Archive for the ‘Direcção Geral da Concorrência’ Category

Proposta da Apollo pelo Banif podia chegar aos 200 milhões mas tinha três condições

Quarta-feira, Maio 25th, 2016

Citamos

Negócios

A Apollo poderia reverter a aquisição do Banif ou baixar o preço proposto caso não se cumprissem determinadas condições. Uma delas era a aprovação por um comité do fundo que poderia rejeitar a proposta.

A última proposta que a Apollo fez pelo Banif podia ascender aos 200 milhões de euros, acima dos 150 milhões pagos pelo Santander Totta. Contudo, havia três condições que poderiam ditar a inviabilidade do negócio, segundo explicou Gustavo Guimarães, no Parlamento, ao que apurou o Negócios.

A audição de Gustavo Guimarães, consultor sénior do grupo Apollo, dono da Tranquilidade, foi esta terça-feira, 24 de Maio, realizada à porta fechada, por questões de confidencialidade. No depoimento que deixou na comissão de inquérito, segundo informações recolhidas pelo Negócios, o gestor explicou que o grupo americano, que representa vários tipos de investidores, entrou no processo de compra do Banif por convite da N+1, a consultora espanhola que estava a assessorar o Banif.

A proposta inicial da Apollo foi apresentada na madrugada de dia 19 de Dezembro e era não vinculativa – o motivo pelo qual o Governo e o Banco de Portugal explicaram para não ser aceite no concurso de venda. Havia a possibilidade de capitalização em 250 milhões de euros, que poderia ser um investimento feito em parceria com investidores privados interessados. A oferta visava um preço entre os 100 e os 150 milhões de euros pelo Banif mas havia uma possibilidade: no prazo de dois anos, o fundo poderia devolver crédito malparado até 1,5 mil milhões de euros.

Aliás, uma das três condições definidas na proposta era que a Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia aprovasse esta eventual retransmissão de activos para a esfera do Estado. Além disso, a Apollo queria fazer uma “due dilligence” posterior à aquisição, um processo de análise criteriosa do que iria comprar, para confirmar o processo. Também pretendia sujeitar a oferta à aprovação do comité que analisa os investimentos, ou seja, podia voltar atrás se houvesse chumbo.

A proposta seguiu mas ao longo de 19 de Dezembro – apesar de estar já em preparação a resolução (implicando a venda com perdas para accionistas e credores com dívida subordinada) – foi pedida uma nova proposta. A Apollo subiu o intervalo de preço: o montante poderia variar entre os 100 e os 200 milhões de euros. Mas as três condições mantiveram-se.

A oferta não avançou. O Santander, o Popular e a JC Flowers também tinham apresentado propostas – o presidente da administração do Popular, Carlos Álvares, remeteu todas as decisões de aquisição para Madrid, pelo que não deu muitas respostas aos deputados. O  processo de venda do Banif não seguiu em frente e avançou sim a resolução já que todas implicavam a ajuda estatal. Acabou por haver uma resolução a 20 de Dezembro, com a venda por 150 milhões de euros ao Santander Totta e a injecção estatal de 2.255 milhões de euros para a divisão dos activos entre o banco de capitais espanhóis e o veículo Oitante.

Carlos Costa arrasou supervisão europeia. Voltará a fazê-lo diretamente?

Sábado, Maio 14th, 2016

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Dinheiro Vivo

Esta terça-feira o rosto da supervisão da CE vai estar em Portugal. Oportunidade para Costa apresentar o seu arrasador diagnóstico

“Às vezes, é preciso ser muito, muito europeu para conseguir passar por cima de algumas coisas.” O desabafo veio de Carlos Costa, na passagem pela comissão de inquérito ao Banif (CPI) em abril, sintetizando a opinião do governador do Banco de Portugal sobre a supervisão europeia, cujo modelo atual – dividido entre Direcção-geral da Concorrência (DGC), Banco Central Europeu, Mecanismo Único de Supervisão ou Conselho Único de Resolução – tem criticado duramente.

Mas se estas críticas públicas têm se limitado ao Parlamento, esta semana Carlos Costa terá a oportunidade de as “entregar” diretamente aos visados, graças à conferência que a TVI e a APB promovem dia 17 sobre banca, e onde Danièle Nouy, líder do Conselho de Supervisão do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), marcará presença.

Decisores a salvo de crítica

Uma das conclusões que vai saindo do dossiê Banif é precisamente o estado “kafkiano” da supervisão europeia. Desde logo porque as suas entidades estão longe de ter posições comuns. O líder do BdP colocou o dedo na ferida: “Temos atualmente uma multiplicidade de entidades a definir e a executar políticas com impacto na evolução do sistema financeiro, o MUS, o Conselho de Resolução (CUR) e a CE, cuja atuação não é adequadamente coordenada, nem consistente entre si, apesar das evidentes externalidades negativas que daí resultam.”

E Costa foi mais longe: “O que verifico é que há quatro políticas setoriais, que não são necessariamente consistentes, prosseguidas por quatro instituições europeias, o que significa que aquilo que pensa a DGC, o MUS, a Autoridade Europeia de Resolução (…) não é necessariamente fruto da mesma matriz estratégica”, disse na CPI. Isto exige que surja “alguém que seja o detentor da política” para “assegurar que estamos a evitar danos que resultam ou de contradições ou de sobreposição”. Mas o que é isto de haver um “detentor da política”? Simples.

Para Costa há um “ângulo cego” no modelo de supervisão, que potencia a questão anterior, já que as autoridades europeias não são escrutinadas: “No atual quadro, em que temos uma união bancária incompleta, existe uma assimetria entre quem tem o poder de decisão sobre uma instituição bancária [MUS] e quem tem a responsabilidade sobre a estabilidade [BdP]”, apontou. Este formato, não sendo percetível ao cidadão, leva-o a “atribuir culpas à autoridade nacional” o que, “em contrapartida, furta os decisores europeus ao escrutínio da opinião pública dos países onde as decisões têm impacto”. ; Afunilamento progressivo Estas críticas do governador do BdP partiram do caso do Banif, dossiê onde tanto Carlos Costa como Mário Centeno já deixaram claro que no fim-de-semana da resolução o governo estava encostado à parede: ou entregam o Banif com um desconto de 66% e os contribuintes pagam 3,3 mil milhões ou liquidam o banco e os contribuintes pagam 5 mil milhões.

Havia outras opções, mas as diferentes facetas da Europa vetaram-nas: “Para tornar as coisas claras, houve um afunilamento progressivo para duas soluções em que, de um lado, está uma resolução e, do outro lado, a liquididação.” Para o BdP, nesta altura, “e entre os cenários de contingência”, a melhor opção teria sido uma capitalização pública e a venda do Banif em dois anos. As Finanças pegaram na opção e reforçaram-na: o Banif seria ainda integrado na CGD.

Mas não: A DGC chumbou a opção porque a CGD se encontra proibida de fazer aquisições e porque a mesma “poderia” ser vista como ajuda pública. Avançou-se de seguida com nova solução: a criação de um banco de transição para “reforçar a capacidade negocial” dos contribuintes na venda do Banif. O chumbo veio do MUS, que “não viabilizou” a hipótese pois tinha “reservas”. Quanto às propostas de compra do Banif, também coube à CE o chumbo: implicavam auxílios de Estado logo a venda só podia ser feita em resolução. A este afunilamento, juntou-se outro: as condições exigidas aos candidatos. Imposições que, com a desistência do Popular, acabaram por deixar o Totta (BST) sozinho na corrida, levando o Estado a pagar 3,3 mil milhões para vender o Banif, preço também ele decidido longe de Lisboa: foi a DGC que impôs o desconto de 66% e foi a DGC que restringiu os candidatos, daí a baixa oferta do BST: se não fosse aceite, o Banif era liquidado.

