Castrismo melhorou saúde e educação mas esqueceu direitos e dignidades humanos
Em quase meio século como líder de Cuba, Fidel Castro escreveu uma história pontuada por grandes conquistas e perdas significativas. Educação, saúde, redução dos índices de pobreza, mais emprego e melhoria da habitação foram áreas que registaram, apreciáveis avanços após a revolução. Porém nas áreas dos direitos humanos, liberdade de expressão, voto e direito à propriedade privada, Cuba recusou os modelos ocidentais e preferiu o caminho da “ditadura do proletariado”, sinónimo de poder absoluto da elite dirigente sobre a generalidade dos cidadãos.
Quando os revolucionários desfilaram triunfalmente pelas ruas de Havana, no dia 1º de janeiro de 1959, foram festejados por interromperem sete anos de uma ditadura corrupta e repressiva protagonizada por Fulgencio Baptista. O presidente deposto, e alguns funcionários de seu gabinete, recebiam comissões financeiras dos EUA pela comercialização do açúcar e outros bens da ilha. À época, em cada quatro cubanos, pelo menos um era analfabeto.
O livro “De Martí a Fidel – a revolução cubana e a América Latina”, do historiador brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira, ajuda a compreender como os revolucionários, bastante inferiores numericamente e em capacidade militar ao exército de Batista, derrubaram o governo: conquistaram o coração dos cubanos, uma imensa maioria silenciosa e oprimida.
Os guerrilheiros vitoriosos, aproveitaram o estado de graça da liberdade concedida, para executarem, nos primeiros 18 meses de governo, medidas radicais: colectivização dos activos (móveis e imóveis), reforma agrária e nacionalização das empresas. “A lei da reforma urbana, uma das primeiras aprovada pelo novo regime, determinou que qualquer cidadão passava a ser dono da casa em que vivia. Quem tivesse, além da casa em que morava, um imóvel a mais, perderia a segunda propriedade e receberia do governo 500 pesos mensais, com carácter vitalício e não hereditário. Os proprietários de mais de dois imóveis eram simplesmente expropriados, a partir do segundo imóvel, sem direito a indemnização. Os antigos inquilinos compravam a casa, pagando o preço ao Estado, num prazo que variava entre três a oito anos”, escreveu Fernando Sabino, no livro “A ilha”, em 1976. Moniz Bandeira, por seu turno, em 18 meses de revolução, contabilizou que o governo de Fidel conseguiu estatizar mais de 75% da indústria do país, designadamente a produção e o comércio de açúcar, os recursos minerais, o sistema bancário, o comércio interno e externo, os meios de transporte e de comunicação, e todas as escolas privadas.
Já a reforma agrária, que a exemplo da urbana foi decretada no primeiro semestre de 1959, determinava que nenhuma propriedade do país poderia ter mais do que 402 hectares. A United Fruit Company, multinacional americana, possuía 200 mil hectares de latifúndio, e comportava-se como um estado dentro de outro estado. A expropriação destas terras, sem indemnização, foi sempre usada para justificar os permanentes conflitos entre Havana e Washington que conduziram o governo dos EUA a cortar relações diplomáticas com Cuba e a impôr-lhe um conjunto de pesadas sanções e um bloqueio económico. O corte em 700 mil toneladas nas compras de açúcar da ilha teve efeitos devastadores nas receitas do Tesouro cubano e provocou uma recessão económica.
A decisão, convinha ao complexo industrial-militar americano – ter um inimigo de estimação a menos de 200 km das suas fronteiras – para justificar a feroz política de rearmamento da Guerra-Fria e provocar uma aproximação do débil regime cubano ao longínquo império soviético. A ajuda da União Soviética, geopoliticamente faminta de ter um aliado tão próximo da outra superpotência, não se fez esperar. Moscovo passou a comprar quantidades fixas de açúcar da ilha caribenha e a fornecer petróleo a preços mais baixos, entre outros auxílios económicos.
As novas receitas, embora mais modestas, ajudaram a financiar agressivos programas estatais de apoio à habitação social, de modernização do ensino e da saúde, com novas e bem equipadas escolas e hospitais. A agricultura, foi igualmente modernizada, mas nunca atingiu os desejados níveis de produtividade devido à inepta burocracia estatal.
