A cimeira União Europeia-Rússia deve confirmar as várias divergências entre as duas partes, mas pode terminar com a declaração de “vontade política” de continuar o investimento na aproximação estratégica de europeus e russos. Esta é a opinião de dois alto-responsáveis político-diplomáticos, um russo e um europeu, ouvidos pela Lusa, em Moscovo, nas vésperas da cimeira UE-Rússia, marcada para a próxima sexta-feira, em Mafra, Lisboa.
Apesar do provável aparato da delegação russa, liderada por seu presidente, Vladimir Putin, e do peso político da delegação da UE, dirigida pelo primeiro-ministro, José Sócrates, Mafra não deverá ser o cenário para a assinatura de acordos concretos. Na melhor das hipóteses, segundo os representantes das duas potências, deve ser assinada uma declaração sobre a cooperação futura entre o bloco europeu e o seu maior vizinho.
“Não vale a pena esperar a assinatura de novos tratados. Na cimeira, serão analisados, antes de tudo, os resultados do trabalho até agora realizado para avaliar o futuro”, reconheceu à Lusa Marc Franco, representante da Comissão Europeia em Moscovo. A cimiera de Mafra, poderá preparar o estabelecimento de uma nova parceria estratégica, reforçada e ampliada, entre a UE e a Rússia, disse Franco.
As sérias divergências ainda existentes entre Bruxelas e Moscovo ainda estão longe de serem superadas. Elas acontecem nos domínios económico, comercial e energético, bem como nas disputas de influência geo-estratégica e militar no Velho Continente. No campo da cooperação energética, por exemplo, a União Europeia e a Rússia projectam tomar medidas unilaterais que ameaçam dificultar ainda mais um acordo fundamental. Moscovo viu, nas propostas sobre energia feitas pela Comissão Européia, no mês passado, uma forma de impedir a entrada de empresas russas no mercado europeu. Em resposta, o Parlamento russo deve aprovar uma lei que limita os investimentos europeus na economia russa , mas, enquanto isso, Putin tenta aproveitar a actual inexistência de uma política energética comum na UE, para fechar acordos bilaterais com Estados-membros da União. O “pano de fundo” das conversações da cúpula de Mafra é a celebração entre UE e Rússia de um novo Acordo Estratégico e de Parceria entre os dois blocos económicos e políticos que, concretamente, depois só progredirá após os resultados da reunião de sexta-feira.
Segundo Vassili Likhatchov, vice-presidente do Conselho da Federação (Câmara Alta) do Parlamento russo, nas conversas com os dirigentes da UE, Vladimir Putin vai levantar as sensíveis questões do projeto norte-americano de instalação de um sistema de defesa antimíssil no espaço europeu e da ratificação do Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa pelos Estados da UE. “A bola está do lado dos parceiros europeus e ninguém pode dizer que as pretensões russas não têm fundamento”, considerou Likhatchov.
Na terça-feira, em Berlim, o primeiro-ministro português, José Sócrates, reconheceu que o momento não é ainda o mais adequado para se resolverem alguns dos problemas mais sensíveis das relações UE-Rússia. Em alternativa, Sócrates defendeu que, em Mafra, as duas partes deverão “procurar desenvolver outros temas, na área da economia e da cultura”.
Apesar do vasto leque de divergências políticas, militares e econômicas, o comércio entre as duas partes é próspero. Segundo o senador russo Vassili Likhatchov “as trocas comerciais bilaterais representaram, no ano passado, US$ 230 mil milhões/bilhões e 70% dos investimentos europeus foram feitos na Rússia”. “Muito se fala das divergências entre a Rússia e a Polônia, mas se esquecem que ela é o nosso quarto parceiro comercial na União Européia”, frisou Likhatchov. Por isso, Moscovo investe os seus esforços empresariais e diplomáticos no Fórum Económico UE-Rússia, a realizar na quinta-feira, em Lisboa.
Comitiva russa: Chefiada por Vladimir Putin, inclui Serguei Lavrov, ministro das Relações Exteriores; Serguei Iastrmjembski, assessor do Kremlin para as relações com a União Européia, e Andrei Fursenko, ministro da Educação e da Ciência da Rússia, entre outros. Destes destaca-se, à frente da comitiva empresarial russa, Anatoli Tchubais, o “pai das privatizações” na Rússia e actual diretor-executivo da Companhia de Energia Elétrica do país.
Comitiva da UE: Liderada por José Sócrates, inclui o presidente da Comissão Européia, Durão Barroso; o alto-representante para a Política Externa europeia, Javier Solana; o chefe da diplomacia portuguesa, Luís Amado (presidente do Conselho de Ministros da UE); a comissária europeia para as Relações Externas, Benita Ferrero-Waldner, e o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson. (pvc)