Das lições retiradas, o governador aponta uma última: “O atual quadro regulatório impede que bancos viáveis mas incapazes de se financiarem por recurso a privados possam beneficiar de suporte financeiro público sem ser no quadro da resolução.” E no fim de tudo isto, uma recomendação: “Diria que a haver uma CPI, devia ser promovida pelo Parlamento Europeu”, sugeriu Carlos Costa aos deputados.

Os telefonemas em alta voz do Santander com Bruxelas sobre o Banif

Quarta-feira, Maio 11th, 2016

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Público

Banco admite abrir processo de rescisões amigáveis para trabalhadores que sejam afectados pela fusão de agências bancárias no continente.

O presidente executivo do Santander Totta, António Vieira Monteiro, garante que o banco não teve qualquer envolvimento na decisão de comprar o Banif no âmbito do processo de resolução e revelou que esteve perto de desistir do banco durante um telefonema com a Direcção-Geral de Concorrência (DG-Comp), dois dias antes da resolução.

Ouvido nesta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito ao Banif, Vieira Monteiro disse que o banco, que concorria à compra do Banif num processo de venda voluntária, foi chamado para uma reunião no Banco de Portugal (BdP) na noite de 18 de Dezembro, sexta-feira, onde foi informado que a venda voluntária tinha sido dada como terminada e que se iniciava um processo de alienação “ao abrigo de uma medida de resolução”.

Na comissão parlamentar, Vieira Monteiro apresentou a sua versão dos factos que decorreram até à apresentação da proposta vinculativa, no domingo seguinte, e depois ao longo desse dia até ao culminar da venda. Nessa primeira reunião, que aconteceu por volta das 22h, estavam cerca de 20 pessoas – equipas do BdP, Fundo de Resolução, Ministério das Finanças e assessores legais e financeiros. Aos deputados, Vieira Monteiro fez questão de dizer que o Santander não esteve presente em qualquer reunião onde foi tomada “a decisão de adoptar a medida de resolução do Banif”.

João Almeida, deputado do CDS-PP, quis saber a que horas foi convocado o Santander para essa reunião. O gestor começou por admitir que possa ter sido por volta das 20h. Mas foi confirmar aos papéis e corrigiu para cerca das 21h. “Era mais útil que tivesse sido perto das nove…”, comentou o deputado do CDS. Mais tarde, Manuel Preto, administrador com o pelouro financeiro do Santander, descreveu: “Recebemos uma indicação durante a tarde de que, durante o fim-de-semana, poderia ser necessário falar connosco [no âmbito do processo de venda voluntária]”. Mas só perto das nove da noite houve um contacto para a saber se poderia haver uma reunião nessa mesma noite, esclareceu o administrador.

Foi nessa noite de sexta-feira que houve o “primeiro contacto” entre o Santander e a DG-Comp, que queria colocar questões sobre a proposta que o banco apresentara no processo de venda voluntária, disse Vieira Monteiro. Na presença dos interlocutores do BdP, Fundo de Resolução e Ministério das Finanças realizou-se então um telefonema para a DG-Comp, serviço da Comissão Europeia. “Puseram-nos um telemóvel na frente”, contou o presidente do Santander, frisando que a conversa decorreu em alta voz e que “nunca antes houve qualquer contacto” com as autoridades europeias.

A conversa decorria em inglês, com todos na mesa a ouvirem. E a determinada altura, no decorrer do telefonema, o Santander esteve para desistir, porque, contou Vieira Monteiro, não participaria num processo em que fossem impostas restrições de actividade, se estivesse em causa o envolvimento de ajuda de Estado. “A DG-Comp começou por analisar a nossa proposta no âmbito da venda privada e questionou-nos sobre a nossa proposta”. Depois, a discussão avançou “sobre o que era considerado auxílio de Estado”. E “nós dissemos desde o início que não aceitávamos que fosse considerada ajuda de Estado. Não autorizaríamos que no futuro a DG-Comp tivesse qualquer controlo sobre a nossa actividade”.

Se assim fosse, o Santander “levantava-se e saía da reunião. Aliás, esteve para acontecer. A conversa ia nesse sentido e nós fechámos os papéis e preparámo-nos para ir embora”. Algo que acabou por ser ultrapassado. O relato dos acontecimentos levou o deputado do PCP Miguel Tiago a ironizar: “Ameaça levantar-se da sala e a DG-Comp acede…”

Depois de falhado o processo de venda voluntário, avançou-se para um modelo de venda em contexto de resolução, tendo sido convidados a apresentar propostas o Banco Popular e o Santander, que, segundo o BdP, tinham “manifestado interesse e tido participação efectiva” no processo de compra.

Ao longo do fim-de-semana, houve mais dois telefonemas. Segundo Manuel Preto, houve uma “segunda conversa” por volta da hora de almoço de sábado, de “dez a 15 minutos”, em que o banco tentava ir ao encontro das balizas definidas pela DG-Comp, para que os termos da proposta (entregue às primeiras horas da manhã de domingo) não representassem ajudas de Estado.

Santander não esteve em reuniões sobre resolução do Banif mas falou com DG-Comp

Quarta-feira, Maio 11th, 2016

Citamos

Económico

Presidente do banco garante que não esteve presente em qualquer reunião que tivesse sido decidida a resolução do Banif. Mas revela que houve um contacto telefónico com a DG-COM já depois de terminado o processo de venda voluntária do capital do Banif.

O Banco Santander Totta não esteve presente em qualquer reunião onde tenha sido tomada a decisão de adoptar a medida de resolução do Banif, esclarece o presidente da comissão executiva do Banco Santander Totta, que está a falar na comissão de inquérito parlamentar ao caso Banif. Mas houve um contacto telefónico com a Direcção Geral da Concorrência da União Europeia (DG-Comp), no fim de semana da resolução.

Segundo António Vieira Monteiro, no âmbito do processo imediato de alienação de parte dos activos e passivos do Banif, desencadeado na noite de 18 de Dezembro, e na sequência das informações prestadas que davam conta de um processo “competitivo, transparente, objectivo e não discriminatório, com um número não divulgado de concorrentes”, o Fundo de Resolução solicitou ao Banco Santander Totta que mantivesse um contacto telefónico com elementos da DG-Comp.

“Este contacto foi realizado por telefone em ‘alta-voz’, na presença de todos os presentes, nomeadamente do Fundo de Resolução, do Banco de Portugal, do Ministério das Finanças, da Oliver Wyman, da Allen & Overy e da Cuatrecasas”, revela Vieira Monteiro.

O presidente do Santander Totta dá conta que esse foi o primeiro contacto realizado com a DG-Comp sobre o tema Banif em que o Banco Santander Totta esteve presente. “Nunca antes houve qualquer contacto entre a DG-Comp e o Banco Santander Totta”, garante, adiantando que durante essa conversa, os elementos da DG-Comp questionaram o Banco Santander Totta sobre a proposta apresentada no processo voluntário de venda.

“Adicionalmente, foi discutido o tema das ajudas de Estado, tendo o Banco Santander Totta reiterado que não aceitaria participar num processo em que qualquer das condições da transacção pudesse conduzir a restrições à sua actividade”, esclareceu Vieira Monteiro aos deputados.

Concluída a reunião da noite de dia 18 de Dezembro, no dia seguinte, 19 de Dezembro de 2015, o Banco Santander Totta, segundo o seu presidente, “manteve diversos contactos com as autoridades nacionais, tendo conferenciado mais uma vez telefonicamente com a DG-Comp no final da manhã, também na presença do Fundo de Resolução, Banco de Portugal e outras entidades, para esclarecer a forma em que poderia vir a apresentar uma proposta”.

