Opinião: Os efeitos especiais do ruidoso silêncio de Fidel Castro
Inacessível e invisível, Fidel Castro conseguiu uma brilhante vitória na batalha político-mediática sobre o efeito da sua resignação como “Comandante em Chefe” terá para Cuba. A agora tão em moda “mudança de regime”, glorificada pelos neo-conservadores americanos e europeus, está a ser difícil de engolir e digerir.
De Roma, o Vaticano instruiu a Igreja Católica cubana a pedir ao sucessor, o irmão Raúl, agora oficialmente investido no cargo de Presidente, que adopte “medidas transcendentais” para fumigar as “ânsias e inquietudes” do povo. A semântica kantiana insinua as alquímicas influências do papa-filósofo, Bento XVI.
Para que a mensagem papal seja devidamente transmitida, o número dois do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, por coincidência na ilha para comemorar o décimo aniversário da viagem do papa João Paulo II à ilha, será recebido com honras de Estado pelos novos Altos Dignitários de Havana. A cobertura televisiva em directo é um must neste ritual entre poderosos. Mais discretamente, como convém, o enviado de Sua Santidade não deixará de ser recebido pelo próprio Fidel.
Afinal ele próprio se entronizou como o novo Cardeal Richelieu das Américas e, no primeiro “round”, mais uma vez, mostrou ao Ocidente que, enquanto fôr vivo, continuará a ser o “vizinho rebelde e inflexível”. Os milhões gerados pelo complexo industrial-militar americano para tratar a síndrome cubana, e justificar a militarização do mundo, na opinião da maioria, são meros by-products ocasionais. Coincidentemente são muito vantajosos para os 800 fornecedores que mais ganham com os contratos anuais com o Pentágono. Já pensaram que sem inimigos figadais, e outros de estimação, não há orçamentos militares sustentáveis? Enquanto as políticas de Defesa e Segurança soçobram na placidez das chancelarias, os “war rooms” cheiram a mofo. Entre Machiavelli e Hegel, capitalistas e comunistas, acumularam seculares conhecimentos sobre as recíprocas vantagens da Guerra e da Paz decidas nas cadeiras do Poder, do Dinheiro e do Ego…
Se algo mudou, após o solene anúncio da saída de cena do octogenário (Sierra) Maestro, e no estreito período de meia dúzia de dias, não foi o regime cubano. O Departamento de Estado dos EUA, na primogénita reacção oficial, ainda anunciou que a continuação da “Dinastia Castro” deixava antever “um potencial de mudança, que deve vir do interior” do país. Poucas horas volvidas o registo era de desolação: “A única coisa que mudou é que apareceu um novo dirigente, mas nada indica que isso permitirá aos cubanos aspirar a um futuro de liberdade e prosperidade”, comentou a porta-voz da Casa Branca, Dana Perino.
Em Bruxelas, a Comissão Europeia acenou com gestos de abertura para um “diálogo construtivo” nas esferas da cooperação e do desenvolvimento. Louis Michel, o eurocrata encarregado da coordenação daquelas políticas sectoriais, mostrou-se esperançado de, na primeira semana de Março, altura em que visitará Havana, poder testemunhar que a sonhada abertura cubana ao neoliberalismo ocidental possa virar realidade. Mais recatado e céptico, o alto-representante da União Europeia, Javier Solana, não escondeu que esperava “melhores notícias, mais abertas” sobre a sucessão de Fidel.
Nos meios da dissidência cubana a reacção foi idêntica: “Não há surpresas, excepto a nomeação de Machado Ventura, porque é do sector mais ortodoxo do aparelho”, afirmou o líder da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, referindo-se ao novo primeiro vice-presidente do Conselho de Estado. Para Elizardo Sanchéz “o poder de Fidel Castro continua a estar acima dos poderes da sociedade e do Estado”.
O povo cubano, de Havana a Santiago, esse, continua reduzido ao papel de espectador, passivo e silencioso, relativamente aos jogos dos poderosos.
Pedro Varanda de Castro
MRA, Dep. Data Mining
Consultor