O secretário adjunto de estado dos Estados Unidos John Negroponte deslocou-se a Islamabade no passado fim-de-semana e manteve três discretas reuniões, incluindo um jantar, com o vice-chefe do Estado Maior do Exército paquistanês, General Ashfaq Kiyani. Estranhamente encontrou-se apenas uma vez, durante duas horas, com o líder militar e Presidente do Paquistão, General Pervez Musharraf, noticia hoje o Washington Post. “A atenção concedida a Kiyani alimentou rumores [em Islamabade] de que em breve ele será designado o sucessor de Musharraf como líder do exército e, nessa qualidade, será um aliado vital da Administração Bush nesta fase de crise”, especula o habitualmente bem informado Post.
Washington pressiona e defende os seus interesses
“Use a sua influência. O senhor pode ajudar a salvar o Paquistão”, terá dito Negroponte a Kiyani, segundo um diplomata ocidental, citado pelo diário estadunidense, que solicitou o anonimato. “Não era precisso um tal encontro”, comentou a líder oposicionista Benazir Bhutto, justificando que Kiyani “é um militar de extrema fidelidade ao presidente, pelo que só fará o que ele mandar”.
Diplomatas em Islamabade asseguram igualmente que Negroponte pressionou Musharraf a pôr fim ao estado de emergência e a libertar os presos políticos que, nas últimas semanas, inundam as prisões paquistanesas, bem como a chegar a um entendimento com Bhutto, líder do Partido do Povo Paquistanês.
A cartada nuclear de Musharraf
O presidente paquistanês insistiu que não cede no estado de emergência, para evitar que o armamento nuclear do país caia em mãos perigosas. Musharraf justificou o estado de emergência “não pelas questões que a Oposição aponta, mas devido à insegurança no país, nomeadamente aos ataques dos rebeldes pró-taliban junto ao Afeganistão. (…) “O estado de emergência serve para reforçar o cumprimento da lei na luta contra a militância islâmica e o extremismo”, disse. Butho, em contrapartida, sustenta que o presidente “cola à questão política interna a situação do armamento nuclear, dizendo que o mesmo só estará seguro enquanto os militares permanecerem no comando” e para evitar eleições livres. O general contra-atacou dizendo que a realização de eleições num clima “tumultuoso” seriam “a forma mais rápida para colocar o arsenal nuclear nas mãos erradas e, dessa forma, pôr em perigo a estabilidade regional, mas não só esta”. Musharraf disse a Negroponte que o estado de emergência (decretado no passado dia 3, em que suspendeu a Constituição, demitiu juízes da Supremo Tribunal e prendeu opositores) nada tem a ver com as eleições porque “Bhutto nem tem hipóteses de as vencer e sabe que terá um estrondoso desaire nas urnas”.
Confrontos entre xiítas e sunitas
A situação político-militar no país indoasiático agudiza-se diariamente e está cada vez mais confusa. As autoridades, ao abrigo do estado de emergência, prenderam mais de 5000 pessoas, muitas delas advogados/ juristas. Duas mil continuarão detidas, segundo o ministério do Interior, enquanto os outros três mil terão sido libertadas. Em Carachi a polícia prendeu 150 jornalistas na sequência de manifestações e vários incidentes na via pública violentamente reprimidos pelas forças policiais. Por outro lado, reacenderam-se os confrontos tribais. Dezenas de pessoas morreram nos últimos dias como resultado da violência sectária entre xiitas e sunitas das áreas tribais a oeste do Paquistão. Embora o balanço oficial seja de 25 mortos confirmados na zona, próxima do Afeganistão, outras fontes afirmaram que havia mais de 45 mortos. As autoridades declararam o recolher obrigatório em Parachinar, a principal cidade de Kurram, onde as duas facções quebraram uma trégua que já durava há sete meses. Apesar da forte presença do Exército, os confrontos continuam. Na frente norte, a ofensiva militar continua com artilharia e helicópteros. Os combates, que já fizeram mais de 100 mortos, aconteceram nas áreas que se encontram sob o controlo dos fundamentalistas pró-taliban, no vale de Swat.
Americanos têm a faca na mão. Será que têm o queijo?
Antes de o clima interno se ter agudizado, na última semana, Musharraf já garantira que abandonará o seu cargo no exército sem contudo precisar uma data. Musharraf voou ontem para a Arábia Saudita, onde se terá encontrado com Nawaz Sharif o primeiro-ministro derrubado num golpe de estado militar, em 1999. Caso se confirme que Kiyani o sucede no comando dos 600 mil efectivos do exército paquistanês será catapultado para o restrito clube da elite paquistanesa fiel a Washington. Ninguém sabe qual o papel que Kiyani poderá desempenhar. Altas patentes militares opõe-se a um golpe de estado. Todavia, a sua influência sobre Musharraf parece importante.
Talat Masood, um general paquistanês na reserva, que agora é analista político, interrogado sobre os planos do desconhecido n.º 2 de Musharraf, afastou a hipótese de ele protagonizar o derrube do actual presidente e seu superior hierárquico. “Ele não vai arriscar a sua carreira, sobretudo quando o tempo joga a seu favor”, disse.
Pervez Musharraf, ironicamente, perdeu o apoio de muitos dos seus compatriotas, e pôs em causa a elevada respeitabilidade e popularidade interna do exército, pelo incondicional alinhamento com a estratégia de Bush no âmbito da “Guerra contra o Terror” e na cruzada contra o que classificou de “islamofascismo”.
O ataque militar paquistanês a uma mesquita em Islamabade, onde alegadamente se encontrariam militantes pró-Taliban e pró-al Qaeda, foi a gota de água que fez transbordar o copo da tolerância popular relativamente ao seu pró-americano presidente. Desde então, Musharraf, tenta desesperadamente manter-se no poder. Inexoravelmente, se, como tudo indica, está a ser descartado pela Casa Branca, a sua queda é apenas uma questão de semanas. (pvc)