Segundo António Vieira Monteiro, os responsáveis do banco foram informados, às 22 horas da sexta-feira, 18 de Dezembro, que o processo voluntário de venda do capital do Banif tinha sido dado como terminado, e que o Banco de Portugal tinha iniciado um processo imediato de alienação de parte dos activos e passivos do Banif. Ou seja, já não segundo um procedimento de venda privada, mas ao abrigo de uma medida de resolução, a ser tomada pelo Banco de Portugal, e que teria de estar concluída nesse mesmo fim-de-semana, pelo que qualquer proposta deveria ser apresentada até Domingo, dia 20 de Dezembro

Conclusões preliminares da comissão Banif

Sábado, Maio 7th, 2016

Citamos

Económico

Representantes estatais, BdP, Ministério das Finanças, toda a gente agiu como se o Banif fosse maioritariamente privado, recusando assumir o papel que a realidade exigia. Como nada mudou, a bomba fez o que é da sua natureza: explodiu.

A comissão não está terminada, mas daquilo que já fomos vendo, ouvindo e lendo é possível tirar algumas conclusões, independentemente do que o relatório, que muitas vezes obedece a lógicas diferentes, poderá trazer. Vamos por partes.

1 – O Banif era um banco péssimo. Ouvimos, de vários responsáveis, que o Banif era, aquando da entrada da gestão de Jorge Tomé e do Estado no seu capital, um problema já muito bicudo. O crédito, sobretudo, era dado sem um critério compreensível, ao passo que o banco coincidiu o agudizar destes problemas com uma expansão que deveria ter sido evitada. Um juízo sobre as administrações anteriores, muito bem, mas isso não chega. Devemos perguntar se de facto assim era, onde estava a supervisão, nomeadamente do Banco de Portugal? Os problemas não surgiram de repente, houve tempo para o avolumar de erros estratégicos, e isso foi sendo permitido ou, no mínimo, ignorado. Não sei qual dos cenários é mais grave.

2 – O Estado sentou-se na administração do Banif, mas ficou bem caladinho. Apesar de ter salvo o banco e de ter a maioria do capital, ficou lá num cantinho do conselho de administração sem fazer barulho e, sobretudo, sem incomodar os senhores gestores que continuavam a responder sobretudo aos accionistas privados, mesmo que não fossem estes os detentores do capital. Representantes estatais, Banco de Portugal, Ministério das Finanças, toda a gente agiu como se o banco fosse maioritariamente privado, recusando assumir o papel que a realidade, evidentemente, exigia. Esta postura, irresponsável, foi levada até ao fim, culminando na explosão de uma bomba-relógio que estava à vista, a não ser que algo mudasse. Nada mudou e a bomba fez o que é da sua natureza: explodiu.

3 – As versões dos planos de reestruturação foram sendo chumbadas, num labirinto de falência de comunicação que nunca foi levada a sério. Bruxelas queria reduzir o Banif à irrelevância e, na verdade, era Bruxelas quem mandava. Tanto a gestão do Banif como o Estado português foram fazendo de conta que não reparavam nisso e foram fazendo propostas que tiveram como resultado o desprezo e o chumbo europeu. A Comissão Europeia estava e continua a estar errada, mas foi o estado de negação nacional que prolongou a agonia sem apresentar uma alternativa aceitável pela rígida doutrina comunitária.

4 – As instituições europeias, como o Banco Central Europeu, e a Direcção Geral da Concorrência decidem tudo e não assumem nada, nem sequer a factura, que fica para os do costume. O episódio do perfil do comprador do Banif, tão abstracto que só lá encaixava o bem concreto Santander Totta, é disso exemplo. Pior, o comportamento destas instituições para com o Parlamento português é, a todos os títulos, lamentável. A arrogância de Constâncio é apenas o símbolo de uma elite técnica e burocrata que se considera escolhida – não se sabe bem por quem – e que, nessa qualidade, acha que não tem de descer ao nível de explicar as suas acções aos representantes eleitos de um Estado soberano.

No meio de tudo isto, o relatório deverá malhar nos alvos previsíveis, Maria Luís Albuquerque e o cliente habitual, Carlos Costa. Com razão, é certo. Mas é redutor para tudo aquilo que efectivamente correu mal no caso do Banif.

“Atitude natural da DGComp é de preconceito e desconfiança”

Quinta-feira, Maio 5th, 2016

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Dinheiro Vivo

Ex-chefe de gabinete diz que falhas do Banif em fornecer dados levou “a alguma insegurança” da DGComp, “preconceito” que governo tentou contrariar

Segundo Cristina Sofia Dias, ex-chefe de gabinete de Maria Luís Albuquerque, a atitude natural da Direção-geral de Concorrência da Comissão Europeia é quase sempre de “preconceito e desconfiança” perante planos de reestruturação como aquele que o Banif foi tentando ver validado desde que recebeu a recapitalização pública.

A ex-chefe gabinete da antiga ministra das Finanças está a ser ouvida esta quinta-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao Banif.

Sublinhando que esta consideração sobre a DGComp é “geral” e “abstrata”, Cristina Sofia Dias admitiu no entanto que esta atitude “pode passar a formas mais concretas face a certas entidades”, ainda que esta entidade tente “refrear de eventuais impulsos discriminatórios”, já que obrigados a lidar com todos os casos de forma igual. Mas com o Banif, porém, a desconfiança foi crescendo. “Uma desconfiança que vinha da informação que o Banif ia apresentando, que por várias vezes não satisfazia os pedidos da DGComp”, explicou.

“A DGComp pedia ao Banif as características do crédito concedido pela instituição e o banco não teve capacidade de o fazer em condições que a CE considerasse aceitáveis”, explicou sobre o crescendo de desconfiança face ao banco madeirense. “Se nos enviam sempre informações que não conseguimos validar, é natural que surja alguma insegurança face à entidade em questão”, referiu a antiga chefe de gabinete da ex-ministra das Finanças. Contra esta desconfiança, “o nosso esforço sempre foi no sentido de desfazer as dúvidas da CE, apontando os aspetos em que o Banif tinha melhorado, combatendo assim esse ‘preconceito’”.

Cristina Sofia Dias abandonou as funções no Ministério das Finanças no final de outubro de 2015, tendo regressado “no primeiro dia útil novembro” à Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, onde é atualmente diretora para a política regulatória e assuntos internacionais do supervisor dos mercados financeiros. Esta audição, a pedido da própria, não foi gravada em vídeo nem foi dado acesso a fotógrafos à sala.

As contas certas da venda do Banif ao Santander

Quarta-feira, Maio 4th, 2016

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Negócios RICARDO MOURINHO FÉLIX |Opinião

O Banif foi resolvido após a conclusão, sem sucesso, do processo de venda voluntária em 18 de dezembro. As propostas recebidas no processo de venda voluntária implicavam uma nova injeção de fundos públicos que constituía ajuda de Estado.

No quadro da Diretiva sobre a Recuperação e a Resolução Bancária, tal ajuda implicava a imputação de perdas a acionistas e credores subordinados no quadro de uma resolução.
A impossibilidade de criação de um banco de transição, determinada pelo BCE, impediu que a venda em resolução fosse precedida de uma avaliação adequada dos ativos pelos interessados. Foi neste quadro que a estabilização do sistema financeiro e a proteção de depositantes e credores implicou um custo elevado para os portugueses.

A negociação das condições de resolução com a Direção-geral da Concorrência Europeia (DG Comp) foi condicionada pela possível declaração de ilegalidade da ajuda de Estado concedida em 2013, que se tornou iminente após o início da investigação aprofundada em julho de 2015. Caso esta declaração viesse a ocorrer em 2016, o Banif seria liquidado, dada o reduzido impacto que tal teria no sistema financeiro europeu. A negociação com o atual Governo envolveu condições restritivas, impostas pela DG Comp, quanto ao potencial comprador. O Executivo contestou sempre a necessidade do comprador ter que ser uma instituição com presença significativa em Portugal.

No processo de venda voluntária foram recebidas ofertas vinculativas do Banco Santander (BST), do Banco Popular e da J.C. Flowers, uma empresa financeira sem presença significativa. No contexto de resolução, o Banco de Portugal (BdP) escolheu a proposta que considerou melhor, a do BST. A venda do negócio passou pela (i) reavaliação de um conjunto de ativos depreciados, e (ii) venda ao BST do negócio bancário. Os ativos depreciados foram entregues à Oitante, ficando o remanescente no Banif residual (figura).

