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Ao contrário do que chegou a ser insinuado, o Santander Totta, que comprou o banco a preço de saldo, não foi o principal destino da fuga aos depósitos
A Caixa Geral de Depósitos (CGD) foi o banco que mais beneficiou com a corrida aos depósitos do Banif, ocorrida imediatamente a seguir à divulgação, pela TVI, da notícia em que se dava conta do fecho do banco fundado por Horácio Roque. De acordo com um documento a que a SÁBADO teve acesso, só entre 14 de 18 de Dezembro de 2015, a CGD encaixou 261,26 milhões de euros de depósitos provenientes do Banif. Logo a seguir na lista dos beneficiados durante este período surgem o Millenium BCP, com 183,12 milhões, o Santander Totta, com 161,83 milhões, e o BPI, com 133,30 milhões. Os outros bancos que viram os seus cofres encher na sequência da notícia foram o Novo Banco (44,41 milhões), o Montepio (50,68 milhões), o Crédito Agrícola Portugal (40,70 milhões), o BIC (32,57 milhões), o IGCP (23,76 milhões) e o Banco Popular Portugal (26,12 milhões).
Eram 22h18 de domingo do dia 13 de Dezembro de 2015 quando a estação dirigida por Sérigo Figueiredo passou o seguinte rodapé informativo: “Banif: a TVI apurou que está tudo preparado para o fecho do Banif. A parte boa vai para a Caixa Geral de Depósitos. Vai haver perdas para os accionistas e depositantes acima de 100 mil euros e muitos despedimentos.” A informação lançou o pânico entre a administração do Banif, os seus depositantes, o Governo e o Banco de Portugal.
Ao longo da noite, a TVI foi refinando a informação. A última actualização foi para o ar às 23h06. O seu teor era substancialmente diferente da notícia original: “Banif: a TVI apurou que está tudo preparado para a resolução do banco. Está em estudo recorrer à Caixa Geral de Depósitos. Vai haver perdas para os accionistas. Depositantes salvaguardados mesmo acima dos 100 mil euros.” O fecho do banco deu lugar à opção de resolução, a integração na CGD passou de certeza a hipótese e os depositantes acima de 100 mil euros estavam salvaguardados.
Em declarações prestadas à edição nº 626 da SÁBADO, Jorge Tomé, que era CEO do Banif aquando da emissão da notícia, afirmou: “Nessa altura, o mal já estava feito. O pânico tinha sido lançado e o capital de confiança no banco irreversivelmente afastado. Era óbvio o que se seguiria na semana seguinte”. E o que sucedeu foi uma corrida aos depósitos tão fulminante que, de acordo com o documento a que a SÁBADO acedeu – e que já se encontra na posse dos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito à Venda do Banif – apenas cinco dias depois os cofres do banco tinham sido delapidados em 1030, 86 milhões de euros de transferências para outros bancos. O que, de acordo com Jorge Tomé, provocou uma brutal desvalorização do banco, precipitando a sua venda ao Banco Santander Totta, realizada uma semana depois da notícia, por um preço considerado de saldo: 150 milhões de euros. “Se não fosse a notícia, o banco teria sido vendido por um valor entre 360 e os 450 milhões de euros”, afirmou Tomé à SÁBADO. Ou seja: o Santander Totta poderá ter poupado, por causa de uma notícia que esteve poucas horas em antena, entre 200 e 300 milhões de euros.
O director de informação da TVI, também em declarações prestadas à edição nº 626 da SÁBADO, afirmou que “tínhamos a noção do impacto que a notícia poderia provocar, para o bem e para o mal. Para os depositantes do Banif, isso significava um alerta que, por exemplo, os investidores que colocaram mil milhões de euros no último aumento de capital do BES infelizmente não tiveram. Se o jornalismo tivesse cumprido a sua missão, alertando para o logro, provavelmente teria fracassado, o BES teria sucumbido logo nessa semana, mas uma quantidade de incautos não teriam perdido o seu dinheiro. O que esteve errado naquele caso? A falta de notícia ou o engano colectivo, a que todos assistiram primeiro e só depois, tarde demais, denunciaram e condenaram?” Sérgio Figueiredo acrescentou ainda que às 22h18 do dia 13 de Dezembro “a informação recolhida pela TVI era certa e segura de que o ‘problema Banif’ iria ser finalmente atacado nos próximos dias, debaixo de grande pressão de Bruxelas e após anos de impasse e incapacidade para tirar o banco daquela situação. As nossas fontes indicavam que, em vários momentos e em diversos fóruns, o Governo defendeu ser a integração de activos do Banif na CGD o caminho preferido por Mário Centeno”.
Figueiredo tinha razão quanto às preferências de Mário Centeno, expressas num email enviado pelo secretário de Estado Adjunto, do Tesouro e das Finanças, Ricardo Félix, a Gert-Jan Koopman, director-geral da Concorrência, no dia 8 de Dezembro de 2015, em que o governante solicitava a sua aprovação para o avanço para a integração dos dois bancos. Mas na resposta ao email, realizada pelas 13h51 do mesmo dia, Gert-Jan Koopman fecha totalmente as portas a essa solução. A SÁBADO teve acesso ao documento, cujo teor é inequívoco: “O cenário [de integração do Banif na CGD] agravaria a situação da CGD e poderia não ser aprovado pela Comissão Europeia ainda em 2015. Como tal, aconselho-o fortemente a desistir.” Isto cinco dias antes da notícia da TVI.
A 20 de Dezembro, sete dias depois da notícia, o Banif foi alvo de uma medida de resolução, com a injecção de 2,255 milhões de euros estatais e a venda da sua actividade tradicional ao Santander Totta. Agora, os deputados querem apurar a responsabilidade da TVI na desvalorização do banco. Na próxima quarta-feira, 18, o jornalista será ouvido no Parlamento. Para além disso, o Banif vai avançar com uma acção judicial contra a estação televisiva. A garantia foi dada por Miguel Alçada, presidente do “banco mau” criado na sequência da resolução para gerir os activos tóxicos do Banif que não foram incluídos no negócio de venda ao Santander Totta. O escritório de advogados já está escolhido: a Sérvulo & Associados.
OS DESTINATÁRIOS DOS DEPÓSITOS QUE “VOARAM” DO BANIF
(valores em milhões de euros, relativos à totalidade do mês de Dezembro de 2015)
Caixa Geral de Depósitos: 377,50 (21% do total)
Millennium BCP: 316,58 (18%)
Santander Totta: 242,89 (14%)
BPI: 223,52 (13%)
Novo Banco: 110,59 (6%)
Montepio: 88,44 (5%)
Crédito Agrícola Portugal: 74,19 (4%)
BIC: 61,40 (3%)
IGCP: 58,14 (3%)
Banco Popular Portugal: 42,71 (2%)
Outros: 167,95 (10%)
Total acumulado: 1.763,90 milhões de euros