Wall Street: Tumores, temores, terapias e o (factor) tempo

Wall Street smog…Quaisquer que sejam as poucas boas notícias – um ou outro indicador económico ou financeiro, lucros de empresas cotadas, medidas correctivas ou de suporte da Reserva Federal, ou miraculosos programas governamentais de incentivos tributários – nada, até agora, conseguiu inverter o pessimismo e a anorexia que atacou os investidores. Cada dia que passa diminui o número dos que ainda acreditam que a economia estadunidense conseguirá evitar uma recessão séria, senão mesmo uma prolongada depressão económica.

Ao princípio da tarde, a AFP divulgou a seguinte notícia:

“O Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos (Fed) baixou de maneira imprevista nesta terça-feira sua taxa básica de juros em três quartos de ponto, ficando em 3,50% para enfrentar as condições econômicas adversas e o aumento dos riscos que pesam sobre o crescimento do país.”

Aparentemente uma notícia encorajadora. Dinheiro mais barato é sempre bom, não é?

Infelizmente não.

Em lugar de estimular o investimento, e o apetite pelo risco, vai desencadear desesperados movimentos especulativos, minar ainda mais o valor do dólar, e lançar a mensagem errada ao mercado:

Voltámos ao tempo do dinheiro barato! Invistam!”

Muitos, vão acreditar…

É óbvio que os mais sábios, experientes, atentos e informados saberão, neste ciclo de incerteza e turbulência, fazer excelentes negócios e acumular gordas mais valias. Mas não nos iludamos.

A questão central é que, mesmo os menos críticos, admitem que boa parte das acções cotadas nas bolsas americanas estão ainda sobreavaliadas (entre 20/30%) mesmo após os “ajustes técnicos”, que não cessaram desde Agosto.

Os mais radicais, que se socorrem de sofisticados modelos analíticos, estimam que, em média, as blue chips dos “states” estão 200-250% acima do seu real valor.

Porém, a esmagadora fauna de investidores à solta nos mercados age como os meros jogadores de casino.

São avessos ao juízo racional. À análise dos fundamentais das empresas. Mais grave. São relapsos à compreensão da psicologia dos agentes dos mercados, e dos seus acríticos seguidores.

Aquelas são as chaves para investir com segurança e ter sucesso, através da gestão controlada dos riscos. Mas os high rollers (jargão dos casinos para qualificar os «jogadores compulsivos») fazem delas tábua rasa.

Ir contra a corrente dominante – mainstream – e ter sempre presente que tudo o que sobe, um dia descerá, é um axioma que nunca deverá ser ignorado ou, sequer, menosprezado. Quanto mais alto é o voo, mais violenta será a queda. Desafiar as leis da física e da gravidade não é, definitivamente, uma prática aconselhável nos mercados de capitais.

Por esta razão, que ninguém se iluda, fases como a que neste momento atravessamos, são de “toca e foge”. Ou seja, estes são os palcos onde se realizam as operações tendencialmente especulativas.

Especular não é nenhum crime. É antes uma arte. Como dizia um dos incontornáveis gurus da especulação bolsista global, André Kostolany, da laringe dos seus 80 anos, há 20 anos em Lisboa, estas são épocas excelentes para quem tem uma estratégia sólida, muito dinheiro e, sobretudo, tempo.

É o espaço e o tempo próprio para os profissionais forjados na prática de décadas de actividade, simultânea, em vários mercados. Aqui não há lugar para amadores. Menos ainda para o experimentalismo.

A ausência, de uma daquelas variáveis é o bastante para potencialmente devastar portfólios aparentemente equilibrados na relação risco-segurança.

Neste momento o grau de incerteza é imenso. A parafrenália de inovações financeiras depende cada vez mais das “menos valias” dos modelos matemáticos e cada vez menos das “mais valias” do raciocínio e da componente analítica do Homem.

