Citamos
Comissão de inquérito do Banif pediu ao Banco de Portugal o relatório de supervisão do BES. Mas a CPI terá de garantir que o supervisor não incorre em nenhuma ilegalidade ao ceder o documento
A ccomissão parlamentar de inquérito (CPI) do Banif arranca esta terça-feira com as audições a antigos administradores do banco e pode vir a contar com um documento crucial sobre a supervisão do sector. O Banco de Portugal está disponível para entregar aos deputados o relatório da supervisão do Banco Espírito Santo (BES), desde que a CPI garanta que ao fazê-lo o Banco de Portugal não estará a cometer nenhuma ilegalidade, nomeadamente a de violação do sigilo profissional.
O presidente da CPI, o deputado comunista António Filipe, revelou ao Expresso que esse tema será objeto de uma consulta aos grupos parlamentares já esta terça-feira, no sentido de avaliar, por um lado, a pertinência do relatório da supervisão do BES para o inquérito sobre o Banif e, por outro lado, assegurar que a consulta do documento não acarreta qualquer risco de violação do segredo profissional imposto ao Banco de Portugal.
No fundo, o supervisor da banca atira para a CPI do Banif o ónus de garantir a confidencialidade do documento de supervisão do BES e evitar que os conteúdos sigilosos possam vir a público, o que poderia perturbar inquéritos criminais em curso relacionados com o BES. Os deputados já pediram várias vezes o documento ao Banco de Portugal, mas o supervisor tem-se recusado a entregar o relatório, escudando-se na questão do segredo profissional e da não violação da lei.
O Regime Geral das Instituições de Crédito prevê no seu Artigo 80º o “Dever de segredo do Banco de Portugal”, estipulando que “as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no Banco de Portugal, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços a título permanente ou ocasional, ficam sujeitas a dever de segredo sobre factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício dessas funções ou da prestação desses serviços e não poderão divulgar nem utilizar as informações obtidas”.
Mas como se poderá assegurar que o documento sobre a supervisão do BES possa ser analisado pelos deputados da CPI do Banif sem que haja risco de fuga de informação e publicitação do seu conteúdo? Uma hipótese em cima da mesa seria seguir o que já foi feito em Inglaterra, nomeadamente fazendo passar o relatório do BES por uma comissão independente de peritos que faça a seleção da informação que pode e não pode ser divulgada.
Os deputados da CPI terão ainda de avaliar a real pertinência do documento, uma vez que ele incide sobre a atuação do Banco de Portugal relativamente ao BES até à medida de resolução, em agosto de 2014, que levou à criação do Novo Banco. A comissão de inquérito que agora avança, recorde-se, irá analisar o processo que conduziu à venda e resolução do Banif, e que culminou com a compra de parte dos ativos do banco pelo Santander, em dezembro último.
QUATRO INQUIRIDOS, PARA COMEÇAR
Criada a 3 de fevereiro, a CPI do Banif teve já várias reuniões, mas só esta semana avança com as audições a várias personalidades de algum modo ligadas ao Banif ou ao processo que levou à sua resolução e venda ao Santander. Para começar, serão quatro os inquiridos.
Esta terça-feira às 9h30 será ouvido Joaquim Marques dos Santos, que presidiu o Banif até 2012. Para as 15h está agendada a audição a Jorge Tomé, o gestor que liderou a comissão executiva do banco entre 2012 e o final de 2015, quando o Banif foi finalmente vendido. Jorge Tomé chegou a classificar o resultado do processo de venda como “desastroso”.
Os trabalhos da CPI prosseguem na quarta-feira com a audição, às 17h30, de Luís Amado, que em 2012 assumiu o cargo de presidente do conselho de administração (“chairman”) do Banif, tendo durante o seu mandato trabalhado a possibilidade de encontrar um investidor da Guiné Equatorial para o banco, o que não se chegou a concretizar.
Na quinta-feira, também às 17h30, será a vez de António Varela ir ao Parlamento. O antigo administrador não executivo, que foi um dos representantes do Estado no Banif, foi alvo de polémica ao sair em 2014 da administração do Banif para a administração do Banco de Portugal, onde liderou o departamento de supervisão prudencial, até ao corrente mês de março.
Ao longo da CPI deverá haver dezenas de audições, tal como em anteriores comissões de inquérito sobre o sistema financeiro. Na fase de preparação da comissão do Banif os deputados deram conta da intenção de ouvir diversas personalidades, entre as quais o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e o antigo ministro das Finanças Vítor Gaspar.
Para já, estão previstas audições ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa (5 de abril), à ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque (6 de abril) e ao atual ministro das Finanças, Mário Centeno (7 de abril).