Londres continuava a negar ontem a existência de um acordo negociado para a libertação de Abdelbaset Ali al-Megrahi, o bombista de Lockerbie. Ao mesmo tempo, multiplicavam-se sugestões de que a realização de importantes contratos, em especial na área petrolífera, tinham pesado na decisão e o dirigente líbio, Muammar Kadhafi, agradecia o envolvimento do primeiro-ministro Gordon Brown e de membros da família real britânica no processo.
Megrahi cumpria uma pena perpétua, comutada para 27 anos de prisão, pelo seu envolvimento no atentado ao avião da Pan Am, que explodiu sobre a localidade escocesa de Lockerbie, em 1988, matando 270 pessoas.
“A ideia de que os Governos britânico e líbio acordaram a libertação do prisioneiro como parte de um negócio… é falsa, implausível e, de facto, ofensiva”, proclamava ontem o ministro do Comércio britânico, Peter Mandelson. Horas antes, surgira a revelação de que Kadhafi ao receber Al-Megrahi agradecera em directo na televisão do seu país ao “amigo” Gordon Brown, assim como “à Rainha de Inglaterra, Isabel II, e ao príncipe André (…) por terem contribuído (…) para esta histórica e corajosa decisão” do Executivo escocês (*).
Um dos filhos de Kadhafi, Seif al-Islam, dissera sexta-feira que sempre que se falou “de contratos comerciais, (…) com a Grã-Bretanha” o caso Megrahi “esteve à mesa das negociações”. No mesmo dia, o presidente da Câmara de Comércio líbio-britânica dissera à BBC que “os contratos [do petróleo] não tinham avançado tão rapidamente como esperado”, após a visita à Líbia de Tony Blair, em 2004, por causa da situação de Megrahi. Em 2007, Blair voltou à Líbia e pouco depois começou a ser negociado um acordo entre a petrolífera líbia e a britânica BP.
Actualmente, a BP tem acordos de exploração na costa e em território líbio avaliados em mais de 900 milhões de dólares. A Shell, que possui capitais britânicos, recebeu nos últimos anos várias licenças de exploração de gás.
Várias petrolíferas americanas, após o fim do embargo de Washington ao regime líbio, ganharam aqui concessões, com destaque para a ExxonMobil que investiu quase cem milhões de dólares na exploração offshore.
A confirmar-se a conexão entre a libertação do líbio – que continua a dizer-se inocente e ontem anunciava para breve a divulgação dessas provas – e a possibilidade de negócios com o regime de Tripoli, o caso não seria inédito.
A petrolífera italiana Eni detém importante presença na área dos petróleos, negociada a partir de 1998, quando Roma apresentou desculpas por violações dos direitos humanos na Líbia na II Guerra Mundial. Em 2008, Silvio Berlusconi assinou em Bengazi acordos de investimentos na ordem dos cinco mil milhões de dólares.
A arma económica foi usada pela Líbia também como instrumento de pressão sobre a Suíça. No dia do regresso de Megrahi a Tripoli, o Presidente da Confederação Hans-Rudolf Merz apresentava desculpas a Hannibal Kadhafi pela sua detenção, em Julho de 2008, acusado de maltratar dois funcionários de um hotel em Genebra.
De imediato, a Líbia tomou medidas de retaliação, como a detenção de dois empresários helvéticos, a suspensão de vistos a cidadãos deste país e – mais impor- tante – a suspensão do fornecimento de petróleo à Suíça.
Abel Coelho de Morais, Diário de Notícias
(*) O governo é britânico. O primeiro-ministro é escocês.
MRA Alliance/pvc