Os ativos depreciados, contabilizados por 2194M€, foram reavaliados em 746M€ por imposição da DG Comp após uma longa e intensa discussão. O Governo defendeu a avaliação por 1200M€ com base na proposta do assessor financeiro do BdP na resolução. A imposição da DG Comp, justificada apenas pela impossibilidade de avaliar estes ativos, à data, implicou uma injeção significativa de fundos públicos. Estes foram entregues à Oitante, uma sociedade pública, que emitiu obrigações garantidas pelo Estado e que beneficiará do valor de venda que exceda o valor da garantia.

No âmbito do processo de resolução mantiveram-se no Banif os ativos sob litigância, as subsidiárias a liquidar e as participações sem valor económico. Manteve-se também no Banif residual o capital e a dívida subordinada. A perda dos acionistas e credores subordinados dependerá do valor de liquidação daqueles ativos que, dada a sua natureza, deverá ser marginal.

O negócio transmitido ao BST recebeu uma injeção de 2405M€: 1272M€ para reequilíbrio do balanço; e 1133M€ para provisionamento de ativos, correspondendo a imparidades de 11%. Ao contrário do que tem sido dito, esta operação teve um efeito negativo de 1 pp. no rácio de capital do BST, traduzindo um diferencial entre ativos e responsabilidades transmitidos de 6% do ativo. O negócio transmitido inclui empréstimos (a empresas e particulares), ativos financeiros, obrigações da Oitante, créditos fiscais e os fundos injetados. O BST assume a responsabilidade pelo reembolso dos depósitos, da dívida sénior e de empréstimos concedidos pelo BCE e outros bancos.

A injeção de fundos de 2405M€ implicou um esforço público efetivo de 2255M€, dos quais 489M€ suportados pelo Fundo de Resolução (participação máxima permitida por lei) e 1766M€ suportados pelo Estado. O Estado recebeu 150M€ a título de preço da transação.

Por que solicitou então o Governo à DG Comp autorização para ajuda de Estado adicional até 3001M€? Por uma questão de prudência. A materialização de tal valor implicaria que os ativos sob gestão da Oitante valessem 0€. Mesmo nesse cenário, a ajuda de Estado não seria ilegal. Pelo contrário, a materialização do valor estimado pelo assessor financeiro do BdP permitirá ganhos que reduzirão o custo para o contribuinte para próximo de 1700M€.

Os valores apresentados permitem avaliar com rigor o custo da resolução do Banif e os termos da venda ao BST. Esta informação permite uma discussão séria, evitando lugares comuns, que fazem as delícias de comentadores pouco sérios, mas pouco contribuem para o esclarecimento. O custo da resolução para os portugueses foi elevado e traduziu não só a falta de contas certas, mas também a complacência das autoridades com a deterioração continuada do Banif.

O banco, que era péssimo em 2013 quando foi capitalizado, tornou-se num péssimo negócio para os portugueses. Essa decisão teve responsáveis e as consequências têm que ser retiradas.

 

Mourinho Félix: Concorrência exigiu requisitos ao comprador do Banif onde só cabia o Santander

Quarta-feira, Maio 4th, 2016

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Económico

A integração do Banif na CGD foi proposta no dia 3 de Dezembro, garante o secretário de Estado que, a 8 de Dezembro, recebeu um mail de Bruxelas a informar que a CGD tinha um auxílio do Estado e estava em incumprimento.

A integração do Banif na Caixa foi proposta à DG Comp no dia 3 de Dezembro, pelo Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, no mesmo dia em que se reuniu para discutir a venda voluntária do Banif. No entanto, depois de alguma abertura por parte de Bruxelas, rapidamente surgiu a recusa. “Inicialmente houve uma abertura de estudar o assunto, mas no dia 8 de Dezembro recebo um mail da DG Comp [autoridade europeia da Concorrência]que recusa liminarmente esta hipótese”, lamentou hoje o governante, falando na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso Banif.

Ricardo Mourinho Félix conta que, a 8 de Dezembro, recebeu um mail de Bruxelas a informar que a CGD tinha um auxílio do Estado e estava em incumprimento com o pagamento dos CoCo´s e não podia ser levantada a proibição de fazer aquisições. Além disso, o Banif tinha um défice de capital e, antes de ser integrado na Caixa tinha de ser capitalizado, portanto tinha de receber uma ajuda de Estado. Ora, sendo uma ajuda estatal antes de integrar a CGD, seria na prática uma ajuda de Estado à CGD e, para isso, teria a Caixa que ser alvo de uma resolução.

No âmbito dessa discussão o governante ficou a saber pela DG Comp, “quando se discutia com o Banco de Portugal, a recapitalização da CGD discutia-se como se se tratasse de uma injecção de capital na Caixa com bens públicos, mas a DG Comp esclarece que essa recapitalização seria feita através de um instrumento que se designa de Government Financial Estabilization Tool. Ora esta ferramenta só pode ser usada em contexto de Resolução.

Isto é, depois de fazer o bail-in, e depois do Fundo de Resolução chegar ao limite que são os tais 5% de passivos, “bem isso pode não chegar, se não chegar então pode-se recorrer ao OE para obter capitais adicionais. É para este cenário que existe este instrumento, que serve para recorrer ao OE, para evitar a liquidação do banco (e porque isso pode ter efeitos nefastos). É aliás por isso que se tem de fazer um cálculo dos dois cenários (resolução versus liquidação) para ver qual deles é o mais oneroso para os contribuintes”.

Numa das cartas de compromisso [‘commitment letters’], explica Mourinho Félix, que serve para definir a partilha de custos inerentes à ajuda de Estado, e que prevê eliminar eventuais desequilíbrios na concorrência, ainda se inclui o processo de integração na CGD, mas logo foi abandonado.

Ao fim da segunda carta de compromisso, Bruxelas entrou em crispação com o Estado português e exige imediatamente uma de duas coisas: ou resolução ou venda voluntária sem rede de apoio. O Governo diz que só estaria disponível para assumir um compromisso no âmbito de uma venda voluntária. A DG Comp aceitou com alguma relutância. Se não tivesse sucesso, avançar-se-ia para uma resolução com um banco de transição.

No dia 14 de Dezembro, a DG Comp diz em tele-conferência que “só aceita um comprador em contexto de resolução que cumpra os seguintes critérios: tem de ser um banco comercial; que tenha uma presença significativa em Portugal; que tenha um balanço que seja três vezes o do Banif em Portugal e que o Banif tenha de deixar de existir como entidade autónoma” (fazer desaparecer a marca), explicou o secretário de Estado.

“Ora do primeiro ao oitavo banco em Portugal, e excluindo os que tinham uma proibição de aquisição por ter ainda CoCo´s a pagar ao Estado – CGD e BCP – só havia dois bancos com condições de cumprir os requisitos de Bruxelas [não falou do BPI], um seria o Montepio Geral que me dispenso de a explicar porque é que não tinha condições para o fazer, e o outro chamava-se Banco Santander Totta. E é aí que há discussão com a DG Comp, exaltada, pois eu disse que essas condições equivaliam a pôr lá um nome. Achava no mínimo estranho e totalmente inaceitável que tal fosse feito. Aí, a DG Comp diz-me que a sua função é assegurar que todos os bancos tenham condições de igualdade no mercado, mesmo que só haja um banco. Não que haja muitos bancos no mercado”, afirmou Ricardo Mourinho Felix.

