Estado pagou juro excessivo no Banif

Citamos

Expresso

O Estado pagou um juro excessivo na emissão de dívida sobre a qual deu garantia na resolução do Banif e sua venda ao Santander, em dezembro do ano passado. É uma informação que consta do parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2015 divulgado esta semana pelo Tribunal de Contas que revela que as obrigações emitidas no valor de €746 milhões a favor do banco espanhol — que integrou os ativos e passivos do Banif — tiveram uma taxa de cupão um ponto percentual acima do custo de financiamento da República. Esta diferença corresponde a um custo anual em juros na ordem dos €7,46 milhões que, no conjunto dos 10 anos de maturidade dos títulos, representa um total de €74,6 milhões.

O parecer refere que a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) ainda alertou para a taxa de juro excessiva para “o tipo de operação em causa”, mas não foi possível revê-la porque a operação já tinha sido concretizada. No parecer lê-se que “a taxa de cupão corresponde à Euribor a três meses acrescida de uma margem de 2,679%. No parecer que emitiu sobre as condições financeiras da operação, o IGCP considerou a taxa de juro elevada para o tipo de operação em causa, sendo superior em cerca de 1% ao custo de financiamento da República, mas a DGTF [direção-geral do Tesouro e Finanças] fez notar que a emissão não seria suscetível de comportar uma revisão de taxa de juro, por já se encontrar concretizada”.

Ao Expresso, o Tribunal de Contas não avançou pormenores sobre o parecer do IGCP — “que se encontra abrangido pelo sigilo/confidencialidade” — mas esclareceu que foi pedido a propósito da contragarantia que o Estado deu sobre a garantia do Fundo de Resolução a esta dívida emitida pelo veículo que ficou com os ativos problemáticos do Banif. O parecer, “obrigatório mas não vinculativo”, foi aprovado a 30 de dezembro de 2015 mas a emissão de obrigações tinha sido concretizada no dia 22 de dezembro. As Finanças, acrescenta o tribunal, acabaram por autorizar a contragarantia no dia seguinte ao parecer: “A contragarantia do Estado foi autorizada por despacho de 31/12/2015, do secretário de Estado-adjunto, do Tesouro e das Finanças.”

O Tribunal de Contas explica ainda que a “posição da DGTF sobre o parecer do IGCP consta da informação que aquela Direção-Geral elaborou propondo ao Governo a concessão da contragarantia” e que “teve acesso à mesma no decurso dos trabalhos de elaboração do parecer”.

Contactado pelo Expresso, o Ministério das Finanças não fez qualquer comentário até ao fecho desta edição. Também o banco Santander não quis comentar esta operação. O Expresso sabe, no entanto, que o banco espanhol não teve interferência na definição das condições das obrigações e que apenas teve conhecimento da taxa de cupão dos títulos no momento da operação.

EMISSÃO EM TROCA 
DE ATIVOS TÓXICOS

Esta emissão obrigacionista fez parte do processo de resolução e venda do Banif no final de 2015. O Santander comprou o banco, devidamente recapitalizado com uma injeção de capital público de €2255 milhões (€1766 milhões do Estado e €489 milhões do Fundo de Resolução), mas os ativos problemáticos foram transferidos para um veículo — a Oitante — criada para esse efeito e que ficou na dependência do Fundo de Resolução. Para compensar o Santander pela retirada destes ativos tóxicos, que valiam originalmente €2190 milhões e tiveram um haircut de 66%, foram cedidas as obrigações da Oitante com garantia do Fundo de Resolução e com contragarantia do Estado.

Estas obrigações, juntamente com os ativos e passivos que transitaram do Banif, foram integrados no perímetro do banco espanhol que é quem vai receber os juros a pagar durante os 10 anos, a menos que venda os títulos no mercado secundário. O parecer do Tribunal de Contas não especifica o que significa ter uma taxa 1% acima do custo de financiamento da República, mas pressupõe-se que, na opinião do IGCP, seria possível obter um financiamento com uma taxa inferior. Não apenas para os prazos idênticos mas até usando prazos mais curtos. No momento da emissão, a taxa de rendimento da dívida pública a 10 anos andava entre 2,3% e 2,5%. Mas a taxa a cinco anos rondava valores entre 1% e 1,2%. A taxa das obrigações da Oitante estava próxima de 2,58% já que a Euribor a três meses estava negativa (-0,1%).

A Oitante está no perímetro das administrações públicas, o que significa que estas obrigações são dívida pública e os juros pagos são contabilizados na despesa do Estado e afetam o défice.

€14,3 MIL MILHÕES DE AJUDAS AO SECTOR FINANCEIRO

Segundo o Tribunal de Contas, as ajudas do Estado ao sector financeiro somaram €14,3 mil milhões entre 2008 e 2015. Um valor que corresponde a 8% do PIB do ano passado. Neste total, incluem-se injeções de capital, assunção de passivos, empréstimos e garantias. A operação mais cara foi a resolução do BES, em agosto de 2014, com um custo total de €4649,3 milhões que resultam da injeção de capital inicial de €4900 milhões deduzidos de receitas associadas a garantias do Estado no valor de €250,6 milhões. De seguida surgem 
o BPN (€3249 milhões) 
e a Caixa Geral de Depósitos (€3077 milhões).

NÚMEROS

1,7 mil milhões de euros foram omitidos das receitas do Estado, nomeadamente impostos, e contabilizados diretamente a entidades 
a quem estão consignadas
98 recomendações foram dirigidas pelo Tribunal 
de Contas ao Parlamento 
e ao Governo; parte delas 
já vinham de anos anteriores sem serem acolhidas
152 milhões de euros em omissão de despesa fiscal detetada 
só em IRC (€34 milhões) e em imposto de selo (€118 milhões)