O Irão, definitivamente, está a transformar-se numa influente potência regional com capacidade para redesenhar o mapa dos poderes geopolíticos e geoestratégicos no Golfo Pérsico e na Eurásia, independentemente da evolução das crescentes tensões com Washington, e respectivos aliados, sobre o seu programa nuclear, com a discreta anuência de Moscovo e de Pequim. A poderosa NATO euroasiática – Shangai Cooperation Organization/SCO – dominada pela China e pela Rússia, discretamente assume um papel instrumental. A SCO foi formalmente fundada, em 2001, pela China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, e Usbequistão. A Mongólia, em 2004, e no ano seguinte, os arqui-inimigos Paquistão e Índia, juntamente com o Irão, foram admitidos com o estatuto de “observadores”. Dos quatro, apenas a Índia, ainda não solicitou formalmente a elevação ao estatuto de membro de pleno direito. A génese desta poderosa organização, remonta a 1996, com a finalidade de promover a boa vizinhança e a cooperação nas áreas da defesa, segurança, protecção territorial e reforço da soberania entre todos os fundadores. Com a admissão do Usbequistão, cinco anos mais tarde, em 15 de Junho de 2001, o grupo inicial – Os Cinco de Xangai – rebaptizou a organização com o seu nome actual. Três meses depois, após o 11 de Setembro, a SCO expandiu a cooperação à luta contra o terrorismo, o separatismo e a todo o tipo de ameaças extremistas – políticas, religiosas ou étnicas. Paralelamente avançou no estreitamento dos laços económicos, comerciais e culturais. Neste momento os dez estados, para além da realização regular de gigantescos exercícios militares, discutem a possibilidade de criarem uma União Euroasiática, que funcione como contra-poder à União Europeia e à NATO.É neste quadro que a estratégia de Teerão passa pelo reforço da cooperação política, económica, energética e militar com a Rússia e a China e, na América Latina, com a Venezuela. Na Eurásia e no Mar Cáspio estão os centros nevrálgicos da geopolítica iraniana que assusta as monarquias moderadas do Médio Oriente. A política externa iraniana é vista pelos analistas ocidentais como uma clara ameaça aos interesses das multinacionais americanas e europeias naquelas regiões. Por outro lado, receiam as relações privilegiadas que, consistentemente, tem vindo a aprofundar com Moscovo e Pequim. Este é, provavelmente, o mais ousado e sério desafio ao controlo dos recursos energéticos, e respectivo transporte e distribuição para os mercados ocidentais, durante a próxima década.
Os acordos recentemente celebrados com os países costeiros do Mar Cáspio, o pacto de não-agressão, a cooperação económica e comercial e o reforço dos contactos entre as lideranças militares dos países em causa, com destaque particular para a Rússia, ajudam a entender melhor a geopolítica do Kremlin, os papéis de Vladimir Putin e do ideólogo xiíta iraniano Mahmoud Ahmadinejad, nestas discretas, mas eficazes, movimentações e realinhamentos geopolíticos.
Fragilizar ainda mais a posição da Europa dos 27 na dependência do petróleo e gás natural do Leste Europeu e da Ásia Central é um dos objectivos. Um eventual ataque militar americano a Teerão, com o pretexto de aniquilar o programa nuclear iraniano, atiraria a Europa, os Balcãs, designadamente a Sérvia/Kosovo, a Eurásia e o Médio Oriente para o epicentro de um terramoto político, económico e, muito provavelmente, militar.
Entre os neoconservadores americanos, sob o discreto comando do vice-presidente Dick Cheney, há quem pense que esta será a única saída possível para salvar os Estados Unidos de perderem o controlo financeiro e energético global que ainda pensam deter.
Um cenário catastrófico deste tipo, nos mesmos teatros de operações do século XX, bem longe do solo americano, seria um excelente negócio para o complexo industrial-militar anglo-americano e para os respectivos conglomerados financeiros. Apertos militares (Afeganistão e Iraque) e financeiros (colapso dos mercados hipotecário e da dívida) não costumam ser bons conselheiros. (pvc)