“Nessa altura, a DG Comp flexibilizou um dos requisitos e alargou-o de três vezes o balanço do Banif em Portugal para cinco vezes a nível global, isso abriu espaço para entrar o Banco Popular Portugal. A presença em Portugal podia não ser significativa e passou a admitir que o Banif pudesse subsistir numa base ‘stand-alone’, mas teria de abandonar o nome Banif, e nesse caso teria de reduzir muito o pessoal, fechar um numero significativo de balcões e tinha que ter, pasme-se, um ROE de 10%, o que é extremamente restritivo por ser muito difícil de atingir”, explicou.

O governante acabou a reunião a decretar que se elevasse a conversa a nível político para a comissária da concorrência.

A possibilidade de integrar o Banif na CGD proposta na reunião é uma proposta que tinha o aval de todo o Governo PS. O secretário de Estado diz que considerava à altura o Banif um banco público, “assim que os CoCo´s fossem convertidos tornar-se-ia um banco público”. “O ideal é que, não havendo compradores, o Banif fosse integrado na Caixa e assim gerasse algum capital e algumas sinergias na CGD, explorando as vantagens e o valor que restava no Banif”. O Secretário de Estado disse que Banco de Portugal concordava com esta integração, mas apresentou três hipóteses alternativas. Uma que basicamente era esta mas considerando uma recapitalização interna (bail-in) com dívida sénior e dívida subordinada. A segunda era uma recapitalização interna com um banco de transição, ou aquilo que veio a acontecer com recapitalização interna com a venda da actividade bancária.

Foram todas as hipóteses analisadas, mas a integração na CGD morreu no dia 8 de Dezembro.

Banif: Resolução com venda de ativos já era modelo preferido do BdP em 2013 Leia mais: Banif: Resolução com venda de ativos já era modelo preferido do BdP em 2013

Terça-feira, Maio 3rd, 2016

Citamos

Dinheiro Vivo

A resolução com venda de ativos e passivos do Banif era considerada pelo Banco de Portugal (BdP), em 2013, como a medida mais acertada para o banco, caso falhasse a aprovação de Bruxelas do plano de reestruturação, segundo a Oliver Wyman.

“A Oliver Wyman estudou vários cenários a pedido do BdP e a resolução com venda de ativos e passivos parecia o modelo com maior equilíbrio entre os prós e os contra” na opinião do supervisor, revelou hoje Rodrigo Pinto Ribeiro, sócio da consultora, durante a sua audição na comissão parlamentar de inquérito ao Banif.

“Para esse cenário, tínhamos um plano de ação para a sua execução. Mas eram cenários de contingência, porque o plano A era a aprovação do plano de reestruturação”, afirmou. Tal como tinha referido na sua intervenção inicial, foram quatro os cenários estudados pela consultora no verão de 2013, meses depois da injeção de 1,1 mil milhões de euros de dinheiros públicos no Banif. Questionado pela deputada do PS Lara Martinho sobre os custos relacionados com cada um dos cenários, o consultor colocou os números em cima da mesa.

“Na altura [2013], a nacionalização teria um custo entre 2,7 mil milhões de euros e 4,2 mil milhões de euros, a resolução com venda de ativos e passivos entre 2,8 mil milhões de euros e 4,3 mil milhões de euros, a resolução com criação de banco de transição entre 3 mil milhões de euros e 4,3 mil milhões de euros, e a liquidação entre 5,3 mil milhões de euros e 5,7 mil milhões de euros.

“O principal critério era o custo. Mas houve outros critérios, como os riscos para a estabilidade financeira dos diferentes cenários de contingência e o risco de execução dos mesmos”, sublinhou Pinto Ribeiro. “A liquidação era vista como tendo o maior risco para a estabilidade financeira do sistema”, realçou.

Vitor Bento. “Estamos a ser a cobaia” das novas regras europeias para a banca

Terça-feira, Abril 26th, 2016

Citamos

Observador entrevista Vítor Bento

Vítor Bento diz que Portugal tem sido uma cobaia das novas regras para bancos falhados. Sobre política económica, avisa que estimular a procura com dívida é como “cavar um buraco para sair do buraco”.

É um economista que conhece bem a banca portuguesa que mede muito com cuidado que as respostas que dá, sobretudo quando estamos a falar de casos concretos. Mas Vítor Bento não tem dúvidas em apontar grandes falhas à união bancária, construída de cima para baixo, sobretudo ao nível das regras de resolução que Portugal está a testar e da qual os bancos portugueses têm sido cobaias. Também não é meigo com a Comissão Europeia, e com restrições da concorrência, impostas pela DG Com a quem acusa de ditadura ideológica, quando questionado sobre se o Estado português deve poder capitalizar a Caixa.

A espanholização da banca só preocupa se absorver mais de metade do mercado, embora admite que a venda Novo Banco poder ser o fator desequilíbrio. Vítor Bento está sobretudo preocupado com o investimento que não acelera, por causa da incerteza sobre o rumo da política orçamental e a solução de governo. Alerta para a importância das exportações e diz que estimular o consumo com financiamento externo é como “cavar um buraco para sair do buraco”. Deixa ainda avisos para os perigos que vive a Europa, onde os alemães se sentem “acossados”, com tantos a quererem os seus recursos, desde os países endividados do Sul aos refugiados.

Existia a ideia de que os bancos nacionais eram sólidos e bem geridos. Como é que a banca portuguesa chegou ao ponto de ser apontada como um dos maiores problemas da economia?

Em primeiro lugar, não podemos esquecer-nos de que a economia portuguesa se endividou muito nos anos a seguir à entrada na zona euro. Tivemos umboom económico baseado no endividamento que foi quase todo canalizado através da banca. Tirando as grandes empresas com capacidade para obterem crédito diretamente nos mercados, no resto da economia foi a banca que funcionou como intermediário. Houve setores que beneficiaram desse boom creditício cuja atividade não era sustentável. A construção e o imobiliário tiveram um crescimento excessivo. A banca foi instrumental nesse boom de crédito e, depois, sofreu as consequências quando a economia virou.

O segundo ponto é que enquanto outros países atacaram o problema na origem, quando ele se manifestou, nós esperámos que o problema se resolvesse. E essa é a razão por que parte do problema surge hoje, cinco anos depois da crise financeira, criando uma vulnerabilidade aparente no setor. Não é que a vulnerabilidade se tenha desenvolvido durante o período em si, é que não foi atacada nessa altura. Além disso, há o inconveniente de que à medida que outros países foram resolvendo o problema, as regras foram mudando e o nosso problema começou a ter cada vez menos importância sistémica dentro da zona euro. Foi ficando mais um problema nosso, para ser resolvido dentro de regras diferentes.

Parece-lhe útil que seja criado um veículo para ajudar a retirar estes créditos dos balanços dos bancos? Acha provável que venha a acontecer?

Percebo a intenção, era o que devia ter sido feito há cinco anos. Hoje, o contexto vai ser mais difícil porque as regras europeias entretanto mudaram, vai requerer uma aplicação muito intensa de capital político nas negociações europeias. Mas julgo que é do interesse de toda a gente contribuir para a estabilidade financeira do país.

Veículo mau? À medida que outros países foram resolvendo o seu problema, o nosso problema começou a ter cada vez menos importância sistémica dentro da zona euro. Foi ficando mais um problema nosso, para ser resolvido dentro de regras diferentes.

Se esse veículo tivesse sido logo criado no início do programa da troika, podia ter evitado os problemas que tivemos nos bancos, nomeadamente os que foram alvo de resolução?

Seria uma parte da solução. Esse veículo é um instrumento da resolução do problema. Podemos especular de forma mais ou menos informada, mas nunca conseguimos dizer que se tivéssemos ido por este ou por aquele caminho, tínhamos chegado a bom porto. Nessa altura teria sido útil. Na medida em que ouvi o anterior primeiro-ministro dizer que tinha sido estimada uma necessidade de capital para os bancos na ordem dos 40 a 50 mil milhões de euros, admito que o diagnóstico tenha sido feito. Encontrar uma solução para o problema na altura implicaria um aumento considerável do endividamento público, mas reconheceu-se que havia um problema e o problema não foi resolvido.

