Opinião: Montanha do G20 pariu uma ratazana falaciosa

Obama, Berlusconi e Medvedev durante a cimeiraNa passada quarta-feira, 24 horas antes do início formal da cimeira dos 20 maiores países industrializados e emergentes do mundo (G20), arriscámos a previsão de que a montanha iria parir um rato. Enganámo-nos. Pariu uma ratazana de falácias para enganar os incautos, num cenário idílico de unidades e consensos inexistentes, com números enganadores.

O comunicado final da cúpula das maiores economias do mundo, no essencial, quanto às novas conquistas elogiadas por Gordon Brown, Barack Obama, Nicolas Sarkozy e Angela Merkel, corroboradas com mais ou menos pudor por líderes dos países emergentes, diz o seguinte:

  • “Os acordos celebrados hoje visam triplicar os recursos do FMI para USD 750 mil milhões/bilhões (mm/bi), apoiar uma nova alocação de USD 250 mm/bi em Direitos Especiais de Saque [SDR, e inglês], bem como empréstimos adicionais de, pelo menos, USD 100 mm/bi pelos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento [MDB em inglês], assegurar USD 250 mm/bi em apoios a operações de apoio ao comércio e usar recursos adicionais, via venda de ouro pelo FMI, para conceder apoios financeiros aos países mais pobres, constituindo um programa adicional de USD 1.100 biliões [USD 1,1 trilhão] de apoio ao crescimento, emprego e à restauração do crédito na economia mundial”;
  • “Estamos a realizar uma expansão fiscal concertada e sem precedentes, que irá proteger ou criar milhões de empregos (…), que vai atingir USD 5.000 biliões/trilhões até ao final do próximo ano,  aumentar a produção em 4% e acelerar a transição para uma economia verde”;
  • “(…) Os nossos bancos centrais vão manter políticas expansionistas, durante o tempo que fôr necessário, e usar todos os instrumentos de política monetária possíveis, incluindo não convencionais, em consonância com a estabilidade dos preços”;
  • “Estamos empenhados em realizar todas as acções exigidas para restaurar o fluxo normal de crédito através do sistema financeiro e assegurar a solidez de instituições sistemicamente importantes, excutando as políticas em sintonia com o quadro acordado pelo G20 para restauração dos empréstimos e reparação do sector financeiro”;
  • “No mês passado, o FMI estimou que o crescimento global, em termos reais, deverá ser retomado e crescerá acima dos 2%, até ao final de 2010. Confiamos que as acções acordadas hoje (…) irão acelerar o retorno às tendências de crescimento”;

Na declaração que integra o comunicado final, os líderes do G20 publicaram uma declaração intitulada “Reforçando o Sistema Financeiro” na qual são enumerados outros consensos a que chegaram:

  • Criação de uma comissão – Financial Stability Board (FSB) – que passa a agregar o anterior Financial Stability Forum (FSF), os 20 Estados-membros do G20, a União Europeia e a Espanha; 
  • À FSB ficou cometida a tarefa de, em cooperação com o FMI, fornecer alertas de riscos financeiros ou macroeconómicos e as medidas correctivas;
  • Reformulação dos sistemas regulatórios; 
  • Alargamento da regulação e a supervisão aos fundos de cobertura de riscos (hedge funds);
  • Novas regras sobre prémios e bónus a pagar pelas instituições financeiras aos quadros executivos, assentes em resultados, qualidade do desempenho e sustentabilidade dos esquemas retributivos; 
  • “Prevenir” a excessiva alavancagem e exposição ao risco e exigir melhores rácios de capitais próprios aos agentes do sistema; 
  • Combater “jurisdições não cooperantes”, incluindo paraísos fiscais. (…) Terminou a era do segredo bancário.”
  • Adoptar novos padrões de “alta qualidade” contabilística;
  • Alargar a regulação e fiscalização das agências de notação de risco de crédito – Credit Rating Agencies – impondo-lhes a adopção de boas práticas para “prevenir conflitos de interesses inaceitáveis.” 

Descontando o facto de o texto ser omisso quanto à questão nuclear da crise – o que fazer com os bilionários activos tóxicos – é espantosa a manipulação dos números para entorpecimento da opinião pública. A retórica, vaga e dúplice,  faria corar de vergonha o inventor do canivete suíço. Senão vejamos: 

  • O montante de USD 5.000 biliões/trilhões é enganador pois, comparativamente a 2007, já inclui as novas dívidas públicas contraídas pelos governos desde 2008 até 2010; 
  • Os anunciados USD 1.100 biliões (1,1 trilhão) são constituídos por diferentes parcelas já anteriormente publicitados; 
  • Em Novembro e Março passados,  o Japão e a União Europeia anunciaram ter disponibilizado respectivamente USD 100 mm/bi e USD 101 mm/bi para  satisfazer as necessidades de capitalização de fundos próprios do FMI;
  • A China, no dia da cimeira, terá anunciado a sua disponibilidade para contribuir com mais USD 40 mm/bi, mas Pequim não confirmou nem desmentiu tal intenção;
  • Outros membros destacados – da Arábia Saudita, à Rússia, passando pela Índia, Brasil e EUA – quedaram-se por um ensurdecedor silêncio;
  • O referido comunicado final remete para Abril, data da reunião da Primavera do FMI, a questão de reforço dos fundos a alocar ao organismo multilateral pelos restantes países do G20;
  • Os USD 250 mm/bi em SDR´s – a unidade monetária do FMI resultante de um cabaz de quatro divisas (dólar, libra, euro e iéne) – resultará da criação artificial de moeda. O processo, tecnicamente descrito pelos alquimistas financeiros como  quantitative easing mais não é do que criar dinheiro electrónico sem qualquer valor fiduciário. A diferença entre este dinheiro e as notas do Monopólio é nenhuma; 
  • A parte de leão deste papel (44%) poderá ser consumida pelos países do G7 – EUA, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Japão e Canadá – em detrimento restantes 179 membros da organização, por força dos direitos de voto estatutariamente consagrados;
  • A Alemanha, que publicamente classificou a cimeira como “um sucesso”, não apenas foi incapaz de impor a sua vontade de impedir a “fabricação” de SDR’s e como falhou na imposição de regras mais apertadas para fiscalizar a utilização dos fundos do FMI pelos países beneficiários;
  • A fiabilidade dos números e cálculos fornecidos por Gordon Brown foram questionados por um vasto grupo de jornalistas e de analistas que consideram que o primeiro-ministro inglês é useiro e vezeiro em inflacionar contas politicamente convenientes;
  • De resto, o próprio comunicado atirou para os parágrafos finais a confissão de que, relativamente ao financiamento de operações de comércio internacional, do novo “dinheiro” que sairá magicamente dos terminais de computadores do FMI (USD 250 mm/bi) apenas entre 1,5% a 2% será destinado àquele fim;
  • O documento esclarece que o montante global anunciado não é mais do que uma manifestação de intenções sobre a aplicação daqueles recursos, durante os próximos dois anos;

Contas feitas, como referiu o insuspeito Financial Times, “em vez de USD 1.100 biliões, os novos compromissos ficam aquém de USD 100 mm/bi e a maior parte deles já estavam garantidos antes da cimeira do G20”.

O futuro próximo dirá o que realmente foi conseguido na cimeira de Londres em matéria de reformas e de estímulos à economia mundial.

Para já, não passou o teste do detector de mentiras.

MRA Alliance

Pedro Varanda de Castro, Consultor

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