Lehman Brothers tinha caído a 14 de Setembro e o terramoto financeiro que provocara alterou radicalmente a atitude dos governos perante os bancos. A defesa da estabilidade financeira, a defesa dos depósitos e a defesa dos contribuintes foi usada como argumento para realizar a primeira nacionalização desde Março de 1975. Argumentos que se ouviram mais tarde também nos casos BES e Banif.
Nesse mesmo dia, Fernando Teixeira dos Santos e Vítor Constâncio anunciam medidas adicionais para a banca. O ministro revela que o Tesouro vai disponibilizar, para os bancos que quiserem, 4 mil milhões de euros para aumentar capital e 20 mil milhões de euros de garantias para empréstimos. O governador diz que vai passar a exigir aos bancos um rácio de capital de 8% a partir de Setembro de 2009. Identifica-se logo nessa altura que o BES é o que está mais longe desse valor (6,3% em Setembro de 2008).
O «buraco» identificado nesse dia da nacionalização é de 700 milhões de euros. Sabe-se que existem processos instaurados no Banco de Portugal e documentação enviada para o Ministério Público. Na terça-feira anterior, Miguel Cadilhe já tinha entregue uma denúncia à Procuradoria-Geral da República para investigação de crimes praticados num banco que fora já envolvido na «Operação Furacão», com buscas realizadas em Outubro de 2005, por suspeitas de crime fiscal e branqueamento de capitais.
A nacionalização abrangeu apenas o banco por se ter considerado que teria menos riscos para os contribuintes e, nas palavras de Fernando Teixeira dos Santos, poderia até ser inconstitucional. A dimensão dos problemas e a solução desenhada acabaram por fazer cair nos cofres do Estado os créditos arriscados de boa parte dos accionistas da SLN.
Em 2010, começa a concretizar-se um plano de «limpeza» do banco. Sinónimo de que tudo o que ninguém vai querer comprar passa para o Estado.
Os primeiros lesados de uma gestão criminosa e irresponsável da banca aparecem com o BPN. Vamos assistir a invasões de balcões, greves de fome e a barricados entre 2009 e 2010. Pessoas que estavam convencidas de que tinham as suas poupanças em depósitos ou em aplicações seguras e que, de repente, descobrem que o dinheiro tinha servido para financiar empresas, algumas delas muito duvidosas. Voltamos depois a assistir a casos semelhantes com o colapso do GES e do BES em 2014. Como se ninguém aprendesse a lição.
O banco foi entregue à CGD logo após a nacionalização, que iria geri-lo tendo em vista a sua reprivatização. A liderar o BPN ficaram Francisco Bandeira e Norberto Rosa, administradores da Caixa. Ficará assim até 2012, quando o BIC adquire o banco por 40 milhões de euros, com o Governo (já liderado por Pedro Passos Coelho) sob ameaça da troika de o ter de encerrar se não o conseguir vender.
Em 2010, começa a concretizar-se um plano de «limpeza» do banco. Sinónimo de que tudo o que ninguém vai querer comprar passa para o Estado. Numa primeira fase são criadas três sociedades, a Parvalorem, a Parparticipadas e a Parups, pertencentes ao BPN e que depois são «vendidas» ao Estado, em Junho de 2011, no quadro do acordo com a troika.
As Par têm os créditos de cobrança duvidosa ou impossível de empresas clientes ou accionistas do BPN, imóveis e activos como a colecção Miró e as moedas do Euro 2004, vendidas em Maio de 2015, além de participações em sociedades herdadas do banco. Entre Dezembro de 2010 e Março de 2012, estas empresas públicas injectam 5,4 mil milhões de euros no BPN, ficando com os seus activos problemáticos. Para isso, endividam-se junto da CGD e do Tesouro.
Um banco com cerca de 4 mil milhões de euros de depósitos acaba com o Estado a integrar nas suas contas, entre custos e responsabilidades, um montante superior a 6 mil milhões de euros.
Antes de o BPN ser vendido ao BIC, o Estado ainda coloca no banco 600 milhões de euros sob a forma de aumento de capital e assume dívida de papel comercial que era por si garantida. Na terceira tentativa de venda do banco, a instituição na altura liderada por Mira Amaral e controlada por accionistas angolanos, paga 40 milhões de euros pelo BPN. É o primeiro caso em que se paga para vender.
O banco é vendido e, para receber 40 milhões, «pagam-se» 600. A história repete-se em 2015, quando a Parparticipadas vende o banco Efisa por 38 milhões de euros à sociedade Pivot e, antes disso, injecta na instituição 52 milhões. Mais tarde, veremos a mesma história no Banif, mas com valores mais elevados.
Um banco com cerca de 4 mil milhões de euros de depósitos acaba com o Estado a integrar nas suas contas, entre custos e responsabilidades, um montante superior a 6 mil milhões de euros. Usando as contas das Par, que têm os esqueletos do BPN, há um «buraco» de 4,6 mil milhões de euros70. Os contribuintes estão nas mãos de quem gere essas empresas – e da conjuntura. Para evitarem que essa responsabilidade se transforme numa factura. Que é o valor mínimo.
O caso dos bancos mortos acaba por ter em comum gestores incompetentes, gananciosos ou fraudulentos. Que usam o dinheiro dos depositantes em proveito próprio e dos seus amigos.
Fez bem o Governo em nacionalizar o BPN? Se por absurdo pudesse salvar apenas os depósitos, assumia menos responsabilidades. É o preço da estabilidade financeira e de não ter existido uma fuga de depósitos na banca portuguesa.
Onde foi parar todo esse dinheiro? Em negócios ruinosos e falidos no sector da promoção imobiliária e construção civil, em empréstimos para comprar terrenos que depois nada valeram, em projectos absurdos, em moedas do Euro 2004, nos quadros de Miró e em casas e automóveis.
O caso dos bancos mortos acaba por ter em comum gestores incompetentes, gananciosos ou fraudulentos. Que usam o dinheiro dos depositantes em proveito próprio e dos seus amigos, pelo poder ou pelo dinheiro. A crise financeira mostrou que havia reis nus.