Que limitações europeias é que existem neste momento?

No caso espanhol foi feito um resgate para responder ao problema do setor bancário. Houve mobilização de fundos europeus. Mas na altura não estava em cima da mesa o bail-in de credores e depositantes acima de 100 mil euros — era um tabu — o que permitiu determinado tipo de soluções. As regras em vigor hoje parecem indicar que antes de haver qualquer intervenção tem de haver bail-in de credores e, eventualmente, de depositantes. É claro que as regras estão muito pouco testadas — o único país que verdadeiramente testou as regras foi Portugal; Itália mais ou menos. Portugal tem sido uma cobaia nesse exercício de definição do quadro regulamentar.

Já foi assumido que a Caixa precisa de mais capital. Acha que faz sentido que as regras europeias impeçam o Estado de recapitalizar um banco público?

Estamos com um problema sério a nível europeu porque acho que a DG Comp tem um papel que é quase de ditadura ideológica. Eu percebo os problemas a que a DG Comp quer atender mas estas coisas, como em tudo na vida, têm sempre algum grau de elasticidade e julgo que forma como as ajudas de Estado são interpretadas é excessivamente restrita. Um acionista privado pode decidir pôr dinheiro no seu banco ou na sua empresa, mesmo que não tenha um retorno imediato porque pode ter um interesse estratégico ou uma perspetiva de retorno mais tarde. O Estado, aparentemente, não pode fazer isso. Acho que é um exagero interpretativo das regras da Concorrência.

É claro que as regras estão muito pouco testadas — o único país que verdadeiramente testou as regras foi Portugal; Itália mais ou menos. Portugal tem sido uma cobaia nesse exercício de definição do quadro regulamentar.

Tendo dito isto, há uma limitação que é mais difícil ultrapassar do ponto de vista intelectual. Vivemos uma situação de dependência financeira, vivemos do dinheiro dos outros, que nos é emprestado. Saímos há pouco tempo de um período de resgate, estamos ainda em convalescença, e isso limita a nossa margem de manobra. Quando nos queixamos da perda de autonomia, uma parte importante dessa perda resulta de nos termos hipotecado a nós próprios.

Como avalia a perda de decisão das autoridades nacionais na área da banca para instâncias europeias? O governador tem razão quando se queixa de falta de coordenação e escrutínio entre as entidades?

Hoje queixamo-nos, mas há dois anos, toda a gente andava entusiasmada com a União Bancária. A União Bancária não caiu do céu — foi acordada pelos vários países, que na altura viam isso como a grande salvação da união monetária, de tal forma que aceitaram começar a construir uma união bancária pelo telhado. Transferiu-se poder de decisão mas manteve-se responsabilidade financeira. Isso cria a pior das situações possíveis — a centralidade decide o que lhe apetece, sem ter de ponderar as consequências financeiras, essas são imputadas ao país.

A entrada em vigor das novas regras europeias não tem sido livre de perturbações, nomeadamente no que diz respeito às novas regras da resolução. Acha que o processo está a ser bem conduzido?

Estamos a entrar em águas ainda não navegadas. É a primeira vez que temos processos de resolução combail-in (assunção de perdas) dos intervenientes, começando pelos acionistas e chegando aos depositantes com mais de 100 mil euros. No início da crise os acionistas foram demasiado poupados porque em última instância eram os responsáveis pelo que tinha acontecido.

Quando entramos no bail-in de credores e até depositantes, pensamos que não nos toca a nós, porque somos remediados, estamos abaixo dos limites em que há garantia de depósitos. Pensamos que é justo que em vez dos contribuintes sejam os credores a pagar. Mas essas coisas funcionam naquilo que se chama o jogo de uma jogada.

Podemos entrar num processo onde seja mais difícil aos bancos obter o financiamento necessário para o seu funcionamento — sobretudo financiamento de longo prazo, porque depósitos são financiamento de curto prazo. E nós, em Portugal, estamos a ser cobaia desse processo todo. Portanto, se correr mal, poderá ser preciso emendar e outros serão poupados a estas consequências.

Se entrarmos num jogo de jogadas consecutivas, em que os vários jogadores vão adaptando as suas estratégias às estratégias do adversário, não sabemos quais serão as consequências. É muito provável que os credores tornem muito mais difícil a sua disponibilidade para financiar os bancos. Podemos entrar num processo onde seja mais difícil aos bancos obter o financiamento necessário para o seu funcionamento — sobretudo financiamento de longo prazo, porque depósitos são financiamento de curto prazo. E nós, em Portugal, estamos a ser cobaia desse processo todo. Portanto, se correr mal, poderá ser preciso emendar e outros serão poupados a estas consequências. Mas este é um raciocínio teórico, não quero especular sobre casos concretos.

Mas temos casos concretos. O Banif e o Novo Banco. Até que ponto foram cobaias, vítimas dessa construção eventualmente defeituosa da União Bancária? Temos visto muito atirar de responsabilidades, nomeadamente no caso Banif, o que tem amplificado a questão das decisões europeias…

O que se passou no Banif está a ser discutido em Comissão de Inquérito. Temos de esperar os resultados para perceber o que se passou. O Banif teve o azar de ter tido uma confluência de timings muito adversa. Por um lado, aconteceu nas vésperas de mais uma alteração das regras europeias que ia agravar as condições de uma intervenção. Depois foi apanhado nos ressaltos políticos das últimas eleições e na demora que houve até se criar um governo estável. E isso dificultou a intervenção política, criou razões para se adiarem decisões e depois não deu tempo. Acabou por ser apertado num timing muito estreito, com tudo a mudar ou a estar paralisado à sua volta. E desse ponto de vista terá sido uma vítima dessa conjunção dos timings adversos.

Ficou convencido com as razões avançadas para a venda ao Santander?

Não, não fiquei. Mas não posso formar opiniões para publicitar sem ter um quadro razoavelmente definido.

Este negócio levantou um fantasma antigo que é o da espanholização da banca.

Esse é outro problema onde a absorção do Banif é marginal. Só é um problema se o for pela quantidade. O facto de ser o Santander ou o La Caixa não é um problema em si. O Banif pela sua dimensão não têm relevância para influenciar a questão

Mas o BPI e o Novo Banco têm.

Esses já têm. Mas o BPI não é propriamente uma surpresa. O La Caixa sempre teve uma posição muito relevante no BPI, que em muitos bancos seria suficiente para controlar o banco.

Mas nunca deixou de ser um banco com gestão portuguesa.

E provavelmente poderá continuar. O problema da gestão e do capital não é a nacionalidade das pessoas nem do capital. Se a instituição tem uma autonomia estratégica que funcione por si no quadro geográfico onde opera ou se está subordinada a uma orientação estratégica que transcende essa gestão. E não nos podemos esquecer que há uma contiguidade territorial e uma desproporção enorme entre as duas economias e isto tem consequências que noutros casos não existiriam. As consequências só são significativas se a massa envolvida for significativa, Se estivermos a falar de quotas de mercado de 15, 20 e 25%, não tem importância. Se tivermos a falar de quotas de mercado de 60% tem implicações significativas porque o setor bancário é estruturante da economia.

Espanholização da banca? As consequências só são significativas se a massa envolvida for significativa, Se estivermos a falar de quotas de mercado de 15, 20 e 25%, não tem importância. Se tivermos a falar de quotas de mercado de 60% tem implicações significativas porque o setor bancário é estruturante da economia. (…) O Novo Banco será um fator desequilibrante, é evidente para todos.

E há uma outra coisa que os economistas que só funcionam com base nos livros às vezes esquecem. As tomadas de decisão, por muito racionais que sejam, não são apenas racionais. Há muitas componentes subjetivas. Pode ter duas situações idênticas e escolhe uma, não porque racionalmente seja melhor, mas por uma razão emotiva, afetiva. E a localização territorial é uma daquelas que pode sofrer a influência destes fatores.

