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Posição de liquidez do banco deteriorou-se mais entre o final de setembro e o início de dezembro. Foi dos 891 aos 183 milhões de euros
Tem sido a versão dominante na análise ao colapso do Banif, e ainda na terça-feira foi reiterada por Carlos Costa, mas é contrariada pela documentação que está a chegar à comissão parlamentar de inquérito (CPI). Um documento enviado pelo próprio Banco de Portugal (BdP) demonstra que ainda antes da notícia da TVI, de 13 de dezembro do ano passado, já o banco vinha a registar acentuadas perdas de liquidez.
De acordo com a informação disponibilizada pelo supervisor da banca, é possível constatar que de 30 de setembro a 11 de dezembro do ano passado (antevéspera da notícia do canal de Queluz de Baixo de que o governo estava a estudar a aplicação de uma medida da resolução e que a decisão seria tomada nessa mesma semana) “voaram” 708 milhões de euros da posição de liquidez do banco.
Se no final de setembro a entidade liderada por Jorge Tomé dispunha de uma posição de liquidez de 891 milhões de euros, em dois meses e meio, até 11 de dezembro, esse registo caiu quase 79,5%, para 183 milhões.
Ora, quer em termos absolutos quer relativos, essa posição de liquidez (que corresponde à soma do saldo de tesouraria do banco no BdP, do saldo noutras entidades bancárias, de cedências em mercado monetário interbancário e ainda da carteira de colaterais disponíveis para operações de política monetária junto do Eurosistema) sofreu uma quebra superior à verificada após a notícia da TVI, que Carlos Costa disse ter precipitado o fim do Banif.
Quando interrogado pelo deputado do PSD Luís Marques Guedes acerca do impacto que a notícia terá tido no banco, o governador foi taxativo: “Sim. Criou desconfiança por parte dos depositantes.”
Seja como for, face ao valor de sexta-feira, o tal dia 11, o último antes da notícia que provocou uma enorme fuga de depósitos, a posição de liquidez do banco caiu 142 milhões de euros (para 41 milhões), no dia 16, a sexta-feira seguinte. O que traduz um recuo de 77,6%.
Dito de outra forma, a informação avançada pela TVI poderá ter sido o golpe de misericórdia no Banif, mas esteve muito longe de ser a origem dos problemas, que tanto o regulador como o governo e também as instituições europeias há muito tinham identificado.
A esse propósito recorde-se que Jorge Tomé, ex-presidente executivo do Banif, afirmou a meio dessa semana, no dia 15, que a entidade bancária que liderava contava com uma posição de “liquidez confortável” e, na entrevista concedida à RTP Madeira, deixava igualmente uma mensagem de “serenidade” aos depositantes e aos contribuintes. E ainda notava que a notícia veio “perturbar todo um processo estruturado” e “em curso” para venda da posição estatal.
E mais: o próprio Banif, num comunicado emitido na segunda–feira, notava que qualquer informação que apontasse para a resolução ou imposição de outra medida administrativa não tinha “sentido ou fundamento”.
Foi, aliás, na sequência desses episódios, dos quais decorreu o levantamento em massa de depósitos na ordem dos 900 milhões de euros, que o Banif recorreu à linha de acesso a liquidez de emergência disponibilizada pelo BdP – conhecida por ELA (acrónimo da expressão inglesa emergency liquidity assistance – e que terá sido superior a mil milhões de euros.
E o resto é história. Assim que adquiriu o Banif, após a resolução que implicou o recurso a verbas do Orçamento do Estado (2255 milhões de euros), o Santander Totta teve menos de dez horas para restituir esses mil milhões.
Segundo a deliberação do BdP sobre a venda do banco que tinha sido intervencionado pelo Estado, aprovada às 23.30 de 20 de dezembro, a instituição liderada por António Vieira Monteiro teve de “reembolsar integralmente a responsabilidade ELA antes das 09.00 do dia 21 de dezembro de 2015”. Por outras palavras, logo nas horas que se seguiram à deliberação do supervisor da banca.
Em parte, à exigência de reembolso das verbas da ELA não terá sido alheio o facto de a compra do Banif ter sido suportada com dinheiro público.