Se fornecermos lixo a um computador, o respectivo output será mais lixo. Com uma desvantagem acrescida: ao passar pelo crivo da “inteligência artificial” a sua qualidade é percepcionada como “melhor”, ou “mais sofisticado”. Porém, continua a ser lixo!

Enquanto os market makers não neutralizarem a nefasta influência dos algoritmos – bits/bytes – a situação vai continuar a gravar-se. São os programas de computador que decidem a aplicação, em tempo real, de biliões de dólares (neste ou naquele mercado, segmento ou produto) à revelia do julgamento e da decisão dos gestores das respectivas carteiras.

Neste quadro, as más notícias continuarão a alimentar milhões de primeiras páginas de jornais. Elas vão monopolizar boa parte do horário nobre dos canais especializados nestas ciências, cada vez menos exactas e, por isso, muito mais falíveis.

Por parodoxal que pareça as dinâmicas da globalização introduziram nas equações económico-financeiras centenas de novas de variáveis, mais complexas e contraditórias, que os supremos crâneos da comunidade financeira ainda não conhecem. Contudo, também não têm a humildade de admitir que muito já mudou e mais ainda vai, inexoravelmente, mudar a um ritmo alucinante. Deveriam investigar, analisar, estudar, aprender. Construir mais saber numa economia cuja matriz energética assenta na informação e no conhecimento.

Em vez disso, preferem continuar avessos à aprendizagem, à mudança e às consequências da inovação. Aplicam hoje, em situações completamente díspares, os mesmos modelos usados num sistema capitalista assente na regulação e nas regras prudenciais do sistema financeiro.

A libertinagem neoliberal do primado do mercado, em que hoje vivemos, está condenada ao fracasso. Os decisores globais já não são apenas industriais e banqueiros americanos que regeram o mundo em concubinato com os seus pares russos – burocratas e generais.

Às culturas concentracionárias do capital e do poder – capitalista ou comunista – juntaram-se outras que ultrapassam largamente os modelos de pensamento dos todo-poderosos líderes americanos e russos da Guerra Fria.

Hoje, são diferentes – holísticas, anti-hegelianas, multiraciais e multilaterais -com desequilibrados níveis de desenvolvimento em termos de inteligência emocional, noções e modelos de crescimento, gestão de processos e aplicação de novos métodos.

A organização e a gestão de sistemas dos vários poderes – religioso, económico, financeiro, militar, social, cultural, tecnológico e científico – tornaram-se mais nuanceadas, complexas e imprevisíveis. O mundo é hoje tão desigual como sempre foi. Porém, nunca foi tão plural nem tão multipolar.

Este é o fosso que precisamos resolver e ultrapassar. Nem vivemos o “Fim da História“, arrogante e capciosamente proclamado pelo arrependido neoconservador Francis Fukuyama, nos anos 90, nem os equilíbrios do poder podem ser geridos como na partida de xadrez, sugerida pelo «trilateralista» Zbigniew Brzezinski, desde os anos 70.

As autocráticas Rússia (de Putin) e China (de Hu Jintao), conjuntamente com as democracias indiana e brasileira, são hoje as quatro locomotivas do futuro crescimento. Se não inverterem as suas políticas públicas, serão elas também os carrascos da planetária eco-sustentabilidade do mundo em que vivemos.

Mas, regressemos à crise de Wall Street e aos seus devastadores efeitos na erupção de uma não desejável, mas possível, pandemia financeira.

Arthur Hogan, chefe dos analistas de mercados da empresa Jefferies & Co, não deixa margem para grandes ânimos: “Já aguentámos os efeitos de muitas notícias más, mas ainda desconhecemos a sua magnitude. Continuamos sem saber se o pior já passou, ou se o que o nos vai aparecer, daqui para a frente, ainda é pior. (…) Acho que, nas próximas semanas, nenhuma combinação de factores será capaz de alterar o actual estado dos mercados.”