O Novo Banco é que poderá fazer a diferença nessas contas?

O Novo Banco será um fator desequilibrante, é evidente para todos. O Novo Banco, pelo peso que tem, em particular em alguns setores, poderá ser desequilibrante do equilíbrio que hoje existe, que já tem uma história longa.

Foi por isso que defendeu que se deveria pelo menos analisar a hipótese de deixar o Novo Banco no Estado?

O que disse é que neste processo de consolidação que vamos atravessar, e que na ausência de qualquer ação do nosso lado será orientado de fora para dentro – e o papel das autoridades europeias é importante – corremos o risco de ficar com soluções que estrategicamente não são as mais convenientes para o país, numa ótica de longo prazo e de autonomia estratégica. Por outro lado, vivemos uma conjuntura em que os bancos estão muito desvalorizados, é um mercado dominado pelos compradores e não pelos vendedores. Como há muito poucos compradores, são eles que determinam o preço. Não temos a garantia de ter as melhores condições de venda. Isso tudo somado, não veria mal que se assumisse que o banco se mantinha público durante mais tempo, reestruturando, recuperando-o, para depois vender com um valor maior.

Mas percebo o argumento de que as regras europeias não o permitem. As regras europeias de resolução são concebidas para bancos marginais, a regra original é que um banco alvo de resolução tem de ser vendido, num todo ou às partes, a outros bancos. Faz sentido para bancos mais pequenos. Mas um banco com um papel na economia e com a dimensão do Novo Banco, coloca problemas. Na Alemanha ou na França, não sei se era aceitável que um banco destes tivesse a designação e limitações de um banco de transição. Não é uma afirmação, é uma interrogação. Voltamos ao problema das regras europeias terem sido construídas de cima para baixo e que põe as autoridades portuguesas quase encostadas à parede a ter que tomar decisões imediatas.

Novo Banco. Não temos a garantia de ter as melhores condições de venda. Isso tudo somado, não veria mal que se assumisse que o banco se mantinha público durante mais tempo, reestruturando, recuperando-o, para depois vender com um valor maior. (…)
Na Alemanha ou na França, não sei se era aceitável que um banco destes tivesse a designação e limitações de um banco de transição. Não é uma afirmação, é uma interrogação.

Falou há pouco de gastar capital político na Europa. Vale a pena gastar capital político nesta questão?

Vale, pelo facto de que o setor bancário ser estrutural na economia. Apesar de estamos integrados na UE, as economias ainda são de base nacional e toda a organização política é nacional. Faz sentido usar capital político para defender autonomia que possa ser relevante do ponto de vista estratégico. Percebo que digam que se querem isso é para proteger interesses e lembrem os resultados dessa experiência no passado. Mas não tem de ser necessariamente assim.

O que foi feito no passado foi mal feito porque se conjugaram muitas coisas mal feitas. E um dos grandes problemas que o sistema bancário teve foi um problema de governance das empresas. É um problema que em Portugal continua a não haver interesse em resolver. Na banca vai ser resolvido por pressão do BCE que se tornou mais estrito nas regras de governance. Desde que haja umagovernance adequada, a probabilidade de se repetirem os problemas do passado diminui, não se elimina. Uma coisa é termos um sistema que falha 80%, outra coisa é termos um sistema que falha 20%. Vale a pena fazer reformas para passar de uma falha de 80%.

Temos a impressão que falhas na banca são mais na casa dos 80% do que dos 20%. Acha que são justas as críticas à supervisão do Banco de Portugal, nomeadamente as feitas pelo governo?

Nós temos um defeito em Portugal, gostamos mais de discutir pessoas do que processos ou instituições. A discussão está excessivamente pessoalizada e parece que se substituírem as pessoas os problemas resolvem-se. Se não soubermos onde reside o problema, não há de ser a mudança das pessoas que resolve o problema. Não temos o hábito anglo-saxónico de fazer a análise do que correu mal, sem prejuízo de apurar responsabilidades. Se nos dói a cabeça, tomamos uma aspirina. Mas se a dor de cabeça for de uma origem mais grave, nós não vamos resolver o problema, vamos apenas tapar o sintoma durante algum tempo e, provavelmente, as coisas vão piorar.

O Banco de Portugal fez uma auto-avaliação, que não divulgou. Os resultados deviam ser conhecidos?

Eu acho que a utilidade das avaliações é, de facto, poder extrair ilações. Eu lembro-me do caso inglês, quando faliu o Northern Rock, a autoridade FSA fez uma auditoria que analisou o que tinha corrido mal nos meses anteriores, extraiu trinta e tal lições. Quanto ao Banco de Portugal, não sei porque é não é divulgada, admito que possa haver informação reservada. Não sei se é possível haver uma versão limpa do que é motivo de segredo bancário.

Parece existir uma maior confiança de que, desta vez, a venda do Novo Banco será concretizada. Está mais confiante de que será possível fazer a venda neste momento?
Não tenho informação, mas você pode vender tudo o que quiser — é tudo uma questão de preço. Eu julgo que o banco é vendável, a questão é que saber qual é o preço.

Tornou-se mais “vendável” depois da medida de retransmissão anunciada no final do ano passado? Que opinião tem sobre essa medida?

Essa decisão aumentou o capital em dois mil milhões de euros. É óbvio que valorizou a instituição. Mas sobre o Novo Banco não me quero pronunciar muito mais porque é um processo em que estive envolvido

A medida em si, a imputação de perdas aos obrigacionistas, isso poderá ter custos para Portugal e para o investimento no setor bancário?

Isso já está a ser auto-evidente. Pelos comentários na imprensa internacional e pelo que dizem os analistas, isso é um dado objetivo. A pergunta que se pode colocar é: vai haver uma memória longa ou uma memória curta? Não sei dizer. Mas que teve influência em Portugal e até mesmo no setor bancário europeu, teve.

Há um certo compromisso com o rigor orçamental e os compromissos europeus. Esse respeito, tanto dos princípios internos com dos princípios europeus, cria tensão na coligação e, portanto, não é claro, para qualquer analista, qual é a durabilidade desta situação. Esta incerteza contribui muito para a retração do investimento neste momento.

E além da questão do Novo Banco, que outros fatores estão a influenciar a perceção de risco face a Portugal, e o investimento?

Há uma retração muito grande do investimento, seja investimento produtivo, seja financeiro. Há sempre algum investimento oportunista, interessado em comprar ativos desvalorizados. Mas capital que tenha um efeito no crescimento potencial da economia, está retraído. Porque ainda não é claro qual é o caminho de médio-longo prazo que este governo conseguirá assumir. Constata-se que apesar de alguma retórica, há um certo compromisso com o rigor orçamental e os compromissos europeus. Esse respeito, tanto dos princípios internos com dos princípios europeus, cria tensão na coligação e, portanto, não é claro, para qualquer analista, qual é a durabilidade desta situação. Esta incerteza contribui muito para a retração do investimento neste momento.

E qual será o fator a pesar mais para testar essa tensão entre os partidos da esquerda e o partido do governo. Será a banca ou, eventualmente, o plano de estabilidade e crescimento?

É tudo. Muitas das referências feitas à banca são ideológicas. Ideologias que o partido socialista não partilha inteiramente com os partidos da esquerda. Enquanto for possível não confrontar com uma decisão específica, a tensão pode manter-se sem rutura. Quando começar a haver decisões, como se viu no caso do Banif, o risco de criar rutura é maior. E quem diz aí, diz no campo orçamental. Mais tarde ou mais cedo, as questões relacionadas com o respeito do Tratado Orçamental.

Poderá, então, ser o chamado “plano B” ou o Orçamento de 2017?