Assim, se o regime pró-soviético de Fidel logrou, ao longo dos anos, índices sociais apreciáveis, ao mesmo tempo restringia e nivelava por baixo o acesso a bens de consumo. Se durante muitos anos houve escassez no abastecimento de certos produtos a exclusão social e o analfabetismo foram praticamente erradicados.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o índice de pobreza de Cuba, entre os 102 países subdesenvolvidos pesquisados, era o sexto menor em 2004. Segundo a ONU, em 2003, a mortalidade infantil de Cuba era de 6,2 habitantes para cada 1000 (no Brasil, o índice era de 28,6 por 1000). Dados da Unesco em 2002 relatavam que 98% das residências cubanas possuíam instalações sanitárias adequadas (contra 75% das brasileiras). Em 2006, Cuba obteve a 50ª posição no ranking de IDH, situada entre os países de alto desenvolvimento humano (o Brasil é o 69º). A mesma pesquisa colocava o índice de analfabetismo cubano em 0,02% da população (no Brasil, a taxa era de 13,7%).
A CIA, serviços secretos americanos, no seu relatório estatístico anual “World Fact Book”, estimou em 1,9% o desemprego em Cuba. No Brasil, segundo a mesma fonte, o índice era de 9,6% no ano passado. Ainda de acordo com a enciclopédia político-económica da CIA, a expectativa de vida dos cubanos era de 77,41 anos -contra uma esperança de 71,9 anos no Brasil. De acordo com a própria CIA, que reconhece ter organizado atentados à vida de Fidel e tentativas de invasão de Cuba na década de 1960, os índices de criminalidade e de tráfico de drogas na ilha são “muito baixos”.
Os índices sociais logrados pelo regime são sobretudo significativos face ao embargo norte-americano, endurecido ao longo dos anos e vigente até hoje, e à situação difícil em que o país ficou após o colapso da União Soviética, em 1991. Subitamente, desapareceu um parceiro económico poderoso a subsidiar a economia da ilha. A Venezuela de Hugo Chávez, assumiu essa posição, desde 2003.
“O país sofreu um golpe devastador quando, de um dia para o outro, aquela potência desmoronou e deixou-nos sozinhos”, confessou Fidel Castro ao jornalista espanhol Ignácio Ramonet no livro “Biografia a duas vozes”. “Perdemos todos os mercados do açúcar e deixamos de receber mantimentos, combustível e até a madeira para fazer os caixões para os nossos mortos. Ficamos sem combustível de um dia para o outro, sem matérias-primas, sem alimentos, sem higiene, sem nada”.
A brasileira Claudia Furiati, biógrafa de Fidel, numa entrevista à revista “Aventuras na História”, também relata as dificuldades inerentes ao desmoronamento do comunismo. “Eles tiveram que fazer quase que uma revolução agrícola para poder suprir o que vinha do exterior e fora cortado. Também abriram um pouco a economia para o capital estrangeiro em alguns setores como turismo, petróleo e açúcar. Essa associação sempre foi feita mantendo o critério de benefício para o povo cubano: as parcerias eram boas para quem se associava, mas sempre melhores ainda para Cuba”.
A crescente oposição dos EUA ao regime, agravada pela declaração do carácter socialista da revolução, em 1961, que culminou na tentativa de invasão na Baía dos Porcos, em 1961, e na Crise dos Mísseis, em 1963, reforçou, entre os chefes da revolução, a convicção de que o movimento só sobreviveria se Cuba estivesse unida, ou seja, se não tolerasse dissidências.
Aos assassinatos promovidos pelos revolucionários -não há um número oficial, mas opositores do regime castrista falam em dezenas de milhares de dissidentes mortos em quatro décadas-, foram, progressivamente, acrescentadas medidas rígidas, como as comissões de vigilância, que monitoravam as actividades da população em busca de atitudes contra-revolucionárias, e a criação das Unidades Militares para Ajuda e Proteção (UMAPS), em 1965.
