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Antes de ser presidente do Banif foi marçano, teve restaurantes de luxo, fundou colégios, vendeu perucas, albergou João Soares em Joanesburgo e ajudou a libertar presos políticos. Um livro de Alexandra Ferreira conta como fez fortuna e se tornou num dos homens mais ricos de Portugal
Em 1964, seis anos depois de partir para Angola com 14 anos, Horácio Roque voltou ao Mogadouro, para pagar os três contos e seiscentos (hoje 1.268 euros) que o pai lhe tinha dado para pagar o bilhete para Luanda e os 520 escudos (206 euros) que a mãe lhe tinha posto na algibeira. O jovem, que tinha começado como marçano na charcutaria Pérola de S. Paulo, estava agora bem na vida.
Aos 16 anos trocara a charcutaria pelo café Palladium e dois anos mais tarde, dois fazendeiros portugueses de café propuseram-lhe sociedade na cervejaria Munique.
Enquanto geria a Munique, o jovem contratou um professor para ter aulas particulares de forma a prosseguir os estudos. Chamava-se Viriato e, para ganhar mais dinheiro, improvisara um colégio em casa. Horácio Roque propôs-lhe abrir um colégio a sério. O negócio revelou-se de tal forma rentável que dois anos depois abriu o colégio Universal, dois institutos e um outro com cursos práticos. Arranjou mais sócios e lançou também o colégio Verney, em Moçambique.
O já empresário expandiu-se para outras áreas. Vendia de tudo: produtos de beleza alemães, vinho, medicamentos e perucas de Hong Kong.
Dez anos depois de chegar a Angola deparou-se porém com os primeiros problemas. Ao abrir o terceiro colégio, as inscrições de alunos ficaram aquém do esperado e acabou por se endividar junto dos bancos e de amigos. Mas em 1967 deu a volta, fazendo um levantamento dos alunos com dificuldades. Contactou-os um a um e eles apareceram às centenas. Foi o suficiente para pagar as dívidas e regressar aos negócios, expandindo-se para o imobiliário e comprando o seu primeiro restaurante de luxo, o Farol Velho, na Ilha de Luanda.
Horácio Roque acreditava que Angola ia continuar a desenvolver-se sem parar. “Foi o maior erro da minha vida”, confessou mais tarde. Em 1975, a mulher partiu com a filha para Joanesburgo. O empresário ficou até 1976. Os colégios acabaram por fechar, restou o restaurante, o preferido dos generais do MPLA e do governo, com quem mantinha boas relações. Mas não era aquela Angola que queria. Partiu para a África do Sul a jurar que não voltaria nos 10 anos seguintes. (Não foram 10, mas 17. Só regressou para resgatar a mulher, partidária da UNITA, presa pelas forças do MPLA.)
Durante um ano, o empresário viajou pelo mundo à procura do próximo negócio e sem saber exactamente o que ia fazer. Por fim, instalou-se na África do Sul, onde viviam perto de um milhão de portugueses. Com os contactos certos, começou a investir em múltiplas áreas: seguros, imobiliário, análises clínicas. Adquiriu o jornal O Século de Joanesburgo e uma gráfica. Esses negócios funcionam quase todos ainda hoje, sob a liderança da sua segunda mulher, Paula Caetano.
Aproveitou também a escassez de produtos em Moçambique e começou a exportar bens de primeira necessidade para a antiga Lourenço Marques. Entretanto, conheceu Joe Berardo, um madeirense que tinha emigrado para África do Sul com 19 anos e que fez fortuna com minas de ouro, entre outros negócios. Tornaram-se inseparáveis.
Renascer na África do Sul
Todas as quintas-feiras se encontravam na Academia do Bacalhau, um clube restrito criado por Durval Marques, presidente do Bank of Lisbon and South Africa, que queria fidelizar empresários que estavam a enriquecer na África do Sul.
Com a ajuda de Joe Berardo e Durval Marques, Horácio Roque financiou uma rede de laboratórios clínicos que mais tarde vendeu a uma farmacêutica multinacional. Abriu uma corretora de seguros, uma agência de viagem para os portugueses que viajavam frequentemente para Portugal e para a América Latina, e uma imobiliária que vendia casas em Lisboa e no Algarve a imigrantes.
Bem relacionado, em 1982 Horácio Roque tornou-se uma figura crucial na libertação dos presos políticos portugueses da UNITA na Jamba.
No dia 5 de Abril, uma comitiva de 22 pessoas embarcou num avião militar rumo à fronteira junto à Jamba. Apesar de nunca se ter envolvido na política, Horácio Roque sempre foi um negociador hábil, com boas relações com o poder, nomeadamente com Jonas Savimbi, graças à mulher Fátima Roque, muito próxima da UNITA, com o próprio regime do apartheid e o governo português.
Quando chegaram ao local combinado, o empresário português foi recebido com um cumprimento afectuoso. Percebeu-se que não era um estranho para Savimbi. Os presos foram libertados.