“Se a gente não tem juízo o FMI acaba por vir e isso é mau”, avisa Jacinto Nunes

O “senhor FMI” português, Manuel Jacinto Nunes, o homem que há meio século negociou a adesão portuguesa à instituição, alertou em entrevista à agência Lusa que se Portugal “não tem juízo” o Fundo vai acabar por intervir, e com “mão-de-ferro”.

Foi a Jacinto Nunes, hoje com 84 anos, que Portugal confiou o trabalho de adesão ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que acabou por concretizar-se a 21 de Novembro de 1960. Sempre que a história do Fundo se cruzou com a História de Portugal, foi em Jacinto Nunes que se cruzou. O “senhor FMI” deixa agora um alerta: “Se a gente não tem juízo, o FMI acaba por vir e isso é mau. Eles são, naturalmente, um bocadinho mais rigorosos. Nós temos medo de aleijar”, disse Jacinto Nunes.

O que há para fazer, segundo Jacinto Nunes, é óbvio – controlar a despesa pública de uma vez por todas, para evitar a terceira entrada do FMI em 50 anos, agora que ele já está às portas da Irlanda, depois de ter entrado em casa e nas carteiras dos gregos.

“Há despesas que vão ser cumpridas – o corte nos funcionários, essas coisas. Mas aquele conjunto de despesas que estão um pouco indiscriminadas vai exigir muita coisa já personalizada, e os governos não querem desagradar. É natural. Já sabem que, desagradando, depois pagam”, afirmou.

Jacinto Lopes aponta 2009 como o início das preocupações actuais. Além da diminuição do IVA e do aumento dos funcionários públicos, o grande erro foi alterar as taxas de juro dos certificados de aforro. “Foram centenas de milhões de euros que fugiram. Uma parvoíce, porque substituíram dívida interna, dívida dos portugueses, que não exerce uma pressão tão grande sobre os governos, por dívida externa”, defendeu.

Depois de colocar Portugal na instituição, o economista foi o primeiro governador português no FMI – entre 1960 e 1975 e, depois, entre 1980 e 1985. Na altura, o Banco de Portugal era uma sociedade anónima de responsabilidade limitada, com capital de 100 mil contos. Para entrar no FMI, Portugal teve de pagar uma quota de 60 milhões de dólares, o mesmo que a Jugoslávia tinha pago e mais 20 milhões do que a Grécia.

“O Banco de Portugal entregou 15 milhões de dólares ao Fundo, e o Estado pagava-nos, por essas cedências, um oitavo por cento de juro. Os outros 45 milhões estavam depositados aqui no Banco de Portugal”, disse.

“Depois as quotas foram aumentando de 60 para 75, depois para cento e tal milhões de dólares. Nós fomos ao aumento, claro. Os países não eram obrigados, mas quem não fosse ficava na lista negra”, acrescentou.

Uma das memórias que destacou ainda foi a forma como foi feito o pagamento ao Fundo. “Entregámos o ouro. Tínhamos o ouro em Nova Iorque, depositado na Reserva Federal. Na altura, tínhamos em Nova Iorque, em Londres e na Suíça. Em Nova Iorque, o ouro estava numas paletes nas caves. Uma palete correspondente a 15 toneladas passou para o compartimento do Fundo”, contou.

MRA Alliance/DN

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