Steven Goldman, que ocupa a mesma posição de Hogan na rival Weeden & Co, denuncia um estado de alma que tem mais a ver com a esperança de um milagre, do que com a convicção com a desejável «by the book» reacção dos mercados: ” Talvez no final do primeiro trimestre [2008] as coisas se componham para que a situação nas bolsas possa encontrar alguma estabilidade”, disse.

Escolhemos estes dois exemplos por traçarem a bissectriz que reflecte, com algum rigor, o sentimento generalizado dos profissionais do sector. Tal como os banqueiros – centrais, de investimento, de retalho, etc. – um e outro andam de candeias às avessas tentando ler/prever o futuro das bolsas, em função do que observam diariamente.

O pessimismo está instalado e domina. Ninguém arrisca quando as cotações baterão no fundo. Menos ainda, quando se vai acender a mágica luzinha para que a procura de papel supere a oferta. O tempo é de esperar para ver.

A decisão tomada pelo Fed no princípio da tarde de hoje (TMG) não resolve nenhum problema. Apenas adia a inevitável solução. Quanto mais tardia, pior será.

Mais assustador é o facto de a forte, mas artificial, banalização do acesso ao crédito em dólares ir desencadear uma nova fuga dos activos dolarizados, provocando uma ainda mais rápida desvalorização da divisa americana. Last but not least vai abrir as comportas à inflação. Exactamente em contraciclo com a chã realidade económica global. Por outro lado, na contramão do discurso e orientações que o próprio Fed transmitiu ao mercado em Dezembro passado. Temos aqui, um caso sério de desnorte e de ausência de estratégia. Para já não falar de coragem para seguir um rumo. Por muito que possa doer, mais vale cedo do que tarde. Acresce ainda que, os senhores do Fed passam a ser vistos pelos agentes dos mercados como gente permeável, volúvel e irresponsável face à gravidade da presente situação. Tudo junto, resulta um amargo cocktail de falta de credibilidade. O que, convenhamos, para banqueiros centrais e reguladores, de qualquer matiz, não é propriamente uma característica recomendável…

Quando a inflação começar a trepar para patamares entre os 5 a 9% chegaremos à antecâmara crítica de pressões inflacionistas de dois dígitos. É aí que o crescimento real das economias se torna endemicamente negativo. Com taxas de inflação de 6% e um crescimento de 3%, as economias não crescem. Recuam 3%. Ou se preferirem o eufemismo dos “mercadores bolsistas” entramos na era do crescimento negativo.

Enquanto a presente situação se mantiver uma coisa é certa: o ouro está condenado a ultrapassar a marca histórica dos 1000 dólares a onça.

Esta ideia, na altura arrojada, e para 99% dos analistas “lunática”, foi-me transmitida em Fevereiro de 2007, pelo meu amigo Martin, uma velha raposa de Wall Street, onde se iniciou a comprar e vender acções – “short” – nos tempos da Grande Depressão, então com apenas 17 anos de idade.

Como raramente se engana, perguntei-lhe:

“Para quando prevê que isso aconteça?” Ele, com um sorriso malicioso retorquiu: – “Pelas minhas contas, e face às toneladas de “lixo tóxico” [investimentos de altíssimo risco] que por aí circulam é provável que aconteça ainda este ano [2007]. Mas em Dezembro de 2008, oscilará entre os 1400-1600 dólares a onça.

Insisti: – “Tanto? Como é possível? A resposta foi imediata e lapidar:

-“O dólar vai entrar em queda livre, durante muito tempo. Enquanto a confiança na ‘greenback’ não for solidamente reconstruída, a subida do ouro é inevitável”, prognosticou o “Oráculo de Wall Street”, como carinhosamente, lhe chamam os seus clientes e amigos.

A decisão do Fed, hoje comunicada ao mercado é mais um passo para o abismo.

Um ano depois, e pelo menos até ao presente, mais uma vez, o sábio Martin acertou na mouche…

MRA, Dep. Data Mining

Pedro Varanda de Castro

Consultor

Leave a Reply