“Hoje foi o dia mais negro dos últimos cinco anos” na Bolsa de Wall Street, escreveu ontem um especialista do Financial Times em mercados de capitais. Os receios dos investidores , cada dia que passa, face às más notícias sobre os balanços das empresas cotadas estão a gelar os mercados e a renovar o ambiente de pânico. Os resultados dos bancos no 3.º trimestre, vieram agravar ainda mais a situação. Más notícias chegam diariamente de todo o mundo.
Bancos: De mal, a pior
A notícia de que o Citigroup vai cortar impiedosamente nos seus apetecíveis dividendos, para conseguir mais fundos – cerca de USD 30 mil milhões/bilhões (mm/bi) -para financiar prejuízos ainda não anunciados, mas tidos como certos, despoletaram mais uma crise de confiança na saúde dos títulos bancários: Merrill Lynch (- 5,8 %); Bank of America (- 5,3 %); Countrywide Financial (- 7 %) ; E*Trade Financial (- 7,8 %). E o detonador da instabilidade, o Citigroup? As acções caíram com estrondo tal (- 6,9%) que se tem como quase certo o despedimento do seu CEO, Chuck Prince, logo que seja encontrado um substituto.
Em consequência, os analistas do Credit Suisse e do Morgan Stanley reviram em baixa as recomendações de investimento. Para os seus clientes usaram os rótulos “manter” ou “neutral”. No jargão bolsista, familiar entre os investidores com muita experiência e traquejo, estas palavras, na realidade, são sinónimas de “vender”. E, quanto mais depressa, melhor…
O afundanço na capitalização bolsista dos bancos espelhou-se de imediato nos resultados dos múltiplos índices que reflectem o comportamento macro dos mercados. O S&P 500 caíu 2.6 % (a maior queda desde a implosão da bolha imobiliária, em 9 de Agosto); o Nasdaq Composite (- 2.3 %) enquanto o centenário Dow Jones Industrial Average emagreceu 2.6 %. Outro índice importante, sobretudo em alturas de crise, Russell 2000 (acções de empresas com baixa capitalização bolsista) escorregou significativos 4%. Perante esta depressão generalizada a volatilidade do mercado disparou impressionantes 25%, em apenas um dia, segundo o índice CBOE Vix. Escassas 24 horas após o Fed ter baixado novamente as taxas de juro para animar os mercados, com dinheiro mais barato e novas injecções bilionárias, outra notícia ligou os alarmes.
Hiperinflação? Juros de dois dígitos? Altamente possível!
A caminhada do petróleo para um preço-alvo de 100 dólares/barril e as inesperadas notícias da gigante petrolífera ExxonMobil, sobre os seus modestos lucros (- 10%), o pior resultado desde 2004 , colocaram as acções num perigoso plano inclinado (-3,8%). Os investidores menos experientes ficaram atordoados. Então o boom do petróleo não dá gordos lucros às petrolíferas? A verdade é que, de facto, pode não dar. E tem lógica. Se a subida astronómica do petróleo continuar, como tudo indica, o efeito dominó desaba sobre a economia real e a crise revela-se sistémica: mais inflação, juros mais altos, menos consumo, menos investimentos, e, finalmente, o dólar transformado em submarino, perdido algures nas profundezas do oceano financeiro. A combinação destes factores, no espaço e no tempo, é sinónimo de uma amarga realidade: recessão.
Quão grave? Durante quanto tempo? Ninguém sabe. Os moderadamente optimistas acreditam que, talvez, em 2009 as coisas possam começar a melhorar. Os mais pessimistas estimam que, face à descontrolada injecção de papel moeda, sem cobertura de activos líquidos, como abundantes reservas de ouro, o sistema financeiro americano vai trautear durante uns longos anos (5, 7, 10?) uma canção de má memória, para qualquer banqueiro que se preze – “Don’t cry for me Argentina”. O que o mesmo é dizer hiper inflação, juros incomportáveis, consumidores e empresários desconfiados e deprimidos, fugas de capital para refúgios mais seguros, etc.
Se os analistas que sustentam que a bolsa americana “oculta outra bolha especulativa”, que faz com que a generalidade dos preços das acções esteja sobreavaliada (cerca de + 250%), através da cosmética financeira, contabilidade criativa, prejuízos ocultos, enormes dívidas não contabilizadas (aos fundos de pensões corporativos) – então as comparações com o colapso bolsista de 1929, não são um sinal de pessimismo. Menos ainda de alarmismo. São apenas a conjugação de bom senso com boa memória. Ou, se preferirem, o reflexo de um “optimismo experiente”.
Wall Street abana, a Broadway estremece
Pela 12.ª semana consecutiva o mercado ABCP – papel comercial garantido por activos – voltou a encolher. Sinal de que o financiamento de curto prazo das empresas está sob stress e que a falta de liquidez continua a ser um dos graves problemas do sistema financeiro, apesar das generosas ajudas do Fed. As acções de muitas empresas financeiras cotadas estão sob pressão. O índice financeiro S&P caiu 4,6%. Esta foi a maior queda desde Setembro de 2002. O índice que acompanha o segmento da banca de investimento ainda caiu mais (4,8%). As empresas especializadas em seguros de crédito deram um trambolhão de 4,6%, com a Radian, seguradora hipotecária, a desvalorizar-se 13,6%, após anunciar pesados prejuízos. O seu concorrente directo MGIC Investment caíu 11,6%, enquanto as seguradoras de obrigações municipais Ambac Financial e MBIA viram as suas cotações encolherem 19,7% e 11,6% respectivamente.
O contágio atingiu o sector da construção civil com a Dr. Horton a encaixar perdas de 4,1% e a Centex Homes, 5,6%. Infectou operadoras de telefonia celular como a Sprint Nextel, a n.º 3 nos EUA, cujos lucros emagreceram 77% no último trimestre e as acções baixaram 3%. Mesmo a CVS Caremark, a maior cadeia farmacêutica do país, apesar de ter registado gordos lucros no trimestre – quase 690 milhões de dólares acima das previsões dos analistas – viu as suas acções desvalorizarem-se 1,5%.
Ou seja, nem mesmo algumas boas notícias resistem ao pânico dos investidores. A tendência é desinvestir, fugir para aplicações mais seguras. Recorde-se que o ouro já ultrapassou a barreira dos USD 800/onça. Nada é mais revelador de um clima recessivo do que estas reacções em cadeia. Quando o medo se transforma em pânico, a recessão entra em cena e fica no palco por longo tempo. Quanto? Desta vez, como nos teatros da Broadway, a uns quantos quarteirões de Wall Street, os musicais e dramas (tragédias e comédias) prometem estar em cena, alguns anos. O problema é saber se vai haver dinheiro suficiente para os espectadores comprarem bilhetes…
Pedro Varanda de Castro
MRA – Departamento de Data Mining
Consultor