O grande teste, inevitavelmente, vai ser se a execução orçamental deste ano exige ou não revisões. A exigirem revisões, terão de ser por via daquilo que se chamam medidas de austeridade. Isso vai criar uma tensão muito clara, que será agravada no orçamento de 2017. A execução do orçamento vai ser decisiva. Se o governo conseguir executar o orçamento sem necessidade de recorrer a medidas adicionais, provavelmente a tensão será controlada. Caso contrário, essa tensão agravar-se-á. E para qualquer analista ou investidor é uma incerteza demasiado pesada. Mesmo que tenha interesse, mesmo que goste do país, prefere esperar para ver.

Depois há uma outra coisa que acho que não está suficientemente entranhada no nosso pensamento coletivo: a necessidade de sermos parcimoniosos na gestão das finanças públicas. Independentemente da Europa, vamos ter de ser parcimoniosos. Assim como não está entranhada a ideia de que o nosso crescimento sustentado depende, quase exclusivamente das exportações. Só as exportações poderão criar a margem de manobra financeira para financiar a procura

Acha que as exportações estão a ser mal tratadas neste momento? Esquecidas?

Não, mas está a ser posto uma ênfase na procura interna, esquecendo que o nosso problema fundamental, aquilo que nos trouxe à situação onde caímos, não foi a dívida pública — foram as contas externas. E se quisermos estimular a procura interna com financiamento externo não vamos conseguir. Ou, então, vamos agravar o problema. Vamos cavar o buraco para sair do buraco. Terão de ser as exportações a trazer-nos os recursos necessários para um crescimento sustentado da economia e da própria procura interna.

E se quisermos estimular a procura interna com financiamento externo não vamos conseguir. Ou, então, vamos agravar o problema. Vamos cavar o buraco para sair do buraco. Terão de ser as exportações a trazer-nos os recursos necessários para um crescimento sustentado da economia e da própria procura interna.

Muitos dos nossos parceiros estão a crescer pouco, por outro lado, e as taxas de juro estão em mínimos históricos, há quem diga que é quase criminoso não investir — desde que falemos, naturalmente, de investimentos rentáveis.

O ponto é esse: investimentos rentáveis. A taxa de juro é apenas um dos fatores incorporados nas decisões de investimento. Se fosse o único fator, quando as taxas de juro estiveram, em termos reais, em 4, 5, 6% ninguém teria investido. Aquilo que conta mais para o investimento são as expectativas para a economia. Por outro lado, sou muito cético sobre o efeito das taxas de juro negativas, tenho muito pouca fé de que vá contribuir para a recuperação económica da Europa.

Porquê?

A Europa está a colocar-se numa situação de tempestade perfeita. Sofreu com a crise internacional, mas nunca conseguiu lidar com essa crise, intelectualmente. Falta uma abordagem sistémica, macroeconómica. E aí reside uma das vulnerabilidades do pensamento alemão. Não incorpora suficientemente os conceitos da macroeconomia, que é mais do que a soma das microeconomias.

Um problema que envolve vários países não pode ser tratado como uma receita para cada país. Tem de haver uma receita sistémica para o conjunto da União Europeia. E não há a perceção de que este é tanto um problema dos devedores como dos credores. Há uma componente moral mas que do ponto de vista económico é errada. A economia é amoral e se temos uma situação em que os países devedores são obrigados a ajustar sozinhos, o conjunto de procura neste universo vai diminuir. A menor procura de Portugal, França, Itália, Espanha vai influenciar os outros países. O resultado é uma recessão ou, pelo menos, um crescimento medíocre e assimetricamente distribuído. A solução tem de vir dos dois lados. Se uns têm de poupar mais, outros têm de poupar menos. Se toda a gente poupar e ninguém investir, isso é mau. A poupança é dinheiro que é retirado do circuito económico.

Mas o novo Tratado Europeu também ia sancionar os desequilíbrios ao contrário…

Disse bem, ia. É mais fácil penalizar o devedor, que está totalmente constrangido. Se não lhe emprestarem, não pode continuar a dever. Ao passo que o credor não tem nenhum fator de constrangimento, pode poupar indefinidamente. Há muita gente na Europa que acha que a poupança, só por si, é uma virtude e, portanto, quanto mais se poupar mais virtuoso se é.

A menor procura de Portugal, França, Itália, Espanha vai influenciar os outros países. O resultado é uma recessão ou, pelo menos, um crescimento medíocre e assimetricamente distribuído. A solução tem de vir dos dois lados. Se uns têm de poupar mais, outros têm de poupar menos. Se toda a gente poupar e ninguém investir, isso é mau. A poupança é dinheiro que é retirado do circuito económico.

A justificação alemã é de que é por causa da demografia e do envelhecimento da população. Mas para isso ser verdade, os países com envelhecimento da população tinham de aplicar os seus excedentes nos países com população ao contrário. Se estiverem a aplicar os seus excedentes nos países com a mesma situação demográfica, quando chegar a altura de resolver o problema das pensões vai haver um conflito — vão todos disputar o mesmo dinheiro. O que é preciso é que o dinheiro que é poupado seja investido na criação de crescimento para depois ser distribuído no futuro.

Como é que enquadra a crise dos refugiados nesse raciocínio?

A crise dos refugiados cria uma tensão muito grande na Europa. E, em cima disto, a crise económica levou a que, em todo o mundo, as economias estão a crescer menos, em geral. O que significa que as promessas políticas em que se basearam os modelos que vigoraram depois da guerra — expansão continuada, aumento da classe média e melhoria do nível de vida — começam a não poder ser cumpridos. Isto leva a um descrédito no centro político, porque foi o centro político que desenvolveu esse modelo. Mas o descrédito leva à erupção de forças extremadas.

Tudo isto cria uma tensão muito grande na Europa e a própria Alemanha começa a sentir-se acossada. Sente que toda a gente quer disputar seus os recursos. Temos de nos imaginar na cabeça da população alemã, sendo acossada por estas forças todas, a vê-las como um assalto ao seu bem-estar e às suas poupanças. Mesmo que irracionalmente, isto gera mecanismos de autodefesa que tornam mais difícil lidar com os problemas efetivos. Depois temos a possibilidade de saída do Reino Unido, que era um dos pilares do equilíbrio França-Alemanha-Reino Unido, e um fator importante de contraponto dos valores dos outros dois. Se se concretizar, será um choque muito, muito grave para a integração europeia.

Não se pode tomar a Europa como garantida?

Não, acho que não. Como em tudo na vida, a receita para a perda de alguma coisa é tomá-la como garantida e deixar de lutar por ela.

E como é que podemos lutar mais por ela?

Ao nível das elites pensantes, políticas e económicas, tem de haver uma grande frieza e racionalidade. Sem esquecer que as sociedades se movem muito pelas emoções, sobretudo em momentos difíceis. Mas se as emoções tiverem uma raiz, um suporte racional, é mais fácil evitar o fator potencialmente destrutivo das emoções exageradas. Isso, para mim, é um dos problemas graves em Portugal — nós não temos um grande espaço para discussão racional. Não temos níveis intermédios entre o nível das emoções e a decisão política.

A própria Alemanha começa a sentir-se acossada. Sente que toda a gente quer disputar seus os recursos. Temos de nos imaginar na cabeça da população alemã, sendo acossada por estas forças todas, a vê-las como um assalto ao seu bem-estar e às suas poupanças. Mesmo que irracionalmente, isto gera mecanismos de autodefesa que tornam mais difícil lidar com os problemas efetivos.
Há uma escola que diz que estes tempos difíceis na Europa são, também, um período de regeneração que é necessário atravessar para que se crie alguma coisa melhor no futuro…

Isso é muito bonito se a regeneração for como nós gostaríamos que ela fosse. Não temos a garantia de qual é o nível de destruição necessária para que essa regeneração ocorra. Em 1930-1945, tivemos um período de destruição, depois veio a regeneração, que foi brilhante e notável mas veja a destruição que tivemos. Tenho sempre muito cuidado com raciocínios mecanicistas. Porque quando estragamos o que temos, há uma certeza, deixamos de ter o que tínhamos. Não sabemos o que é que vem a seguir.