Além dos dissidentes e descontentes em geral, foram encaminhadas para as UMAPS pessoas provenientes de três grupos: homens com baixa escolaridade, religiosos e homossexuais. Nessas unidades, eram obrigados a trabalhar para o regime e permaneciam confinados, num sistema comparado pelos opositores de Castro a campos de concentração. As pressões internacionais levaram à extinção das UMAPS dois anos depois da sua criação.
Houve, também, julgamentos na praça pública. Jesús Sosa Blanco, acusado de matar dezenas de camponeses, foi condenado à morte por milhares de inflamados revolucionários em um ginásio de esportes antes de ser executado.
Se tribunais desse tipo foram extintos, as execuções, ainda que em ritmo mais lento, prosseguiram até o século 21. Em 2003, o regime fuzilou três acusados de sequestrar uma embarcação. A detenção de dissidentes políticos tampouco acabou: em 2005, eram cerca de 300 os prisioneiros por motivações ideológicas.
Maltratando os dissidentes e ignorando direitos humanos básicos, Fidel e seu regime lograram ao menos um resultado prático. “Por mais de quatro décadas e meia de hegemonia dos irmãos Castro, nunca houve um relato confiável de tentativa efectiva de golpe”, diz o ex-agente da CIA Brian Latell, autor do livro “After Fidel” (“Depois de Fidel”), em memorando da agência americana de 2005.
Em sua defesa, Castro costumava dizer que não há registo de torturas nem de execuções extrajudiciais em meio século de poder. Nos casos considerados mais graves, os 31 membros do Conselho de Estado deveriam votar pela pena de morte para que ela fosse aplicada. Afirmava também que um pequeno país como Cuba, contrariando interesses da maior superpotência do planeta, precisava se proteger de todas as formas. E, por fim, alegava que nenhum indivíduo jamais fora preso pelas suas idéias, mas, sim, por actos contra o regime.
Outros pontos em que o regime de Fidel actuou contra o poder popular passaram pela imposição de uma férrea censura, da extinção da liberdade de imprensa, de expressão, reunião e associação. Apenas veículos de comunicação favoráveis à ditadura socialista funcionaram nas últimas cinco décadas. Jornalistas internacionais sempre tiveram dificuldades para obter visto. Vários foram expulsos após a publicação de reportagens que desagradaram ao regime.
“Se você chama de liberdade de imprensa o direito de contra-revolucionários e dos inimigos de Cuba de falar e escrever livremente contra o socialismo e contra a Revolução, eu diria que não estamos a favor dessa ‘liberdade’. Enquanto Cuba for um país bloqueado pelo império, atacado permanentemente, vítima de leis iníquas como a Helms-Burton, um país ameaçado pelo próprio presidente dos EUA, não podemos dar essa liberdade aos aliados dos nossos inimigos cujo objetivo é lutar contra a razão de ser da sociedade”, disse Castro em “Biografia a duas vozes”.
Outro dos maiores focos de críticas ao regime cubano é o facto de não haver qualquer sistema para a substituição do dirigente máximo do país. Fidel permaneceu no comando enquanto a saúde o permitiu, e o mesmo tende a ocorrer com o irmão, Raúl, a menos que as regras políticas sejam alteradas.
Apesar da ausência de eleições para a definição do governante, pleitos minoritários ocorrem periodicamente. Há dois tipos de votação popular, para a escolha de delegados das Assembléias Municipais e dos deputados para Assembléias Estaduais e para a Assembléia Nacional.
No país, há apenas um partido político, o Partido Comunista Cubano (PCC). Entretanto, as eleições são dissociadas do PCC: candidatos apresentam-se e são eleitos individualmente, o que significa dizer que não-filiados ao PCC podem ser eleitos. Apesar disso, os dissidentes do regime sempre afirmaram que críticos de Fidel Castro nunca o conseguiram.
Pormenor curioso: em 2005, o país dispunha de escassas 850 mil linhas de telefone. Para uma população de mais de 11 milhões de habitantes, na era do Conhecimento, da Informação e da Internet, cerca de 90 em cada 100 cubanos, vivem à margem do mundo, dependentes do que lhes é dito pelos media estatais. A simples escuta de uma rádio estrangeira pode significar uma pesada pena de prisão por “crime contra a segurança do Estado”.
(MRA Alliance / integra factos e dados do portal UOL)